A GEOGRAFIA DA SAÚDE: A REGIONALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO COMO SUPORTE A MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE NO CONTEXTO DO SUS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7829716


Gabriel Renan da Costa Almeida¹
Janes Socorro da Luz²


RESUMO

Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado financiada pela Capes, que tem como objetivo discutir a geografia da saúde e a relação entre regionalização e hierarquização, e a territorialização em saúde, como suporte aos municípios na construção da saúde. É fundamental compreender a função de cada ente federado para a construção da saúde pública no Brasil. Outro ponto importante é compreender as desigualdades regionais, e possibilitar por meio de uma política de integração regional e territorial o suporte aos municípios com menor capilaridade financeira. Diante disso, procedemos com uma revisão teórica acerca da temática, buscando demonstrar a importância do suporte regional à saúde.

PALAVRA-CHAVE: Geografia da saúde; Região; Território; Municipalização.

ABSTRACT

This article is the result of a master’s research supported by Capes, which aims to discuss the geography of health and the relationship between regionalization and hierarchization, and territorialization in health, as a support to municipalities in the construction of health. It is essential to understand the function of each federal entity for the construction of public health in Brazil. Another important point is to understand regional inequalities, and to enable, through a regional and territorial integration policy, support to municipalities with less financial capillarity. Therefore, we proceeded with a theoretical review on the subject, seeking to demonstrate the importance of regional health support.

KEYWORDS: Health Geography; Region; Territory; Municipalization.

1 INTRODUÇÃO

A geografia da saúde é uma abordagem teórico-metodológica que se dedica a analisar a relação entre saúde e espaço geográfico. Ela busca compreender como os fatores ambientais, culturais, psicológicos e sociais se relacionam com a saúde da população em um determinado território. A geografia da saúde contribui para a análise crítica das políticas de saúde e para o desenvolvimento de estratégias de intervenção que consideram as particularidades locais.

A análise da saúde e do bem-estar de uma população não perpassa somente por uma análise somente das ciências médicas, sendo necessário analisar todo contexto socioeconômico que influencia a saúde. Sendo a geografia uma ciência que nos permite analisar a saúde em seus elementos físicos, ambientais, humanos e sociais.

Com isso a Geografia nos fornece um aparato para a análise da saúde. Procedemos em primeiro momento com uma discussão sobre a Geografia da saúde, a qual propõe uma abordagem interdisciplinar, que busca tratar de temas relacionados à associação entre questões ambientais e a saúde, ou seja, entre a saúde do ambiente e a saúde do ser humano.

Diante disso, buscamos apresentar a importância da análise geográfica da saúde. Segundo Santana, 2014 p.2) a Geografia da Saúde tem suas primeiras publicações no século XX, sendo um campo que está em desenvolvimento e expansão nas suas publicações. A Geografia da Saúde nos permite analisar o espaço, considerando suas dinâmicas espaciais, territoriais e sociais, trazendo métodos para o estudo da saúde, das doenças e do acesso aos serviços de saúde, trazendo para o campo da Geografia uma análise da espacialização, territorialização e demais fenômenos que perfazem este campo.

Entretanto, foi na antiguidade que temos os primeiros indícios de uma análise geográfica da saúde, a união entre as áreas da Geografia e da Saúde foi estabelecida por meio das ideias de Hipócrates, ao ter aproximado conhecimentos ambientais a investigações relacionadas ao surgimento de doenças DARSIE e SOUZA, (2022).

A Geografia da Saúde se concentra na compreensão da distribuição geográfica de doenças, unidades de saúde e condições de saúde, bem como nas desigualdades e disparidades regionais em relação à saúde, a análise regional e territorial da saúde. Também se concentra nas condições ambientais, sociais, motivacionais e políticas que afetam a saúde e a qualidade de vida da população.

A sua consolidação e expansão se dá na década de 90. Segundo Santana, 2014 p.3):A importância e afirmação da Geografia da Saúde, ou Geografia Médica, (dependendo das Escolas) foi reconhecida e institucionalizada em Washington em 1992.  Antes desse ano, os Congressos da União Geográfica Internacional de 1968, 1966 e 1949, que ocorreram, respectivamente, em Nova Deli, Moscovo e Lisboa.  Após este último Congresso Jacques May, Maximillien Sorre e Arthur Geddes fundaram a Comissão de Geografia Médica em 1949, integrada na União Geográfica Internacional.

Para Santana (2014), o objetivo da geografia da saúde é o estudo da distribuição espacial e do acesso e a análise da acessibilidade e desigualdades de acesso à saúde. Precedendo uma análise que busca e perpassa pela discussão de elementos socioeconômicos.

Os estudos de Geografia da Saúde também podem incluir análises de dados sobre o acesso à atenção médica, serviços de saúde, estilo de vida, fatores de risco, entre outros. Esses dados são usados para identificar padrões e tendências regionais, bem como para desenvolver estratégias e políticas de saúde eficazes para diferentes áreas geográficas.

 A Geografia da Saúde também se concentra nas desigualdades geográficas de saúde, incluindo, a segregação socioeconômica, a distinção racial e de gênero, e as desigualdades infelizes e sociais que sofreram a saúde da população. Além disso, a Geografia da Saúde também estuda as políticas e programas de saúde pública e suas recomendações geográficas.

A Geografia da Saúde nos permite analisar a saúde a partir de diferentes perspectivas, contribuindo para o entendimento dos problemas de saúde.  (Monken et al. 2008), esse ramo da Geografia busca analisar os contextos envolvidos nos problemas de saúde, para poder atuar sobre os territórios. Tal compreensão é importante para tomar decisões sobre saúde pública, alocar recursos e implementar estratégias de saúde eficazes em diferentes áreas geográficas.

Diante disso temos a reafirmação da ideia que a análise da saúde não perpassa somente pela análise das ciências médicas, mas sim um plano que abarque questões sociais e médicas. Não somente analisando a partir da perspectiva de doenças, endemias e pandemias, conforme Carvalho, Pina e Santos (2000), a saúde está intimamente ligada ao ambiente, pelo modo de ocupação do espaço, assim, se faz necessário uma análise dos elementos condicionantes aos agravos epidemiológicos, assim como, da forma atendimento da população, buscando reduzir o risco a saúde nas áreas onde se concentram situações sociais vulneráveis. 

Podemos, com essa análise, perceber a importância da análise interdisciplinar nas discussões da saúde pública, uma vez que a contribuição do campo das ciências humanas pode colaborar na análise da saúde com uma perspectiva que abarca os aspectos sociais, econômicos e organização do espaço e do ordenamento do território.

A análise interdisciplinar engloba vários campos de estudo das ciências humanas, podemos então compreender, que o termo saúde está ligado ao bem-estar e a qualidade do acesso e qualidade de infraestrutura, que conjuntamente potencializam a redução do risco à saúde. A geografia também nos oferece a análise regional e territorial da saúde, na qual é uma das bases de discussão da presente pesquisa. Tal análise nos permite identificar diferenças e desigualdades na distribuição de recursos e serviços de saúde em diferentes regiões e territórios.

Com isso é possível traçar mapas e gráficos que mostram a concentração ou a falta de recursos em determinadas áreas, o que ajuda a compreender as desigualdades regionais na disponibilidade e acessibilidade de serviços de saúde. Além disso, a geografia permite avaliar o impacto das condições geográficas, como o clima, a topografia e a distância das regiões mais remotas, na qualidade e na disponibilidade de serviços de saúde. Isso é importante para a identificação de áreas que precisam de maior atenção e investimento em recursos de saúde.

Uma análise territorial também permite identificar a diferença na distribuição da população, como a densidade populacional e a concentração de grupos populacionais, como idosos, mulheres e crianças, em diferentes regiões e territórios. Isso é importante para entender as necessidades específicas de cada grupo populacional e garantir que os recursos e serviços de saúde estejam disponíveis e acessíveis para todos.

Em resumo, uma análise regional e territorial da saúde é importante para identificar desigualdades e para direcionar recursos e políticas de saúde de forma mais eficaz, garantindo acessibilidade e qualidade de serviços de saúde para todos. A discussão sobre território e região será abordada ao longo do texto, diante da análise dos dados se pautar pela ciência geográfica

2 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em (2019), publicou a Pesquisa Nacional de Saúde (2019) na qual, de acordo com dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 71,5% dos brasileiros dependem exclusivamente do SUS para tratamento de saúde. Isso significa que mais de 150 milhões de pessoas contam com o sistema público de saúde como a única opção de assistência médica.

Porém, de início se faz pertinente discorrer que o início de processo de saúde pública no brasil foi possível graças ao movimento de reforma sanitária, que lutou por uma saúde para todos, esse processo teve a contribuição de grandes pensadores, médicos, políticos e lideranças sociais.

Diante disso temos que a construção do sistema de saúde universal é uma construção histórica e conquistada após muita luta de várias esferas sociais, é outro fator que o sistema continua em construção tendo pouco mais de 30 anos de sua oficialização. Essa luta histórica culminou com a saúde pública sendo uma das pautas da Constituição federal de 1988 (CF/88)

A saúde se torna um direito de todos os brasileiros no artigo Art. 6º da (CF/88) sendo um dos direitos sociais garantidos, assim como a educação, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Insta ressaltar que para uma análise da saúde pública no Brasil, primeiro se faz necessário uma análise do que a legislação nos apresenta sobre.

A saúde é um direito constitucional, sendo uma cláusula pétrea, ou seja, irrevogável e goza de segurança prevista no artigo 60, da Constituição Federal de 1988: “4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: […] IV – os direitos e garantias individuais”.

O SUS tem por base o princípio da cobertura universal, conforme nos é apresentado através da Lei nº 8.080 /1990 de 19 de setembro de 1990 (Brasil, 1990), que em seu artigo 7º apresenta os seguintes princípios: universalidade, equidade e integralidade.

3 A REGIÃO EM SAÚDE

O conceito de região em saúde é uma das principais estratégias do SUS para organizar a atenção à saúde no território. Uma região de saúde é uma área geográfica delimitada que agrupa municípios e serviços de saúde com o objetivo de integrar e articular a atenção à saúde. A ideia é que uma região de saúde seja capaz de organizar a oferta de serviços, garantindo o acesso equitativo e resolutivo aos usuários, além de permitir uma gestão compartilhada e participativa entre os municípios e o estado.

A região em saúde é uma ferramenta importante para o planejamento, organização, gestão e avaliação da atenção à saúde. Ela permite a identificação das necessidades de saúde da população, a definição de prioridades e a distribuição equitativa dos recursos e serviços. Além disso, a região em saúde também contribui para a integração entre atenção primária e especializada, o que é fundamental para a garantia de uma atenção à saúde de qualidade e resolutiva.

A região é uma das principais categorias de análise da geografia, permitindo uma análise mais detalhada e específica das áreas geográficas, facilitando a compreensão das particularidades e desigualdades entre diferentes áreas. A partir do estudo das regiões, é possível identificar padrões e tendências geográficas, bem como formular políticas públicas mais adaptadas às demandas e necessidades específicas de cada área.

A região, enquanto entidade geográfica concreta, a regionalização, enquanto processo de diferenciação e/ou de recorte do espaço em parcelas coesas ou articuladas, e a regionalidade, enquanto propriedade do “ser” regional (especialmente em sua dimensão simbólica e vivida), (HAESBAERT, 2010, p. 2).  Diante disso temos a região como um processo de divisão do território a partir de características físicas, humanas, a divisão para administração e planejamento, na qual é o foco do presente tópico.

A partir dessa direção, buscamos definir a Região de Saúde como um espaço geográfico contínuo, constituído por agrupamentos de municípios limítrofes, delimitados a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde (BRASIL, 2011 on-line).

A regionalização se concentra na coordenação e integração de diferentes níveis de atendimento, incluindo atenção básica, média e alta complexidade. Isso permite que os pacientes sejam encaminhados para os níveis adequados de atenção, garantindo um atendimento mais eficiente e de melhor qualidade.

As ações e os serviços de saúde não são estruturados apenas na escala dos municípios. Existem no Brasil milhares de pequenas municipalidades que não possuem em seus territórios condições de oferecer serviços de alta e média complexidade; por outro lado, existem municípios que se tornam referência e garantem o atendimento da sua população e de municípios vizinhos. Em áreas de divisas interestaduais, são frequentes os intercâmbios de serviços entre cidades próximas, mas de estados diferentes. Por isso mesmo, a construção de consensos e estratégias regionais é uma solução fundamental que permitirá ao SUS superar as restrições de acesso, ampliando a capacidade de atendimento e o processo de descentralização. (BRASIL, 2009, P.23).

Outrossim, é necessário compreender que, dentro de um determinado Estado, a pequenas cidades que não possuem condições para terem serviços de alta complexidade, porém uma cidade próxima possui esse serviço, a organização estadual então promove a regionalização para direcionar os fluxos, sendo as sedes regionais responsáveis por atender os municípios próximos.

Com isso, a regionalização da saúde é um processo fundamental para a organização e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Essa estratégia consiste em organizar a oferta de serviços de saúde de forma regionalizada, com base nas necessidades e demandas da população local, de forma a garantir o acesso equânime e integral às ações e serviços de saúde em todo o território nacional.

O processo de regionalização deverá contemplar uma lógica de planejamento integrado, compreendendo as noções de territorialidade na identificação de prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus limites como unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis, (BRASIL, 2001, p. 32).

Ademais, a regionalização da saúde é feita por meio da criação de regiões de saúde, que são territórios geográficos que agrupam municípios próximos e têm uma população em comum. Conforme nos apresenta Brasil, (2009). Essas regiões são coordenadas por uma instância colegiada chamada Colegiado de Gestão Regional (CGR), que é responsável por planejar, organizar e administrar a oferta de serviços de saúde na região, de acordo com as necessidades e especificidades da população. Com isso se busca um suporte a saúde nos municípios dessa região.

Conforme nos explicita o Brasil. Pacto pela Vida (2006), os objetivos da regionalização são:  garantir o direito à saúde e acesso, reduzindo as desigualdades de acesso. A partir de processos como a descentralização dos serviços. É nesse contexto que inserimos a discussão geográfica que nos permite analisar a saúde em sua totalidade.

A regionalização da saúde é um tema de grande importância para a organização do sistema de saúde. No Brasil, por exemplo, a regionalização é uma das diretrizes doutrinaria do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como objetivo organizar a oferta de serviços de saúde de forma a garantir a acessibilidade, a integralidade e a resolutividade da atenção à saúde em todo o território nacional. Abaixo estão alguns exemplos de teorias que discutem a regionalização da saúde:

Conforme destaca Shimizu, he. et al. (2021), a regionalização sofre influência das dinâmicas socioeconômicas, políticas públicas, bem como do grau de articulação/cooperação existente entre os três níveis de gestão.  A governança regional é fundamental, portanto, a regionalização em saúde depende da potencialização de esforços das três esferas de governo e só ocorrerá com o fortalecimento dos mecanismos político-institucionais dentro do pacto federativo regional.

Reconfigurar as regiões de saúde, segundo os critérios e os fundamentos de uma regionalização sanitária e não político-administrativa, é uma tarefa necessária e urgente no processo social de construção das RAS no SUS. O Ministério da Saúde, em coordenação com os estados e municípios, deve assumir esta tarefa. E cabe aos estados transformar suas regiões político-administrativas em regiões de saúde (MENDES, 2014 p. 46).

Sendo fundamental que a regionalização seja pensada no melhor ordenamento para a saúde, e não somente de forma administrativa, possibilitando uma boa distribuição dos serviços de saúde. Com isso fornecendo suporte para os municípios, principalmente aqueles que não tem condições de ter algum nível de serviço.

4 O TERRITÓRIO EM SAÚDE

Os conceitos geográficos são necessários para compreendermos as relações que acontecem no espaço geográfico, nele o território adquire um caráter de um campo onde as relações de podem se fazer presentes. Para contribuir com este olhar, abordamos a Geografia da Saúde, a saúde pública, além do conceito de territorialização.

Para Gottmann (2012) o território é uma porção do espaço geográfico que coincide com a extensão espacial da jurisdição de um governo. Ele é o receptor físico e o suporte do corpo político organizado sob uma estrutura de governo. É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator “territorializa” o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143 apud BORDO 2005).

Ao apresentar a uma breve historicidade dos conceitos de território e territorialidade, buscamos dar sentido ao termo territorialização inserida na análise da saúde, para definir o que chamamos de ‘territorialização em saúde’.  A estruturação territorial do SUS vem sendo  feita  no Brasil  através  da  chamada  territorialização  da  saúde.  É uma política utilizada para definir territórios de atuação dos serviços. Portanto, a questão do direito à saúde está diretamente atrelada ao território e a forma como os serviços são dispostos territorialmente (FARIA, 2013 p.2).

Diante disso analisamos o território como possibilidade para aplicação dos princípios do sistema, quanto para reprodutor de processos como a secreção socioespacial na saúde. As   enormes   desigualdades   territoriais (no campo saúde) no   Brasil, refletem o processo histórico da efetivação ou não do direito à saúde. Contudo, essas mesmas desigualdades   territoriais   só   poderão   ser   resolvidas   mediante   eficientes   políticas   de planejamento e gestão territorial (FARIA, 2013).

Para se discutir território e saúde primeiro buscamos defini-lo, Conforme COLUSSI, 2016, p.26) denomina a territorialização em saúde como: o processo de reconhecimento do território. Pode ser visto como uma prática, um modo de fazer, uma técnica que possibilita o reconhecimento do ambiente, das condições de vida e da situação de saúde da população de determinado território, assim como o acesso dessa população a ações e serviços de saúde, viabilizando o desenvolvimento de práticas de saúde voltadas à realidade cotidiana das pessoas.

A territorialização da atenção à saúde é importante para garantir que todas as pessoas tenham acesso a serviços de saúde de qualidade e acessíveis. Elas também ajudam a integrar os serviços de saúde em uma rede coerente e eficiente, o que melhora a continuidade dos cuidados e a qualidade dos resultados de saúde. Além disso, essas estratégias podem ajudar a identificar e resolver desafios locais na prestação de cuidados de saúde, incluindo barreiras financeiras, culturais ou geográficas. A análise social no território deve ser construída de forma a contribuir na identificação de informações, para a operacionalizar as tomadas de decisão e para a definição de estratégias de ação nas “diferentes dimensões do processo de saúde doença” (TEIXEIRA et al., 1998, p.1).

A territorialização se refere ao processo de integração dos serviços de saúde com as necessidades e características de uma determinada população em uma área geográfica específica. Isso envolve uma reorganização da atenção básica para que os serviços sejam prestados de maneira mais eficiente e eficaz, com base nas necessidades locais da população. Trata-se de um processo fundamental para garantir a vigilância da saúde, estratégias para organizar e planejamento dos serviços de saúde, para garantir uma cobertura eficiente e equitativa da população.

A territorialização se concentra em estabelecer uma presença sólida dos serviços de saúde na comunidade, conforme nos apresenta Teixeira et al.(1998 p.20): O ponto de partida para o desencadeamento do processo de planejamento da vigilância à saúde é a Territorialização do sistema municipal de saúde, isto é, o reconhecimento e o esquadrinhamento do território do município segundo a lógica das relações entre condições de vida, saúde e acesso às ações e serviços de saúde.

A partir da conceituação e de seu uso no sistema de saúde a territorialização compreender uma perspectiva de análise que avalia o planejamento, possibilitando a identificação dos aspectos ambientais, sociais, demográficos e econômicos e dos principais problemas de determinada área, tais como, o do acesso aos serviços de saúde pública. 

Para Monken e Barcellos (2005, p 1) “A territorialização consiste em um dos pressupostos da organização dos processos de trabalho e das práticas de saúde, considerando uma atuação em uma delimitação espacial previamente determinada”. A territorialização de atividades de saúde vem sendo preconizada por diversas iniciativas no interior do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Programa Saúde da Família, a Vigilância Ambiental em Saúde, Cidades Saudáveis e a própria descentralização das atividades de assistência e vigilância.

A territorialização nos possibilita uma perspectiva de análise que avalia o planejamento, possibilitando a identificação dos aspectos ambientais, sociais, demográficos e econômicos e dos principais problemas de determinada área, tais como a falta de acesso aos serviços de saúde pública. a associação entre a saúde e a espacialização das doenças deve considerar a estrutura física do espaço geográfico, estudado a partir da caracterização de cada parte componente do sistema, para Gondim e Monken (2017, p. 37). A territorialização em saúde pressupõe análise de contextos, o que impõe desenvolvimento de estratégias de investigação e elaboração de instrumentos de coleta de dados para a realização de diagnóstico, de planejamento, de intervenções sanitárias e consiste em: coleta e análise sistemática de dados e produção de informações (social, econômica, política, cultural, epidemiológica, sanitária e do sistema de saúde);  localização e distribuição de riscos, vulnerabilidades e potencialidades de territórios.

 Destarte, a territorialização na saúde é um processo de análise e organização das informações sobre uma população de determinada região, com o objetivo de compreender as particularidades da área e planejar ações de saúde que atendam às necessidades locais. Nesse processo, é importante considerar diversos fatores humanos, sociais e físicos que influenciam a saúde

A territorialização na saúde é fundamental para a implementação de políticas públicas que levem em conta as especificidades de cada território ou região, buscando os princípios constitucionais no acesso aos serviços de saúde e na promoção da qualidade de vida das pessoas que ali residem. Além disso, o processo de territorialização permite a identificação de grupos populacionais diferentes e a proposição de intervenções específicas para atendê-los, podendo analisar a forma que determinado processo acontece em diferentes lugares. Diante disso, procedemos a análise da região em saúde no próximo tópico.

5 O PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO DA SAÚDE: A REGIONALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO COMO SUPORTE A MUNICIPALIZAÇÃO DA SAUDE DO SUS

A municipalização da saúde é um processo que busca descentralizar as ações e serviços de saúde do país, transferindo a responsabilidade da gestão dos serviços de saúde para os municípios. Essa medida foi adotada no Brasil a partir da Constituição de 1988 e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A municipalização da saúde tem como objetivo principal garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, promover a melhoria da qualidade dos serviços e a gestão mais eficiente dos recursos disponíveis.

A Municipalização exige novas competências locais: O princípio de descentralização que norteia o SUS ocorre, especialmente, pela transferência de responsabilidades e recursos para a esfera municipal, estimulando novas competências e capacidades político-institucionais dos gestores locais, além de meios adequados à gestão de redes assistenciais de caráter regional e macrorregional, permitindo o acesso, a integralidade da atenção e a racionalização de recursos. Os estados e a União devem contribuir para a descentralização do SUS, fornecendo cooperação técnica e financeira para o processo de municipalização. (BRASIL, 2009, p. 21).

Dessa forma, os municípios passam a ter um papel mais ativo na gestão da saúde, buscando responder de forma mais eficaz às demandas da população. Conforme supracitado a descentralização é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A descentralização implica na transferência de responsabilidades do governo federal para os governos estaduais e municipais, a fim de permitir uma maior autonomia na gestão e execução das políticas de saúde.

Tal processo foi um dos primeiros a acontecer com a chegada do SUS, conforme nos aponta Machado Maria.  (2012, p. 264):[…]o que se denominou ‘processo de municipalização do SUS’, quando se transferiu a responsabilidade pela assistência à saúde para os municípios, invertendo definitivamente a situação da assistência em saúde e do mercado de trabalho em uma década.

O processo de municipalização, na medida em que venha a significar uma efetiva redefinição de funções e competências entre os níveis de governo do SUS, implica a constituição de sistemas municipais de saúde Teixeira et all (1998, p. 3). Com a municipalização, os municípios passaram a ser responsáveis pela organização e gestão da atenção básica e pela vigilância em saúde, enquanto os estados ficaram com a responsabilidade pela gestão da atenção especializada e o processo regional. O Ministério da Saúde exerce um papel de coordenação e financiamento das ações e serviços de saúde em todo o país, repassando recursos para estados e municípios por meio do Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Para a gestão das ações de saúde, os municípios contam com uma Secretaria Municipal de Saúde, que é responsável por planejar, executar e avaliar as políticas e programas de saúde na esfera municipal. Além disso, há os Conselhos Municipais de Saúde, que têm como função acompanhar e avaliar a gestão do SUS no âmbito municipal.

Em resumo, a municipalização e descentralização na saúde pública no Brasil têm como objetivo a melhoria da qualidade dos serviços de saúde, garantindo o acesso universal e igualitário à saúde em todo o território nacional.  Além disso, a municipalização busca fortalecer o vínculo entre os serviços de saúde e a comunidade, promovendo uma participação popular na gestão da saúde e o controle social sobre as políticas de saúde. Com a participação da comunidade na gestão da saúde, é possível identificar as demandas locais e adequar os serviços de saúde às necessidades específicas de cada região.

A municipalização é vista também de maneira crítica, de Barros F. (2019) aponta que a federação brasileira convive, ainda atualmente, com um quadro de importantes desigualdades regionais, geradas pela dependência de recursos dos entes federados da União. O autor destaca ainda que essas desigualdades são agravadas e perpetuadas pela arrecadação tributária extremamente desigual entre estados e  municípios.

O autor, de Barros F. (2019), aponta os pontos positivos da municipalização da proximidade dos cidadãos com o sistema e com os serviços de saúde; (b) a ampliação do acesso a ações e serviços de saúde e (c) a melhoria de diversos indicadores de saúde. Os pontos negativos apontados pelo autor são: O financiamento municípios com baixa arrecadação serão mais dependentes de recursos estaduais e federais; heterogeneidade dos municípios, dado ao tamanho e quantidade de municípios no país; as dificuldades com o modelo de descentralização escolhido, os modelos podem ser conflitantes de maneira regional e nacional.

Com isso, municípios com menor arrecadação de impostos e menor capacidade de investimento podem ter mais dificuldades em prover serviços de saúde de qualidade para a população, pois esses municípios não têm capacidade técnica e administrativa para gerenciar e organizar os serviços de saúde, o que pode comprometer a evolução do sistema de saúde como um todo.

Portanto, a municipalização da saúde necessita de uma articulação entre as diferentes esferas do governo, permitindo uma gestão mais integrada e eficiente dos serviços de saúde. Sendo fundamental a atuação conjunta dos governos federal, estadual e municipal para mitigar as desigualdades e segregações no sistema, buscando ampliar o acesso aos serviços de saúde e garantir a qualidade dos serviços prestados à população. Diante da discussão feita até esse ponto, procedemos agora à discussão sobre acessibilidade.

No contexto do SUS, a geografia da saúde é fundamental para a compreensão das desigualdades territoriais em saúde e para o planejamento e gestão da atenção à saúde. Ela permite a identificação das áreas de maior vulnerabilidade e a definição de estratégias de intervenção específicas

A escala de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é um modelo de organização hierárquica do sistema, que tem por objetivo definir as competências e atribuições de cada esfera de gestão (federal, estadual e municipal) na condução e execução das políticas de saúde.

O SUS é composto por três esferas de gestão: federal, estadual e municipal. Cada uma dessas esferas tem suas próprias atribuições e competências, que são definidas na Constituição Federal, normas e regulamentos específicos.

Em resumo, a escala de gestão do SUS é um modelo de organização hierárquica que visa garantir a transmissão e eficiência do sistema, por meio da definição clara das competências e atribuições de cada esfera de gestão na condução das políticas de saúde. A regionalização e territorialização podem ser consideradas como suporte para a municipalização, pois permitem uma melhor organização e planejamento do desenvolvimento local.

O processo de regionalizar consiste na divisão de um território em diferentes regiões, com características alegres, sociais e culturais semelhantes. Essas regiões são compostas por municípios que abrigam problemas e oportunidades comuns, permitindo uma melhor identificação das demandas e potencialidades locais. A partir dessa identificação, podem ser implementados planos e políticas públicas específicas para cada região, de forma mais eficiente e eficaz.

Já a territorialização se refere ao processo de identificação e delimitação de territórios específicos, que podem ser entendidos como espaços geográficos que apresentam uma identidade social, cultural e econômica própria. A territorialização permite que as políticas públicas sejam mais adaptadas às necessidades e particularidades de cada território, garantidas para a sua valorização e desenvolvimento.

Ao adotar uma abordagem regionalizada e territorializada, é possível promover uma maior integração entre os municípios, fortalecendo a governança local e ampliando a participação da sociedade civil nas decisões e ações governamentais. Além disso, essa abordagem permite uma melhor gestão dos recursos públicos e otimização dos investimentos em áreas estratégicas para o desenvolvimento regional.

6 CONCLUSÃO

Diante da discussão apresentada podemos afirmar que uma análise territorial da saúde permite compreender a realidade da população de determinado território, como se propõe através da Geografia da Saúde. A partir disso podemos discutir as variáveis do acesso e acessibilidade à saúde no território e seus fatores limitadores.

Assim, a presente análise geográfica e da organização do sistema de saúde brasileiro, possibilita compreender, como se dá o planejamento e execução de políticas (Municipalização), e das e seus impactos no campo em questão da acessibilidade aos cuidados de saúde, como o impacto social, econômico e político que os serviços de saúde provocam.

A análise a partir dos conceitos territorialização e regionalização permite entender as bases da organização e estruturação dos serviços disponibilizados para o atendimento da população.  Por sinal, as políticas territoriais e regionais de saúde devem ter por objetivo propiciar um acesso aos serviços, ou seja, acessibilidade aos mesmos.

Daí surge a necessidade de abordar a problemática da saúde, e com olhar geográfico nos permite pensar o que foi o objetivo da presente pesquisa: as formas de acesso e acessibilidade à saúde são fundamentais para compreender a saúde pública, é fundamental para analisar a qualidade desse serviço para a população.

Diante da discussão apresentada podemos afirmar que uma análise territorial da saúde permite compreender a realidade da população de determinado território, como se propõe através da Geografia da Saúde. A partir disso podemos discutir as variáveis do acesso e acessibilidade à saúde no território e seus fatores limitadores.

A presente pesquisa apresenta a importância dos conceitos geográficos na saúde, com a proposta de pensar a Geografia da Saúde. No presente cenário de crise sanitária e de uma pandemia global, se faz cada vez mais necessário discutir a saúde pública e, com isso, inserindo na discussão, o processo histórico da construção da saúde pública e sua territorialização

REFERÊNCIAS

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¹Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás. Mestrando em Ciências Sociais e Humanidades pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (PPG-TECCER). Bolsista Capes do Programa de Demanda Social (DS).
²Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente na Universidade Estadual de Goiás, Brasil.