Autores:
Juliana Silva de Almeida1, Tiago Bastos Taboada1, Heloisa Faria de Oliveira Taboada2, Carolinne Baitelli do Carmo Neves3,4, Thiago da Silva Rocha Paz, PhD5,6
1Faculdade de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
2Faculdade de Medicina de Petrópolis – FMP
3Associação Brasileira de Fisioterapia Neurofuncional – ABRAFIN
4Associação dos fisioterapeutas do estado do Rio de Janeiro – AFERJ
5Programa de Pós Graduação em Educação Física da Escola de Educação Física e Desportos – Universidade Federal do Rio de Janeiro
6Grupo de estudos na doença de Parkinson – GEDOPA/ UFRJ
Autor correspondente:
Nome: Thiago da Silva Rocha Paz
Endereço: Rua Visconde de Pirajá 547, sala 510, Ipanema, Rio de Janeiro – RJ, Brasil. CEP: 22410-003
E-mail: thiagosrpaz@hotmail.com
Telefone: + 55 21 980292641
Histórico evolutivo da fisioterapia e seus avanços
A Fisioterapia vem expandindo seus horizontes e ganhando espaço e prestígio na sociedade à medida que a população reconhece o valor da sua prática e a mudança positiva na vida de indivíduos que passam por alguma condição de saúde, como por exemplo, as doenças neurológicas. No Brasil a divisão em especialidades, visa melhor atender pacientes com características e comprometimentos similares. A partir da década de 40, grandes pesquisadores como Berta e Karel Bobath, Margaret Rood, Herman Kabat e Maggie Knott alavancaram a fisioterapia neurofuncional com abordagens que enfatizavam a causa central do distúrbio do movimento, deixando de ser apenas técnicas puramente ortopédicas, e oferecendo novas perspectivas àqueles com algum comprometimento do sistema nervoso(1). Desde então, a aplicação de modalidades e técnicas fisioterapêuticas se modificam e cada vez se integram mais. Da mesma forma, a Terapia Manual Ortopédica (TMO) se desenvolveu no sentido da integração de sistemas visando o tratamento de afecções neuromusculoesqueléticas(2). Seu raciocínio se inicia com James Mennell e Edger Cyriax, dois médicos que fundaram a Sociedade Licenciada de Fisioterapia e lá ensinavam as bases da medicina manipulativa. Esse legado foi transmitido a seus filhos, John Mennell e James Cyriax que foram mentores de grandes nomes da fisioterapia como Brian Mulligan com sua teoria da falha posicional, Robin McKenzie e o autotratamento, Freddy Kaltenborn com enfoque no formato da superfície articular, Geoffrey Maitland e o comportamento dos sintomas. Ao longo do tempo, a TMO, passou de técnicas focadas em afecções puramente musculoesqueléticas e passou a considerar também o tecido nervoso, com destaque para as teorias de tensão neural e neurodinâmica de Robert Elvey, David Butler, Michael Shacklock e Michel Coppieters e, finalmente, os conceitos de educação em neurociência da dor e imagética motora graduada de Louis Gifford, David Butler, Lorimer Moseley e Jo Nijs(3).
Sob a ótica desses conceitos e com a evolução do cuidado, as abordagens focadas em sistemas únicos se tornam práticas em defasagem e não integralizadoras, acompanhando um pensamento biomédico ultrapassado em detrimento de um modelo biopsicossocial(4), centrado na pessoa. Seguindo o raciocínio advindo da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), na qual ao considerarmos um indivíduo e sua condição de saúde, devemos nos atentar para três domínios principais, funções/estruturas corporais, atividade e participação, sendo afetados por fatores contextuais, dificilmente teremos um tratamento baseado em um sistema isolado(5). Ao pensarmos tanto em doenças neurológicas quanto naquelas ditas puramente ortopédicas, é necessário que tenhamos um olhar mais abrangente, pois estas condições podem culminar em alterações em múltiplos sistemas.
Raciocínio integrativo neuro-ortopedia
As patologias do sistema nervoso tendem a evoluir com desarranjos, disfunções e/ou alterações posturais que afetam diretamente o sistema músculo-esquelético(6,7). Para exemplificar, a Doença de Parkinson (DP) é caracterizada também por seus sinais motores, denominados tétrade parkinsoniana, onde se evidenciam a rigidez, bradicinesia, tremor de repouso e instabilidade postural. Indivíduos com a DP tendem a diminuir seu comprimento de passada, fazendo um deslocamento anterior do centro de massa, adotando uma postura de hipercifose torácica, condição que irá dificultar sua flexão de ombro, levando a impactos diretos nas atividades de vida diária e impactando em sua participação(8,9,10). Tratar indivíduos com a DP pensando puramente em seus aspectos neurológicos, pode limitar uma abordagem nas questões músculo-esqueléticas. Ao avaliarmos um indivíduo pós acidente vascular cerebral (AVC), é comum também identificarmos diminuição de força em um dimídio, muitas vezes acompanhada de dificuldade na dorsiflexão, comprometendo a marcha e então, suas atividades e participação. Essa condição tem sido associada a redução de aproximadamente 50% da amplitude de movimento da articulação talocrural, levando então ao comprometimento do equilíbrio e sua independência durante a caminhada(11,12).
Diversas condições clínicas neurológicas que cursam com alterações nos diversos domínios da CIF, podem ser impactadas positivamente quando além da abordagem neurofuncional específica e adequada para cada paciente, se associam o olhar ortopédico e conceitos e técnicas ditas da Fisioterapia Ortopédica. Na tabela 1 estão exemplificadas situações clínicas comuns em vários consultórios e clínicas de fisioterapeutas neurofuncionais, que podem se beneficiar da junção com a fisioterapia ortopédica. Esse olhar mais amplo já vem demonstrando resultados superiores a apenas a implementação do tratamento neurofuncional tradicional como quando implementa-se a técnica de mobilização com movimento (MWM) do Conceito Mulligan para a melhora da amplitude de movimento de dorsiflexão de tornozelo em indivíduos que passaram por episódio de AVC, associada ao tratamento neurofuncional. Interessante perceber não só a melhora da mobilidade articular, mas como essa melhora impacta positivamente em desfechos funcionais de extrema relevância, como descarga de peso e equilíbrio(11,12).
Tabela 1 – Olhar da Fisioterapia Neurofuncional e Ortopédica para os mesmos comprometimentos motores
Condição | Estrutura e Função | Atividades | Participação | Estratégia pela Fisioterapia Neurofuncional | Estratégia pela Fisioterapia Ortopédica |
AVC | Diminuição de dorsiflexão | Descer escadas/ caminhar | Caminhar no shopping/ subir e descer escadas no local de trabalho | Fortalecimento de musculatura dorsiflexora/ adequação do tônus da musculatura plantiflexora | Mobilização articular da região tibiotalar, com ênfase em posteriorização de tálus |
Doença de Parkinson | Hipercifose torácica | Pegar objetos em armários altos/ vestir camisas | Andar de ônibus e metro em pé/ experimentar roupas em lojas | Fortalecimento de flexores de ombros/ treino de alcance funcional acima da cabeça | Mobilização póstero-anterior central em coluna torácica/ mobilização com movimento de extensão de coluna |
Ataxia cerebelar | Limitação de amplitude de movimento de flexão e rotação interna de quadril/ dor para fletir o quadril | Colocar calças/ sentar e levantar | Ir ao banheiro de restaurantes (tirar e colocar a calça)/ sentar no banco da igreja | Treino de controle motor de cintura pélvica/ controle postural sentado | Decoaptação da articulação coxofemoral/ liberação de músculo iliopsoas |
Paralisia facial periférica | Fraqueza muscular em hemiface acometida/ hiperatividade muscular em hemiface não acometida | Comer/ escovar os dentes | Almoçar fora de casa com a família/ tirar fotos com amigos | Imagética motora/ treino de recrutamento muscular | Mobilização articular de coluna cervical alta/ liberação de músculo temporal |
Considerações finais
Quando analisamos a tabela 1 o raciocínio que integra a visão ortopédica em algumas doenças neurológicas, faculta um olhar mais amplo para uma mesma limitação de atividade e restrição de participação. Todavia esse raciocínio, que embasado pela plausibilidade biológica surge, merece um olhar mais atento por parte de pesquisadores, mas sem dúvida abre um novo horizonte para fisioterapeutas clínicos, que precisam sempre buscar o crescimento de sua bagagem teórico-prática para melhor atender seus pacientes.
Entendemos então, que estudar e se aprimorar no raciocínio da fisioterapia ortopédica pode ampliar as possibilidades terapêuticas de fisioterapeutas neurofuncionais, o que irá repercutir em uma melhor qualidade de atendimento e aumento das possibilidades de tratamentos para situações comuns em pacientes neurológicos.
Referências
1- Galea MP. Physical modalities in the treatment of neurological dysfunction. Clin Neurol Neurosurg. junho de 2012;114(5):483–8. http://doi.org/10.1016/j.clineuro.2012.01.009
2- International Federation Oforthopaedic Manipulative Physical Therapists (IFOMPT) Inc. Educational Standards In Orthopaedic Manipulative Therapy. Part A: Educational Standards. 2016. Disponível em: https://www.ifompt.org/site/ifompt/IFOMPT%20Standards%20Document%20definitive%202016.pdf. Acesso em: 06 de junho de 2021.
3- Maheu E, Chaput E, Goldman D. Conceptos e historia de la terapia manual ortopédica. EMC – Kinesiterapia – Medicina Física. agosto de 2014;35(3):1–11. http://doi.org/10.1016/s1293-2965(14)68175-5
4- Jull G. Biopsychosocial model of disease: 40 years on. Which way is the pendulum swinging? Br J Sports Med. agosto de 2017;51(16):1187–8. http://doi.org/10.1136/bjsports-2016-097362. Epub 2017 Jan 6. PMID: 28062465.
5- World Health Organization. How to use the ICF: A practical manual for using the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Exposure draft for comment. October 2013. Geneva: WHO.
6- MacKinnon CD. Sensorimotor anatomy of gait, balance, and falls. In: Handbook of Clinical Neurology [Internet]. Elsevier; 2018 [citado 15 de junho de 2021]. p. 3–26. http://doi.org/10.1016/B978-0-444-63916-5.00001-X. PMID: 30482322; PMCID: PMC7069605.
7- Neural mobilization: treating nerve-related musculoskeletal conditions. J Orthop Sports Phys Ther. setembro de 2017;47(9):616–616. http://doi.org/10.2519/jospt.2017.0509. PMID: 28859590.
8- Evans JR, Mason SL, Williams-Gray CH, Foltynie T, Brayne C, Robbins TW, et al. The natural history of treated Parkinson’s disease in an incident, community based cohort. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1o de outubro de 2011;82(10):1112–8. http://doi.org/10.1136/jnnp.2011.240366. Epub 2011 May 18. PMID: 21593513.
9- Ascherio A, Schwarzschild MA. The epidemiology of Parkinson’s disease: risk factors and prevention. The Lancet Neurology. novembro de 2016;15(12):1257–72. https://doi.org/10.1016/S1474-4422(16)30230-7
10- de Lau LM, Breteler MM. Epidemiology of Parkinson’s disease. The Lancet Neurology. junho de 2006;5(6):525–35. https://doi.org/10.1016/S1474-4422(06)70471-9
11- Chang-Man, An; Shin-Ok, Jo. Effects of Talocrural Mobilization with Movement on Ankle Strength, Mobility, and Weight-Bearing Ability in Hemiplegic Patients with Chronic Stroke: A Randomized Controlled Trial. J Stroke Cerebrovasc Dis. janeiro de 2017;26(1):169–76. http://doi.org/10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2016.09.005
12- Park D, Lee J-H, Kang T-W, Cynn H. Effects of a 4-week self-ankle mobilization with movement intervention on ankle passive range of motion, balance, gait, and activities of daily living in patients with chronic stroke: a randomized controlled study. J Stroke Cerebrovasc Dis. dezembro de 2018;27(12):3451–9. http://doi.org/10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2018.08.010. Epub 2018 Sep 5. PMID: 30193809.