REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202504301435
Igor Barbosa de Freitas1
RESUMO
A gamificação é uma estratégia de ensino que diverge do modelo tradicional de ensino e que pode motivar e engajar alunos no ensino das disciplinas relacionadas ao Direito Administrativo. A gamificação se mostra como uma alternativa que ganhou popularidade, mormente pela interatividade que proporciona, já que torna o processo educacional menos rígido, mais dinâmico e interativo. Apresenta-se a conceituação do tema, a forma pela qual pode vir a ser aplicada em sala de aula, bem como os benefícios que podem advir do uso moderado.
Palavras-chave: Gamificação, Ensino Jurídico, Direito Administrativo, Engajamento
ABSTRACT/RESUMEN/RESUME
Gamification is a teaching strategy that diverges from the traditional teaching model and can motivate and engage students in the study of subjects related to Administrative Law. Gamification has emerged as a popular alternative, mainly due to the interactivity it provides, making the educational process less rigid, more dynamic, and interactive. This includes the conceptualization of the topic, the way it can be applied in the classroom, and the benefits that can arise from its moderate use.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Gamification, legal education, administrative law, engagement
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa apresentar o contexto da metodologia da Gamification no ensino jurídico do Direito Administrativo no Brasil, esta pode ser vista com vantajosa na forma de ensinar, pois é pautada em um modo lúdico capaz de fomentar a participação dos alunos na sala de aula.
Ao contrário do que o senso comum difundido leva a crer, tem-se que na gamificação do ensino há estrutura de forma a evitar excessos e dependência. As atividades são limitadas em tempo e escopo, garantindo que os alunos não se tornem “viciados”. As regras são claras e orientadas para a progressão educativa, o que diferencia essas atividades de jogos de videogame que podem ser consumidos indefinidamente, tal qual o caso dos jogos que são puramente recreativos.
A gamificação se vê como uma alternativa pontual para que possa ser substituída a prática do método cartesiano (tradicional) de ensino, sendo necessário pontuar que a adoção de tal prática deve ser feita com a devida moderação resguardada.
Como se observará, embora existam preocupações e ressalvas válidas sobre a inserção de games no ambiente educacional, uma abordagem estruturada e bem planejada de gamificação pode trazer inúmeros benefícios aos alunos no contexto atual. O ponto fulcral está em diferenciar os jogos recreativos e atividades gamificadas com objetivos pedagógicos específicos de forma bem estruturada.
A terminologia surgiu na década passada, ainda em 2008, quando foi introduzido em conferências da área dos jogos digitais2 e, embora atualmente possua uma disseminação um pouco maior, ainda existe pouco estudo sobre o tema. Pauta-se a tese de que a metodologia gamification, desde que utilizada com parcimônia, pode ser utilizada na exposição de temas mais abstratos e formais que circundam o ensino do Direito Administrativo, facultando, pois, uma maior concentração em sala de aula com consequente maior participação espontânea dos alunos.
No primeiro capítulo, conceitua-se o que vem a ser uma metodologia de ensino pautada na gamificação (ludificação).
Ademais, no segundo capítulo, aborda-se como a gamificação pode ser usada no ensino jurídico de forma que possa contribuir para o ensino dos temas do Direito Administrativo.
Em seguida, no terceiro capítulo, aborda-se as vantagens e desvantagens, bem como as considerações importantes sobre a gamificação que podem influenciar no ensino do Direito Administrativo.
Por fim, no quarto e último capítulo, aborda-se as vantagens que podem ser incorporadas por meio da incorporação da gamificação no ensino jurídico do direito adminsitrativo.
No presente artigo, adota-se o método dedutivo a partir da pesquisa bibliográfica pertinente para discorrer sobre a aplicação da estratégia de gamification no ensino do Direito Administrativo.
2. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE GAMIFICAÇÃO (GAMIFICATION)
Antes de adentrar ao tema problema a ser explorado no presente artigo, tem-se necessária a conceituação do que vem a ser a gamificação3 ou gamification. O conceito pauta o uso de elementos e técnicas de jogos em contextos não relacionados a jogos, por exemplo, no ensino, mas não limitado especificamente em tal contexto que é o objeto de pesquisa no presente trabalho, já que também existe como técnica no campo da administração, recursos humanos, marketing e tantas outras áreas possíveis4.
O termo gamificação é, de fato, denso e amplo, englobando uma variedade de estratégias e técnicas que podem ser aplicadas em inúmeros contextos.
No marketing de vendas, a gamificação pode ser usada para aumentar a fidelidade do cliente e incentivar a participação ativa em consumo, um exemplo disso são os programas de milhas de cartões de crédito.
No campo dos recursos humanos, também é possível imaginar alguma estratégia que bonifique os colaboradores de determinada empresa em função da produtividade alcançada.
É errôneo pensar, contudo, que a gamificação se limita a incorporar os jogos eletrônicos ao contexto do ensino, marketing, recursos humanos e administração. Os jogos eletrônicos até podem ser incorporados, mas é necessário estabelecer a distinção de que não são imperiosos para que exista tal metodologia. Ou seja, a gamificação envolve a aplicação de elementos e princípios dos jogos em contextos não relacionados a jogos, independentemente de serem digitais ou não.
Nesse ponto, imperiosa a citação de Vianna a fim de evitar qualquer equívoco de interpretação. Veja-se:
Ainda que seja um dos temas mais festejados do momento, a gamificação, como conceito, tem sido sistematicamente mal interpretada; é errado pensar que se trata de uma ciência que se debruça sobre o ato de criar jogos, mas sim uma metodologia por meio da qual se aplicam mecanismos de jogos à resolução de problemas ou impasses em outros contextos (VIANNA, 2013. pg. 1).
Em comum, há o objetivo de engajar e motivar as pessoas a alcançar seus objetivos, conforme será explorado a seguir. Esta abordagem aplica aspectos típicos dos jogos, como pontos, níveis, desafios, prêmios e retorno sobre o desempenho imediato, em diversas áreas, incluindo educação, marketing, saúde, recursos humanos, entre outras. Portanto, é equivocada a interpretação de que a gamificação se limita ao contexto dos jogos digitais e se concentra no ato de criar jogos, como muito bem delimitado pelo autor anteriormente citado.
A criação de jogos envolve a concepção, design, e desenvolvimento de um jogo completo, a gamificação se foca em extrair e aplicar os princípios que tornam os jogos eficazes para engajar e motivar as pessoas, o que aqui será abordado estritamente no contexto de educação e, mais ainda, no contexto do ensino jurídico do Direito Administrativo.
Necessário, pois, conceituar o que seriam os jogos, do qual se extrai a importante doutrina de Flora Alves. Veja-se:
[…] uma atividade voluntária que fazemos porque queremos, espontaneamente. Se tivermos que jogar porque alguém nos ordenou, deixa de ser um game. Ele também não é algo essencial, pode ser considerado algo supérfluo e só se torna urgente se o prazer que se sente com a atividade o transforma em uma necessidade. (ALVES, Flora, 2015, p. 18)
Nesse contexto, extrai-se que é importante o elemento denominado “voluntariedade” nos dizeres de Flora Alves do qual se extrai a importante perspectiva lúdica do aprendizado divertido a ser aplicado no ensino. Nota-se, portanto, que se mostra contraproducente a imposição da metodologia de ensino da gamificação, pois a sua própria natureza denota que deve se dar de forma espontânea.
Importante ainda que o conceito acima tratado discorre sobre a motivação, esta se relaciona com o prazer, a busca da satisfação em si. Imperioso ressaltar também a definição da própria autora Flora Alves:
[…] Motivação é um assunto complexo, pois não somos motivados pelas mesmas coisas. Muitas vezes não temos consciência das razões pelas quais fazemos algumas coisas, pois estas podem ser complicadas e não diretamente relacionadas com as nossas experiências. (ALVES, Flora, 2015, p. 56)
Cita-se ainda sobre a mesma autora o seguinte trecho:
[…] As pessoas jogam, envolvem-se e dedicam seu tempo a esta atividade em busca de emoções positivas e diversão, desta forma a motivação é um ponto de extrema importância quando o assunto é Gamification e aprendizagem. (ALVES, Flora, 2015, p. 56)
Logo, é natural que as pessoas busquem atividades que proporcionem emoções positivas e também a diversão. Quando jogamos, experimentamos uma gama de sentimentos como excitação, alegria, desafio e realização. Esses sentimentos são poderosos motivadores intrínsecos que impulsionam os indivíduos a se envolverem e dedicarem tempo a essas atividades. A gamificação na educação aproveita esse desejo humano por experiências gratificantes e o aplica ao processo de aprendizagem.
Sobre a conceituação do que vem a ser gamificação, importante observar Kapp do qual se extrai completa definição sobre a metodologia , “a gamificação é a utilização de mecânicas, estéticas e dinâmicas de jogos para instigar o engajamento, motivar as ações, promover o ensino e resolver problemas” (2012, p. 10).
Divide-se o conceito atribuído por Kapp para melhor interpretação e entendimento, sendo que as mecânicas de jogos, como citado pelo aludido autor, são as regras e sistemas que definem como os jogos funcionam e como os jogadores interagem com eles, por exemplo, o sistema de pontuação e premiação previstos. As estéticas de jogos referem-se aos elementos visuais e auditivos que criam a atmosfera e a experiência sensorial de um jogo, algo que certamente é importante para instigar a motivação no ensino. É imperioso observar que muito do que atrai nos jogos é o aspecto visual em si, pois, assim como os filmes, aqui cores, sons e gráficos capturam a atenção dos participantes.
Por fim, o autor ainda cita um elemento extremamente importante que são as dinâmicas de jogos, pois elas emergem da interação dos jogadores com as mecânicas do jogo e são responsáveis por criar a experiência emocional e social do jogo (algo que certamente não pode ser desconsiderado).
Feitas tais considerações, conclui-se, com base no entendimento de Kapp outrora exposto que pauta a divisão da gamificação na incorporação de mecânicas, estéticas e dinâmicas de jogos pautada ao contexto do ensino jurídico que será explorado a seguir.
3. COMO A GAMIFICAÇÃO PODE SER INCORPORADA NO ENSINO JURÍDICO
Conforme abordado anteriormente, a gamificação é uma abordagem multifacetada (que não se restringe ao ensino) que utiliza mecânicas, estéticas e dinâmicas de jogos para instigar o engajamento, motivar as ações, promover o ensino e resolver os problemas.
Acima de tudo, tem-se que a gamificação, quando importada para o contexto do ensino jurídico, pode fomentar a transdisciplinaridade.
Necessária a conceituação, porém, do que é transdisciplinaridade5. Veja-se:
A transdisciplinaridade visa promover um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento e seus dispositivos. O diálogo serve como ensejo para uma situação de cooperação entre as diferentes áreas. Transdisciplinaridade é, portanto, diálogo e cooperação entre diferentes áreas do conhecimento.(Iribarry, 2003)
A transdisciplinaridade é um conceito introduzido por Jean Piaget e desenvolvido ao longo de décadas, este representa uma abordagem essencial para abordar os desafios complexos do mundo moderno. Esta metodologia não só enriquece o conhecimento acadêmico, mas também proporciona ferramentas práticas e inovadoras para enfrentar problemas globais de maneira eficaz.
Para Frederico de Andrade Gabrich: O ensino jurídico precisa evoluir para reconhecer a importância atual da transdisciplinaridade e a sua capacidade de restabelecer a força, a significação e o interesse do ensino do Direito, especialmente diante dos novos paradigmas da contemporaneidade e dos interesses das novas gerações de estudantes e de profissionais do Direito (GABRICH, 2013, p.16).
É possível observar a aplicação da gamificação no ensino jurídico em algumas hipóteses que podem ser citadas.
É possível imaginar a criação de competições de perguntas e respostas sobre temas jurídicos para reforçar o conhecimento de forma divertida e interativa.
É possível organizar torneios onde equipes de alunos competem em debates, redação de documentos legais ou resolução de casos, um exemplo muito utilizado é o chamado júri simulado.
Tem-se possível também que determinados grupos de alunos desenvolvam projetos onde trabalharam juntos para resolver problemas complexos, incentivando a colaboração e a troca de conhecimentos.
O professor que deseja incorporar a gamificação em suas aulas precisa considerar diversos fatores essenciais. É crucial que ele adapte o conteúdo das atividades gamificadas ao perfil específico de seus alunos. Isso significa personalizar as atividades para que se alinhem com os interesses, níveis de conhecimento e estilos de aprendizagem de seu público-alvo. Além de garantir que o material seja relevante e acessível, o professor deve criar desafios que sejam ao mesmo tempo estimulantes e atingíveis, promovendo um ambiente de aprendizagem envolvente e eficaz. Ao fazer isso, ele pode maximizar o potencial da gamificação para aumentar a motivação e o engajamento dos estudantes.
Em tal sentido, é imperioso observar os ensinamentos de Flora Alves. Veja-se:
Nem todas as pessoas percebem o mundo da mesma forma, comunicam-se da mesma maneira, aprendem do mesmo modo ou jogam do mesmo jeito. Existem diferentes temperamentos, tipos psicológicos e estilos de aprendizagem, há também diferentes tipos de jogadores. Uma solução de aprendizagem gamificada será tão mais eficaz quanto sua capacidade de engajar adequadamente o público para o qual foi desenhada. (ALVES, 2015 p. 84).
Com o advento da era digital, é possível pensar em tantos outros casos em que aplicativos, sítios eletrônicos ganham o contorno da gamificação (conforme abordado em tópico anterior, a gamificação não se restringe a esse aspecto voltado mormente para tecnologia).
Nesse sentido, imperiosa a colocação Benedito e Dos Santos (2018, p. 49-50), pois trazem relatos a respeito de uma série de aplicativos e plataformas que se valem da gamificação para o ensino jurídico e para o treinamento de profissionais do Direito: (a) o Juris Game, que permite aos alunos participarem e solucionarem, em grupo, de um caso fictício; (b) o AppProva, aplicativo em que alunos, individualmente ou em desafios de duplas, respondem perguntas de determinada disciplina, acumulam pontos, estudam a teoria da matéria e, ao final da bateria de questões, é indicado um vencedor do desafio; (c) o Instituto Diálogo, que se vale da metodologia de jogos para promoção de dinâmicas de treinamento e avaliação em escritórios de advocacia e em diversas faculdades de Direito; e, (d) o Endireitados, aplicativo dirigido aos candidatos ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ademais, na denominada era digital, é imperioso imaginar que tecnologias como aplicativos educacionais, plataformas de aprendizagem online, realidade aumentada (AR), realidade virtual (VR), e jogos digitais oferecem recursos interativos e envolventes que podem ser usados dentro do campo da metodologia da gamificação6.
É imperioso destacar, contudo, que a gamificação não é adequada para todos os contextos ou situações. Antes de decidir implementá-la no contexto jurídico, é essencial analisar diversas questões e considerar cuidadosamente o ambiente de aplicação com a maturidade do público alvo. A gamificação é mais eficaz em cenários onde se busca resolver questões significativas para os envolvidos. Isso inclui situações em que o aprendizado pode ser enriquecido por uma abordagem mais interativa e envolvente, e onde os alunos podem se beneficiar de um processo de aprendizagem que incentiva a participação ativa e o pensamento crítico (ARAÚJO, 2016).
Por exemplo, a gamificação pode ser extremamente útil em contextos educacionais que exigem a aplicação prática de conceitos teóricos, como a simulação de processos administrativos no ensino de Direito Administrativo. Nesse caso, os alunos podem participar de atividades gamificadas que simulam procedimentos legais, permitindo-lhes experimentar e entender melhor as aplicações reais do que estão aprendendo.
A utilização de metodologias inovadoras de ensino, como a gamificação, deve ser realizada de forma ponderada e integrada à exposição de aulas teóricas. É essencial encontrar um equilíbrio entre essas abordagens para garantir que os alunos obtenham uma compreensão profunda e abrangente dos conteúdos.
A combinação entre metodologias inovadoras de ensino como a gamificação e as aulas expositivas tradicionais permite com que os alunos beneficiem-se das vantagens de ambos os métodos. As aulas teóricas proporcionam a estrutura e a profundidade necessárias para compreender os princípios fundamentais, enquanto a gamificação oferece oportunidades para a prática, a experimentação e o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas em um ambiente interativo.
Flora Alves ensina ainda que:
criar uma solução de aprendizagem gamificada consome tempo e energia. Não basta acrescentar distintivos, pontos e atividades em grupo se tudo isso não estiver em perfeito alinhamento com as estruturas motivacionais do ambiente onde o aprendiz terá que desempenhar sua performance. (ALVES, 2015 p. 152).
Tem-se que atualmente a gamificação pode ser pautada também por meio da utilização de tecnologias, algo que certamente será proveitoso dado o contexto da era em que o digital ganhou força, mas o seu uso não se resume dentro de tal aspecto, pois é muito mais abrangente. Existem formas de utilização que, inclusive, não dependem de grande estrutura a ser implementada pelo professor.
4. VANTAGENS E DESVANTAGENS NA UTILIZAÇÃO DA METODOLOGIA GAMIFICAÇÃO
Chega-se ao ponto crucial que pretende uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens da utilização da metodologia da gamificação no ensino jurídico, aqui voltado para o campo do Direito Administrativo em si.
Inicialmente, cita-se as vantagens que, como veremos, preponderam em relação aos pontos negativos da utilização da metodologia da gamificação.
É certo que atividades gamificadas podem tornar o aprendizado mais atraente e divertido, estimulando o interesse dos alunos pela busca do conteúdo jurídico lecionado.
Ademais, pode-se citar ainda que as recompensas e reconhecimento podem motivar os alunos a se esforçarem mais para alcançar objetivos acadêmicos.
A despeito do que já foi citado, Nathália Tameirão afirma que:
“a experiência com os games vai muito além do fator entretenimento e passa por outros pontos básicos, como a necessidade de competição, que é inerente a todo ser humano, os feedbacks instantâneos, a possibilidade de evolução rápida, e também a busca por recompensas e prêmios tangíveis”.
Outro ponto que é inegável é que a gamificação permite que os alunos participem ativamente do processo de aprendizagem, aplicando conceitos teóricos em cenários práticos, razão pela tal metodologia evidencia, por certo, a autonomia no processo de aprendizagem.
No que toca às desvantagens possíveis, certamente é possível pensar que desenvolver e implementar atividades gamificadas pode ser dispendioso em termos de tempo e recursos financeiros. Nota-se que a tecnologia para criação de jogos digitais ainda não é acessível, mas, como foi observado em tópicos anteriores, não restringe a conceituação do termo gamificação.
Assim, mesmo que ainda existam alguns campos em que a gamificação seja de complexa implementação em si, há de se observar outros tantos contextos em que pode ser facilmente usada, por exemplo, a partir de um simples jogo de perguntas e respostas em sala de aula.
Há outro ponto em que se observa que, sem um planejamento adequado, a gamificação pode levar a um entendimento superficial dos conceitos, em vez de uma compreensão profunda.
Em tal ponto, contudo, nota-se que tal tipo de restrição não é típica da metodologia de ensino da gamificação, pois toda e qualquer metodologia depende de planejamento adequado com o escopo de evitar a sua superficialidade.
Pontua-se, por fim, que a gamificação não é mais do que uma metodologia de ensino composta por ferramentas, de modo que, quando usada isoladamente, pouco há de ser acrescentado em termos de ensino. Ela não deve ser vista e não serve como panaceia para todo e qualquer problema de adesão ou motivação, que, como sabido, é algo com diversos motivos e só poderia ser discutido em um outro amplo contexto. Aqui se aplica bem o adágio: “uma andorinha só não faz verão”, tendo em vista que a gamificação deve estar aliada com outras ferramentas e habilidades – não as substituindo (ALVES, 2015, p. 59).
5. VANTAGENS DA INCORPORAÇÃO DA GAMIFICAÇÃO NO ENSINO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
A gamificação pode oferecer uma abordagem inovadora e eficaz para o ensino do Direito Administrativo, ajudando a superar algumas limitações do método tradicional, que ainda se baseia amplamente em lições simplificadas e autorreferentes extraídas dos manuais. Essa metodologia tem o potencial de transformar a forma como os estudantes de graduação aprendem e compreendem o Direito Administrativo, preparando-os de maneira mais prática e aprofundada para suas futuras carreiras.
Nos dizeres de Arruda Câmara (2023):
Tornou-se para mim impossível seguir a linha inicial que adotara em minha atuação como professor. Não dá para se fiar apenas em informações “doutrinárias” se, no mundo jurídico real, o que vejo é completamente diferente. Aqui não é uma questão de metodologia. Expondo ou provocando a participação dos alunos, há um direito administrativo a desvendar e compreender. O grande desafio que se põe é como apresentar esses dois universos que caminham paralelamente em torno do direito administrativo brasileiro. O direito administrativo dos manuais, mais simples, racional e difundido e o que tenho chamado de direito administrativo real: complexo, plural, heterogêneo e muito mais efetivo na dinâmica da administração pública. (ARRUDA CÂMARA, 2023, p. 769)
O Direito Administrativo é frequentemente ensinado de maneira teórica e estática, com foco em manuais que apresentam uma visão generalista e muitas vezes descontextualizada dos conceitos (ARRUDA CÂMARA, 2023). A gamificação pode complementar esse ensino tradicional (importante que seja utilizada de forma complementar), oferecendo uma forma dinâmica de aprendizagem que envolve os alunos de maneira mais ativa e prática.
A gamificação pode também desenvolver habilidades práticas que são frequentemente negligenciadas no ensino teórico tradicional. Atividades gamificadas podem incluir a resolução de casos práticos, simulações de audiências (júri simulado) e jogos de negociação, ajudando os alunos a desenvolver competências como argumentação, resolução de problemas, trabalho em equipe e pensamento crítico. Essas habilidades são cruciais para o exercício efetivo do Direito Administrativo e para a avaliação e questionamento de decisões administrativas no contexto profissional.
Os concursos para carreiras jurídicas públicas e os exames de admissão da Ordem dos Advogados do Brasil são elaborados com base nas referências difundidas nos cursos de graduação. A gamificação pode ser uma ferramenta poderosa na preparação para esses exames, oferecendo práticas de testes interativos, quizzes e simulados gamificados que ajudam os alunos a se familiarizarem com o formato das provas e a revisarem o conteúdo de maneira mais eficaz. Além disso, atividades gamificadas podem simular o ambiente de pressão dos exames, preparando os alunos para lidar melhor com o estresse e a gestão do tempo durante a prova (ALVES, 2015).
Embora seja inviável descartar completamente as referências generalistas que ainda influenciam significativamente o Direito Administrativo junto ao ensino cartesiano, a gamificação pode ajudar a contextualizar e aprofundar esses conhecimentos. Ao proporcionar um ambiente de aprendizagem que simula situações reais e permite a aplicação prática dos conceitos teóricos, os alunos podem desenvolver uma compreensão mais holística e crítica do Direito Administrativo, indo além das camadas superficiais do conhecimento jurídico.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implementação da gamificação no ensino do Direito Administrativo apresenta um caminho promissor para renovar e enriquecer a metodologia tradicionalmente adotada nas faculdades de Direito no Brasil. Conforme explorado ao longo deste artigo, a gamificação, quando usada de maneira estruturada e planejada, pode transcender as limitações dos métodos cartesianos, promovendo uma aprendizagem mais engajadora e participativa.
As vantagens desta abordagem são numerosas, bem como foram descritos os aspectos que são controvertidamente negativos. A gamificação tem o potencial de tornar o aprendizado mais dinâmico e envolvente, estimulando a motivação intrínseca dos alunos e facilitando a assimilação de conceitos complexos de forma mais intuitiva e prática. Além disso, a metodologia de ensino aqui trabalhada possibilita a integração de habilidades práticas e teóricas, preparando os estudantes de maneira mais abrangente para os desafios que enfrentarão em suas carreiras profissionais.
No entanto, é fundamental reconhecer que a gamificação não é uma solução mágica para todos os problemas do ensino jurídico. Sua eficácia depende de uma implementação cuidadosa e contextualizada, que leve em consideração as especificidades do público-alvo e os objetivos educacionais. A combinação equilibrada entre métodos tradicionais e inovadores pode proporcionar um ambiente de aprendizagem mais completo e eficaz, que não apenas transmite conhecimento, mas também desenvolve competências cruciais para a prática do Direito Administrativo.
Portanto, ao adotar a gamificação, é necessário um planejamento criterioso que evite a superficialidade e promova uma compreensão profunda dos conteúdos. A metodologia deve ser vista como uma ferramenta complementar, e não substitutiva, que, quando aliada a outras estratégias pedagógicas, pode enriquecer significativamente o ensino do Direito Administrativo, contribuindo para a formação de profissionais mais preparados e críticos.
Assim, conclui-se que a gamificação, desde que utilizada com discernimento e equilíbrio, pode transformar o ensino jurídico do Direito Administrativo, tornando-o mais relevante, interessante e alinhado às demandas contemporâneas da educação e do mercado profissional.
2Embora existam controvérsias, adota-se como marco teórico a conceituação de GROH, Fabian. Gamification: State of the Art Definition and Utilization. SEMINAR ON RESEARCH TRENDS IN MEDIA INFORMATICS, 4., Ulm, 2012 sobre a introdução do termo gamification.
3Alguns autores também utilizam o termo “ludificação” com o mesmo sentido de gamificação.
4Flora Alves no livro Gamification: como criar experiências de aprendizado engajadoras adota, durante todo o livro, posturas típicas da gamificação, na medida que se observa que livro é dividido em níveis, faz feedbacks e interações.
5 É importante lembrar que para alguns autores a sociedade contemporânea é global, complexa e interconectada, o que faz com que todas as situações reflitam essas características. Dado esse contexto, é necessário realizar análises que considerem a interdependência entre os diversos campos do saber, pois nenhuma área do conhecimento é autossuficiente.
6Nesse contexto: “atualmente, enfrentamos uma grande diversidade de desafios fascinantes; entre eles, o mais intenso e importante é o entendimento e a modelagem da nova revolução tecnológica, a qual implica nada menos que a transformação de toda a humanidade. Estamos no início de uma revolução que alterará profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.” (SCHWAB, 2016, p. 11)
REFERÊNCIAS
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Arruda Câmara, Jacintho. (2023). ENSINO, REALIDADE E METAVERSO NO DIREITO ADMINISTRATIVO . REI – REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS, 9(3), 757–773. https://doi.org/10.21783/rei.v9i3.786
ALVES, Flora. Gamification. Como criar experiências de aprendizado engajadoras. 2. ed. São Paulo: DVS, 2015.
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GROH, Fabian. Gamification: State of the Art Definition and Utilization. SEMINAR ON RESEARCH TRENDS IN MEDIA INFORMATICS, 4., Ulm, 2012. Proceedings Ulm: Institute of Media Informatics, Ulm University, 2012. p. 39-46. Disponível em: <http:// http://vts.uni-ulm.de/docs/2012/7866/vts_7866_11380.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2024.
Iribarry, Isac Nikos. Aproximações sobre a Transdisciplinaridade: Algumas Linhas Históricas, Fundamentos e Princípios Aplicados ao Trabalho de Equipe Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 483-490. Disponível em: https://www.scielo.br/j/prc/a/D4YgwJqvQh495Lgd6JGSHLz/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 10 jun. 2024.
KAPP, Karl M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeiffer, 2012
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
Tameirão, Nathália. Gamificação: o conceito, as vantagens e aplicação no contexto educacional, disponível em: <https://sambatech.com/blog/insights/gamification/>. Acesso em: 10 jun. 2024.
VIANNA, Ysmar. Gamification, Inc: como reinventar empresas a partir de jogos /Ysmar Vianna [et al.]. — 1. Ed. – Rio de Janeiro: MJV Press, 2013. 116p.; e-book
1Mestrando em Direito (FUMEC), Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pelo IEC da Puc Minas, Advogado