REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8397126
Daniel Azevedo Campos Henriques
RESUMO
O presente artigo irá dissertar acerca da origem e desenvolvimento do Blues como gênero musical e movimento cultural, problematizando a questão escravista e racial nos E.U.A, os movimentos de resistência e como o Blues se liga aos mesmos, como esse gênero musical influencia gêneros posteriores como o Jazz e o Rock, quais os impactos econômicos que o Blues traz para a sociedade americana, que vão desde a inserção em uma nova esfera econômica por parte dos negros ao fomento da indústria fonográfica, quais os desdobramentos desses impactos e por fim, o seguinte artigo busca discutir a problemática acerca de que como em um contexto escravista e extremamente racista o Blues consegue não somente resistir e sobreviver como ser apreciado por Brancos, que hoje constituem seu público majoritário, assim como se deu tais procedimentos e transições acima citadas? É justamente acerca desses questionamentos que o artigo abaixo Irá se debruçar a seguir.
PALAVRA-CHAVE: Blues. História Social. Origem. Desenvolvimento. Impactos culturais. Impactos econômicos.
ABSTRACT
This article will discuss the origin and development of the blues with the musical genre and culture movement, problematizing the slave and racial issue in the U.S.A, resistance movements and how the blues are linked to them, as this musical genre influences later genres such as jazz and rock, what economic impacts the blues brings to American society ranging from the insertion of a new economic sphere by the blacks to the promotion of the music industry, what the consequences of those impacts are, and finally, the following This article tries to discuss the problematic about how, in a slave and extremely racist context, the blues can not only resist and survive, but also be appreciated by whites who today constitute their majority audience? Just as there were such procedures and transitions mentioned above, it is precisely about these questions that the following article will go on to follow.
KEYWORDS: Blues. Social History. Origin. Desenvolviment. Culturals Impacts. Economic Impacts.
INTRODUÇÃO:
Nesta pesquisa iremos tratar da origem do Blues como estilo musical e forma de expressão cultural, apontando seu contexto histórico-social, seu início e desenvolvimento, cuja a origem podemos identificar nos antigos cânticos evocados por escravos em plantações rurais estadunidenses, principalmente de algodão, no delta do Mississipi, região vizinha de New Orleans, ao qual se denomina o gênero spirituals que antecede o Blues e lhe dá a característica do padrão de canto e resposta, e se expandindo por meio de migrações para demais regiões do sul e centro-sul. (FERRI,2011) Tal localização vizinha de New Orleans, berço do Jazz,explica diretamente a questão de não somente o Jazz ter bebido da fonte do Blues mas também de ambos os estilos conversarem entre si ao ponto de terem influenciado um ao outro, se interagindo de diversas formas até hoje.
Quanto a muitas dessas migrações citadas acima, é importante destacar que se deram na busca por melhores condições de vida e oportunidades, em virtude principalmente de dois fenômenos históricos, sendo o primeiro e mais importante deles a criação das leis segregacionistas “Jim Crow” no Sul em 1896, uma série de determinações para legitimar a discriminação racial e dificultar o acesso dos negros ao voto que fez com que muitos deles migrassem para outros estados como Illinois e Nova York. Tais leis surgiram no governo de Grant, se iniciando no Tennessee, com a proibição dos casamentos inter-raciais e sendo o ensaio para o que viria depois com os demais estados sulistas seguindo tais práticas que dariam início as leis Jim Crow, cujo termo deriva de uma música popular e fora aproveitado pelo comediante Thomas Dartmouth para usa-lo em um personagem que satirizava e menospreza o negro, sendo popularizado posteriormente como uma denominação genérica aos mesmos. Essas leis restringiram os negros de diversos direitos promovendo uma intensa segregação racial legalizada no Sul, das quais brancos e negros não podiam frequentar os mesmos trens, estações, escolas, cais, hotéis, barbearias, restaurantes, teatros e etc, (KARNAL, 2007) sendo consolidadas no governo Wilson, que era simpatizante de tais ideais segregacionistas até mesmo da Ku Klux Klan, (TOTA, 2009) e revogadas somente entre as décadas de 50 e 60 com força de nomes como Martin Luther King, representando uma grande conquista social para os negros.
Quanto ao segundo fenômeno que impulsiona esse movimento migratório, destaca-se a interrupção do fluxo de imigrantes causada pela primeira guerra mundial que irá provocar maciço deslocamento e recrutamento de mão de obra oriundas do sul, fazendo com que muitos negros tenham oportunidades de trabalho em diversas industrias de produção em massa, afetando inclusive na própria musicalidade e expansão do Blues pois quando ocorre o grande deslocamento para o Norte, principalmente para Chicago, o Blues irá se eletrificar fazendo a cama para o surgimento de novos estilos e tendências, saindo dos limites do Sul e Centro-Sul no qual estava estabelecido até então, pois demora muito mais do que o Jazz para alcançar os recantos urbanos. Assim o chamado delta blues começava não só a sua expansão mas também as suas modificações iniciais que culminarão no surgimento de não apenas novos estilos mas também diversas ramificações dentro do próprio Blues, como o já citado Chicago Blues que influenciará fortemente a música britânica da década de 60 e contará com grandes nomes como John Lee Hocker, Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Buddy Guy e B.B King, considerado por muitos o Rei do Blues, o Jump Blues cujo o ritmo dançante influenciará decisivamente o surgimento do rhythm & blues e seu grande inventor e expoente será o músico Louis Jordan que além de cantar, tocava piano, clarineta e saxofone! dando ao Blues uma interessante levada dançante, o Boogie-Woogie que dava amplo destaque ao Piano e com nomes como Pete Johnson, Albert Ammons, Meade Lux Lewis, o Texas Blues caracterizado pela presença marcante da guitarra em nomes como Freddy King, Lightning Hopkins e Stevie Ray Vaughan, um dos ultimos grandes nomes do subgênero, dentre muitos outros diferentes e populares tipos de Blues, nos quais se originam as primeiras blues bands formadas por instrumentos acústicos autênticos como violões, mandolins, banjos e violinos, misturados a instrumentos improvisados feitos de jarros, caixas de madeira e entre outras coisas do cotidiano que pudessem ser reaproveitadas, contrapondo o até então formato tradicional que vigorou até os anos 20 onde se destaca a figura de bluesmens como Son House, Charlie Patton, Blind Lemon Jefferson e Robert Johnson, em que muitos consideram como um grande mestre do Blues, se apresentando sozinhos, acompanhados geralmente de um violão, e se juntando apenas em ocasiões raras e especiais em locais maiores onde se dançava no extremo sul do País, dando origem aos primeiros grupos de Jazz, aos corais gospel e às jug bands.(FERRI, 2011)
Além de apontar o que esse gênero musical possui como características artísticas e culturais, se faz extremamente necessário apontar o que o mesmo trouxe como consequências históricas para a inserção social do negro na sociedade americana pós guerra civil, em que ocorre a vitória do modelo nortista, abolicionista e com produção industrializada, sobre o modelo sulista, pautado na mão de obra escrava e no modo de produção agrário, fundamental também no processo migratório citado acima, em que apesar de terminada a escravidão, a condição desigual do negro continuou extremamente presente nos E.UA. de forma que nem com o impulso progressista vivido no começo do século XX, em que se lutava por mudanças sociais fazendo surgir uma série de comissões, inquéritos e leis para investigar e regular o comportamento industrial nos governos Roosevelt, Taft e Wilson, os mesmos tiveram suas condições melhoradas, muito pelo contrário, pois ao mesmo tempo negros, imigrantes e pobres passam a perder direitos com decretos como: restrição ao voto para negros (Jim Crow), a instituição da obrigatoriedade de alfabetização e por fim, a necessidade de residência fixa para a contratação em determinados empregos diminuindo assim as oportunidades para imigrantes e pobres evidenciando portanto o caráter conservador das administrações Roosevelt, Taft e Wilson principalmente, que contavam com a adesão da maioria das grandes corporações, cujos líderes cultivavam um ideal de eficiência e regulação voltados a garantir a estabilidade, paz social e, mais importante, o aumento dos próprios lucros, dando continuidade a política de expansão do capitalismo norte-americano. (KARNAL,2007). Assim é importante enfatizar que a guerra de secessão trouxe para os E.U.A diversas consequências histórico-culturais das quais não podem deixar de ser mencionadas, como no âmbito social trazendo consigo ao mesmo tempo a abolição da escravidão e medidas segregacionistas no Sul, como já mencionadas, e o surgimento da Ku Klux Klan em 1865, também no Estado de Tennesse, que se originou como uma sociedade secreta se tornando um dos grupos racistas mais radicais no mundo e com diversos apoiadores até os dias de hoje. No âmbito econômico se tem a consolidação do modelo industrial, possibilitando a figura de grandes empresários que irão dominar o mercado exercendo o monopólio comercial por meio de Trustes, e que vão se beneficiar de brechas na Lei, como a que dizia que se um Juiz ou funcionário aceitassem pagamento em dinheiro e privadamente, não haveria necessariamente provas de sua desonestidade, que farão desse período um dos mais corruptos da história americana, possibilitando assim o aparecimento de figuras como a de John D. Rockefeller, um dos maiores empreendedores americanos que fundará a Standart Oil em 1872 (TOTA, 2009) e se aproveitará muito desse contexto para formar seu grande império.
Com relação a questão cultural, que é o grande foco dessa pesquisa, a guerra civil americana trouxe uma grande popularização do Banjo, instrumento de vital importância para as blues bands bem como outros estilos como o Folk e etc, uma vez que que durante a guerra era comum haver reuniões musicais de pessoas dos enclaves mais isolados sendo uma forma popular de entretenimento entre as tropas e decisiva ao Blues e também ao Jazz, pois seus impactos foram decisivos para as suas respectivas continuações e também expansões, se tornando além de símbolos culturias, grandes simbolos de resistência para os negros ao qual Leandro Karnal enfatiza da seguinte maneira:
[…] A esperança dada pela liberdade acordada após a guerra civil persistiu. Muitos criaram famílias estáveis, lutaram para sobreviver e construíram espaços sociais e culturais autônomos, inclusive linguagens populares dinâmicas e criativas como o Jazz e o Blues. (KARNAL, 2007 p. 157)
Mostrando portanto a importância histórica da Guerra de Secessão para a preservação, consolidação e expansão do Blues e do Jazz como estilos e movimentos culturais, bem como também para outras atividades e formas de expressão por parte dos negros que passaram a buscar novas alternativas de sobrevivência e de inserção na economia, fundando clubes de entretenimento onde rolavam bebidas e música, sendo o Cotton Club o mais famoso deles que esteve intensamente ativo durante os anos 20 em que vigorava a Lei Seca instituída pelo governo Wilson, e contava com as principais apresentações de Blues e Jazz, principalmente, de Nova York, bem como ouutros lugares de muita importância como o Lennox Avenue e Seventh Avenue no Harlem que nessa época chegou a sediar pelo menos 20 clubes de Jazz e outros clubes e bares clandestinos em Chicago que darão origens a novas ramificações do Blues, citadas acima, nos novos gêneros musicais posteriores e a novas formas de ganho para os negros além dos trabalhos com condições precárias nas industrias.
PERSPECTIVAS CULTURAIS
Uma questão que esse artigo visa apontar, mesmo que brevemente, é o fato de que o Blues não trouxe consequências culturais/econômicas apenas para a sociedade norte-americana, pois como será visto esse estilo musical através de diversos elementos culturais que formam a sua linguagem própria, de fato será a semente de grande parte da produção musical/cultural americana, incluindo o Jazz no qual ambos os estilos se dialogam constantemente estando o Blues para o Jazz como a terra estava para Anteu, da mitologia grega (HOBSBAWM,1990), acarretando portanto em um movimento que irá não só inserir o negro como agente ativo nessa sociedade, mas também vai gerar ecos e influências para além do continente norte-americano, como bem enfatizam Marcos Sorrilha Pinheiro e Fred Maciel em seu artigo: […]“o Blues também serviu de influência para grandes nomes da música como Rolling Stones(cujo nome deriva de uma música de Muddy Waters), Eric Clapton, Led Zeppelin e Jimi Hendrix” (PINHEIRO, Sorrilha Marcos; MACIEL, Fred; Blues: Manifestação e inserção sócio cultural do negro no início do século XX, Outros Tempos, São Paulo, volume 8, número 12, pg 235-236, 2011), onde inclusive o próprio Rolling Stones começou como uma banda de blues, Eric Clapton que é influenciado diretamente por Freddy King, Elvis Presley e dentre outros nomes que integrarão o Rock n Roll, que além de filho direto do Blues, atingirá boa parte da cultura ocidental doas anos 60, 70 e 80, trazendo inúmeras consequências sociais e mostrando portanto o quão importante e complexo é esse gênero musical que influenciou tantos outros. Porém como se caracteriza musicalmente o Blues? e como se deu tais influências musicais acima citadas em demais estilos? O mesmo, de acordo com Hobsbwam, pode se definido como um substrato permanente de todos os estilos e caracterizado musicalmente pela presença das blue notes, que são a terceira e sétima notas da escala maior abemoladas, ou seja, em um exemplo em Dó Maior é como se a escala melódica padrão deixasse de ser: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si para passar a ser: Dó, Ré, Mi Bemol, Fá, Sol, Lá, Si Bemol, dando o padrão e característica melódica marcante do Blues, cujo o termo deriva de tristeza e melancolia, sendo portanto a marca registrada desse estilo que irá formar seus solos, melodias e introduções, chamadas de riffs, que influenciarão de forma decisiva no Jazz, Rock e Soul em todos os aspectos citados.
Quanto a sua estrutura instrumental de acompanhamento, que em linguagem técnica de música é chamada de estrutura harmônica, a mesma é constituída por acordes como define Rafael Palmeira da Silva em “O blues como estrutura fundamental do Jazz”, que terão sua base formada pela base harmônica européia, cujo o conflito entre ela e a linha melódica proporcionada pelas blue notes produzirá um dos efeitos mais característicos do estilo, havendo dentro dessa harmonia apenas o acréscimo da sétima nota abemolada da escala de cada acorde, passando a se ter em uma progressão em Dó Maior a seguinte sequência: Dó com sétima menor, Fá com sétima menor, Dó com sétima menor, Sol com sétima menor, Fá com sétima menor e repetindo-se o Dó com sétima menor, onde o número e sequência desses acordes irão dar a característica e estrutura rítmica do Blues que além disso, também será marcado pela estruturação em doze compassos, ao qual se tornará também um padrão para a improvisação jazzística, onde a voz preenche os compassos 2,3,5,6,9,10 e a parte instrumental o restante, herdando o padrão de canto e resposta da cultura africana, que unido as blue notes, serão características musicais marcantes e de fundamental influência em estilos posteriores.
Quanto a sua disposição poética de versos, o Blues se organizará em três versos sendo o segundo uma repetição do primeiro, geralmente, como se observa em clássicos do gênero como sweet home chicago , e apresentando temáticas abordando a insalubre condição escravista vivida pelos negros, herdando as temáticas abordadas nas work songs e nos spirituals , além de trabalhar com temáticas relacionadas a amor, sexo e traição, o que pode explicar porque o Blues até 1914 era visto como música de bordel como aponta Hobsbawm e porque demora a alcançar os recantos urbanos, cujo a sua formação musical era simplesmente idêntica a formação inicial do Rock, havendo apenas justamente uma mudança temática nas letras e no próprio andamento da música, sendo não somente por uma questão comercial mas também uma consequência da interação de novas pessoas com o gênero e também da forte inserção do R&B que acompanhada a eletrificação do Blues e do aparecimento da guitarra, irá começar a costurar aquilo que viria a ser o Rock, que juntamente a outros estilos, terá um impacto significativo na cultura contemporânea e renderá milhões para o mercado musical fonográfico fazendo a economia girar ainda mais na relação de compra e venda de discos.
PERSPECTIVAS ECONÔMICAS
Partindo agora para o viés econômico, é necessário enfatizar a ideia de que junto com
o Jazz, o Blues irá marcar uma nova presença pública negra na sociedade americana, passando
a ser com o passar do tempo uma das maiores contribuições culturais para o país e para o mundo
possibilitando a construção de espaços sociais autônomos, dialogando com a ideia de que este
se tornou um importante meio de sobrevivência e ganho financeiro para os negros após a guerra
de secessão(KARNAL,2007), argumento no qual André Felipe Espínola (2016, p. 279) ajuda a
enfatizar ainda mais da seguinte forma em seu artigo sobre o Blues no Sul dos E.U.A:
“O blues teve um impacto econômico traduzido em forma de se conseguir um meio
de vida de onde poderiam conseguir algum dinheiro. Ou seja, em uma sociedade
bastante segregada, o Blues surge como uma música da comunidade negra para a
comunidade negra. Todo negro, do Norte e do Sul, que tivesse o dinheiro comprava
um aparelho fonográfico. Todo jovem rapaz, cortejando a sua garota no sábado a
noite trazia consigo o último hit da paramount ao invés de uma caixa de doces”
Além dessas questões ligadas ao ganho financeiro necessário para sobrevivência, fica claro ao final da citação que o Blues fez aquecer o mercado fonográfico até pela fidelidade de seu consumidor, e assim a medida que foi alcançando os recantos urbanos, o mesmo foi se modificando de modo que hoje, por meio de diversos elementos mas muitos deles por grande influência musical do Blues, a música se constituiu como parte significativa na economia norte- americana, ajudando portanto não somente o crescimento e o inserção social dos negros mas também o crescimento dos E.U.A como um todo. Porém apesar de toda sua riqueza e contribuição, atualmente o cenário comercial do Blues não é dos melhores, onde jovens afrodescendentes não demonstram mais interesse pelo gênero e suas raízes, porque representa algo que eles associam à extrema pobreza, a subserviência e um passado ao qual definitivamente não querem recordar, passando a cultuar novos gêneros como o Rap e o Funk moderno, o que explica a ausência de grandes nomes negros no Blues, com exceção de Robert Cray, na contemporaneidade.(FERRI,2011)
CONCLUSÃO:
Ao encerrar o presente artigo se faz necessário não somente enfatizar o quão rico e
influente em toda cultura ocidental é o Blues, mas também é muito importante fazer um
mergulho acerca do processo escravista norte-americano, para que assim possamos explicar
como esse gênero sobreviveu e resistiu sendo inclusive apreciado por brancos, que hoje
constituem seu maior público consumidor. Ao falar do processo escravista nos E.U.A, é
importante lembrar que o pioneirismo se dá na região da Virgínia em 1619 pois o Blues não
nasce do delta do Mississipi a toa, existe todo um contexto de opressão e resistência anteriores
que farão a cama para o seu nascimento, pois no Sul agrícola, a escravidão cruel e repugnante
fez com que muitos escravos criassem sólidos e inteligentes movimentos de resistência,
conforme enfatizam Richard Price e Sidney Mintz, que irão combater a ideia de passividade
dos escravos acerca de sua realidade, ajudando a construir a ideia de que apesar de tentarem
apagar seus traços culturais e literalmente americaniza-los, a estratégia não se fez bem sucedida
por inteiro e justamente através desse processo de imposição e resistência que nascem novas
tendências e principalmente se desenvolve um marco temático para as canções do Blues,
apresentando a seguinte perspectiva teórica:
“Cremos que o monopólio de poder exercido pelos europeus nas colônias escravagistas teve uma forte influência nas maneiras como foram mantidas as continuidades culturais e sociais da África, bem como as maneiras pelas quais foi possível a ocorrência de inovações. Mas devemos também enfatizar os problemas
enfrentados pelas classes senhorias no controle dos escravos e na consecução dos objetivos a que se destinavam as economias das colônias agrícolas de base (MINTZ,PRICE, 2003, p.44)
Além do já mencionado processo histórico, o Blues nasce dentro desse contexto social
escravista incorporando movimentos culturais anteriores, que contribuirão junto a novos
valores herdados, a formar a estrutura rítmica e poética do mesmo, que muitas vezes apesar da
repreensão aos canticos evocados nas plantações rurais, os mesmos quando não feitos as
escondidas, foram resistindo até o final da guerra civil e da escravidão nos E.U.A. Ao final
desse longo período, a resistência e evolução do Blues portanto podem ser explicadas, de acordo
W.E.B. Du Bois em seu livro, “As almas da gente negra”, por meio de uma evolução musical
dos afro-americanos em três etapas: Uma primeira, predominantemente africana, uma segunda,
afro-americana, e uma terceira que é a música negra misturada com a música ouvida na terra
adotiva, mostrando que gradualmente valores culturais novos vão surgindo a partir de novos
contatos e experiências sociais, teoria que é reforçada também na fundamentação do artigo
sobre o Blues no Sul dos E.U.A., cujo o autor André Felipe de Albuquerque Espínola apresenta
a ideia de que através de processos de apropriação, cruzamento e fusão da música com a cultura,
identidade, elementos raciais e condições sociais e econômicas se forma o Blues e se observa
seus impactos e influências nas principais formas da música popular norte-americana do século
XX.
Sendo assim por meio de diversas perspectivas teóricas apesentadas nesse artigo, é possível caracterizar o Blues como uma mistura de aspectos culturais nativos da África com os novos herdados na América, que culminarão no surgimento de outros novos estilos já enquadrados na terceira fase dessa evolução cultural afro-americana proposta por Du Bois e que irá através dos elementos mencionados nessa pesquisa, formar um do estilos musicais mais icônicos e influentes da história.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :
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DU BOIS, W.E.B. As almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda. 1999
ESPÍNOLA, André Felipe de Albuquerque; Uma discussão de classe e uma história social do Blues no Sul dos Estados Unidos, Espacialidades [online], Volume 9, Número 1, Jan-Jun, 2016)
FERRI, Renê. A arte nas cordas. São Paulo: Escala, 2011.
HOBSBAWM, Eric. História social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e terra. 1990
KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: Das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007
MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana. Uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas/ Universidade Cândido Mendes, 2003.
PINHEIRO, Sorrilha Marcos; MACIEL, Fred; Blues: Manifestação e inserção sócio cultural do negro no início do século XX, Outros Tempos, São Paulo, Volume 8, Número 12, Dezembro, 2011)