REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202412182003
Murilo Mendes Latorre Soares1
Resumo
O trabalho tem como objetivo principal explicar e conceituar a impenhorabilidade absoluta dos proventos recebidos a título de aposentadoria, consoante dispõe o art.833, IV do Código de Processo Civil. A elaboração do presente artigo se deu por meio do método de pesquisa bibliográfica, com análise de artigos científicos e doutrinas.
Palavras-chave: Impenhorabilidade. Aposentadoria. Novo CPC. Lei n.º 11.101/05. Art.833, IV.
Abstract:
The main objective of this article is to explain and conceptualize the absolute unseizability of earnings received as retirement, as provided in art. 833, IV of the Civil Procedure Code. This article was prepared using the bibliographical research method, with analysis of scientific articles and doctrines.
Key words: Unseizability. Retirement. Civil Procedure Code.
1. Introdução:
É de conhecimento público que o processo de execução segue em face dos interesses do credor, que por sua vez, deve efetuar medidas e buscar formas de satisfazer a execução, caso não haja pagamento voluntário, por meio de atos expropriatórios contra o patrimônio do devedor.
O Código de Processo Civil, em seu art. 835, estabelece uma ordem de preferência dos bens que podem ser penhorados e estão à disposição do credor para requerer a expropriação com o fito de satisfazer a execução.
Já o art. 833 do mesmo diploma processual dispõe sobre os bens do devedor que são manifestamente impenhoráveis. In verbis:
Art. 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
A impenhorabilidade dos bens é um conceito importante no direito civil e processual civil, que visa proteger determinados bens de serem penhorados, ou seja, tomados pelo credor para garantir o pagamento de uma dívida.
A fim de proteger os beneficiários da aposentadoria contra bloqueios judiciais sobre tais valores, foi estabelecida a sua impenhorabilidade absoluta por meio do art. 833, inciso IV,do Código de Processo Civil, que estabelece um rol de bens e rendimentos que não podem ser objeto de constrição judicial, garantindo assim a subsistência digna dos aposentados e pensionistas.
Neste contexto, a impenhorabilidade da prestação desempenha um papel fundamental na preservação da segurança financeira e na manutenção da qualidade de vida daqueles que já desenvolvem ao longo de suas vidas a previdência social. Esta proteção legal reflete a preocupação do legislador em garantir que os credores tenham meios adequados para sustentar suas necessidades básicas, independentemente de eventuais dívidas ou questões judiciais.
O Código de Processo Civil, em seu art. 833, IV, dispõe que são absolutamente impenhoráveis os valores recebidos a título de aposentadoria, pensão, remunerações, proventos, ou salário, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família. Esse dispositivo estabelece, de forma clara, que os valores referentes à aposentadoria são protegidos de qualquer tipo de penhora, sendo considerados impenhoráveis em sua parcela.
A impenhorabilidade absoluta da aposentadoria encontra respaldo não apenas no Código de Processo Civil, mas também nos princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Dentre os fundamentos legais que sustentam essa impenhorabilidade, destacamos:
1. Dignidade da Pessoa Humana: A Constituição Federal, em seu artigo 1º, III, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A impenhorabilidade da aposentadoria visa garantir que o desenvolvedor não seja privado dos meios necessários para garantir sua subsistência e de sua família, preservando, assim, sua dignidade.
2. Princípio da Proteção ao Salário: O salário e a remuneração são elementos essenciais para a sobrevivência do trabalhador e do aposentado. A impenhorabilidade absoluta desses valores protege o trabalhador contra a perda de sua fonte de subsistência, garantindo-lhe um mínimo existencial.
3. Função Social da Aposentadoria: A aposentadoria tem como finalidade principal fornecer às condições de vida dignas de aposentadoria após anos de contribuição previdenciária. A impenhorabilidade garante que essa finalidade seja preservada, impedindo que terceiros se apropriem dos valores destinados ao lucro.
Essa impenhorabilidade é respaldada por diversos instrumentos legais e jurisprudenciais em muitos países, refletindo a preocupação da sociedade em proteger os mais vulneráveis. No entanto, há debates sobre os limites de proteção, uma vez que, em alguns casos, pode entrar em conflito com o direito dos credores, conforme será demonstrado a seguir.
2. Impenhorabilidade da aposentadoria:
A aposentadoria é direito de todo trabalhador brasileiro que completa os requisitos mínimos determinados pela Lei n.º 8.213/91 e consiste em remuneração paga mensalmente pelo Estado ao aposentado, com o intuito de possibilitar a manutenção do sustento daquele trabalhador que, por alguma das razões estipuladas na referida lei, não mais desenvolve suas atividades laborais.
A aposentadoria, em regra, possui natureza substitutiva, ou seja, o trabalhador deixa de auferir sua renda mensal e recebe o benefício previdenciário em seu lugar.
Dessa forma, não restam dúvidas acerca do caráter alimentar do benefício previdenciário, já que, em regra, é a única fonte de renda auferida pelo cidadão, que, por sua vez, deverá promover o seu sustento e de seus familiares com tal quantia.
Vale ressaltar que o caráter alimentar é definido por tudo aquilo que se revela como essencial para a manutenção da vida de uma pessoa, como por exemplo, alimentos, medicamentos, educação e lazer, ou seja, o indispensável à vida digna, tendo como princípio basilar o da dignidade da pessoa humana.
Além disso, salutar consignar que para concessão do benefício em questão, se faz necessária a contribuição do trabalhador com a Previdência Social, esperando que, quando não possuir mais condições de laborar e auferir renda por si só, a verba a título de aposentadoria lhe será concedida para que possa depender exclusivamente dela para manter sua sobrevivência.
Por se tratar de verba alimentar e com caráter substitutivo, o benefício previdenciário deve ser analisado de forma cuidadosa e merece especial proteção legal e de interpretação, a fim de garantir a sobrevivência do beneficiário, que possui como fonte de renda e sustento, tão somente a aposentadoria.
Nesse sentido, ante a essencialidade do benefício em questão, o art. 833, IV do Código de Processo Civil, determina que os valores provenientes de aposentadoria são impenhoráveis, justamente por ser verba alimentar, in verbis:
Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
Por meio do dispositivo legal supramencionado, o legislador buscou proteger os rendimentos mínimos para que o beneficiado possa prover sua subsistência e de sua família, respaldado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana.
Vale destacar que o art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, não traz qualquer outro requisito como a prova da essencialidade dos valores oriundos da aposentadoria, mesmo porque, por se tratar de verba alimentar e substitutiva ao salário, ela é presumida.
A impenhorabilidade da aposentadoria não decorre apenas do art. supra mencionado, mas também do consolidado entendimento jurisprudencial de diversos Tribunais de Justiça e ainda, do próprio Superior Tribunal de Justiça, que convergem no sentido de necessidade de proteção de tal verba, porque usada como forma de garantir a subsistência digna do beneficiário e manter sua dignidade material.
Acerca do tema, colaciona-se, de forma exemplificativa, o seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 950.949 – MG (2016/0183566-2) RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO AGRAVANTE: EDUARDO FRANCO AGRAVADO: BANCO DE CRÉDITO REAL DE MINAS GERAIS DECISÃO PROCESSO DE EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE – PREVIDÊNCIA PRIVADA – SALÁRIO – PROVA – POSSIBILIDADE – EXCESSO DE EXECUÇÃO. Em se tratando de verba decorrente de salário, ou ainda de proventos de aposentadoria, prevalece no ordenamento jurídico a regra da impenhorabilidade. É viável a manutenção da penhora, no caso de encontradas, em contas e/ou aplicações financeiras de titularidade do agravante, uma quantia superior àquela que representa o valor de seu rendimento mensal líquido. A impenhorabilidade dos valores depositado sem fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC. (REsp 1.121.426/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 20/3/2014; grifou-se). “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SALDO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. IMPENHORABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS DETERMINADA À LUZ DO ART. 36 DA LEI 6.024/74. MEDIDA DESPROPORCIONAL. 1. O regime de previdência privada complementar é, nos termos do art. 1º da LC 109/2001, ‘baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal’, que, por sua vez, está inserido na seção que dispõe sobre a Previdência Social. 2. Embora não se negue que o PGBL permite o ‘resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante’ (art. 14, III, da LC 109/2001), essa faculdade concedida ao participante de fundo de previdência privada complementar não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente. Diante do exposto, nos termos do art. 253, parágrafo único, II, b, do RISTJ, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial. Publique-se. Brasília (DF), 22 de março de 2017. MINISTRO RAUL ARAÚJO Relator (STJ – AREsp: 950949 MG 2016/0183566-2, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Publicação: DJ 10/04/2017) – (grifos nossos)
Nesse sentido, a proteção legal às verbas que possuem caráter alimentar, as quais possuem o cumprimento de princípios constitucionais fundamentais, tais como o da dignidade da pessoa humana, assegurando a subsistência e sobrevivência digna do devedor, qual foi o objeto de interpretação benéfica pelo STJ, que consolidou entendimento que a impenhorabilidade dos vencimentos, soldos, salários e outras verbas remuneratórias, tem caráter absoluto (AREsp 877428 / RJ, STJ – T4, Min. Raul Araújo, julg. 14.03.2017, DJe 27.03.2017).
Por essa razão, não há espaço para interpretação contra legem e in malam partem, com base apenas na formalidade judicial de ver satisfeita a execução.
Isso porque, no decorrer do exercício de sua jurisdição, não são atendidos somente os interesses particulares do credor, devendo, também, serem preservados os direitos constitucionais e fundamentais do devedor.
Permitir a penhora de aposentadoria seria o mesmo que relativizar o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, em hipótese alguma pode ser sobrepesado. Isso porque, o caráter substitutivo e alimentar do benefício faz com que a aposentadoria seja a única fonte de renda do beneficiário que permite o sustento e de sua família, e por consectário lógico, garante o mínimo necessário para uma vida digna.
Diante do exposto, verifica-se que a aposentadoria não se trata de mero benefício concedido ao trabalhador, e sim de verba mensal que garanta a sua sobrevivência e de sua família, uma vez que é percebido como fonte substitutiva ao salário do beneficiário, que não mais desenvolve atividade laboral, e portanto, possui caráter alimentar, de forma que a sua penhora implicaria em relativização do determinado no art. 833, IV do Código de Processo Civil e, consequentemente, do princípio da dignidade humana.
3. Conclusão:
É certo que a execução corre em favor do credor, que possui como direito e dever buscar meios para obter a satisfação do seu crédito. Contudo, os meios para liquidação do crédito não podem obstar os direitos básicos do devedor e, muito menos, ferir princípios constitucionais fundamentais.
Por esse motivo, a redação do art. 833, IV do Código de Processo Civil determinou a impenhorabilidade dos proventos da aposentadoria, por se tratar de verba com caráter alimentar e substitutivo ao salário, que permite ao beneficiário uma vida digna para si e seus familiares.
A relativização do art. 833, IV por meio da penhora de aposentadoria do devedor em favor do credor implicaria em negar ao beneficiário o mínimo indispensável para a manutenção da sua sobrevivência, em outras palavras, seria relativizar o princípio da dignidade da pessoa humana, o que não se pode admitir.
Dessa forma, a impenhorabilidade dos proventos da aposentadoria estabelecida pelo art. 833, IV do Código de Processo Civil é de suma importância para a manutenção da vida digna dos seus beneficiários, não podendo ser relativizada sob pena de afronta aos direitos básicos do devedor.
4. Bibliografia:
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FRANTZ, Sâmia. Impenhorabilidade do salário: quando ela é aplicada. Serasa, 2023. Disponível em: https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/impenhorabilidade-salario/. Acesso em: 08 out. 2023.
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1Advogado e Especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas