A GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS COM A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL: UMA ANÁLISE DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS COMO SUJEITOS DE DIREITOS

SHARED CUSTODY OF DOMESTIC ANIMALS WITH THE BREAKDOWN OF MARITAL LIFE: AN ANALYSIS OF NON-HUMAN ANIMALS AS SUBJECTS OF RIGHTS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202506101950


Bruno Lopes Biliatto1
Maria Isabella Camurça Pereira2


Resumo 

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade da guarda compartilhada de animais domésticos diante da ruptura da vida conjugal, com enfoque no reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. O tema ganha relevância à medida que a afetividade entre humanos e seus animais de estimação se fortalece, levando a disputas judiciais sobre sua guarda após separações. No Brasil, os animais ainda são juridicamente considerados bens, o que limita a proteção de seus interesses e bem-estar no contexto familiar. 

A pesquisa busca compreender como o ordenamento jurídico pode evoluir para assegurar direitos aos animais em disputas de guarda, considerando sua senciência e vínculos afetivos. Para isso, será adotada uma metodologia bibliográfica e documental, analisando doutrinas, jurisprudências e legislações sobre o tema. Além disso, o estudo abordará princípios do Direito de Família, como a afetividade e a função social da família, que podem embasar a ampliação da proteção jurídica dos animais. 

Ao final, espera-se demonstrar a necessidade de uma regulamentação específica que considere o bem-estar dos animais e estabeleça critérios objetivos para a guarda compartilhada em casos de separação conjugal. A pesquisa também busca contribuir para o debate jurídico e social sobre a evolução dos direitos dos animais no Brasil, promovendo maior proteção e dignidade a esses seres. 

Palavras-chave: Guarda compartilhada. Animais domésticos. Direito de Família. Direito dos Animais.

Abstract 

This paper aims to analyze the possibility of shared custody of domestic animals in the event of a marital breakdown, with a focus on recognizing animals as subjects of rights. The topic gains relevance as the affection between humans and their pets grows stronger, leading to legal disputes over their custody after separations. In Brazil, animals are still legally considered property, which limits the protection of their interests and well-being in the family context. 

The research seeks to understand how the legal system can evolve to ensure the rights of animals in custody disputes, considering their sentience and emotional bonds. To this end, a bibliographic and documentary methodology will be adopted, analyzing doctrines, case law and legislation on the subject. In addition, the study will address principles of Family Law, such as affection and the social function of the family, which can support the expansion of legal protection for animals. 

Ultimately, the aim is to demonstrate the need for specific regulations that consider the well-being of animals and establish objective criteria for shared custody in cases of marital separation. The research also seeks to contribute to the legal and social debate on the evolution of animal rights in Brazil, promoting greater protection and dignity for these beings. 

Keywords: Shared custody. Domestic animals. Family law. Animal rights.

1. INTRODUÇÃO 

O vínculo entre humanos e animais domésticos tem se fortalecido ao longo dos anos, a ponto de muitos os consideram membros da família. Com isso, questões jurídicas envolvendo esses animais se tornaram mais complexas, especialmente no contexto da dissolução de uniões conjugais. A guarda compartilhada de animais domésticos surge como uma necessidade diante desse novo cenário social e jurídico, mas ainda enfrenta desafios legais, pois o ordenamento jurídico brasileiro tradicionalmente trata os animais como bens, e não como sujeitos de direitos (SILVA; MAFFEI, 2021)3.  

A problemática central desta pesquisa reside na ausência de regulamentação específica para a guarda de animais domésticos em casos de separação conjugal, o que gera insegurança jurídica e decisões baseadas apenas em analogias com o direito de família. O Código Civil brasileiro ainda classifica os animais como propriedade, o que contrasta com a evolução do conceito de família e com o reconhecimento dos animais como seres sencientes, dotados de interesses próprios (ESPANHOLI, 2023)4. Assim, este estudo busca analisar o tratamento jurídico necessário para a guarda compartilhada de animais domésticos no Brasil e investigar como a legislação pode evoluir para garantir seus direitos e bem-estar.  

Para isso, será realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, analisando legislações, jurisprudências e doutrinas que discutem os direitos dos animais e o direito de família. Através dessa abordagem, pretende-se contribuir para o debate jurídico sobre a necessidade de proteção dos animais domésticos no contexto familiar, promovendo maior segurança jurídica e justiça social.  

2. O DIREITO DE FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES 

O Direito de Família é um dos ramos mais dinâmicos do ordenamento jurídico, pois acompanha diretamente as mudanças sociais e culturais que ocorrem ao longo do tempo. A família, enquanto instituição, deixou de ser vista apenas como uma entidade formada pelo casamento tradicional e passou a englobar diversas configurações, reconhecendo vínculos baseados no afeto e na convivência. Essa transformação se reflete no ordenamento jurídico brasileiro, que, gradativamente, vem adequando suas normas para garantir maior proteção e reconhecimento a novas formas de organização familiar. 

Historicamente, a concepção de família esteve atrelada a um modelo patriarcal, no qual o casamento era a única forma legítima de constituição de um núcleo familiar. O Código Civil5 de 1916 refletia essa visão, conferindo ao homem o papel de chefe da família e restringindo os direitos da mulher e dos filhos fora do casamento. Com o advento da Constituição Federal de 19886, o cenário jurídico foi modificado, trazendo uma visão mais pluralista e inclusiva sobre a família. O art. 226 da Constituição ampliou o conceito de família, reconhecendo a união estável e as famílias monoparentais como entidades familiares dignas de proteção estatal. A partir dessa evolução constitucional, o Código Civil de 2002 consolidou essas mudanças, removendo discriminações entre filhos legítimos e ilegítimos e introduzindo o conceito de poder familiar, em substituição ao pátrio poder, garantindo igualdade de direitos e deveres entre os pais. Além disso, reconheceu o afeto como elemento central das relações familiares, permitindo que o Direito de Família passasse a ser orientado por princípios como a dignidade da pessoa humana e a proteção integral dos envolvidos. 

O reconhecimento da diversidade familiar tem sido um dos maiores avanços do Direito de Família. Atualmente, o conceito de família não se restringe apenas ao vínculo biológico ou matrimonial, mas se estende a diversas formas de constituição familiar, como as famílias recompostas, multiparentais e homoafetivas. Esse reconhecimento é essencial para garantir direitos iguais a todos os membros da família, independentemente da sua configuração. 

Diante desse reconhecimento da diversidade no âmbito familiar é importante a concepção da família multiespécie, que reconhece os animais domésticos como parte do núcleo familiar. Esse entendimento gera implicações diretas nas decisões judiciais relacionadas à guarda e ao bem-estar dos animais em casos de dissolução conjugal. Assim sendo, a jurisprudência brasileira já começa a reconhecer que, em muitas situações, os laços afetivos entre humanos e animais devem ser protegidos pelo Direito de Família, afastando a visão patrimonialista dos animais como meros bens móveis. 

 2.1. O impacto das transformações familiares na legislação e na jurisprudência 

Recentemente, propostas legislativas têm buscado regulamentar questões como a multiparentalidade, a guarda compartilhada de animais domésticos e os direitos sucessórios de diferentes configurações familiares. O Projeto de Lei nº 4/20257, por exemplo, propõe alterações ao Código Civil, sobretudo o reconhecimento da família multiespécie, garantindo proteção legal aos animais de estimação no contexto familiar. Vejamos um trecho da redação do referido Projeto de Lei nº 4/2025: 

Art. 91-A. Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial. 
§ 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais. 
§ 2º Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis, subsidiariamente, aos animais as disposições relativas aos bens, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza, considerando a sua sensibilidade. 

A senciência animal refere-se à sentir emoções, dor e prazer, o que os distingue de meros objetos inanimados. Estudos científicos comprovam que diversas espécies, especialmente mamíferos e aves, possuem sistemas nervosos complexos que lhes conferem sensibilidade e percepção do ambiente. A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE)8 reconhece a senciência dos animais e defende a necessidade de protegê-los contra sofrimentos desnecessários. 

No contexto jurídico, tratar os animais como bens móveis, conforme estabelecido pelo Código Civil, é uma concepção ultrapassada e incompatível com os avanços científicos e sociais. A visão antropocêntrica, que considera os animais como propriedade, vem sendo contestada por doutrinas que propõem um novo status jurídico para os seres sencientes. Países como Portugal e Espanha já reformularam suas legislações para reconhecer os animais como “seres vivos dotados de sensibilidade”, estabelecendo um novo paradigma de proteção e bem-estar animal. 

No âmbito da guarda dos animais e despesas sustentadas pelos cônjuges com relação aos seus “pets” após a dissolução da vida conjugal também prevê o Projeto de Lei nº 4/2025 em seu Artigo 1.566: 

“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges ou conviventes: 
IV – de forma colaborativa assumirem os deveres de cuidado, sustento e educação dos filhos, dividindo os deveres familiares de forma compartilhada. 
§ 1º Ainda que finda a sociedade conjugal ou convivencial, ex-cônjuges ou ex-conviventes devem compartilhar, de forma igualitária, o convívio com filhos e dependentes. 
§ 2º Igualmente devem os ex-cônjuges e ex-conviventes compartilhar as despesas destinadas à manutenção dos filhos e dos dependentes, bem como as despesas e encargos que derivam da manutenção do patrimônio comum. 
§ 3º Os ex-cônjuges e ex-conviventes têm o direito de compartilhar a companhia e arcar com as despesas destinadas à manutenção dos animais de estimação, enquanto a eles pertencentes.” 

Além disso, decisões judiciais inovadoras vêm ampliando a aplicação dos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana, assegurando direitos anteriormente não previstos na legislação. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais de Justiça estaduais têm se destacado na proteção dos novos arranjos familiares, reconhecendo, por exemplo, a possibilidade de guarda compartilhada de animais domésticos e a equiparação de vínculos socioafetivos pelos vínculos biológicos. Esse movimento jurisprudencial demonstra uma tendência progressista, alinhada à necessidade de adaptação do Direito à realidade social contemporânea (KELLERMANN; MIGLIAVACCA, 2018)9

Adicionalmente, em abril de 2024, a Comissão de Juristas instituída para discutir a reforma do Código Civil aprovou propostas significativas no âmbito do Direito de Família. Dentre as mudanças, destacam-se o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, bem como a inclusão do casamento entre “duas pessoas”, ampliando o conceito anteriormente restrito a “marido e mulher”. Essa alteração visa incluir casais homoafetivos, refletindo a diversidade das configurações familiares contemporâneas. Embora o reconhecimento da família multiespécie não tenha sido formalizado, foram estabelecidas regras sobre convívio e compartilhamento de despesas dos animais domésticos, alinhando-se às decisões do STJ. Essas propostas indicam um esforço contínuo para adaptar a legislação às transformações sociais e às novas concepções de família. 

3. A POSSE E PROPRIEDADE DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADO 

Animais domésticos são definidos, no âmbito jurídico, como espécies que foram domesticadas ao ponto de perderem sua natureza selvagem e se tornarem aptas à convivência com humanos. São tidos como seres que vivem sob dependência dos cuidados humanos e que, geralmente, se inserem nos núcleos familiares, sendo mantidos mais por afeto do que por utilidade. Embora o Código Civil brasileiro ainda os trate como bens semoventes (art. 82), essa classificação é cada vez mais questionada diante da realidade social e das exigências de bem-estar animal. 

No direito comparado, a Espanha tem se destacado no cenário jurídico internacional ao reconhecer os animais domésticos como seres sencientes e membros das famílias multiespécies, promovendo alterações legislativas relevantes em seu ordenamento. A principal mudança ocorreu com a reforma do Código Civil, do Código Hipotecário e da Lei de Enjuizamento Civil, por meio da Lei 17/202110, que passou a considerar os animais como seres dotados de sensibilidade, afastando sua antiga qualificação como bens móveis. 

De acordo com a nova redação do Código Civil espanhol, nos casos de separação judicial ou divórcio, os tribunais podem determinar, em benefício do animal, as condições de guarda e visita, sempre considerando seu bem-estar (art. 94 bis). Essa previsão marca uma mudança substancial, ao permitir que os animais não sejam apenas objetos da partilha patrimonial, mas que tenham assegurado um regime de convivência com seus tutores humanos, com base na afetividade e na responsabilidade compartilhada. 

A normativa espanhola reconhece juridicamente as chamadas “famílias multiespécies”, nas quais os animais são parte integrante da estrutura familiar, conforme destacado pela notícia publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM11. Essa abordagem inspira-se em princípios como o da dignidade, da solidariedade e da proteção ao bem-estar animal, influenciando não apenas o direito interno espanhol, mas também o debate internacional sobre os direitos dos animais. 

Em contraposição, o ordenamento jurídico brasileiro ainda se encontra em estágio incipiente no tocante à regulamentação da guarda de animais em situações de dissolução conjugal. Embora haja avanços jurisprudenciais relevantes — como decisões que concedem guarda compartilhada ou direito de visita com base no vínculo afetivo —, o Código Civil ainda os classifica como bens semoventes (art. 82), o que dificulta sua proteção sob uma ótica mais sensível e alinhada à realidade socioafetiva. 

A experiência espanhola, nesse contexto, oferece uma importante referência para o Brasil, ao demonstrar como a legislação pode ser adaptada para reconhecer a centralidade dos animais no seio das famílias contemporâneas e promover sua tutela jurídica de forma plena, ética e atualizada. 

No Brasil, mesmo com a resistência legislativa em atualizar o status jurídico dos animais, a jurisprudência tem se mostrado sensível à causa. Decisões que regulam guarda, visitas e despesas com animais após a dissolução da vida conjugal refletem um reconhecimento tácito de que a relação entre humanos e animais de estimação não se limita a aspectos patrimoniais. Em alguns casos, inclusive, o Judiciário tem atribuído valor à convivência e ao bem-estar do animal, adotando critérios similares aos aplicados em disputas pela guarda de filhos. 

É importante destacar que, embora a propriedade do animal costume estar ligada a quem o adquiriu formalmente, o vínculo afetivo, o cuidado e a convivência cotidiana têm sido considerados pelos tribunais como elementos fundamentais para definir responsabilidades e direitos em caso de conflito. Assim, o conceito clássico de posse e propriedade se relativiza quando confrontado com os princípios da dignidade animal e da afetividade. 

Portanto, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não tenha promovido uma reforma legislativa expressa para alterar o status dos animais, a doutrina e a jurisprudência vêm pavimentando um caminho para sua proteção efetiva, reconhecendo-os como seres sencientes e como parte integrante, ainda que informal, das entidades familiares. O desafio contemporâneo do Direito é superar a noção de propriedade absoluta e adotar um modelo de tutela responsável e afetiva, compatível com os valores constitucionais e com a realidade social vivenciada pelos tutores e seus animais. 

4. O DIREITO DE CONVIVÊNCIA E GUARDA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NAS RELAÇÕES PÓS-CONJUGAIS 

A crescente inserção dos animais domésticos como membros efetivos das famílias contemporâneas trouxe à tona novos desafios jurídicos, especialmente no contexto da dissolução de vínculos conjugais. Questões relativas à guarda e ao direito de visita de animais de estimação vêm se tornando cada vez mais comuns nos tribunais, exigindo uma abordagem mais sensível e coerente com a realidade afetiva vivida pelos tutores. 

Inspirado por estudos comparativos, observa-se que, em países como Austrália, Canadá e Estados Unidos, a discussão sobre o direito de convivência com os animais após a separação conjugal está fundamentada na consideração do animal como parte da família, e não como um mero bem patrimonial. A guarda é entendida como um conjunto de deveres que incluem prover moradia, alimentação, cuidados médicos e bem-estar físico e emocional do animal. A visita, por sua vez, busca preservar o vínculo afetivo do animal com o cônjuge que não detém a guarda principal, especialmente em casos de forte apego afetivo. 

No Brasil, embora ainda haja resistência na doutrina e na legislação em reconhecer os animais como sujeitos de direitos, a jurisprudência tem avançado nesse sentido. Diversas decisões judiciais têm reconhecido o direito de convivência e guarda de animais domésticos, com fundamento na proteção do vínculo afetivo e no bem-estar do animal. 

A doutrina também reforça essa posição ao defender que o vínculo afetivo entre tutores e animais deve ser tutelado pelo Direito como expressão da dignidade da pessoa humana e da função social da família. Nesse sentido, aplicar analogicamente os princípios do direito das famílias às relações com animais de estimação é um caminho legítimo e necessário para assegurar o bem-estar de todos os envolvidos. 

Além disso, documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (UNESCO, 1978)12já reconheciam que os vínculos afetivos entre seres humanos e animais devem ser protegidos de decisões que visem exclusivamente a satisfação de interesses patrimoniais. 

Dessa forma, o reconhecimento do direito de visita e guarda de animais domésticos deve ser compreendido como uma resposta do Direito às mudanças nas estruturas familiares e às novas formas de afeto. Proporcionar esse direito ao ex-cônjuge que mantém uma ligação emocional com o animal contribui para mitigar os impactos psicológicos da separação, tanto nos humanos quanto nos animais envolvidos. Tais medidas também funcionam como instrumentos de pacificação social, evitando o uso dos animais como instrumento de retaliação entre as partes. 

Nesse contexto, urge a reformulação legislativa que acompanhe a tendência jurisprudencial e que, de forma expressa, reconheça os direitos à convivência e ao cuidado dos animais após a dissolução da união, tendo como norte o seu bem-estar e os laços afetivos estabelecidos ao longo da convivência familiar. Trata-se, portanto, de um passo essencial para consolidar um Direito das Famílias mais inclusivo, sensível e condizente com os novos arranjos e sentimentos que permeiam a sociedade contemporânea. 

5. ANÁLISE DE JULGADOS SOBRE A GUARDA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS

5.1 Superior Tribunal de Justiça: Direito de Visita ao Animal de Estimação 

Em decisão inédita de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)13 assegurou a um ex-companheiro o direito de visitar o cão que havia criado em união estável. O caso envolvia um casal do Distrito Federal que, após a separação, entrou em conflito sobre a convivência com o animal. A Terceira Turma do STJ entendeu que, embora os animais ainda sejam considerados bens semoventes pelo Código Civil, a relação afetiva estabelecida entre o homem e o cão justificava a concessão de direito de visita, pois o animal, embora não seja sujeito de direitos nos termos legais, é capaz de integrar relações afetivas protegidas pelo Direito. 

A relatora, Ministra Nancy Andrighi, destacou que o ordenamento jurídico deve se adequar à realidade social, considerando que os animais de estimação ocupam papel de destaque nas famílias brasileiras. A decisão foi inovadora ao romper com a tradicional abordagem patrimonialista, reconhecendo que o vínculo afetivo entre humanos e animais merecem tutela jurídica. Essa jurisprudência fortalece o entendimento de que a convivência com o animal, após a separação, deve ser regulada com base na afetividade, no bem-estar do animal e na dignidade das partes envolvidas. 

5.2 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Guarda Compartilhada de Animal de Estimação 

Em julgamento recente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ)14 decidiu favoravelmente à guarda compartilhada de um cão entre ex-companheiros. A relatora, desembargadora Nádia Maria de Andrade, afirmou que o rompimento do relacionamento não pode desfazer os vínculos criados com o animal de estimação, pois este também compõe o ambiente familiar e é destinatário de cuidado e proteção. 

A magistrada reforçou que a Constituição Federal garante proteção ao meio ambiente, o que inclui os animais, e que a guarda compartilhada atende ao princípio do melhor interesse do animal, que deve permanecer convivendo com ambos os tutores, desde que isso atenda ao seu bem-estar. A decisão, publicada no Ementário de Jurisprudência do TJRJ, representa um avanço na consolidação da compreensão dos tribunais sobre o papel dos animais nas estruturas familiares contemporâneas. 

CONCLUSÃO 

A análise da guarda compartilhada de animais domésticos diante da ruptura da vida conjugal revela uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que os avanços doutrinários e jurisprudenciais tenham promovido interpretações mais sensíveis e alinhadas aos princípios constitucionais, especialmente os da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do bem-estar animal, a ausência de legislação específica impõe insegurança jurídica às partes envolvidas e fragiliza a proteção dos próprios animais. 

O reconhecimento dos animais como seres sencientes e, portanto, como sujeitos de consideração moral e jurídica, implica na necessidade de superação da tradicional visão patrimonialista. A análise comparada com o direito espanhol demonstrou a viabilidade e os impactos positivos de uma legislação que reconhece os animais como membros das famílias multiespécies e prevê expressamente a guarda e o direito de convivência após a dissolução conjugal. 

Diante disso, torna-se urgente a elaboração de normas claras que regulamentem a guarda compartilhada de animais, priorizando não apenas a vontade dos tutores, mas principalmente o bem-estar físico e emocional dos animais, com base em critérios objetivos e afetivos. O Judiciário tem exercido papel relevante ao suprimir essa omissão legislativa, mas é fundamental que o Poder Legislativo assuma sua função e ofereça um marco normativo adequado à realidade social contemporânea. 

Mais do que uma questão jurídica, o tema envolve vínculos afetivos profundos e experiências de convivência que não podem ser ignoradas pelo Direito. Os animais de estimação, para muitos, são companheiros, membros da família, fontes de amor, conforto e equilíbrio emocional. Reconhecer seus interesses nas disputas judiciais é também reconhecer que o afeto não é exclusividade humana, e que a Justiça deve se abrir, cada vez mais, para acolher todas as formas de vínculo que enriquecem e humanizam a experiência da vida em sociedade. 


3SILVA, E. O. da; MAFFEI, E. . Pet’s shared custody in Brazil. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 8, p. e30710817298, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i8.17298. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/17298.
4ESPANHOLI, I. M. A GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS COM A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, [S. l.], v. 29, n. 1, p. 15, 2023. Disponível em: https://revistas.direitosbc.br/fdsbc/article/view/1154 
5BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
6BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. 
7BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 4, de 2025. Altera o Código Civil e outras legislações correlatas. Brasília, DF: Senado Federal, 2025. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/166998.
8WORLD ANIMAL PROTECTION. Senciência animal. 2023. Disponível em: https://www.worldanimalprotection.org.br/o-que-nos-fazemos/senciencia-animal/.
9KELLERMANN, Larissa Florentino e MIGLIAVACCA, Carolina Moares. A Guarda Compartilhada dos Animais Domésticos a partir da Disssolução Matrimonial: Estudo de Caso. In: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba-PR. Ano XI, n. 19, jul-dez/2018. ISSN 2175-7119.
10ESPANHA. Código Civil espanhol. Atualizado até 2021. Tradução livre. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1889-4763
11INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA – IBDFAM. Famílias multiespécies: Espanha institui guarda compartilhada de animais em caso de divórcio. 2022. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/9246.
12UNESCO. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Bruxelas, 15 out. 1978. Proclamada pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Disponível em: https://www.anda.jor.br/declaração-universal-dos-direitos-dos-animais.
13STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ garante direito de ex-companheiro visitar animal de estimação após dissolução da união estável. Brasília, 19 jun. 2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-06-19_20-21_STJ-garante -direito-de-excompanheiro-visitar-animal-de-estimacao-apos-dissolucao-da-uniao-estavel.aspx.
14TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ. TJ do Rio decide que casal separado terá guarda compartilhada de animal de estimação. 2023. Disponível em: https://www.tjrj.jus.br/web/portal-conhecimento/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5736540/308191150.

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STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ garante direito de ex-companheiro visitar animal de estimação após dissolução da união estável. Brasília, 19 jun. 2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-06-19_ 20-21_STJ-garante-direito-de-excompanheiro-visitar-animal-de-estimacao-apos-dissolucao-d a-uniao-estavel.aspx. 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ. TJ do Rio decide que casal separado terá guarda compartilhada de animal de estimação. 2023. Disponível em: https://www.tjrj.jus.br/web/portal-conhecimento/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/573654 0/308191150. 

UNESCO. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Bruxelas, 15 out. 1978. Proclamada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Disponível em: https://www.anda.jor.br/declaracao-universal-dos-direitos-dos-animais. 

WORLD ANIMAL PROTECTION. Senciência animal. 2023. Disponível em: https://www.worldanimalprotection.org.br/o-que-nos-fazemos/senciencia-animal/.


1Docente do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. E-mail: bruno.biliatto@fcr.edu.br.
2Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. E-mail: maria.camurca@sou.fcr.edu.br.