A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503251349


Elisabeth dos Santos Tavares
Aparecido Fernando da Silva


Resumo

O presente artigo versa sobre a formação de professores em cursos superiores no Brasil e analisa a concepção teórica implícita nos documentos oficiais. É um recorte do relatório de pós doutoramento realizado na Universidade de Ciências Pedagógicas Enrique José Varona, em Havana, que se fundamentou em estudos de Freire (1983, 1986, 1993, 2003, 2017), Nóvoa (1999, 2016), Gatti (2019), Imbernón (2000, 2009) e denota uma abordagem qualitativa, tendo em vista a multiplicidade de conceitos na construção da compreensão e análise dos discursos identificados e dos objetivos propostos. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica a partir do levantamento de referências teóricas do banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e da Biblioteca Digital Nacional de Teses e Dissertações – BDTD além de encontros com educadores pesquisadores. Recorreu-se a análise documental reunindo dados coletados que analisados evidenciaram a tensão que envolve a formação de professores no Brasil.

Palavras-chave: Formação de professores. Fundamentos pedagógicos. Análise crítica.

INTRODUÇÃO

A reflexão e análise sobre a formação de professores no Brasil se torna relevante, em razão de que a partir da promulgação da Lei Nº 9394/96 – LDBN as instituições educacionais tiveram como responsabilidade realizar as adequações dos fundamentos e da organização de seus cursos às diretrizes nacionais cabíveis, emanadas do Conselho Nacional de Educação – CNE e do Ministério da Educação – MEC que iniciaram, assim, um longo processo de elaboração de diretrizes curriculares para os cursos de graduação.

Dessa iniciativa, o que se verificou foi que as licenciaturas não receberam o tratamento específico nas diretrizes iniciais, o que resultou na incorporação de diferentes concepções de formação às diretrizes de cada curso. 

Posteriormente, o Ministério da Educação instituiu uma comissão responsável pela elaboração de diretrizes curriculares específicas para as licenciaturas, embora sem a participação de associações e entidades representativas do ensino superior.

Em 2001, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o CNE publicou o Parecer CNE/CP no. 09/2001 e amparado neste parecer, o CNE instituiu, por meio da resolução CNE/CP no.  01/2002 e da resolução CNE/CP no.  02/2002, respectivamente, as DCN para a formação de professores da Educação Básica e a carga horária dos cursos de licenciatura. 

De fato, as DCF, apresentadas pelo Parecer CNE/ CP n. 009/2001 e instituídas pela Resolução CNE/CP n. 1/2002, sofreram reiteradas críticas pela comunidade educacional, por trazerem como princípio norteador o ensino por competências. Nesses documentos, a competência é compreendida como a capacidade do professor de mobilizar conhecimentos transformando-os em ação, sendo apresentada como um “paradigma curricular novo” (BRASIL, 2001, p.8) e considerada a base para a formação comum dos professores, assim como para a introdução de uma nova concepção de ensino e de organização curricular. NUNES, 2017. 

Somente quatorze anos após a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCF), formuladas em 2001, o Conselho Nacional de Educação (CNE), em julho de 2015 até a atualidade tem por diferentes direcionamentos curriculares estado em evidência, com as publicações das DCN/2015 (Parecer CNE/CP no.  2/2015, Resolução CNE/CP no. 2/2015), DCN/2019 (Parecer CNE/CP no.  22/2019, Resolução CNE/CP no. 2/2019) e DCN/2024 (Parecer CNE/CP Nº: 4/2024, Resolução CNE/CP nº 4/2024) e que onde tem encontrado um impasse ético, filosófico e de fundamentos conceituais das novas propostas para a formação de professores.

Há que se considerar, ainda, programas que tratam de formação de professores têm sido emanados do Ministério da Educação no Brasil que têm provocado tensões na comunidade acadêmica evidenciando no atual contexto, um consenso entre os estudiosos, professores, pesquisadores, estudantes e trabalhadores em geral, que tais normatizações não refletem os objetivos amplamente discutidos pela própria comunidade acadêmica.

Além dos documentos oficiais, em relação a temática, pesquisados no site oficial da Ministério da Educação que constituíram o material imprescindível a fim de compreender como a educação vem incidindo nos projetos societários contemporâneos no Brasil, foi utilizada a pesquisa bibliográfica em relação às produções acadêmicas de políticas de formação de professores identificando os seus fundamentos e realizada a partir do levantamento de referências teóricas já publicadas, o que permitiu um conhecimento prévio do que já se estudou sobre o assunto, especialmente pesquisadores reconhecidos internacionalmente como Freire (1983, 1986, 1993, 2003, 2017), Nóvoa (1999, 2016), Gatti (2019), Imbernón (2000, 2009), dentre outros. 

DESENVOLVIMENTO

No Brasil, a história da educação, especialmente a formação de professores, tem sido marcada por sucessivas mudanças nos últimos dois séculos. Esse cenário revela uma descontinuidade que só começou a considerar a questão pedagógica na década de 1930, mas que até hoje não encontrou uma solução satisfatória, configurando um campo de tensões.

Com a promulgação da Lei Nº 9394/96 – LDBN, as instituições educacionais adequaram a organização de seus cursos às diretrizes nacionais pertinentes, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo Ministério da Educação (MEC). Assim iniciou-se o processo de elaboração de diretrizes curriculares para os cursos de graduação. Contudo, as licenciaturas não receberam tratamento específico nas diretrizes iniciais, resultando na incorporação de diferentes concepções de formação em cada curso. Posteriormente, o Ministério da Educação instituiu uma comissão responsável pela elaboração de diretrizes curriculares específicas para as licenciaturas.

Em 2001, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o CNE publicou o Parecer CNE/CP no. 09/2001. Com base nesse parecer, o CNE instituiu, por meio das resoluções CNE/CP no. 01/2002 e CNE/CP no. 02/2002, respectivamente, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação de professores da Educação Básica e a carga horária dos cursos de licenciatura, já com críticas pela comunidade acadêmica de pesquisadores, por não contarem com a participação de entidades representativas do ensino superior.

Posteriormente, evidenciando uma descontinuidade, foram publicadas as DCN/2015 (Parecer CNE/CP no. 2/2015, Resolução CNE/CP no. 2/2015), DCN/2019 (Parecer CNE/CP no. 22/2019, Resolução CNE/CP no. 2/2019) e DCN/2024 (Parecer CNE/CP no. 4/2024, Resolução CNE/CP no. 4/2024) onde se encontra um impasse ético, filosófico e de fundamentos conceituais na formação de professores.

O destaque a ser feito a partir das diretrizes mencionadas é ocasionado pelo fato de que o Conselho Nacional de Educação (CNE) organizou audiências públicas com a finalidade de apresentar e debater o documento referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores. Esse documento já estava em discussão na Comissão Bicameral de Formação de Professores do CNE, bem como nas entidades envolvidas, desde fevereiro de 2014. O material ficou disponível no site do CNE/MEC, avançando para a fase final com a realização de uma audiência pública e posterior aprovação pelo Ministro da Educação para homologação. 

Assim, o desenvolvimento das diretrizes culminou no Parecer CNE/CP no. 2/2015 e na Resolução CNE/CP 2/2015 e atendeu a um desejo antigo dos educadores do setor de educação e formação, revogando as Resoluções de 2002 que haviam estabelecido as Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, as quais estavam baseadas na concepção de competências.

Desta forma, o processo de construção da diretriz que resultou no Parecer CNE/CP no.  2/2015 e na Resolução CNE/CP 2/2015 envolveu

O estudo e o debate deste documento pelas Faculdades de Educação, Fóruns de Licenciaturas, colegiados de cursos de formação, gestores das redes públicas e pelos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente é fundamental para garantir a consolidação da política nacional de formação e os compromissos dos gestores municipais e estaduais com sua inserção nos Planos Municipais e Estaduais de Educação. (FREITAS, 2015, p.1)

Vale acrescentar que o Parecer CNE/CP 02/2015 destacou que a formação de profissionais do magistério da educação básica deveria se dar por meio da educação contextualizada, de modo sistemático e sustentável, nas instituições educativas. Mais ainda, que por meio de

[…de processos pedagógicos entre os profissionais e os estudantes articulados nas áreas de conhecimento específico e/ou interdisciplinar, nas políticas, gestão, fundamentos e teorias sociais e pedagógicas para a formação ampla e cidadã e o aprendizado nos diferentes níveis, etapas e modalidades da educação básica baseados em princípios formativos definidos]. (BRASIL, 2015)

O documento enfatizou que a formação de educadores para a educação básica é um setor marcado por disputas envolvendo diferentes concepções, dinâmicas, políticas e currículos, entre outros aspectos. Isso sinaliza a importância de reavaliar a formação desses profissionais, assegurando uma unidade nos princípios que a fundamentam. 

O texto apontou diretrizes para aprimorar tanto a formação inicial quanto a continuada, incluindo a implementação de normas nacionais que regulamentem a formação de docentes da educação básica. Ele também abordou a visão sobre conhecimento, educação e ensino como pilares essenciais para a implementação do projeto educacional do país, buscando superar a fragmentação das políticas públicas e a falta de integração institucional por meio do estabelecimento do Sistema Nacional de Educação. 

Reconheceu-se a importância de assegurar condições equitativas para o acesso e a permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e disseminar a cultura, o conhecimento, a arte e o saber; a diversidade de ideias e abordagens pedagógicas; o respeito à liberdade e a promoção da tolerância; a valorização dos profissionais da educação; a gestão democrática do ensino público; a garantia de um padrão de qualidade; a valorização das experiências fora do ambiente escolar; a conexão entre educação formal, trabalho e práticas sociais; e a consideração e valorização da diversidade étnico-racial. 

Também foi destacada a necessidade de integrar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, priorizando uma formação teórica robusta e interdisciplinar; a articulação entre teoria e prática; o trabalho colaborativo e interdisciplinar; o compromisso social e a valorização dos educadores; a gestão democrática; além da avaliação e regulação dos cursos de formação.

O currículo foi destacado como o conjunto de valores que favorece a produção e socialização de significados no espaço social, contribuindo para a construção da identidade sociocultural do educando, dos direitos e deveres do cidadão, do respeito ao bem comum e à democracia, além das práticas educativas formais e não formais e da orientação para o trabalho. A realidade concreta dos sujeitos que dão vida ao currículo e às instituições de educação básica, sua organização e gestão, bem como os projetos e cursos de formação, devem ser contextualizados no espaço e no tempo, considerando as características das crianças, adolescentes, jovens e adultos que justificam e instituem a vida escolar. Além disso, deve-se possibilitar a compreensão e reflexão sobre as relações entre a vida, o conhecimento, a cultura, o profissional do magistério, o estudante e a instituição.

A educação em e para os direitos humanos foi considerada um direito fundamental, constituindo parte do direito à educação e também uma mediação para efetivar o conjunto dos direitos humanos reconhecidos pelo Estado brasileiro em seu ordenamento jurídico e pelos países que lutam pelo fortalecimento da democracia. A educação em direitos humanos é vista como uma necessidade estratégica na formação dos profissionais do magistério e na ação educativa, conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos.

A importância do profissional do magistério e sua valorização foram asseguradas pela garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho. O trabalho coletivo como dinâmica político-pedagógica, que requer planejamento sistemático e integrado, também está previsto.

Assim, a Resolução CNE/CP 2/2015, editada em 1º de julho de 2015, considerou os fundamentos do Parecer CNE/CP 02/2015, dispondo sobre a organização e operacionalização necessárias à adequação de todos os cursos de licenciatura e de formação de professores.

Em maio de 2016, o vice-presidente Michel Temer assumiu a Presidência da República instaurando um governo marcado por mudanças radicais que impactaram significativamente as políticas de formação de professores. Em agosto de 2017, ao completar o prazo de dois anos para adequação das licenciaturas às DCN/2015, a Resolução CNE/CP 01/2017 adiou esse período em um ano. Em dezembro do mesmo ano, o MEC anunciou uma nova Política Nacional de Formação de Professores, com o programa Residência Pedagógica e a ampliação de vagas na Universidade Aberta do Brasil (UAB) e no Programa Universidade Para Todos (PROUNI) para cursos de licenciatura.

Houve muitas manifestações de descontentamento em relação às novas proposições. Entidades de relevância no setor acadêmico, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (ANPED) e a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), posicionaram-se contrárias à política, argumentando que sua elaboração foi feita sem o envolvimento de entidades e associações do campo educacional e ignorando a necessidade de articulação entre formação inicial, continuada e valorização da profissão.

Ainda nesse período, por meio da Resolução CNE/CP 02/2017, em um processo conturbado e com críticas do campo educacional, foi instituída a Base Nacional Comum Curricular – BNCC da Educação Básica, retomando a ideia do desenvolvimento de competências e habilidades. Dourado e Siqueira (2019) afirmam que a aprovação da BNCC pelo CNE ocorreu de maneira “coercitiva e aligeirada”, não sendo aprovada por unanimidade de seus membros. Em outubro de 2018, mais uma vez, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CP 03/2018, adiou em um ano o prazo para implementação das DCN/2015.

Em 2019, uma nova resolução foi editada: a Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e instituiu a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), com um prazo de até dois anos para sua implementação.

A audiência pública realizada pelo CNE no dia 8 de outubro marcou a resistência das entidades da área educacional às proposições do governo à época. As manifestações da diretoria da ANFOPE e de outras entidades foram claras e incisivas na denúncia do desmonte promovido pelo CNE e pelo MEC em relação às políticas coletivamente construídas nos últimos 10 anos, especialmente após a– Conferência Nacional de Educação Básica – CONEB 2008 e as Conferências Nacionais de Educação – CONAES realizadas em 2010 e 2014, que deram origem ao Plano Nacional de Educação.

Constata-se, nesse momento, uma grande tensão em razão da natureza dessas políticas em curso no campo da educação e da formação de professores, e  que fazem partem de um retrocesso de uma reforma do caráter do estado e do papel das políticas públicas na promoção das condições de igualdade e acesso à educação pública como bem público.

Em 6 de julho de 2022, por meio da publicação da Nota Técnica, a presidente do Conselho Nacional de Educação esclareceu que o prazo para implementação da Resolução CNE/CP 02/2019 no contexto educacional se encerrava no ano de 2022. A Nota Técnica também esclareceu “pontos que foram levantados pelas IES”. No entanto, a publicação da Nota Técnica não impediu que o Conselho Nacional de Educação, em reunião realizada em 5 de agosto de 2022, prorrogasse o prazo de adequação dos cursos de licenciatura à Resolução CNE/CP 02/2019 devido à mobilização nacional das diversas entidades representativas de docentes e discentes.

Essa decisão do CNE foi uma vitória para o amplo movimento que as entidades da área educacional desenvolveram desde a aprovação da Resolução CNE/CP 02/2019, mobilização que ganhou novos contornos nos Fóruns de Licenciaturas das IES e nos colegiados de curso, aprofundando os estudos e análises e construindo alternativas para os processos formativos dos estudantes.

As críticas que todas as entidades apresentaram referiam-se a que essas propostas iam no sentido de instrumentalizar e padronizar o currículo de formação de professores, em uma lógica técnica instrumental de empobrecimento da formação desses profissionais. Ainda destacaram o processo pouco participativo e sem debate com as entidades, universidades e especialistas que se dedicam ao tema, desconsiderando que, em todo o país, as instituições de ensino superior finalizavam processos de institucionalização da Resolução CNE/CP n. 2/2015, revogada de forma impositiva, sem uma avaliação dos resultados de sua implementação ainda em processo. 

Em 2023, um novo governo se instala no Brasil, decorrente das eleições presidenciais, uma das mais polarizadas em décadas, dois projetos antagônicos social, político, econômico e ambiental, dois projetos de sociedade em disputa se apresentam, um progressista e outro conservador. Vitorioso, o projeto progressista, enfrentando resistências decorrentes da disputa acirrada, compõe seu governo em torno do rol de alianças do processo eleitoral e dentre os ministros designa para o Ministério da Educação, o ex-governador e senador eleito, Camilo Santana, do Partido dos Trabalhadores do Ceará. A escolha de Camilo Santana reflete, segundo analistas, a necessidade de compor um ministério que consiga colaborar com a resolução de problemas políticos que o Brasil terá de enfrentar e o ministro é conhecido pela habilidade política nos bastidores. No entanto, a Confederação dos Trabalhadores em Educação – CNTE, diversas entidades representativas de docentes e discentes têm manifestado discordância em relação às políticas adotadas no Ceará pela proximidade de Fundações e ONGs naquele estado e preocupação em relação às políticas que estão sendo adotadas no Ministério da Educação. 

Em entrevista concedida o atual ministro afirma que é preciso um pacto nacional movido a metas, meritocracia e mais dinheiro, o que será um desafio.

Freitas ao comentar a referida entrevista faz considerações afirmando que o ministro além de desconhecer o campo da educação, é somente um gestor com algumas teses gerencialistas, do tipo: bastam metas, meritocracia e dinheiro para resolver o problema da educação.

Em maio de 2024, o Ministério da Educação aprovou uma nova Resolução do CNE com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica, baseada no Parecer CNE/CP nº 04/2024, construído por meio de uma consulta pública. Associações e entidades acadêmicas, como ANFOPE, ANPED, ANPAE e FORUMDIR, criticaram tanto o teor da resolução quanto o processo de sua elaboração.

As críticas incluem a dissociação entre formação inicial e continuada, a exclusão do caráter político e ético da formação, a ausência de valorização profissional dos docentes, a exclusão das práticas como componente curricular e a separação entre conhecimentos científicos e pedagógicos, perpetuando o impasse.

Não bastasse, agora em 2025, o Programa Mais Professores para o Brasil, foi lançado em janeiro e, é. segundo o MEC, um programa com ações integradas para promover a valorização e a qualificação do magistério da educação básica e o incentivo à docência no Brasil tendo como unidades responsáveis a Secretaria-Executiva do próprio MEC, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep e tendo como parceiros o governo federal com estados, municípios e Distrito Federal, com adesão voluntária..

O Programa Mais Professores para o Brasil foi construído, segundo documentos oficiais, em reconhecimento ao papel central dos docentes no processo de aprendizagem dos estudantes e no sucesso das políticas educacionais envolvendo a  iniciativa para fortalecer a formação docente, incentivar o ingresso de professores no ensino público e valorizar os profissionais do magistério, proporcionando-lhes recursos e oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo. 

O programa envolve ações em 5 eixos estruturantes, a Seleção para o Ingresso na docência por meio da Prova Nacional Docente para subsidiar os estados, o Distrito Federal e os municípios nos processos de seleção e de ingresso no magistério, uma proposta de maior atratividade para as licenciaturas com a criação da Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas para fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão nos cursos de licenciatura, alocação de professores por meio da Bolsa Mais Professores para incentivar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com carência de docentes, a Formação docente por meio de um Portal que visa fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil e a necessidade do docente e a valorização dos professores com o desenvolvimento de ações de reconhecimento da importância social dos docentes, estabelecidas por meio de parcerias com outros ministérios e órgãos públicos.

No entanto, o programa tem recebido críticas de diversos setores, algumas das quais incluem uma valorização superficial dos professores em razão de que as ações propostas são consideradas provisórias e não atacam os problemas estruturais da desvalorização docente. 

Em relação ao Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas no valor de R$1.050, a mesma é destinada a estudantes de licenciatura e é vista como insuficiente por não impactar aqueles que já estão no exercício profissional da docência. 

Já a criação da Prova Nacional Docente é criticada por adotar uma lógica de padronização que desconsidera as particularidades culturais e regionais do Brasil. Essas medidas, por meio de ações do programa, têm sido consideradas paliativas por não promoverem mudanças estruturais significativas, como a melhoria de salários, condições de ensino e aprendizagem, planos de carreira ou infraestrutura escolar. 

Assim, essas críticas refletem a preocupação de que o programa não esteja abordando de maneira adequada os desafios enfrentados pelos professores e pela educação no Brasil, mais uma vez.

O que se pode esperar como consequências dessas críticas para a educação no país? Uma possível desmotivação dos professores pela percepção de que o programa não aborda de forma assertiva a valorização dos professores, afetando negativamente a qualidade do ensino. Ainda como falta de atração para a carreira docente a bolsa de R$1.050 destinada a estudantes de licenciatura pode ser vista como insuficiente para atrair novos talentos para a carreira docente, resultando em uma escassez contínua de professores qualificados.

Já a Prova Nacional Docente, assim como as demais avaliações de larga escala tem recebido críticas por poder levar a uma padronização excessiva do currículo, desconsiderando as particularidades culturais e regionais do Brasil, o que pode impactar negativamente a diversidade e a qualidade da educação.

Essas consequências podem comprometer a efetividade do programa e frustrar tanto os docentes que estão na sala de aula, quanto aqueles em processo de formação.

A formação de professores no Brasil enfrenta, mais uma vez e por décadas, uma série de desafios, incluindo tensões que afetam o processo educacional e que surgem de diferentes perspectivas sobre o papel da educação, métodos de ensino, e conteúdos curriculares. Pesquisas têm destacado a diversidade de problemas, impasses, dilemas e pontos de tensão na formação de professores para a Educação Básica em instituições brasileiras. Esses problemas incluem a pouca atratividade da profissão docente. Apontam a necessidade de engajamento dos professores em seus percursos formativos e no exercício de sua profissão, destacando a importância de pensar estratégias e possibilidades para enfrentar as novas demandas impostas à educação.

Essas tensões têm impactado a qualidade da educação e a formação dos futuros professores, tornando essencial a busca por um diálogo construtivo e a implementação de políticas públicas que promovam uma formação docente mais inclusiva e eficaz. Minimizar os impactos das tensões na educação brasileira requer uma abordagem multifacetada e colaborativa, e algumas soluções podem ser propostas como a  formação contínua e diversificada com programas de formação continuada para professores que abranjam diversas perspectivas e métodos de ensino, promovendo um ambiente de aprendizado inclusivo e equilibrado, diálogo aberto e construtivo incentivando a criação de espaços de diálogo entre pesquisadores, educadores, gestores, para discutir questões de maneira respeitosa e construtiva, visando encontrar consensos e soluções práticas, valorização dos currículos por meio de esforços para criar currículos que sejam baseados em evidências científicas e pedagógicas, priorizando o desenvolvimento integral dos alunos e a identidade e cultura locais.

É preciso destacar, ainda, que as políticas públicas inclusivas sejam criadas e implementadas na garantia de uma educação de qualidade para todos, e que promovam a equidade e a justiça social. Com o incentivo à pesquisa educacional, apoiar as que explorem diferentes abordagens pedagógicas e suas implicações, contribuindo para a construção de um conhecimento sólido e diversificado sobre a formação de professores e o ensino.

Há que se respeitar, ainda, o papel fundamental que associações desempenham na promoção de uma educação de qualidade no Brasil, atuando em diferentes frentes para enfrentar os desafios e propor soluções para o desenvolvimento educacional do país como a:

  • Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE criada para defender políticas de formação e valorização profissional dos educadores promovendo debates e eventos para discutir a formação de professores e a qualidade da educação básica e superior atuando, ainda, na elaboração de políticas públicas que garantam uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos os cidadãos; 
  • Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, uma entidade que reúne acadêmicos, pesquisadores, professores e estudantes da área de Educação no Brasil com o objetivo de melhorar a qualidade da pesquisa e da formação em pós-graduação, além de atuar na formulação e implementação de políticas públicas em educação;
  • Associação Nacional de Política e Administração da Educação – ANPAE, a mais antiga associação de administradores educacionais da América Latina que tem como missão contribuir para a construção do conhecimento e das práticas de gestão da educação. A entidade defende uma educação pública, laica, de qualidade e socialmente referenciada;
  • Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras – FORUMDIR, entidade que reúne diretores de faculdades e centros de educação das universidades públicas brasileiras, cujo papel é defender a autonomia didática e a liberdade de expressão nas instituições de ensino, além de promover a qualidade da educação pública. 

Não será tarefa fácil, pois implementar essas soluções exige, especialmente, o compromisso e opção do MEC no estabelecimento de políticas públicas e não programas de governo e mais, de todos os envolvidos no processo educacional com a disposição para trabalhar em conjunto, em prol de uma educação de qualidade e equitativa para todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 9394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm, acessado em 12 jan de 2025.

BRASIL. Parecer CNE/CP nº 9/2001, aprovado em 8 de maio de 2001 – Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior. Disponível em https://www.gov.br/mec/pt-br/cne/parecer-cp-2001, acessado em 12 jan de 2025.

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BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002 – Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Disponível em https://www.gov.br/mec/pt-br/cne/resolucoes/resolucao-cp-2002, acessado em 12 jan de 2025

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BRASIL. Parecer CNE/CP no. 22 de 7 de novembro de 2019. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Disponível em https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_PAR_CNECPN222019.pdf?query=LICENCIATURA, acessado em 15 set./2022.

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