A FIGURAÇÃO DA IDENTIDADE DO POVO BRASILEIRO EM “MACUNAÍMA DE MÁRIO DE ANDRADE E “RETRATO DO BRASIL”DE PAULO PRADO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10247291307


                                          Ibrahima Sylla
                         Orientadora: Rejane Pivetta De Oliveira


RESUMO

Este trabalho analisa a convergência entre “Macunaíma” de Mário de Andrade e “Retrato do Brasil” de Paulo Prado, explorando como ambas as obras contribuem para a compreensão da identidade nacional brasileira e do nacionalismo no contexto histórico-cultural da década de 1920. A pesquisa destaca a importância do contexto histórico-cultural, marcado pela Semana de Arte Moderna e o Movimento Modernista, que influenciou profundamente as produções literárias da época. A luxúria emerge como um tema central em ambas as obras, sendo utilizada para criticar e explorar a moralidade brasileira. Enquanto Andrade utiliza uma narrativa ficcional e satírica para criticar a moralidade e a identidade brasileira, Prado adota uma abordagem histórica e crítica, destacando as raízes culturais e sociais do Brasil. A análise revela que ambas as obras oferecem perspectivas complementares sobre a formação da identidade nacional, contribuindo significativamente para o debate sobre a brasilidade. Este estudo reforça a relevância contínua dessas obras no contexto contemporâneo, mostrando como as questões abordadas por Andrade e Prado ainda ressoam na sociedade atual. Conclui-se que “Macunaíma” e “Retrato do Brasil” são fundamentais para a construção do pensamento cultural e literário brasileiro, proporcionando uma base crítica essencial para futuras reflexões sobre a identidade e a moralidade brasileira.

Palavras-chave: Identidade Nacional, Modernismo Brasileiro, Luxúria

ABSTRACT

This paper analyzes the convergence between Mário de Andrade’s “Macunaíma” and Paulo Prado’s “Retrato do Brasil,” exploring how both works contribute to the understanding of Brazilian national identity and nationalism in the historical-cultural context of the 1920s. The research highlights the importance of the historical-cultural context, marked by the Semana de Arte Moderna and the Modernist Movement, which deeply influenced the literary productions of the time. Lust emerges as a central theme in both works, used to criticize and explore Brazilian morality. While Andrade employs a fictional and satirical narrative to criticize Brazilian morality and identity, Prado adopts a historical and critical approach, highlighting Brazil’s cultural and social roots. The analysis reveals that both works offer complementary perspectives on the formation of national identity, significantly contributing to the debate on Brazilian identity. This study reinforces the ongoing relevance of these works in the contemporary context, showing how the issues addressed by Andrade and Prado still resonate in today’s society. It concludes that “Macunaíma” and “Retrato do Brasil” are fundamental to the construction of Brazilian cultural and literary thought, providing an essential critical foundation for future reflections on Brazilian identity and morality.

Keywords: National Identity, Brazilian Modernism, Lust

RÉSUMÉ

Ce travail analyse la convergence entre ʺMacunaímaʺ de Mario de Andrade et  ʺRetrato do Brasilʺ de Paulo Prado, explorant comment les oeuvres contribuent á la compreenhsion de l’identité nationale et du nationalisme brésiliens dans le contexte historico-culturel, marqué par la Semaine de l’Art Moderne et le Mouvement Moderniste, qui a profondément influencé les productions littéraires de l’époque. La luxure apparaît comme un théme central dans les deux oeuvres, utilisée pour critiquer et explorer la moralité brésilienne. Alors qu’Andrade utilise un récit fictif et satirique pour critiquer la moralité et l’identité brésiliennes, Prado adopte une approche historique et critique, mettant en valeur les racines culturelles e sociales du Brésil. L’analyse révele que les deux ouvrages offrent des perspectives complementaires sur la formation de l’identé nationale, contribuant de maniére significative au débat sur la brésilianité. Cette étude renforce la pertinence continue de ces travaux dans le contexte contemporain, montrant comment les questions abordées par Andrade et Prado résonnent encore dans la société d’actuelle. On conclut que ʺMacunaímaʺ et ʺRetrato do Brasilʺ sont fondamentaux pour la construction de la pensée culturelle et littéraire brésilienne, fournissant une base critique essentielle pour les réflexions futures sur l’identité et la moralité brésilienns.

Mots-clés : Identité National, Modernisme brésilien, Luxure

          INTRODUÇÃO

Mário de Andrade foi um dos grandes nomes da literatura brasileira, conhecido por sua habilidade em explorar a alma do povo brasileiro. Suas obras retratam a cultura, a música e as tradições do Brasil de forma única. Uma das obras mais conhecidas de Mário de Andrade é o romance “Macunaíma”, publicado em 1928, a qual  é considerada um marco na literatura brasileira por reunir elementos do folclore, da cultura indígena e do modernismo, apresentando uma narrativa única e inovadora que auxiliou na construção do conhecimento humano apresentando com singularidade os ideais de um povo, de uma época, de um país.

A análise entre “Macunaíma” de Mário de Andrade e “Retrato do Brasil” de Paulo Prado oferece uma perspectiva rica sobre o nacionalismo e a identidade cultural brasileira na década de 1920. Esse período foi marcado por profundas transformações econômicas e sociais, com um crescimento industrial acelerado e uma reavaliação da identidade nacional. A Semana de Arte Moderna de 1922 e o movimento modernista emergiram como momentos cruciais na busca por uma identidade brasileira autêntica, rompendo com a dependência cultural europeia e valorizando a diversidade cultural do país. Enquanto Andrade utiliza uma abordagem ficcional para reinventar a realidade brasileira através de elementos folclóricos e populares, propondo uma nova forma de escrita, mais livre e próxima da oralidade. Prado adota uma perspectiva histórica crítica, destacando traços como a luxúria, a cobiça e a tristeza no caráter nacional.

Ambas as obras, apesar de suas abordagens distintas, compartilham a preocupação em delinear um perfil do brasileiro que reflete as complexidades e contradições da identidade nacional. Em “Macunaíma”, Andrade cria um herói multifacetado e contraditório, simbolizando a fluidez e a incerteza da identidade brasileira. A narrativa utiliza sátira e paródia para criticar estereótipos e modelos fixos de identidade, promovendo uma visão dinâmica e em constante construção. Já em “Retrato do Brasil”, Prado oferece uma visão histórica que critica a formação do caráter brasileiro, destacando aspectos negativos como a luxúria e a cobiça. A convergência dessas obras ilumina não apenas as particularidades culturais e sociais da época, mas também a complexidade da construção da identidade nacional brasileira, enfatizando a necessidade de uma compreensão mais inclusiva e abrangente da cultura nacional.

A problemática reside na análise das diferentes abordagens utilizadas por Andrade e Prado para tratar da identidade nacional brasileira e do nacionalismo. Este estudo busca entender como essas obras, apesar de suas diferenças metodológicas e estilísticas, contribuem para o debate sobre o que significa ser brasileiro, e como suas representações influenciam a percepção da identidade cultural no Brasil.

O estudo dessas duas obras permite uma exploração profunda dos temas de nacionalismo, diversidade cultural e as contradições inerentes à formação da identidade brasileira. Compreender essa nuance é essencial não apenas para a literatura, mas também para os estudos sociais e históricos, oferecendo uma visão crítica e abrangente das dinâmicas culturais que continuam a influenciar o Brasil contemporâneo. Portanto, estudar a convergência entre essas duas obras teve como objetivo não só enriquecer o entendimento das representações literárias e históricas do Brasil, mas também proporcionar insights valiosos sobre as questões de identidade e cultura que ainda são relevantes hoje. A relevância do tema reside na sua capacidade de conectar passado e presente, revelando as continuidades e rupturas na construção da identidade brasileira e fornecendo uma base sólida para futuras pesquisas e debates acadêmicos.

Contextualizar o período Histórico-Cultural, comparar abordagens literárias e históricas, explorar o tema da luxúria, identificar as convergências e divergências, avaliar o impacto na identidade nacional e contribuição para estudos literários foram alguns dos objetivos que visam aprofundar e compreender a complexidade da identidade nacional, conforme refletidas e moldadas pelas obras  de Mário de Andrade e Paulo Prado, no contexto de um período crucial para a formação cultural do Brasil.

REFERENCIAL TEORICO

Silvana Assad (2024) aborda, em seu estudo, a convergência entre as obras “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e “Retrato do Brasil”, de Paulo Prado, explorando o tema do nacionalismo no contexto histórico-cultural do Brasil da década de 1920. A análise de Assad centra-se na questão da luxúria como um traço característico do brasileiro, conforme interpretado por ambos os autores. Assad destaca que, embora as obras tenham sido produzidas sob o mesmo contexto histórico e cultural, elas diferem em sua intencionalidade: enquanto Prado apresenta uma dissertação histórica, Andrade cria um texto ficcional. A autora enfatiza a importância de compreender a obra literária não apenas como reflexo da realidade, mas sim como a complexidade de representações humanas.

O contexto histórico-cultural do Brasil na década de 1920 foi fundamental para entender as obras de Andrade e Prado. Durante esse período, o Brasil passava por significativas transformações econômicas e sociais, com um crescimento industrial e uma reavaliação da identidade nacional. A Semana de Arte Moderna e o Movimento Modernista emergiram como momentos-chave na busca por uma identidade brasileira, rompendo com o passado de dependência cultural e valorizando a diversidade do país.

Assad ressalta que a obra “Macunaíma” de Andrade busca reinventar a realidade brasileira através da ficção, utilizando-se de elementos folclóricos e populares para construir uma identidade nacional. Ele utiliza a luxúria como um meio de satirizar e criticar a moralidade, mostrando o herói como um ser movido por impulsos sexuais que culminam em sua própria destruição. Por outro lado, “Retrato do Brasil” de Prado oferece uma visão histórica e crítica da formação do brasileiro, destacando a luxúria, a cobiça e a tristeza como características fundamentais. Observa também que, apesar das diferenças metodológicas, ambas as obras compartilham a preocupação em delinear o perfil do brasileiro.

Antônio Oliveira, Guilherme da Silva Santos e José Elias Pinheiro Neto (2024) apresentam uma revisão crítico-analítica de “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter” (1928), de Mário de Andrade, destacando a desconstrução de identidades ao longo da trama modernista. Os autores exploram como o protagonista Macunaíma, um astuto que passa por várias metamorfoses – negras, índio, branco – crises de identidade, essa mescla é vista como essencial para a construção de uma identidade nacional, rompendo com os modelos europeus e afirmando uma brasilidade única, caracterizada pela multiplicidade e pela transformação constante. Sendo um marco do Modernismo e do nacionalismo literário, ao valorizar elementos folclóricos e populares, construindo uma narrativa que mistura épico e novela, refletindo a complexidade da identidade brasileira.

Os autores destacam que a saga de Macunaíma envolve uma busca pela Muiraquitã, interpretada como a busca pela própria identidade. A narrativa, repleta de sátira e ironia, critica os estereótipos e os modelos fixos de identidade, propondo uma visão dinâmica e em constante construção. A obra se utiliza da paródia para subverter os valores estabelecidos, refletindo a heterogeneidade e a riqueza cultural do Brasil. Também ressaltam a importância da narrativa de Macunaíma, com suas transformações e conflitos internos, oferece uma rica base para análises psicanalíticas, conforme as teorias de Freud e outros estudiosos do inconsciente. A figura do anti-herói, que personifica as contradições e os conflitos da identidade humana, é vista como uma representação poderosa da complexidade do ser.

Fernanda Moreira Justo (2017) explora a construção da identidade nacional brasileira, destacando as contradições do país e celebrando sua multiplicidade de culturas, oriundas de diversas matrizes, como uma ruptura com a linguagem acadêmica e os valores culturais etnocêntricos, abrindo espaço para a cultura popular. A análise de Justo (2017) destaca como a obra de Andrade desconstrói a falsa ideia de unidade cultural, acentuando a diversidade do país. Macunaíma, através de suas aventuras e transformações, revela as várias facetas do Brasil, cada capítulo contribuindo para a construção de uma identidade nacional que é múltipla e permeada pela crítica à história do país. A indefinição do caráter de Macunaíma reflete a incerteza da identidade brasileira, que é constantemente moldada pelas influências culturais e sociais.

Mayara Evangelista Alegre (2007) argumenta que o personagem Macunaíma é emblemático da mestiçagem e da ausência de uma identidade definida, refletindo a diversidade cultural do Brasil e que a globalização acentua a falta de consciência das origens culturais, resultando em uma população facilmente manipulável. A autora observa que a estratégia de Andrade de usar formas populares de expressão em um nível erudito reflete a ausência de um sentimento de coletividade nacional. A vitória de Macunaíma é individual, sem dimensão social, ilustrando um Brasil sem projeto e em constante crise.  Alegre (2007) ressalta que a obra de Andrade, ao refletir a realidade brasileira através da ficção, provoca uma reflexão crítica sobre a situação racial e cultural do país. A autora argumenta que a literatura de Andrade rompe com as tradições e reforça a ideia de que a literatura é um sistema interligado que contribui para a civilização.

Elaine Groth (2013) reflete sobre o impacto da obra em contextos educacionais para promover a leitura crítica e reflexiva, destacado a relevância da literatura modernista para o resgate e valorização das raízes culturais brasileiras, utilizando “Macunaíma” como um instrumento para despertar o interesse dos alunos pela leitura e pela compreensão da identidade nacional no ambiente escolar visando formar leitores ativos e críticos, capazes de estabelecer o entendimento da formação da identidade do povo brasileiro, abordando tanto suas virtudes quanto suas contradições.

Groth (2013) utiliza o Método Recepcional, baseado na Teoria da Estética da Recepção, para incentivar a leitura crítica entre os alunos. Essa abordagem permite que os estudantes interajam com a obra literária, expressando seus sentimentos e interpretações, e desenvolvam uma compreensão mais profunda dos textos. A aplicação dessa metodologia em sala de aula, com leituras coletivas e individuais de “Macunaíma”, visa romper com a visão tradicional e fragmentada da literatura, promovendo uma experiência de leitura mais envolvente e significativa.

Segundo Groth (2013), a literatura desempenha um papel humanizador e formativo, contribuindo para a formação da personalidade do leitor e ampliando seus horizontes culturais e linguísticos. A autora destaca que, ao promover a leitura de clássicos como “Macunaíma” nas escolas, é possível desenvolver nos alunos um senso crítico mais apurado, capaz de questionar e interpretar a realidade social de maneira mais profunda. Também ressalta a importância de criar situações pedagógicas que estimulem a leitura literária, integrando a obra de Andrade a outras formas de expressão artística, como cinema e música. Essa abordagem interdisciplinar enriquece a experiência de leitura e facilita a compreensão dos alunos sobre a relevância cultural e histórica da obra. A autora argumenta que atividades como a encenação de trechos do livro e a pesquisa sobre representações culturais contribuem para um aprendizado mais dinâmico e participativo.

A pesquisa de Matheus de Souza Guedes (2021) analisa e foca na forma como Andrade utiliza seu projeto literário para abordar a homogeneização cultural e pensar a identidade brasileira, ressaltando a recorrência de temas como a miscigenação e a natureza tropical na obra.

Conforme Guedes (2021), a obra de Andrade é fundamental para entender os discursos sobre a identidade nacional na década de 1920. “Macunaíma” revela a tentativa do autor de sintetizar elementos culturais diversos para construir uma narrativa que questiona e redefine o caráter brasileiro. Andrade recorre ao debate racial e aos mitos em torno da miscigenação, utilizando a literatura como uma ferramenta para explorar a complexidade da identidade cultural do Brasil.

Guedes (2021) destaca que a obra de Andrade aborda a questão da “desgeografização” cultural, um conceito que sugere a anulação dos limites regionais em favor de uma identidade cultural unificada. “Macunaíma” exemplifica essa ideia ao justapor diferentes elementos culturais e ao apresentar o herói em uma jornada que abrange todo o território brasileiro. A obra busca criar uma identidade nacional que transcende as particularidades regionais, promovendo uma visão integradora da brasilidade. O autor argumenta que a abordagem de Andrade na construção de “Macunaíma” é uma tentativa de dotar o Brasil de uma “alma” cultural, capaz de superar as divisões regionais e de unificar o país em torno de uma identidade comum. A obra de Andrade, ao combinar elementos mágicos e mecânicos, cria uma narrativa que reflete a complexidade da identidade brasileira e a necessidade de uma visão mais abrangente e inclusiva da cultura nacional.

José Vilian Mangueira, Karine Maria Lima Lopes e Antônio Cleonildo da Silva Costa (2015) investigam a construção da identidade nacional na obra “Macunaíma” de Mário de Andrade, destacando a pluralidade étnica e cultural que compõe o Brasil. Os autores sublinham que Andrade subverteu a ideologia romântica de uma “alma brasileira imutável”, criando um personagem ambíguo, desprovido de idealizações e cheio de contradições, refletindo a complexidade do ser brasileiro.

Em contraste, o Modernismo valoriza a multiplicidade cultural do Brasil, reconhecendo a miscigenação e a diversidade como características fundamentais da identidade nacional. Essa abordagem reflete um entendimento mais complexo e realista do povo brasileiro, marcado por ambigüidades e pela constante transformação. Os autores destacam que “Macunaíma” é uma rapsódia que mistura lendas, mitos e elementos folclóricos de diversas regiões do Brasil, criando um herói que simboliza a identidade em processo. Macunaíma é apresentado como um “herói sem nenhum caráter”, cuja jornada em busca da muiraquitã, um amuleto mágico, representa a busca pela essência brasileira. Essa narrativa, rica em simbolismo, critica as idealizações do passado e propõe uma visão crítica e multifacetada da brasilidade.

Mangueira et al. (2015) enfatizam que a obra de Andrade rompe com os padrões estéticos tradicionais, adotando uma linguagem popular e valorizando a cultura oral. Essa escolha estilística reflete a intenção de Andrade de aproximar a literatura da realidade brasileira, retratando a diversidade cultural do Brasil, questionando as hierarquias culturais e os preconceitos sociais.

Essa análise sugere que a obra desafia a noção de uma identidade brasileira fixa e homogênea. Macunaíma, com suas múltiplas transformações e contradições, representa a fluidez e a incerteza da identidade nacional. Essa abordagem desconstrói a ideia de um caráter nacional unificado, propondo em seu lugar uma visão dinâmica e inclusiva, que reconhece à influência de diversas culturas e etnias na formação do Brasil. A obra sugere que a identidade brasileira é uma construção em constante evolução, moldada pelas interações entre diferentes culturas e tradições.

De acordo com Vanessa Canedo, Larissa Magalhães e Adélia Miglievich-Ribeiro (2015) discutem a ressignificação da identidade nacional brasileira à luz do pós-colonialismo, tomando como base a obra “Macunaíma” de Mário de Andrade. A análise foca na complexa construção das identidades do povo brasileiro, utilizando as teorias de Stuart Hall sobre identidade, o hibridismo cultural de Néstor García Canclini e a disseminação de Homi Bhabha. “Macunaíma” é uma obra essencial para compreender a pluralidade étnica e cultural do Brasil. Andrade subverte a ideologia romântica do século XIX ao criar um personagem ambíguo e multifacetado, que simboliza a indeterminação do caráter nacional brasileiro. Essa subversão é vista como uma crítica à tentativa de homogeneização cultural e uma celebração da diversidade que caracteriza a identidade brasileira.

Os autores destacam que Andrade utilizou a figura de Macunaíma para explorar a relação entre modernidade e tradição no Brasil. O personagem, que se transforma constantemente ao longo da narrativa, representa o hibridismo cultural discutido por Canclini, mostrando como as identidades são formadas através de processos de interação e transformação contínuos. Essa abordagem reflete a complexidade da identidade nacional brasileira, que é constantemente moldada por diversas influências culturais. A figura de Macunaíma também serve para ilustrar a crítica de Andrade à modernidade ocidental. O personagem, que transita entre o mundo rural e a metrópole, representa a tensão entre tradição e modernidade. Andrade utiliza essa dualidade para criticar a imposição de valores ocidentais e destacar a importância de uma identidade cultural autêntica e diversa.

A obra de Andrade contribui para uma compreensão mais profunda da identidade nacional brasileira ao integrar elementos da cultura popular e folclórica. “Macunaíma” não apenas desafia os estereótipos culturais, mas também promove uma reflexão sobre a formação da identidade nacional. Andrade propõe uma visão inclusiva e dinâmica da identidade, que reconhece a importância das diferentes influências culturais na formação do Brasil e sugere que a verdadeira identidade brasileira reside na capacidade de integrar o novo sem perder as raízes culturais, promovendo uma reflexão sobre a importância de valorizar e preservar o patrimônio cultural.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Mário de Andrade teve seu impacto na literatura brasileira, pelo fato de ter sido um dos pioneiros do Modernismo no Brasil na semana da arte moderna 1922. Desse modo, apresenta um nacionalismo crítico fazendo uma releitura do passado histórico, ao contrariar a imagem idealizada do índio romântico do século XIX e criar um índio sem nenhum caráter para simbolizar o povo brasileiro. A figuração da identidade do povo brasileiro em “Macunaíma”, o herói sem nenhum caráter simboliza as contradições e a fluidez da identidade brasileira, desafiando os estereótipos e os modelos fixos que muitas vezes são impostos, revela-se como um elemento central para a compreensão da complexidade cultural e social do Brasil. Foi através de uma narrativa rica em elementos folclóricos e populares, que Andrade constrói uma representação crítica e multifacetada da brasilidade, abordando três eixos principais como a moralidade, abordagem da luxúria e contribuições para a compreensão da identidade nacional.

A análise da obra mostra que a identidade brasileira é caracterizada por uma multiplicidade de influências culturais e sociais, resultando em uma construção dinâmica e em constante evolução. Macunaíma, com suas transformações e crises de identidade, representa essa multiplicidade e a busca incessante pela compreensão do que significa ser brasileiro. A utilização de elementos folclóricos e populares por Andrade não só valoriza a cultura brasileira, mas também critica a imposição de valores externos, propondo uma identidade que integra o novo sem perder as raízes culturais. Além disso, a luxúria, como um tema central na narrativa, é utilizada por Andrade para satirizar e criticar a moralidade brasileira, revelando as tensões e as contradições internas do país. Essa abordagem contrasta com “Retrato do Brasil”, onde Prado oferece uma visão histórica e crítica, destacando a luxúria, a cobiça e a tristeza como características fundamentais da formação do brasileiro (ASSAD, 2024). Essa divergência metodológica foi crucial para entender como cada autor contribuiu para o debate sobre a identidade nacional.

A convergência entre as obras de Andrade e Prado destaca a riqueza e a complexidade da identidade nacional brasileira, oferecendo uma visão crítica e abrangente das dinâmicas culturais que moldaram o Brasil. A análise dessas obras revela que a identidade nacional é uma construção em constante evolução, moldada por múltiplas influências culturais e sociais. “Macunaíma” e “Retrato do Brasil” são fundamentais para entender essa complexidade, fornecendo perspectivas críticas que continuam a ressoar na sociedade contemporânea.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados evidenciam que a construção da identidade nacional é um processo dinâmico e em constante evolução, influenciado por diversas narrativas e perspectivas culturais. A contribuição de “Macunaíma” foi essencial para entender essa complexidade, fornecendo uma base crítica para futuras reflexões sobre a identidade e a moralidade brasileira. Portanto, “Macunaíma” representa a identidade em processo, sem caráter definido e em constante metamorfose, concentrando em si virtudes e defeitos que Mário de Andrade observava no homem da época. Desse modo, podemos deduzir que Macunaíma é um herói moderno, com ações individualistas, conduzindo os seus objetivos. Esta obra foi fundamental para a compreensão da identidade do povo brasileiro, proporcionando uma base crítica para futuras reflexões sobre a brasilidade destacando a importância de reconhecer e valorizar a diversidade cultural do país.

Em suma, este estudo reforça a importância de “Macunaíma” na literatura e na cultura brasileira, destacando sua capacidade de oferecer insights profundos e duradouros sobre a formação da identidade nacional. A análise dessa obra não só enriquece o campo dos estudos culturais e literários, mas também proporciona uma compreensão mais ampla e crítica das dinâmicas culturais que moldaram e continuam a moldar o Brasil. Dessa forma, a obra de Andrade se revela como um tema de grande relevância e importância, essencial para o aprofundamento do conhecimento sobre a identidade brasileira.    

  REFERENCIAS

ALEGRE, Mayara Evangelista. Identidade Brasileira: de Macunaíma a dias atuais – uma análise da sua concepção nos meios de comunicação e na escola. 2007.

ASSAD, Silvana. Macunaíma e Retrato do Brasil: A Construção da Identidade Nacional, sob o Traço da Luxúria. Revista Educação Pública, 2024.

CANEDO, Vanessa; MAGALHÃES, Larissa; MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adelia. Macunaíma: um discurso de ressignificação da identidade nacional brasileira à luz do pós-colonial. 2015.

GROTH, Elaine. Um olhar sobre Macunaíma e a formação cultural do povo brasileiro. Cadernos PDE, 2013.

GUEDES, Matheus de Souza. Identidade nacional e cultural brasileira no modernismo de Mário de Andrade: uma análise da obra “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” (1928). Temporalidades – Revista de História, 2021.

JUSTO, Fernanda Moreira. O Brasil de Mário de Andrade: A (Des)construção da Identidade Nacional Brasileira em Macunaíma. 2017.

MANGUEIRA, José Vilian; LOPES, Karine Maria Lima; COSTA, Antônio Cleonildo da Silva. Caracterização da identidade nacional na obra “Macunaíma” de Mário de Andrade. Linguagem em Foco: Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE, v. 7, n. 2, 2015.

OLIVEIRA, Antônio; SANTOS, Guilherme da Silva; PINHEIRO NETO, José Elias. (Des)Construção de Identidade(s) em Macunaíma: Linguagem do Herói sem Nenhum Caráter. 2024.