REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202409301423
Clécia Ribeiro da Silva1,
Edson José de Souza Júnior2,
Stéphany Gutierrez Costa Ferreira3
RESUMO
Este artigo propõe uma análise aprofundada da problemática da violência escolar, com foco no bullying e cyberbullying, e explora as possibilidades de intervenção por meio dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz. Com o intuito de demonstrar a relevância dessas práticas como políticas públicas colaborativas, a pesquisa concentra-se na criação de um ambiente escolar seguro e propício ao desenvolvimento humano integral, alinhado com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 (Educação de Qualidade) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficientes). O presente artigo visa responder a seguinte questão: Como a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz pode ser configurada como uma política pública eficaz para a redução da violência no ambiente escolar? O objetivo geral é demonstrar a importância de prevenir e reprimir o bullying e o cyberbullying nas relações no sistema de educação básica, visando criar um ambiente escolar seguro que favoreça o desenvolvimento humano integral e o cumprimento das metas da Agenda 2030, em especial as metas vinculadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 e 16. A metodologia adotada consiste em uma revisão bibliográfica e para a construção do corpus teórico, foram privilegiados autores que discutem a aplicação dos círculos de justiça restaurativa e construção de paz, tais como Evans e Vaandering (2018), Felizardo (2017), Moreira (2024), Moreira e Souza Júnior (2024), Neves (2016), Pranis (2010), Santos e Souza Júnior (2023), Silva (2017), Souza (2020) e Zehr (2008), dentre outros. Na seção de análise e discussão dos resultados, são descritas as políticas públicas colaborativas existentes e é examinada a implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa em escolas, avaliando seus impactos na redução da violência e na promoção de um ambiente mais pacífico e seguro. Também são discutidas a necessidade de articulação entre o Poder Judiciário Goiano e a sociedade civil, o que está acontecendo a partir do projeto Pilares. Por fim, são consideradas algumas ações que podem contribuir para o alcance dos ODS 4 e 16, e são sugeridas recomendações para a formulação de políticas públicas preventivas na prevenção e redução da violência no ambiente escolar. O artigo conclui com sugestões para futuras pesquisas e o desenvolvimento contínuo de práticas restaurativas e cultura de paz, dentro e fora do contexto educacional.
Palavras-chave: Círculos de Justiça Restaurativa, Construção de Paz, Políticas Públicas, Combate ao bullying e cyberbullying, redução da violência escolar, ODS.
1. INTRODUÇÃO
A violência no ambiente escolar, em especial o bullying e o cyberbullying, representa um desafio significativo para a promoção de um ambiente educacional seguro e propício ao desenvolvimento integral dos estudantes. Diante dessa problemática, torna-se essencial explorar estratégias eficazes de intervenção que possam contribuir para a redução dessas formas de violência e para a promoção da paz e da justiça nas instituições de ensino. Nesse contexto, os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz surgem como alternativas promissoras, capazes de transformar as dinâmicas de conflito e promover a resolução pacífica de disputas no ambiente escolar.
A implementação dessas práticas como políticas públicas colaborativas pode não apenas contribuir para a redução da violência, mas também para a construção de um ambiente escolar mais acolhedor, inclusivo e seguro. Alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 e 16, que visam garantir uma educação de qualidade e promover a paz, a justiça e instituições eficientes, a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz se mostra fundamental para o alcance dessas metas.
O presente artigo pretende responder à seguinte questão norteador: Como a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz pode ser configurada como uma política pública eficaz para a redução da violência no ambiente escolar? E o objetivo geral deste ensaio é demonstrar a importância de prevenir e reprimir o bullying e o cyberbullying nas relações no sistema de educação básica, visando criar um ambiente escolar seguro que favoreça o desenvolvimento humano integral e o cumprimento das metas da Agenda 2030, em especial as metas vinculadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 e 16.
Para tanto, neste artigo, propomos uma análise aprofundada da problemática da violência escolar, com foco no bullying e cyberbullying, e exploramos as possibilidades de intervenção por meio dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz. Nos próximos tópicos, serão apresentados o referencial teórico que embasa essa discussão, os resultados e discussões obtidos a partir da análise das políticas públicas colaborativas existentes e a implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa em escolas, bem como as conclusões e recomendações para a formulação de políticas públicas preventivas na prevenção e redução da violência escolar.
A violência no ambiente escolar é um problema global que afeta não apenas os estudantes, mas toda a comunidade educativa. Diversas formas de violência, como o bullying e o cyberbullying, têm impactos negativos no clima escolar e no bem-estar dos alunos, comprometendo o direito a um ambiente seguro e propício ao aprendizado. Nesse contexto, a implementação de políticas públicas colaborativas, como os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, surge como uma abordagem promissora para prevenir e reduzir a violência escolar, promovendo a cultura de paz e a resolução pacífica de conflitos.
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a eficácia dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz como políticas públicas para a redução da violência no ambiente escolar. Ao abordar a problemática do bullying e do cyberbullying, busca-se demonstrar a importância de criar um ambiente escolar seguro que favoreça o desenvolvimento humano integral dos alunos, alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 (Educação de Qualidade) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficientes).
A violência escolar, em suas diversas manifestações, representa um desafio para a comunidade educativa e a sociedade como um todo. A aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz visa não apenas à prevenção da violência, mas também à promoção de um ambiente escolar inclusivo, pacífico e seguro, onde os alunos possam se desenvolver plenamente e exercer seus direitos fundamentais.
2. METODOLOGIA
A metodologia adotada para a realização deste estudo envolveu uma revisão bibliográfica sobre o tema do bullying, cyberbullying, violência escolar, Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, políticas públicas, ODS 4 e ODS 16. Além disso, foram analisados documentos normativos pertinentes à temática, a fim de embasar as reflexões e análises apresentadas ao longo do artigo. A pesquisa foi pautada pela busca de evidências que sustentassem a importância da aplicação dessas práticas como políticas públicas eficazes para a redução da violência no ambiente escolar.
A metodologia adotada neste estudo buscou a partir da pesquisa bibliográfica, e utilizando os dados empíricos coletados nos estudos analisados, extrair as conclusões pertinentes ao assunto.
Segundo Severino (2013, p.106), “a pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses”.
Nesse sentido, utilizou-se de dados ou categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores, tendo sido devidamente registrados, pois os textos “tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos”. (SEVERINO, 2013, p.106)
Portanto, a análise foi realizada a partir das contribuições de diversos autores que investigaram a aplicação dos círculos de justiça restaurativa e construção de paz como estratégias de políticas públicas para reduzir a violência escolar, utilizando dados indiretos coletados em estudos anteriores. Essa abordagem permite uma compreensão aprofundada das questões em pauta, sem a necessidade de uma pesquisa de campo autônoma.
Assim, conforme dito, os dados analisados são extraídos de pesquisas já publicadas, que oferecem insights sobre as possíveis estratégias para reduzir a violência escolar, em especial o bullying e o ciberbullying. Através da análise crítica da literatura existente, é possível identificar evidências que comprovam o êxito da adoção de determinadas estratégias para o combate à violência no âmbito escolar, contribuindo para um entendimento mais amplo do tema sem a realização de coleta de dados primários.
Desta feita, da análise dos dados, buscou-se identificar possível lacunas, padrões e tendências que orientaram a interpretação do cotidiano a partir da vasta pesquisa bibliográfica realizada.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 REFERÊNCIAL TEÓRICO
3.1.1 CÍRCULOS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA E CONSTRUÇÃO DE PAZ
A justiça restaurativa é um modelo de abordagem ao conflito de interesses que se concentra na reparação dos danos causados pela ofensa a um bem juridicamente protegido, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas — vítimas, infratores e a comunidade — para buscar soluções que atendam às necessidades de todos.
Diferente da justiça retributiva, que foca na punição do infrator, a Justiça Restaurativa visa restaurar as relações e promover a reconciliação, enfatizando a responsabilidade do infrator em reparar o dano e a importância da participação da vítima no processo.
Essa abordagem tem como objetivo não apenas reduzir o sofrimento, mas também diminuir os índices de medidas punitivas tradicionais e fomentar uma cultura de paz e solidariedade na sociedade.
Segundo Zehr (2015), a Justiça Restaurativa é uma abordagem que busca promover a resolução de conflitos de forma pacífica, priorizando a restauração das relações e a reparação dos danos causados. Nesse sentido, a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa nas escolas pode proporcionar um espaço de diálogo e escuta ativa, permitindo que as partes envolvidas expressem suas emoções e necessidades, contribuindo para a construção de soluções colaborativas e para a prevenção de novos episódios de violência.
Com efeito, os Círculos de Paz são uma metodologia de resolução de conflitos que promove encontros entre pessoas envolvidas em situações conflituosas, incluindo membros da comunidade e pessoas significativas para os envolvidos, com o objetivo de facilitar a comunicação, a reparação de danos e o atendimento das necessidades de todas as partes afetadas.
Essa abordagem, fundamentada na Justiça Restaurativa, busca criar um espaço seguro e ético para o diálogo, onde um facilitador e um co-facilitador guiam o processo, permitindo que os participantes compartilhem suas experiências e sentimentos, promovendo assim a construção de relacionamentos saudáveis e a pacificação dos conflitos inter-humano.
Para Pranis (2010, p. 35):
O círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo, a construção de relacionamentos, tomada de decisões e resolução de conflitos de forma eficiente. O processo cria um espaço à parte de nossos modos de estarmos juntos. O círculo incorpora e nutre uma filosofia de relacionamento e de interconectividade que pode nos guiar em todas as circunstâncias – dentro do círculo e fora dele (PRANIS, 2011, p. 35)
Desse modo, mais adiante Pranis (2010, p. 91-92) assevera que:
Os Círculos de Paz oferecem um modo de reunir as pessoas para conversas difíceis e para trabalhar e vencer conflitos e dificuldades. O Processo do Círculo é uma maneira de formar o quadro mais abrangente possível sobre nós mesmos, o outro, e as questões em pauta, possibilitando que todos caminhem juntos de modo benéfico. Os Círculos têm por fundamento um pressuposto de potencial positivo: algo de bom sempre pode surgir de qualquer situação. Outro pressuposto do Círculo é que ninguém detém o quadro total, e que apenas através da partilha de nossas perspectivas poderemos chegar mais perto de uma imagem completa. Dividir com os outros a sabedoria e perspectiva pessoais é algo que cria sabedoria coletiva, algo muito maior que a soma das partes. (PRANIS, 2010, p. 91-92).
De acordo com Lago (2013), a mediação escolar pode ser uma ferramenta eficaz para a prevenção e resolução de conflitos no ambiente educacional, promovendo a cultura de paz e o diálogo como meios de transformação das relações interpessoais. Através da mediação, é possível empoderar os estudantes a lidar de forma construtiva com as diferenças e a desenvolver habilidades de comunicação e resolução de conflitos de maneira não violenta.
Segundo Bezerra (2019), os Círculos de Construção de Paz são fundamentados em princípios como a comunicação aberta, o respeito mútuo e a responsabilização individual e coletiva. Esses princípios são essenciais para a criação de um ambiente seguro e respeitoso, onde os participantes têm a oportunidade de expressar seus sentimentos, necessidades e perspectivas, contribuindo para a prevenção e resolução de conflitos de forma dialogada e não violenta.
De acordo com o Ministério da Educação do Brasil (2023), a implementação de políticas públicas colaborativas, como os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, pode fortalecer a capacidade das escolas na resolução de conflitos, promovendo ambientes de aprendizado justos e equitativos. Essas práticas contribuem não apenas para a prevenção da violência, mas também para a construção de relações mais saudáveis e empáticas no ambiente escolar.
Os círculos de justiça restaurativa e a construção de paz emergem como abordagens inovadoras e eficazes para enfrentar a violência escolar, promovendo um ambiente de respeito, empatia e diálogo. A implementação dessas práticas nas políticas públicas escolares pode transformar a dinâmica social entre alunos, educadores e a comunidade, contribuindo significativamente para a redução de comportamentos agressivos e para a promoção de um clima escolar mais saudável.
Os círculos de justiça restaurativa são espaços de diálogo que reúnem as partes envolvidas em um conflito — vítimas, agressores e, muitas vezes, membros da comunidade — para discutir as consequências das ações de cada um e buscar soluções coletivas. Essa abordagem se diferencia dos métodos tradicionais de punição, pois foca na reparação do dano e na restauração das relações, em vez de simplesmente aplicar sanções. Ao promover a responsabilização e a empatia, os círculos ajudam os agressores a compreenderem o impacto de suas ações, enquanto as vítimas têm a oportunidade de expressar suas emoções e necessidades.
A construção de paz envolve a promoção de uma cultura de não-violência e respeito mútuo, incluindo a educação para a empatia, a resolução pacífica de conflitos e a valorização da diversidade. Integrar esses princípios nas práticas escolares cria um ambiente onde todos os alunos se sentem seguros e respeitados, reduzindo a incidência de bullying e outras formas de violência.
A implementação de círculos de justiça restaurativa e iniciativas de construção de paz requer um compromisso abrangente de todos os envolvidos na educação. Isso inclui a formação de educadores, capacitados para facilitar os círculos e promover uma cultura de diálogo e respeito. Além disso, é fundamental envolver os alunos e suas famílias, criando um senso de comunidade e responsabilidade compartilhada.
Programas de conscientização e formação podem ser desenvolvidos para educar a comunidade escolar sobre os benefícios da justiça restaurativa e da construção de paz, abordando temas como comunicação não violenta, empatia e resolução de conflitos. Esses programas equipam todos os participantes com as ferramentas necessárias para lidar com situações de violência de maneira construtiva.
A adoção dessas práticas não apenas contribui para a redução da violência escolar, mas também promove o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais nos alunos, preparando-os para se tornarem cidadãos mais conscientes e responsáveis. Ao cultivar um ambiente escolar que valoriza o diálogo e a compreensão, as escolas podem desempenhar um papel crucial na formação de uma sociedade mais pacífica e justa. Essas aspirações vão ao encontro das conclusões de Evans e Vaandering (2018, p. 113), quando afirmaram que:
As mudanças que a JRE pode ocasionar não se limitam à redução dos índices de suspensão ou à melhora do comportamento dos alunos, ou mesmo a melhores resultados acadêmicos. Nossa esperança é a de que a cultura escolar se transforme a ponto de todos os membros da comunidade de aprendizado – anos, professores, funcionários, administradores, pais e cuidadores – sentirem que pertencem e são partes do trabalho de educação. Desejamos escolas onde alunos e professores estejam envolvidos de modo ativo e entusiasmado no aprendizado, e onde todos (independentemente de raça, gênero, orientação sexual, etnia, religião, língua, habilidades ou série) sejam valorizados e tenham o que precisam para crescer e aprender. Tal transformação cultural só é possível quando a JRE é implementada num contexto onde as pessoas são respeitadas como valiosas e interconectadas. (EVANS; VAANDERING, 2018, p. 113).
Assim, os círculos de justiça restaurativa e a construção de paz representam estratégias poderosas para enfrentar a violência escolar. Integrados nas políticas públicas, esses métodos podem transformar a cultura escolar, promovendo um ambiente de respeito e empatia, onde todos os alunos têm a oportunidade de aprender e crescer em segurança. A adoção dessas práticas é um passo fundamental para a construção de um futuro mais pacífico e harmonioso nas escolas e na sociedade como um todo.
3.1.2 BULLYING E CIBERBULLYING: VIOLÊNCIA ESCOLAR
O bullying e o ciberbullying são fenômenos que têm ganhado destaque nas discussões sobre a violência escolar, afetando a saúde mental e o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo. O bullying se refere a comportamentos agressivos e repetidos entre pares, enquanto o ciberbullying ocorre através de plataformas digitais, onde os agressores utilizam a tecnologia para intimidar, humilhar ou ameaçar suas vítimas. Ambos os tipos de violência podem ter consequências devastadoras, incluindo ansiedade, depressão e, em casos extremos, suicídio.
Para Felizardo (2017, p. 39), diante da complexidade da definição de bullying, a partir de suas múltiplas características, elaborou a seguinte definição de bullying vinculado ao ambiente escolar:
Bullying é perseguição, intimidação e humilhação praticada entre estudantes por meio de sons, caretas, gestos, agressão verbal ou física. A maldade é repetitiva e planejada pelo autor, que tem prazer em dominar e ser cruel com seu alvo, o qual não provocou e tem dificuldade de se defender. Ocorre em segundos, para uma plateia formada pelos próprios colegas e longe do olhar dos adultos. (FELIZARDO, 2017, p. 39).
Por outro lado, a Unesco (2013, p. 13) apresenta a seguinte distinção entre o Bullying e o Ciberbullying, da seguinte forma:
O Bullying pode ser direto, como quando uma criança exige o dinheiro ou as coisas de outra criança, ou indireto, quando um grupo de alunos espalha boatos sobre outro. O Ciberbullying é uma forma de assédio que ocorre por e-mail, celular, mensagens de texto ou sites difamatórios. Crianças podem ser mais vulneráveis ao bullying quando convivem com deficiências, expressam uma preferência sexual diferente da norma, ou vêm de uma minoria étnica ou cultural, ou de um determinado meio socioeconômico. Tanto agressores quanto suas vítimas terminam por ter dificuldades interpessoais e queda no rendimento escolar (UNESCO, 2013, p. 13)
E aqui vale a distinção realizada por Calhau (2010, p. 42), em relação ao ato infracional do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o bullying, ao indicar que:
“todo ato de bullying, em geral, é um ato infracional do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas nem todo ato infracional configura um bullying. Os atos infracionais são sempre análogos aos crimes (ex.: lesões corporais, calúnia, racismo difamação, injuria etc) ou contravenções penais (ex.: perturbação do sossego alheio etc). Todavia, o bullying exige que os atos sejam repetidos. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) um isolado (ex.: briga com socos na porta do colégio) já configura ato infracional e o agressor pode ser submetido a um processo junto à vara da infância e da juventude da comarca, podendo até ser internado no caso de atos infracionais realizados com violência ou grave ameaça. (CALHAU, 2010, p. 42).
É relevante citar também Fante (2011, p. 50), que desde o início dos anos 2000 realizou vários estudos no interior de São Paulo, nas diversas séries de ensino, tendo como base um questionário com itens como os tipos de violência sofridos pelos alunos, onde isso mais acontecia e possíveis fatores determinantes de tais ocorrências. Após esse estudo sistemático desenvolvido por cinco anos conclui que o chamado “fenômeno bullying” acontece em todos os níveis, independente de série, localização, tamanho da escola, pública ou privada (FANTE, 2011, p. 61).
Assim, se acontece em todos os níveis sociais, não se pode dizer que o bullying advém de problemas econômicos, das classes menos abastadas. As causas são mais complexas. Daí, ninguém está imune, mas é fato que ninguém sabe como lidar com o “fenômeno”.
Fante e Pedra (2008, p. 106-107) trançam a seguinte estratégia por parte da escola para detectar a ocorrência de bullying:
É necessário que a escola faça uma pesquisa com os alunos, a fim de ouvi-los para saber quais são as suas experiências com o bullying e os sentimentos despertados por ele. (…) Aplicamos também uma atividade em forma de redação onde os alunos são estimulados a falar anonimamente sobre a sua vida na escola, ou seja, seus relacionamentos com os colegas, uma espécie de autobiografia. Essa atividade ajuda a romper o silêncio e possibilita a expressão de emoções e sentimentos. Desenvolvemos oficinas temáticas com dinâmicas de grupo, que favorecem a compressão do fenômeno. O incentivo ao exercício da solidariedade, da tolerância, do respeito às diferenças individuais é fator motivador de mudanças. Há casos em que alunos praticantes de bullying se convertem em ‘alunos solidários’, passando a auxiliar seus colegas dentro e fora da sala de aula, em especial aqueles que outrora eram suas vítimas. (FANTE; PEDRA, 2008, p. 106-107).
É importante observar o quão imprescindível é a participação da família no programa, que sugere encontro de pais e tutores e propõe orientações sobre convivência familiar. É triste a constatação de que a família nem sempre atende aos chamados para reunião de pais e mestres, que ocorrem bimestralmente nas escolas. Daí a importância de facilitar Círculos de Paz e Justiça Restaurativa com pais, alunos, professores e gestores da escola.
Os pais têm que ser mais presentes na vida escolar dos seus filhos, dialogar com eles e com a escola na busca de atitudes positivas e reflexões como “será que estou educando meu filho da maneira correta?” Ou “preciso estabelecer limites ou regras de convivência?” “Quanto tempo dedico ao meu filho por dia?” “Estou estimulando a religiosidade do meu filho? Estou sendo um bom exemplo?” (FANTE, 2011 p. 147). Não resta dúvidas que conversar com os coordenadores da escola pode ajudar muito, pois eles lidam com várias situações de conflitos diariamente e têm uma vasta experiência em lidar com o ser humano, mas a utilização dos círculos de paz neste contexto proporciona uma análise horizontal e democrático.
Cabe aos pais e aos cuidadores primários conversar com os filhos e pessoa sob seu cuidado e ouvir o que eles têm a dizer pode fazer toda a diferença, pois o pilar de toda relação é o diálogo, baseado no respeito.
Contudo, o problema é muito mais amplo e a responsabilidade de combate ao bullying e ao cyberbullying é de toda a sociedade e não apenas dos atores educacionais, pais e/responsáveis. Neves (2016, p. 50), neste particular, assevera que:
Todas as escolas, clubes e agremiações recreativas têm o dever legal de combater o bullying, preveni-lo e tomar providências quanto da sua ocorrência, seja por meio de campanhas educativas ou orientação psicológica, jurídica e social há vítimas, agressores e pais ou responsáveis ponto docentes equipes pedagógicas, inspetores, auxiliares, todos os profissionais que desejem prestar seus serviços à sociedade terão que estar capacitados para lidar com a intimidação sistêmica (NEVES, 2016, p. 50)
Diante desse cenário alarmante, a implementação de círculos de justiça restaurativa surge como uma estratégia eficaz para abordar e mitigar o bullying e o ciberbullying nas escolas. Os círculos de justiça restaurativa são espaços de diálogo que reúnem vítimas, agressores e a comunidade escolar para discutir os impactos do comportamento agressivo e buscar soluções coletivas. Essa abordagem não apenas visa reparar os danos causados, mas também promove a responsabilização e a empatia entre os envolvidos.
A justiça restaurativa se destaca por sua capacidade de transformar a cultura escolar, promovendo um ambiente de respeito e compreensão. Ao invés de simplesmente punir o agressor, os círculos de justiça restaurativa incentivam a reflexão sobre as consequências de suas ações e a necessidade de reparar o dano causado à vítima. Isso pode levar a um entendimento mais profundo das emoções e experiências de cada um, contribuindo para a construção de relacionamentos mais saudáveis e solidários.
Além disso, a construção de paz nas escolas é um componente essencial para a prevenção do bullying e do ciberbullying. A promoção de uma cultura de paz envolve a educação para a empatia, o respeito à diversidade e a resolução pacífica de conflitos. Ao integrar práticas de justiça restaurativa nas políticas públicas, as escolas podem se tornar ambientes onde todos os alunos se sintam seguros e valorizados, reduzindo assim a incidência de comportamentos agressivos.
A implementação de círculos de justiça restaurativa também pode ser complementada por programas de conscientização e formação para educadores, alunos e pais. Esses programas podem abordar a importância da empatia, da comunicação não violenta e da resolução de conflitos, equipando a comunidade escolar com as ferramentas necessárias para lidar com situações de bullying e ciberbullying de maneira eficaz.
O bullying e o ciberbullying representam desafios significativos para a educação e o bem-estar dos jovens. A adoção de círculos de justiça restaurativa como parte das políticas públicas nas escolas oferece uma abordagem inovadora e eficaz para reduzir a violência escolar. Ao promover o diálogo, a empatia e a construção de paz, podemos criar um ambiente escolar mais seguro e acolhedor, onde todos os alunos tenham a oportunidade de aprender e crescer sem medo de agressões.
3.1.3 AGENDA 2023: ODS 4 e 16
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, foi um documento subscritos pelo diversos Estados-Membros integrantes da ONU em 2015, em substituição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que agora estabelecem um plano de ação global com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas, cada qual ligadas a um dos 17 ODS, para serem implementados e alcançados até 2030 (BARBIERI, 2020). A figura abaixo representa os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS):
Figura 1: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030
Fonte: ONU (2015)
Dentre esses objetivos, o ODS 4, que busca assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e o ODS 16, que promove sociedades pacíficas e inclusivas, são fundamentais para a construção de um futuro mais justo e seguro, especialmente no âmbito escolar. Tem-se que o primeiro é vinculada à dimensão social, enquanto o outro é ligado a dimensão política e institucional.
O ODS 4 apresenta 7 metas bem específicas, no que, apenas a “meta 4.7”, mais especificamente o item “4.a”, diz diretamente ao tema sob exame, conforme transcrição abaixo:
4.7 Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável;
4.a Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos; (ONU, 2015)
Por outro lado, o ODS 16 apresenta 10 metas, todas com interseção com o tema sob análise, mas algumas metas tem uma maior aproximação, tais como as metas 16.1, 16.3, 16.6 e 16.7. Vejamos a transcrição abaixo:
16.1 reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada, em todos os lugares;
…
16.3 promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça, para todos;
…
16.6 desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis;
16.7 garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis; (ONU, 2015)
Desta feita, a implementação de círculos de justiça restaurativa nas escolas emerge como uma estratégia eficaz para abordar a violência escolar, alinhando-se aos princípios do ODS 4 e ODS 16. Conforme dito, os círculos de justiça restaurativa são espaços de diálogo onde estudantes, educadores e a comunidade se reúnem para discutir conflitos, promover a responsabilização e buscar soluções coletivas. Essa abordagem não apenas resolve conflitos, mas também fortalece os laços comunitários, promove a empatia e a compreensão mútua, e ensina habilidades de resolução de problemas.
A violência escolar é um fenômeno complexo que afeta o ambiente de aprendizado e o bem-estar dos estudantes. Através da implementação de políticas públicas que incentivem a justiça restaurativa, é possível criar um ambiente escolar mais seguro e acolhedor. Os círculos de justiça restaurativa permitem que os alunos expressem suas emoções e experiências, promovendo um espaço seguro para a resolução de conflitos. Isso não apenas reduz a incidência de violência, mas também contribui para a formação de cidadãos mais conscientes e respeitosos – o que representa o maior objetivo das instituições educacionais.
Além disso, a construção de paz nas escolas é um componente essencial para a realização do ODS 16. A promoção de uma cultura de paz e respeito nas instituições de ensino é vital para a formação de uma sociedade mais justa e equitativa. Através de programas que integrem a justiça restaurativa, as escolas podem se tornar locais onde a diversidade é celebrada e onde todos os alunos se sentem valorizados e respeitados.
Desta feita, a Agenda 2030 nos convoca a repensar nossas abordagens em relação à educação e à violência. A implementação de círculos de justiça restaurativa nas escolas não apenas contribui para a redução da violência escolar, mas também promove uma educação de qualidade e a construção de sociedades pacíficas. Ao integrar essas práticas nas políticas públicas, podemos avançar em direção a um futuro mais seguro e inclusivo, cumprindo assim os compromissos estabelecidos nos ODS 4 e 16.
3.2 RESULTADO E DISCUSSÃO
Moreira e Souza Júnior (2024) evidenciam a dimensão do problema da violência nas escolas, quando indicam que em todo o mundo, a cada ano, 246 milhões de crianças e adolescentes são vítimas de algum tipo de violência no ambiente escolar (UNESCO, 2017). E no mesmo trabalho elencam alguns casos rumorosos ocorridos no Brasil (MOREIRA, SOUZA JÚNIOR, 2024, s/p):
Na última década, entre os diversos casos de violência e ataques em escolas brasileiras envolvendo alunos, professores e funcionários, amplamente divulgados pela mídia, destacam-se:
1. – Massacre de Realengo (2011): No dia 7 de abril de 2011, um ex-aluno entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, e abriu fogo contra alunos e professores, matando 12 pessoas e deixando outras 13 feridas. O atirador também se suicidou.
2. – Colégio Goyases (2017): Em outubro de 2017, um estudante de 14 anos disparou arma de fogo dentro do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental, em Goiânia – GO. Dois estudantes morreram e outros quatro ficaram feridos.
3. – Escola Raul Brasil (2019): Em setembro de 2019, a Escola Estadual Raul Brasil, em São Paulo – SP, foi palco de outro episódio de violência. Um aluno entrou armado na escola e fez disparos, ferindo duas pessoas.
4. – Escola Estadual Carolina Maria de Jesus (2019): Em agosto de 2019, um aluno da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, em São Paulo – SP, esfaqueou a coordenadora pedagógica da instituição. A professora sobreviveu, mas ficou gravemente ferida.
5. – Massacre de Suzano (2019): No dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, entraram na instituição, portando armas e mataram oito pessoas, sendo cinco alunos e duas funcionárias da escola, além de cometerem suicídio em seguida.
6. – Escola Estadual Dom Pedro II (2021): Em setembro de 2021, um aluno da Escola Estadual Dom Pedro II, em São Paulo – SP, esfaqueou um colega de classe durante uma discussão em sala de aula.
7. – Aracruz (2022): Em 25 de novembro de 2022, em Aracruz (ES), um atirador de 16 anos matou 3 pessoas durante 2 ataques consecutivos. O assassino invadiu uma escola estadual e fez vários disparos com uma pistola, acertando duas professoras. Em seguida, invadiu uma instituição privada. Na unidade, uma aluna foi morta. Dias depois do crime, outra professora baleada morreu depois de ficar internada.
8. – Escola Thomazia Montoro (2023): Em 27 de março de 2023, um adolescente de 13 anos esfaqueou 4 professores e 2 alunos na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona sul de São Paulo. A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu.
9. – Escola Infantil Cantinho do Bom Pastor (2023): Em 5 de abril de 2023, na Escola Infantil Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina, quatro crianças morreram e outras cinco ficaram feridas, após um homem de 25 anos invadir o local e atacar as crianças com um machado. Após atacar alunos da instituição, ele fugiu e se entregou em um quartel da Polícia Militar.
E a escalada da violência nas escolas está acentuando, pois houve expressivo aumento dos casos de violência no âmbito escolar, conquanto Vinha (2023, p. 15) dos 36 ataques que aconteceram em 22 anos, 10 ocorreram em 2022 e 11 em 2023, ou seja, dos ataques ocorridos de 2001 a 2023, 58,33% ocorreram apenas nos dois últimos anos.
Desta feita, a implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa em escolas tem demonstrado impactos positivos na redução da violência e na promoção de um ambiente mais pacífico e seguro.
Segundo Silva (2017), a aplicação dessas práticas tem contribuído para a construção de relações mais empáticas e solidárias entre os estudantes, fortalecendo o senso de comunidade e pertencimento no ambiente escolar. Além disso, a Justiça Restaurativa na Educação tem se mostrado uma alternativa eficaz para a prevenção do bullying e cyberbullying, ao promover a conscientização sobre as consequências dessas práticas e estimular a responsabilização dos envolvidos.
A articulação entre o Poder Judiciário e as secretarias de educação é fundamental para o sucesso da implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa como política pública. Conforme Nunes (2011), a colaboração entre essas instâncias permite uma atuação integrada e coordenada na promoção da cultura de paz e na prevenção da violência escolar, garantindo a efetividade das ações e o acompanhamento dos resultados alcançados.
A pesquisa realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2021) destaca a importância da articulação entre o Poder Judiciário e as secretarias de educação na promoção de um ambiente escolar mais pacífico e seguro. A implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa tem demonstrado impactos positivos na redução da violência e na promoção de uma cultura de paz nas escolas, proporcionando espaços seguros de diálogo e escuta.
Conforme ressaltado por Estado de Goiás (2023), a aplicação dos Círculos de Construção de Paz não se limita à resolução de conflitos entre alunos ou alunos e professores, mas pode ser estendida para discutir questões mais amplas, como a segurança na escola e na comunidade. Essa abordagem dialogada e participativa contribui para a construção de relações mais colaborativas e empáticas, fortalecendo a conectividade humana nos diversos contextos educacionais.
Calha evidenciar, sob o aspecto normativo que no âmbito federal foi editada a Lei n. 13.185, de 6 de novembro de 2015 (BRASIL, 2015) que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). E o Estado de Goiás editou a Lei n. 17.151, de 16 de setembro de 2010, que dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao “bullying” escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica do Estado de Goiás, e dá outras providências, além da Lei n. 17.696, de 04 de julho de 2012 que institui a Semana de Combate ao Bullying e ao Cyberbullying nas escolas da rede pública e privada da Educação Básica do Estado de Goiás. Este período educativo foi instituído no calendário escolar oficial do Estado de Goiás a ser celebrado, no dia 7 de abril de cada ano, conforme previsão do art. 1º, § 1º da referida Lei estadual.
Iniciativas voltadas para a promoção da cultura de paz nas escolas têm se expandido pelo Brasil, especialmente por meio de parcerias interinstitucionais com o Poder Judiciário. Um exemplo notável é o “Programa Pilares: edificando a cultura de paz na escola”, que é promovido pelo Poder Judiciário de Goiás em colaboração com as Secretarias de Educação, tanto estaduais quanto municipais. O objetivo desse programa é implementar a metodologia dos Círculos de Construção de Paz nas unidades escolares e em outras instituições educativas.
O Programa Pilares foi lançado em 2018, após a assinatura de um Termo de Cooperação Técnica entre o Tribunal de Justiça de Goiás e a Prefeitura de Goiânia, através da Secretaria Municipal de Educação.
Desde então, o programa tem sido ampliado para outros municípios e instituições de ensino vinculadas à Secretaria de Estado da Educação, o que ocorreu mais especificamente a partir de 2019, apresentando resultados positivos, conforme relatórios de gestão da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás referentes aos biênios de 2017/2019, 2019/2021 e 2021/2023 (Estado de Goiás, c2023).
O principal objetivo do Programa é oferecer formação para facilitadores de Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, capacitando-os a atuar na prevenção e resolução de conflitos no ambiente escolar. Essa formação, com carga horária de 60 horas, é disponibilizada pelo Tribunal de Justiça de Goiás para profissionais da Rede de Educação, incluindo professores, coordenadores, dirigentes e tutores de apoio pedagógico. Em contrapartida, os municípios e o Estado se comprometem a implementar as práticas e a respeitar os princípios e a metodologia dos círculos.
Santos e Souza Júnior (2023, s/p) destacam no contexto da Justiça Restaurativa, a importância de se dar apoio tanto vítima, quanto ao ofensor quando afirmam que:
Espera-se, contudo, que os gestores públicos percebam a necessidade de dar apoio às vítimas do bullying e do cyberbullying, como igualmente zelar para que o agressor receba também cuidados, para quebrar o ciclo de violações e agressões. Tem-se que o exercício de técnicas de Justiça Restaurativa na Educação (JRE) é um caminho para o enfrentamento da violência no ambiente escolar, com vistas a restabelecer relacionamentos e desenvolver uma cultura da paz e de respeito. Enfim, é necessário haver um enfrentamento maior à violência, pois a escola deve ser um lugar seguro e disseminador da harmonia, do conhecimento e da paz. Eventuais casos de violência e bullying e ciberbullying devem ser denunciados pois todas as crianças e adolescentes têm direitos iguais à educação em ambientes saudáveis e sem violência.
Por outro lado, Moreira (2024, p. 82) salienta que:
Nas instituições de ensino, é possível observar diversas formas de violência, tais como vandalismo, pichações, brigas, cyberbullying, bullying com ameaças, xingamentos, insultos, discriminações, intimidações, agressões físicas, verbais e psicológicas, além de incivilidades, indisciplinas, tráfico e consumo de drogas, furtos e porte de armas, o que pode resultar em fatalidades.
E mais adiante, após ressaltar a importância a Formação Continuada em práticas de justiça restaurativa e mediação de conflitos para Educadores, gestores escolares, professores e todos os colaboradores técnicos administrativos e de apoio, Moreira (2024, p. 84-85), concluiu que:
Além disso, deve-se destacar a importância dos Círculos de Justiça Restaurativa e de medidas preventivas para promover um ambiente escolar mais seguro e harmonioso, tais como: (a) a eficácia dos Círculos de Justiça Restaurativa na promoção de um ambiente escolar mais pacífico e na resolução construtiva de conflitos; (b) o impacto positivo da implementação de programas preventivos baseados em diálogo e mediação na comunidade escolar; (c) a importância de considerar diferentes níveis de prevenção, abordando questões coletivas influenciadas por fatores sociais, econômicos e políticos; (d) a necessidade de ampliar o conceito de violência nas escolas, indo além das relações pessoais e considerando as influências externas no ambiente escolar; e (e) a relevância de programas e projetos que visam fortalecer a imunidade da comunidade escolar e sua atitude para lidar de forma construtiva com conflitos.
Por fim, deve-se considerar que a problemática da violência escolar tem sido objeto de diversas investigações e intervenções, com o intuito de compreender suas origens, seu funcionamento e buscar estratégias viáveis para transformar a escola em um ambiente seguro, e não um fomentador e/ou reprodutor da violência. Assim, entende-se necessário que haja investimento na educação em sua integralidade, oferecendo contornos positivos em todos os níveis que envolvam o ensino aprendizagem (…) (MOREIRA, 2024, p. 84-85).
Daí, constata-se que a crescente violência nas escolas brasileiras demanda intervenções eficazes para garantir a segurança dos estudantes e de todos os profissionais envolvidos e da própria comunidade.
A implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa se destaca como uma solução promissora, promovendo um ambiente escolar mais pacífico e colaborativo. Essa abordagem fortalece relações empáticas entre os alunos e contribui para a prevenção de comportamentos violentos, além de fomentar um senso de comunidade.
A colaboração entre o Poder Judiciário e as secretarias de educação é essencial para o sucesso dessa iniciativa, permitindo uma atuação integrada que transforma as escolas em espaços seguros e acolhedores. Assim, a Justiça Restaurativa se revela uma alternativa necessária para enfrentar a violência nas instituições de ensino, notadamente do bullying e ciberbullying.
Por fim, cabe dizer que existem outros mecanismos igualmente eficazes, para além dos círculos de paz de Justiça Restaurativa na escola, tais como mediação, conferências, reuniões de classe, dentre outros (MULLET, AMSTUTZ, 2012; SOUZA, 2020).
4. CONCLUSÃO
Dessa forma, a implementação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz como políticas públicas colaborativas se configura como uma resposta eficaz para a redução da violência no ambiente escolar. Ao promover a cultura de paz, a comunicação aberta e o respeito mútuo, essas práticas contribuem significativamente para a prevenção e resolução de conflitos, criando ambientes escolares mais seguros, inclusivos e propícios ao desenvolvimento integral dos alunos.
É importante destacar que a articulação entre o Poder Judiciário Goiano e as secretarias de educação, promovida pelo projeto Pilares, é fundamental para o sucesso dessas iniciativas. Essa colaboração não apenas fortalece a implementação das práticas restaurativas, mas também amplia o alcance e a eficácia das ações voltadas para a promoção de um ambiente escolar saudável, que desestimule, previna e reprima o bullying e o ciberbullying. Somente assim será possível criar condições favoráveis para o desenvolvimento humano integral, alinhando-se às metas da Agenda 2030, especialmente o ODS 4 e 16, que visa assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, bem como promover sociedades pacíficas e inclusivas, o que é imprescindível para a construção de um futuro mais exitoso, dentro e fora do ambiente escolar.
Portanto, é crucial investir em estratégias preventivas e colaborativas que fortaleçam a cultura de paz e a justiça nas instituições de ensino, garantindo que todas as crianças e jovens tenham direitos iguais à educação em ambientes livres de violência. O artigo conclui com sugestões para futuras pesquisas e o desenvolvimento contínuo de políticas públicas preventivas, que possam contribuir para o alcance dos ODS 4 e 16, promovendo um ambiente escolar mais seguro e justo para todos, seja por intermédio da realização de círculos de paz e de justiça restaurativa, ou com a utilização de ferramentas diversas, tais como a mediação, conferências, reuniões de classe, dentre outras.
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1Graduada em Letras Português/Inglês pela UEG de Inhumas; Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Pós-graduada em Metodologia do Ensino de Inglês, como Língua Estrangeira pela Faculdade Facuminas (2024). Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/9125925571818056; E-mail: cleciarsilva@outlook.com
2Graduado em Direito na Universidade Federal de Goiás (UFG). Licenciado em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi). Graduando em Psicologia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Goiás (UFG). Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal do Goiás (UFG). Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Doutor em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá (UNESA-RJ). Pós-doutorado em Direito na Universitá degli Studi di Messina (it). Procurador Federal da Advocacia Geral da União (AGU) e professor do programa de Mestrado Profissional em Desenvolvimento Regional do Centro Universitário Alves Faria (Unialfa). ORCID: 0000-0002-8131-409X; Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/7594333415062633; E-mails: edsonjose.souza@agu.gov.br e edson.junior@unialfa.com.br;
3Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professora do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Especialista em Neuropsicologia, pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa em Neurociências, NEPNEURO, Brasil; Especialista em Psicologia do Trânsito, pelo Instituto Goiano de Análise do Comportamento, IGAC, Brasil. Especialista em MBA em Saúde Mental e Dependência Química, pela FACULDADES DELTA, CTD_PPROV, Brasil. Tem experiência de atuação na área de Saúde Mental e Dependência Química, Atendimento Clínico, Hospital e Residencial ORCID https://orcid.org/0009-0004-8308-2319. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/5958073847048651; E-mails: sc.psic@gmail.com e stephany.costa@ueg.br