A IMPORTÂNCIA DA PRISÃO EM FLAGRANTE NO PROCESSO PENAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202507311340


Luiz Henrique da Silva Carvalho1


RESUMO 

A prisão em flagrante é um mecanismo essencial no sistema de justiça penal brasileiro,  funcionando como uma das principais formas de ingresso no sistema. Este trabalho explora os  conceitos, as fases e as espécies de prisão em flagrante, destacando sua relevância no processo  penal e no desempenho das funções atribuídas aos delegados de polícia. Prevista constitucionalmente, a prisão em flagrante flexibiliza direitos fundamentais, como a liberdade,  ao possibilitar uma privação de liberdade sem autorização judicial prévia em situações  excepcionais. A pesquisa evidencia que a formalização desta modalidade de prisão pelo  delegado de polícia, enquanto “primeiro garantidor de direitos”, requer extremo cuidado, pois  sua atuação define os rumos da persecução penal. Além disso, o estudo analisa o impacto da  prisão em flagrante na celeridade do processo penal, considerando que ela pode delimitar os  elementos probatórios de forma mais eficaz em comparação a outras formas de investigação,  como o inquérito policial. Também se discute a estrutura das Centrais de Flagrante da Polícia  Civil do Estado do Rio de Janeiro, cujo modelo organizacional reforça o papel central do  delegado na análise das situações de flagrante. Por fim, conclui-se que a prisão em flagrante,  ao mesmo tempo em que exige cautela para evitar arbitrariedades, constitui um instrumento  essencial para a efetividade do processo penal, atribuindo ao delegado um papel de destaque na  garantia dos direitos fundamentais e na aplicação da justiça. 

Palavras-Chave: Prisão em flagrante. Processo Penal. Delegado de Polícia. Primeiro Garantidor  de direitos.  

INTRODUÇÃO 

A prisão em flagrante é um dos temas mais debatidos para os que atuam na parte  criminal. Pode-se afirmar que é igualmente um dos poucos temas que toda a população (aqui  inclui-se os leigos) possui uma ideia do que seja. Afinal, o que é a prisão em flagrante e como  ela é importante no âmbito do processo penal?  

Ao longo do presente artigo foi debatido os conceitos, natureza jurídica, espécies e fases  da prisão em flagrante. Procurou-se trazer um embasamento doutrinário para que se chegasse  aos motivos que levam a prisão em flagrante como uma das principais válvulas que  impulsionam o processo penal a tramitar de forma célere a tutela jurisdicional.  

O produto deste trabalho reflete uma comparação da prisão em flagrante com outros  atos processuais que subsidiam o processo penal, com a finalidade de estabelecer um contraste  que permita a compreensão do porquê a prisão em flagrante otimiza e torna célere a ação  penal. 

Todo o trabalho foi pensado e realizado a partir de consultas à doutrina, legislação e da  experiência profissional empírica do autor, que é Delegado de Polícia Adjunto da Polícia Civil  do Estado do Rio de Janeiro e lotado na Central de Flagrantes há 11 meses.  

O objetivo do presente trabalho é trazer e demonstrar de forma clara a importância do  referido instituto no âmbito criminal e a consequente relevância que a incumbência legal de  lavrar os autos de prisão em flagrante traz ao cargo de Delegado de Polícia, que figura como o  primeiro agente público garantidor de direitos.

1. A PRISÃO EM FLAGRANTE 

A Constituição Federal estabeleceu diversos princípios que limitam o poder do Estado  de punir e interferir na vida dos cidadãos. Em matéria penal, têm-se os princípios da legalidade,  presunção de inocência, individualização da pena e intranscendência da pena, que funcionam  como uma limitação ao direito de punir do Estado.  

A Carta Maior traz a prisão em flagrante – o que demonstra a importância do tema – em  duas oportunidades: como exceção da inviolabilidade do domicílio e a possibilidade de prisão  sem prévia autorização judicial. Isso é, o flagrante delito (expressão utilizada pelo legislador  constituinte) é tão grave que é capaz de flexibilizar o exercício de alguns direitos fundamentais,  como o direito à liberdade e inviolabilidade do domicílio.  

É cediço que a atividade policial, conforme leciona Bruno Taufner Zanotti2, é a maior  porta de entrada do sistema penal, que por sua vez, comporta diversas formas de se ingressar.  Dentro delas, pode-se afirmar que a prisão em flagrante é a mais drástica e que exige o maior  cuidado pela autoridade policial, pois é a única (civil e em estado constitucional de  normalidade), que não depende de prévia autorização judicial.  

Dessa forma, exige-se do Delegado de Polícia3todo cuidado e atenção ao desempenhar  esse papel que flexibiliza um dos direitos fundamentais mais caros dos cidadãos: sua liberdade.  A prisão em flagrante tem como fundamento precípuo a visibilidade, isso é, a percepção  por alguém da prática de uma infração penal. E para que não se torne subjetivo o conceito do  que é ou não visível, o legislador elencou no artigo 302 do Código de Processo Penal todas as  hipóteses taxativas onde se caracteriza o flagrante delito, que serão oportunamente enumeradas  e explicadas no presente trabalho.  

1.1 Conceito, Natureza Jurídica, Fases e Espécies de Prisões em Flagrante 

O conceito de prisão em flagrante é quase unânime na doutrina, não tendo neste ponto  grandes debates acadêmicos, senão vejamos: 

A expressão ‘flagrante’ deriva do latim ‘flagraré (queimar), e ‘flagrans’, ‘flagrantis’  (ardente, brilhante, resplandecente), que, no léxico, significa acalorado, evidente,  notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma característica  do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida ou acabou  de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização judicial em virtude  da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo de autodefesa da própria  sociedade (Lima, 2022, p. 892). 

Renato Brasileiro destaca a origem etimológica da palavra flagrante e como ela é  importante para se definir o que seria essa espécie prisional, qual seja, algo visível, evidente,  certo. 

A etimologia da palavra flagrante refere-se à ardência, à crepitação, sugerindo a ideia  daquilo que está queimando. Sua utilização no processo penal apropriou-se do sentido  de instantaneidade (do fato), e, por isso, da ampla visibilidade que ele (flagrante)  oferece à pessoa que o presencia (Pacelli, 2020, p. 747). 

Eugênio Pacelli e Douglas Fischer mais uma vez destacam a importância da visibilidade  para a caracterização do flagrante delito. 

Tornou-se comum, na doutrina pátria, conceituar a prisão em flagrante a partir de sua cautelaridade e de sua evidência. Assim, segundo Tourinho Filho? atualmente está modalidade prisional “justifica-se como salutar providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria”. De outro lado, é de Carnelutti a lição mais repetida acerca da prisão em flagrante. Segundo este autor, “a expressão metafórica se refere à chama, a qual denota a certeza da combustão; quando se vê a chama, é indubitável que alguma coisa arde” (Zanotti, 2023, р. 351). 

Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos destacam a importância que a prisão em  flagrante possui para acautelar a prova da materialidade do fato e da respectiva autoria.  A partir da leitura dos três conceitos fornecidos por autores consagrados na doutrina  pátria, percebe-se um ponto convergente a respeito do que seria a prisão em flagrante. É aquilo  que se vê, notório, claro e evidente. Todas essas palavras, junto com a sistemática constitucional reforçam o que se debaterá ao longo do presente artigo: para prender uma pessoa em flagrante  é necessário o máximo de cautela possível. 

Não basta crer que é, tem que ser. E é justamente nesse ponto que reside a dificuldade  da autoridade policial ao apreciar as situações a ela apresentadas diariamente em uma Delegacia  de Polícia.

Ao contrário do conceito, a natureza jurídica da prisão em flagrante sempre foi objeto  de debate doutrinário: prisão administrativa, cautelar ou precautelar. 

Os defensores da primeira corrente, como Walter Nunes da Silva Júnior4, sustentam que  a natureza jurídica da prisão em flagrante é de ato administrativo tão somente, pois é desprovido  de natureza jurisdicional, e dessa forma, funciona apenas para deter o indivíduo a fim de que o  juízo decida por decretar a prisão preventiva ou não. 

Já os que entendem ser a prisão em flagrante de natureza cautelar, como Tourinho  Filho5, baseiam-se na ideia que junto com a prisão preventiva e a prisão temporária, o flagrante  é capaz de restringir a liberdade do indivíduo, levando-o ao cárcere mesmo que até a realização  da audiência de custódia. Isso porque 24 horas preso é tempo relevante juridicamente e suficientemente capaz de demonstrar a natureza de cautelar pessoal da prisão em flagrante. Por fim, atualmente é possível afirmar que a doutrina majoritária, por todos Luiz Flávio  Gomes6, entende que a prisão em flagrante possui natureza precautelar. Isso porque com a  entrada em vigor da Lei 12.403/11, que passa a prever que, recebido o auto de prisão em  flagrante e verificada sua legalidade, o juiz deverá optar por converter a prisão em flagrante em  preventiva ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança, impondo as medidas cautelares  diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP. Dessa forma, como a prisão em flagrante  coloca o preso à disposição da autoridade judicial para adoção de uma medida cautelar, tem-se  natureza precautelar. 

Bruno Taufner Zanotti7reconhece em sua obra uma instrumentalidade qualificada nessa  espécie prisional, pois serve de instrumento (prisão em flagrante) do instrumento (prisão  preventiva) do instrumento (processo penal). E é justamente a pedra de toque da  importância da prisão em flagrante para o processo penal.  

A doutrina costuma também citar as fases que compõem a prisão em flagrante, tal estudo  se mostra fundamental para o presente trabalho, pois importa em definir o momento exato, em  regra, da atuação do Delegado de Polícia. 

A prisão em flagrante é dividida em quatro fases: captura, condução coercitiva, lavratura  do auto de prisão em flagrante e recolhimento à prisão8. Em regra, a autoridade policial atua na  terceira fase, onde se faz a análise da tipicidade híbrida, isto é, qual crime o agente teria  praticado e em qual hipótese de flagrante estaria incidindo. 

Por fim, as espécies de prisão em flagrante estão previstas taxativamente no artigo 302  do Código de Processo Penal, vejamos: 

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: 
I – está cometendo a infração penal; 
II – acaba de cometê-la; 
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; 
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 

Apesar de não ser objeto do presente trabalho uma análise doutrinária a respeito das  minúcias que compõem o estudo das hipóteses de prisão em flagrante, faz-se necessária uma  breve explanação a respeito das suas espécies a fim de melhor entender sua importância para o  processo penal. 

Nos incisos I e II têm-se o denominado flagrante próprio. Essas são as hipóteses que  melhor traduzem a noção de flagrância delitiva. Isso porque o autor é preso quando do  cometimento do crime ou tendo acabado de cometê-lo. Nesses casos, a visibilidade e a certeza  do cometimento autorizam a segregação do infrator. Justamente por isso a doutrina as classifica  como próprias.  

Já o inciso III é classificado pela doutrina como flagrante impróprio ou irreal. Isso  porque não há visibilidade, e sim, uma ficção jurídica criada pelo legislador com parâmetros  que devem ser seguidos pelo Delegado de Polícia e autorizam a prisão do autor. Para sua  configuração, é necessário que o início da perseguição se dê imediatamente após a cessação da  atividade criminosa. É a perseguição imediata e contínua que autoriza a lavratura do auto de  prisão em flagrante pela autoridade policial. 

Por fim, o inciso IV é denominado flagrante presumido ou ficto. Há aqui também uma  ficção jurídica criada pelo legislador que traz elementos que indicam a prática anterior de um  crime. Essa é a hipótese que traz maior dificuldade para a autoridade policial, pois há um lapso  temporal maior entre a prática do crime e a sua captura. Nessa hipótese flagrancial, é necessário que o autor seja encontrado com algum elemento de prova diretamente relacionado ao crime  praticado, situação que o faz presumir ser o autor da infração. 

É possível perceber quando da análise das hipóteses taxativas de flagrante definidas pelo  legislador, um certo escalonamento crescente de risco para a autoridade policial no momento  em que a analisa. Isso porque do flagrante próprio para o presumido há um declínio de certeza  e visibilidade que dificultam a atuação do Delegado de Polícia. 

Pois bem. Feita essa análise – embora superficial, considerando a quantidade de escrito  sobre o tema – doutrinária e legal a respeito da prisão em flagrante. Passa-se ao escopo do  presente trabalho: a demonstração da importância dessa espécie prisional para o processo penal. 

1.2 As Formas de Subsidiar um Processo Penal e a Importância da Prisão em Flagrante 

É sabido que o processo penal é o instrumento pelo qual a parte acusadora – Ministério  Público ou ofendido – tem de provocar o Estado a dizer o direito no caso concreto. Na ação  penal pública, o processo se inicia a partir da denúncia oferecida pelo Ministério Público,  enquanto na ação penal de iniciativa privada, há a queixa-crime. 

A doutrina (por todos, Alexandre Câmara9) costuma apontar as seguintes condições da  ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir, interesse de agir e justa causa.  Há também condições específicas da ação penal, como por exemplo, a necessidade de  representação da vítima em alguns crimes.  

A questão que aqui se coloca é a seguinte: quais as formas de subsidiar e levar ao  conhecimento do órgão titular da ação penal a prática de algum crime? Não há a necessidade  de se passar por uma fase anterior. Chegando ao conhecimento do órgão ministerial, estando  presentes todas as condições, haverá a propositura da referida denúncia.  

Apesar de não ter a necessidade de um procedimento de investigação formal, é cediço  que na maioria dos casos, o processo penal é subsidiado por uma investigação penal: inquérito  policial (presidido pela autoridade policial) ou o procedimento investigatório criminal  (presidido pelo membro do ministério público). Essas são as formas mais comuns dentro da  prática forense de dar azo a uma ação penal. 

Em um inquérito policial é possível realizar uma infinidade de diligências para se chegar  a autoria e materialidade de um crime. A título de exemplo, pode-se citar oitiva de testemunhas, análises de relatórios de inteligência financeira, busca e apreensão de coisas e objetos  relacionados a crimes, interceptação telefônica, análise de imagens da ação, cruzamento de  dados de inteligência, análise de vínculo, etc. 

A investigação penal – aqui dita em lato sensu – é composta de diversos atos e  diligências a critério da autoridade policial. E a base legal para tanto é o artigo 6º, inciso III do  Código de Processo Penal, que possui a seguinte redação: “Art. 6º Logo que tiver conhecimento  da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: III – colher todas as provas que  servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.” 

Assim como a investigação pode vir a demorar, o processo penal que a sucederá tende  a tomar o mesmo rumo. Isso ocorre em razão de em regra o inquérito policial não produzir  prova. Dessa forma, todos os indícios coletados na fase de investigação serão posteriormente  debatidos sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, o que tende a tornar mais morosa a  ação penal. 

Outro modo igualmente comum de se subsidiar um processo penal é a prisão em  flagrante, formalizada por meio do auto de prisão em flagrante (APF). E essa assume papel  extremamente importante, na medida em que há ali, a partir da lavratura do procedimento pela  autoridade policial, todos os elementos suficientes para a propositura da denúncia por parte do  Ministério Público.  

Diferente do inquérito policial, o APF tende a tornar o processo penal por ele iniciado  mais célere. Isso se dá devido a sua própria natureza jurídica e legal, qual seja, a existência de  um crime cometido em estado flagrancial e a brevidade dos prazos no processo penal com réu  preso. 

A robustez da prisão em flagrante é fundamentada na visibilidade do agente de  segurança pública que efetuou a captura ou da testemunha que viu a infração penal e acionou a  Polícia Militar e a consequente lavratura por parte da autoridade policial. E é essa evidência – somado ao fato de que muitas vezes o acusado está preso preventivamente – que faz com que todo  o processo penal tramite de maneira mais rápida (muitas vezes) para uma condenação. 

O auto de prisão em flagrante é capaz de delimitar toda a matéria probatória da futura  ação penal: testemunhas e fatos. Diferente de um processo penal subsidiado por uma  investigação que pode vir a ser extensa e por isso sofrer diversos tipos de contestação por parte  da defesa técnica do réu. 

Por exemplo, em um processo penal subsidiado por um inquérito policial onde foi  realizada uma interceptação telefônica, a defesa pode vir a discutir a legalidade do referido meio de obtenção de prova. Cada diligência tomada é capaz de ser contestada por parte do  advogado do réu.  

Diferente do processo iniciado a partir de um auto de prisão em flagrante, em que as  possibilidades de defesa técnica de um réu preso em flagrante são muito menores se comparadas  a de um réu objeto de investigação por meio de uma investigação penal. Isso porque contestar  a visibilidade de uma testemunha que presenciou o crime ou que estava e uma daquelas hipóteses taxativas previstas na legislação processual penal são bastante reduzidas. Com isso, o  processo penal acaba por caminhar mais rápido. 

A consequência prática nisso tudo é a enorme responsabilidade que o Delegado de  Polícia tem quando se depara com uma prisão-captura de um indivíduo. Pois é este agente  público que poderá definir qual rumo a persecução penal tomará: se será preso, denunciado e  processado de uma forma mais célere; se será instaurada uma investigação para melhor apurar  os fatos trazidos ao seu conhecimento ou até mesmo a possibilidade de reconhecimento de uma  atipicidade penal, em razão de alguma causa excludente de ilicitude. 

1.3 As Centrais de Flagrante da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e o Delegado de Polícia Como Primeiro Garantidor de Direitos 

Como já dito no introito, que a atividade policial é a maior porta de entrada do sistema  penal. Com isso, considerando que no cotidiano policial é frequente a quantidade de vezes em  que há a realização da prisão-captura pelos agentes de segurança pública, a Secretaria de Estado  de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (SEPOL/RJ) criou as centrais de flagrante por  meio da Portaria PCERJ nº 91 de 31 de outubro de 1995 (posteriormente revogada pela Portaria PCERJ 147 (antiga 035) de 01 de novembro de 1996). 

A Portaria supracitada em seu artigo 3º, inciso IV trazia uma das atribuições da Central  de Flagrantes, veja-se: 

Art. 3º – Competirá às Centrais de Flagrante, durante todo o serviço de plantão, especialmente fora do horário de expediente (nos dias úteis), nos sábados, domingos e feriados, executar as seguintes tarefas e atos de polícia judiciária: 
IV – lavrar autos de prisão em flagrante, apreensão de adolescentes (quando não for atribuição da DPCA), apreensão, entrega e depósito, termos de declarações e depoimentos, etc., e todos os demais atos, inclusive administrativos, necessários a formalização das ocorrências policiais verificadas nas UPAJ’ s integradas;

Apesar da sua revogação, essa continua a ser a principal atribuição das Centrais de  Flagrantes existentes no âmbito da SEPOL/RJ: a lavratura dos autos de prisão em flagrante e  apreensão de adolescentes em conflito com a lei. Sobre esse último ponto, é preciso fazer um  comentário: É sabido que o adolescente em conflito com a lei possui uma legislação diferente  quando se trata da prática de infração penal. A lei 8.069/90 trata o flagrante de ato infracional  nos seus artigos 171 e seguintes.  

A não liberação do adolescente infrator está diretamente relacionada aos requisitos  previstos no artigo 174 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam, a gravidade do ato  infracional e sua repercussão social e a garantia da segurança pessoal ou manutenção da ordem  pública. 

O que difere dos requisitos para os adultos, onde o Delegado de Polícia só poderá liberar  o preso em flagrante delito nas infrações penais cuja pena máxima não seja superior a 04  (quatro) anos mediante o arbitramento de fiança.  

Malgrado a diferença no que se refere a não liberação do adolescente em conflito com  a lei se comparado ao adulto, para apreender em flagrante delito um adolescente em conflito  com a lei, deve-se observar a tipicidade híbrida aqui já exposta, qual seja, a existência da prática  de um ato infracional análogo a crime e a presença de uma das hipóteses taxativas de flagrante  previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal.  

Por essa razão, tudo o que aqui foi dito com relação ao processo penal do adulto pode  ser aplicado à sistemática dos atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do  Adolescente. A mesma importância e celeridade que se dá a prisão em flagrante no âmbito do  processo penal é vista no processo de apuração de atos infracionais. 

Feito esse comentário sobre a apreensão dos adolescentes em conflito à lei, continua-se  a falar sobre a organização interna da SEPOL/RJ a respeito do tema. 

A central de flagrante funciona em uma determinada Delegacia de Polícia e é  responsável pela apreciação e lavratura de todas prisões-capturas realizadas por agentes de  segurança em uma determinada área (que abrange diversas Delegacias de Polícia). A título de  exemplo, a 12ª Delegacia de Polícia (Copacabana) é responsável, além da sua área, pela lavratura das prisões em flagrante que acontecerem nas áreas da 09ª Delegacia de Polícia  (Catete), 10ª Delegacia de Polícia (Botafogo) e 13ª Delegacia de Polícia (Copacabana).  Em cada unidade de polícia judiciária que funciona como central de flagrante, há um  Delegado de Polícia Adjunto que fica responsável pela apreciação de todas as ocorrências em  tese flagranciais a ele apresentadas. Dessa forma, há uma organização interna que permite a apresentação de toda a condução e/ou captura de pessoas para a apreciação pela autoridade  policial.  

Com essa estrutura, a SEPOL/RJ permite que a autoridade policial aprecie as  ocorrências a ela apresentadas de forma célere e cuidadosa, o que traz ao referido instituto  eficiência. O que poderia não ocorrer, em não havendo a designação de uma função específica  para essa finalidade. 

A organização interna da SEPOL/RJ permite que haja uma autoridade policial cuja  função principal – dentre as suas atribuições – é a apreciação de prisões-capturas. E é por isso  que ao Delegado de Polícia é dado o “título” de primeiro garantidor dos direitos fundamentais  no âmbito da persecução penal e principalmente no âmbito da prisão em flagrante. 

Não obstante o acerto da SEPOL em se ter uma função específica no cargo de Delegado  de Polícia para a apreciação das situações flagranciais a ele apresentadas, a forma atualmente  existente merece algumas críticas. Isso porque não há central de flagrantes em cada Unidade de  Polícia Judiciária, o que se tem é uma Delegacia de Polícia responsável pela lavratura de prisões  em flagrante de uma determinada área.  

Isso faz com que o Delegado de Polícia adjunto tenha que apreciar algumas ocorrências  de maneira remota num primeiro momento, o que atrasa todo o procedimento em sede policial.  Há também um assoberbado de trabalho para a autoridade policial e a sua equipe, pois ficam  responsáveis por uma área extensa, o que prejudica a qualidade do trabalho e a saúde física e  mental dos policiais. 

A solução para isso seria a criação de uma central de flagrantes em cada Delegacia de  Polícia, pois isso traria uma maior celeridade e qualidade para o trabalho. O que sabidamente e  infelizmente esbarra em um problema crônico do Estado do Rio de Janeiro: o déficit de policiais  civis. 

Independentemente do modelo adotado, a autoridade policial no exercício do seu múnus  constitucional é incumbida de analisar toda a situação fática a ele apresentada à luz do  ordenamento jurídico pátrio e decidir sobre a privação ou não da liberdade do indivíduo. Por  essa razão, entende-se que é o primeiro garantidor dos direitos fundamentais.  

No auto de prisão em flagrante, antes do Delegado de Polícia não há a atuação  garantidora – via de regra – de outro agente público. Ao apreciar a ocorrência trazida por  agentes de segurança, garante-se que o cidadão conduzido terá necessariamente todas as  garantias legais e constitucionais preservadas e só será preso em flagrante se incorrer de fato na  prática de um crime nas hipóteses previstas na legislação processual penal.

É essa garantia que no âmbito desta prisão precautelar o Delegado de Polícia traz a toda  a sociedade. 

CONCLUSÃO 

A prisão em flagrante ocupa um papel central no sistema de justiça criminal brasileiro,  representando não apenas uma das principais formas de ingresso no sistema penal, mas também  um instrumento que impõe desafios significativos ao equilíbrio entre a garantia dos direitos  fundamentais e a necessidade de combate à criminalidade. Este trabalho destacou a relevância  da prisão em flagrante como medida excepcional que, ao flexibilizar direitos fundamentais  como a liberdade, exige um nível de responsabilidade elevado da autoridade policial. 

Ao longo do estudo, foi demonstrado que o delegado de polícia desempenha uma função  imprescindível na formalização e na análise jurídica das prisões em flagrante. Atuando como  “primeiro garantidor de direitos”, o delegado de polícia é o agente público responsável por  assegurar que os elementos apresentados pelas forças de segurança atendam aos critérios legais  e constitucionais. Essa responsabilidade transcende a mera formalização dos autos de prisão em  flagrante, exigindo uma análise criteriosa da tipicidade, da legalidade e da proporcionalidade,  garantindo que apenas situações juridicamente amparadas resultem na privação de liberdade do  indivíduo. 

Ademais, a pesquisa revelou que a prisão em flagrante, ao contrário de outros  instrumentos como o inquérito policial, confere celeridade ao processo penal ao apresentar  elementos probatórios mais robustos e de rápida verificação. Isso reforça a necessidade de uma  atuação qualificada do delegado de polícia, cujo discernimento pode definir os rumos da  persecução penal e, por extensão, a eficiência do sistema de justiça criminal. 

A análise das Centrais de Flagrante da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro  demonstrou que a estrutura organizacional da SEPOL/RJ foi pensada para otimizar o trabalho  do delegado de polícia no contexto flagrancial, concentrando a análise jurídica e técnica em  unidades específicas. Essa organização evidencia a relevância estratégica da autoridade policial  como elo entre a fase investigativa e a fase judicial, especialmente em um cenário que demanda  respostas rápidas, mas juridicamente fundamentadas. 

Em suma, o estudo reafirma que a prisão em flagrante é um instituto essencial para o  processo penal brasileiro, e o delegado de polícia, ao exercer seu papel com rigor técnico e compromisso ético, emerge como figura central na garantia de direitos fundamentais e na busca  pela justiça. Seu papel não apenas define os rumos de vidas de cidadãos, mas também fortalece  a credibilidade e a efetividade do sistema penal como um todo. Por isso, uma atuação diligente  e criteriosa é crucial para a consolidação de um sistema de justiça criminal mais eficiente, justo  e garantidor dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna. 


2Zanotti, Bruno Taufner Delegado de Polícia: Teoria e Prática / Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos – 8.ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, р. 349 
3O delegado de polícia é o servidor público responsável por dirigir delegacias, presidir investigações criminais e  aplicar medidas legais previstas no inquérito policial, como condução de oitivas, expedição de intimações e  representações ao Poder Judiciário. É uma autoridade policial dotada de poder discricionário para interpretar os  fatos apresentados, promover a coleta de provas e decidir os encaminhamentos iniciais de ocorrências criminais,  sempre sob os limites da lei.
4JÚNIOR, W. N. S. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro:  Renovar, 2008. p. 880 
5TOURINHO FILHO, F. C. Processo Penal. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 464
6GOMES, L.F.; MARQUES, I. L. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 89 
7ZANOTTI, B. T. Delegado de Polícia: Teoria e Prática / Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos – 8.ed.,  rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, р. 351
8Num primeiro momento, o agente encontrado em situação de flagrância é capturado, de forma a evitar que  continue a praticar o crime. Ato contínuo, o agente é conduzido coercitivamente à presença da autoridade policial  para que sejam adotadas as providências legais. A lavratura é a elaboração do auto de prisão em flagrante, no qual  são documentados os elementos sensíveis existentes no momento da infração. Por fim, a detenção é a manutenção  do agente no cárcere (Lima, 2020, p. 1028).
92022. O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. Imprenta: São Paulo, Atlas, 2021

REFERÊNCIAS  

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:  Senado Federal, 1988. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em:  13 nov. 2024. 

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em:  13 nov. 2024. 

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do  Adolescente. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso  em: 14 nov. 2024. 

GOMES, L. F.; MARQUES, I. L. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de  4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 89 

JÚNIOR, W. N. S. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo  penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 880 

LIMA, R. B. Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 11. Ed.  Ver., ampl. E atual.- São Paulo: Ed. Juspodivm, 2022, p. 892 

PACELLI, E. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência / Eugênio  Pacelli, Douglas Fischer. – 12. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 747 

RIO DE JANEIRO. Polícia Civil. Portaria nº 91, de 31 de outubro de 1995. Regulamenta as  Centrais de Flagrante no âmbito da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.  Disponível em: https://intrapol.pcivil.rj.gov.br/portarias/port-1995/portaria091.asp. Acesso  em: 14 nov. 2024. 

TOURINHO FILHO, F. C. Processo Penal. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p.  464 

ZANOTTI, B. T. Delegado de Polícia: Teoria e Prática / Bruno Taufner Zanotti e Cleopas  Isaías Santos – 8.ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, р. 351


1Bacharel em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Delegado de Polícia Civil do Estado do  Rio de Janeiro.