A FEIRA AGROECOLÓGICA E ORGÂNICA DE SENHOR DO BONFIM – BA: UMA EXPERIÊNCIA VISITADA IN LOCUS E INTERPRETADA A PARTIR DE SUBSÍDIOS ETNOGRÁFICOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7693591


Samuel Cronemberger Caffé1
Renato Marques Alves1
Nilo Ramos Moreira de Souza1
Samuel Horácio de Oliveira1
Denes Dantas Vieira2
Eliana Barros Monteiro3
Francisco Ricardo Duarte4


Fumo de rolo arreio de cangalha
Eu tenho pra vender, quem quer comprar?
Bolo de milho broa e cocada
Eu tenho pra vender, quem quer comprar?
Tinha uma vendinha no canto da rua
Onde o mangaieiro ia se animar
Tomar uma bicada com lambu assado
E olhar pra Maria do Joá
(Fração da letra da música “Feira de Mangaio”
de Sivuca e Glorinha Gadelha).

RESUMO

O presente artigo traz à luz o funcionamento e o espaço ocupado e o significado da Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim-BA, a partir da consideração de alguns elementos etnográficos, que revelam em que Território de Identidade a feira está inserida, o contexto do seu surgimento, os aspectos legais correlacionados, quem são os sujeitos/atores da feira, as potencialidades e dificuldades identificadas nesse espaço de trabalho, cultura e resistência às contradições socioeconômicas. A pesquisa de campo realizada para esse fim tem sustentação descritiva e abordagem qualitativa. Os dados e informações que sustentam esse artigo foram obtidos mediante revisão de literatura e trabalho de campo, esse último realizado por meio de entrevistas abertas efetivadas presencialmente com os feirantes, quando de visita técnica de pesquisadores do PPGADT da UNIVASF à feira em questão, que acontece todas as quintas-feiras e sábados, em locais demarcados e distintos na sede do Município, porém em mesmo horário. Complementando a pesquisa de campo, foram realizados registros fotográficos, análise documental e acompanhamento de páginas em redes sociais, sites e blogs entre os anos de 2016 e 2023. A partir da referida pesquisa de campo, analisou-se como se dão as relações entre as partes interessadas envolvidas com o funcionamento da feira agroecológica e orgânica e suas significações para a estruturação de relações sociais nesse espaço público da cidade de Senhor do Bonfim-BA, entalhando ainda nessa análise o contexto da pandemia da COVID-19 e o que ela afetou nas formas de ser e estar na dinâmica da cidade.

PALAVRAS-CHAVE: Feira agroecológica e orgânica; espaço de trabalho e resistência; construção de subjetividades e sociabilidades.

ABSTRACT: This article sheds light on the functioning and space occupied and the meaning of the Senhor do Bonfim Agroecological and Organic Fair, based on the consideration of some ethnographic elements, which reveal in which identity territory the fair is inserted, the context of its emergence, the correlated legal aspects, who are the subjects/actors of the fair, the potentialities and difficulties identified in this workspace, culture, resistance to socioeconomic contradictions. The research carried out for this purpose has descriptive support and a qualitative approach. The data and information that support this article were obtained through a literature review and fieldwork, the latter carried out through open interviews carried out in person with the stallholders, during a technical visit by researchers from the PPGADT of UNIVASF to the fair in question, which takes place every Thursday and Saturday, in demarcated and different places in the municipal seat, but at the same time. Complementing the research, photographic records, document analysis and monitoring of pages on social networks, websites and blogs between the years 2016 and 2023 were carried out. the functioning of the agroecological and organic fair and its meanings for the structuring of social relations in this public space in the city of Senhor do Bonfim, also carving in this analysis the context of the COVID-19 pandemic and what it affected in the ways of being and being in the city ​​dynamics.

KEYWORDS: Agroecological and organic fair; workspace and resistance; construction of subjectivities and sociability.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo expressar uma reflexão sobre o espaço de trabalho e resistência na Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim-BA. A escolha da feira proposta para análise se deu a partir de uma definição temática destacada no âmbito da disciplina Cultura, Identidade e Território, do Programa de Pós-Graduação Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (Doutorado Profissional), da Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF, turma código de identificação D3.

Este Município onde o espaço-feira é pesquisado dista 375 km da capital Salvador-BA. A área territorial é de 789,361km², com população estimada de 79.813 pessoas, com predominância na área urbana, equivalente a 80% da população. Senhor do Bonfim-BA está localizado entre os paralelos 10°25’56.37″S e 10°32’36.87″S e os meridianos 40°11’27.97″O e 40°14’55.88″O de Greenwich na Mesorregião do Centro Norte Baiano. Possui clima tipo tropical semiárido com temperaturas médias em torno de 27º C e seu bioma é a Caatinga. Quanto à hidrografia, possui várias nascentes de rios, todos pertencentes à bacia do Rio Itapicuru (IBGE, 2021; REIS; SOUZA, 2021; NOBREGA, ANDRADE, 2019; SENHOR DO BONFIM, 2023).

O Município está situado no Território de Identidade do Piemonte Norte do Itapicuru, semiárido baiano, que é formado por nove Municípios da Bahia: Andorinha, Antônio Gonçalves, Caldeirão Grande, Campo Formoso, Filadélfia, Jaguarari, Pindobaçu, Ponto Novo e Senhor do Bonfim. A reunião destes municípios corresponde a extensão de 14,1 mil quilômetros quadrados, com população de 261,9 mil habitantes. O Território tem vocação na produção hortifrutigranjeiros e dos produtos derivados do leite, inclusive para abastecer a feira de Senhor do Bonfim-BA, sendo espaço de forte intercâmbio cultural, humano e de intensas relações entre o rural e o urbano, com grande fluxo de pessoas envolvidas na circulação e comercialização dos produtos, caracterizadas por encontros e trocas econômicas, sociais e culturais. (IBGE, 2021; REIS; SOUZA, 2021; NOBREGA, ANDRADE, 2019).

O desenrolar desse artigo ocorre a partir dessa ambiência territorial, onde se apresentam os dados coletados em campo, colocando-os em diálogo com as referências bibliográficas necessárias para o desenvolvimento deste trabalho de conclusão de disciplina do programa de doutorado em tela, e que serão expostos como um recorte de análise previamente delineado, a fim de se compreender as relações entre trabalho e resistência na feira, no intuito de situá-la não somente como importante espaço físico de realização da comercialização de alimentos, limpos e nutritivos, mas também de se constituir em depositária da história e igualmente produtora de subjetividades e sociabilidades entre os sujeitos/atores envolvidos na trama da feira.

Além da presente introdução, na segunda parte desse artigo apresenta-se o percurso metodológico da pesquisa e na terceira parte a hipótese da pesquisa fundada na revisão de literatura, tendo a feira livre como espaço de resistência e manutenção do tecido sociocultural. Em seguida, de forma sucinta, na quarta parte, a evolução da feira livre na cidade de Senhor do Bonfim-BA. Na quinta parte tece-se considerações sobre os elementos da etnografia envolvidos na pesquisa de campo da feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim e analisou-se a relação da feira agroecológica e a cidade, considerando-se a resistência ao sistema produtivo de alimentos convencionais não orgânicos, a vivência e experiência urbana a partir das formas de ser e estar na feira livre da cidade de Senhor do Bonfim. Na sexta parte, denominada conclusão, são expostos os argumentos e os resultados da pesquisa de campo levada a efeito pelos autores do presente artigo na feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim-BA.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

A presente pesquisa possui caráter descritivo dos fatos e fenômenos do espaço pesquisado, com abordagem qualitativa, focando na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais da Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim-BA, privilegiando os aspectos etnográficos, decorrentes de metodologia própria da antropologia científica, expressados nesse artigo através das respostas das entrevistas abertas realizadas com os atores/sujeitos da feira, coadjuvados com o emprego de fotografias da feira em sua dinâmica de funcionamento e da análise documental de acervos disponível sobre essa temática.

Os dados e informações que sustentam esse artigo foram obtidos mediante revisão de literatura e trabalho de campo, esse último realizado combinando o uso das técnicas de observação participante (ANGROSINO, 2009) e entrevistas abertas e informais efetivadas presencialmente com os feirantes, além de registros fotográficos, análise documental e acompanhamento de páginas em redes sociais, sites e blogs entre os anos de 2016 e 2023, tais como Youtube, blogs e sites de notícias locais sobre a referida feira.

3 AS FEIRAS LIVRES COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA E REPRODUÇÃO SÓCIO-CULTURAL DO CAMPESINATO

A feira livre no Brasil “constitui modalidade de mercado varejista ao ar livre, de periodicidade semanal, organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição local de gêneros alimentícios e produtos básicos. Herança em certa medida da tradição ibérica (também de raiz mourisca), posteriormente mesclada com práticas africanas, está presente na maioria das cidades brasileiras” (MASCARENHAS; DOLZANI, 2008, p. 75).

Para além de uma atividade econômica, o espaço-feira também se constitui em ambiente de reprodução social e cultural de um Território. Exerce papel de ponto de encontro, de lazer, de artes, de alimentação, de festas, de fortalecimentos de laços e de trocas de experiências. Expressa-se assim como modo de vida de um povo.

É por esse aspecto que “a palavra feira é originária do latim, feria que significa ´dia de festa´”. E por isso representam a dinâmica de uma sociedade, sendo espaços ricos culturalmente com cores, odores e sonoridades (MINNAERT, 2008, p. 130; MORAIS; ARAÚJO, 2006).

Nessa expressão e manifestação cultural, as feiras aglutinam valores, tradições, manifestações populares, ressignificam memórias do cotidiano das comunidades enquanto identidade social, reproduzindo rituais e festas, crendices, superstições, lendas, culinárias, artesanatos, religiosidades e manifestações literárias. É de fato patrimônio cultural (bens materiais e imateriais), além de espaço de sociabilidade (ARAÚJO, 2013).

Por essa lógica, as feiras livres “consistem em lugar de relação social, econômica e cultural onde os envolvidos, além de consumirem produtos, estabelecem trocas culturais. Ainda que representem uma modalidade de comércio periódico, ou seja, apesar de acontecerem em determinados dias da semana, as feiras modificam e desenvolvem o espaço sob diversas formas de relações sociais” (SILVA; MIRANDA; JUNIOR, 2014, p. 287).

Nesse sentido, as feiras livres agroecológicas como manifestação cultural, enquanto modelo de produção não capitalista, manifesta a (re)criação camponesa, produzindo e reproduzindo habitus, que segundo Bourdieu (1983, p. 105, apud ALMEIDA, 2006, p. 98):

É um produto dos condicionamentos que tende a reproduzir a lógica objetiva dos condicionamentos, mas introduzindo neles uma transformação; é uma espécie de máquina transformadora que faz com que nós ‘reproduzamos’ as condições sociais de nossa própria produção, mas de uma maneira relativamente imprevisível, de uma maneira tal que não se pode passar simplesmente e mecanicamente do conhecimento das condições de produção ao conhecimento dos produtos.

Neste percurso, as expressões culturais campesinas materializadas nas formas de agir, pensar, falar e perceber dos feirantes e interiorizadas pelos agentes na maneira de habitus, são geradas nos campos, que no conceito de Bourdieu, é um espaço de relações em movimento que representa a estrutura social. E revela o modo de vida camponês, ou seja, o processo (campo) de produção e reprodução do habitus camponês (ALMEIDA, 2006).

É nessa perspectiva que as feiras agroecológicas, como forma de reprodução social e manutenção do tecido cultural do campesinato, que Santos (2010), expressa que esses espaços movimentam os feirantes em busca do afastamento ou rompimento da produção capitalista hegemônica e assegura a condição de classe. É o que o pesquisador define como insubordinação camponesa frente às adversidades encontradas em ambientes de tensões e conflitos que estão inseridos os camponeses (campos).

Por assim dizer, estrutura-se o artigo a partir da hipótese de que a Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim-BA é espaço de trabalho e de resistência campesina, como forma de manutenção e reprodução do tecido sociocultural do campesinato.

4 AS FEIRAS LIVRES DE SENHOR DO BONFIM ATÉ OS DIAS ATUAIS: TRADIÇÃO E MUDANÇAS

A primeira feira livre de Senhor do Bonfim foi à Rua Visconde do Rio Branco, ficando pouco tempo e mudando para a Praça da Igreja até a Rua José Jorge e sendo transferida pela segunda vez para a Praça Caixeiro Viajante até o Cruzeiro. Sua origem está ligada ao ciclo econômico do gado (Foto 1).                                             

Segundo relato de Almeida (2001, apud BARBOSA, 2013, p. 54) nessa primeira feira eram comercializados os seguintes produtos:

[…] Ali eram vendidos bode, café torrado em casa, café em caroço, mamona. Os cereais eram vendidos no peso – “o prato” – e era realizada apenas aos sábados. Era chamada de feira dos catingueiros, pois era frequentada pela classe menos favorecida da população. Havia atrás do correio a feira do rolo e a feira do pau. Na Praça Augusto Sena Gomes bem ao centro havia a feira de carnes, verduras, cereais e etc.

   Foto 1 : Vista panorâmica da feira antiga de Sr. do Bonfim – BA, ano 1919

Fonte: Site Skyscraper City Fórum, Will_NE, 2012.

Contemporaneamente, a feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim-BA está igualmente situada no centro comercial da cidade, evento que ocorre duas vezes semanalmente: às quintas-feiras e aos sábados, sendo que nas quintas-feiras a mercancia se realiza na praça Dr. Antônio Gonçalves, em frente a uma grande loja do mercado de varejo nacional, Magazine Luiza. E aos sábados no bairro Cruzeiro, próximo aos Correios.

É uma típica feira de interior nordestino, composta por grupos produtivos de agricultores e agricultoras familiares de várias comunidades rurais do Município, mas que se diferencia das feiras convencionais porque têm como principal alvo a venda de alimentos orgânicos, sendo frequentada, comumente, por moradores da cidade de Senhor do Bonfim-BA e dos municípios limítrofes do Território Identidade Piemonte Norte do Itapicuru, cujo perfil é de um consumidor(a) que possui características socioeconômicas de renda pessoal acima da média regional e que demanda conscientemente por uma alimentação saudável e nutritiva, sem uso de agroquímicos.

Este espaço público de interesse comercial e convivência social existe, portanto, a partir da motivação coletiva de comercializar alimentos saudáveis, produzidos sem utilização de defensivos químicos. Os feirantes são cadastrados pela Prefeitura local, e seus produtos alimentícios estão certificados pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Agropecuário, na condição de agricultores familiares em conformidade com os princípios da agroecológica. Isso confere uma certa institucionalidade aos produtos orgânicos vendidos na feira e aumenta a confiança do consumidor com os feirantes locais.

Nesse contexto, Bonamigo (2021, p.1) assume que:

Contrapondo-se a esse modelo agrícola dominante, desenvolvem-se, atualmente, práticas agroecológicas voltadas para a produção de alimentos saudáveis e a inserção social dos camponeses em suas comunidades e regiões. A agroecologia tem-se expandido significativamente nos últimos anos e tem ganhado espaço no imaginário social. Entretanto, o seu significado não é completamente preciso. Além disso, a literatura existente sobre o assunto ainda dissemina compreensões pouco claras e, muitas vezes, polêmicas.

É importante destacar que se encontra sempre presente o cuidado dos feirantes de ofertarem ao consumidor seus produtos diferenciados para além do fator econômico, como também de compartilharem a compreensão dos significados desse específico local de trabalho e resistência ao sistema de produção de alimentos não orgânico, que fica disponível e tão próximo da casa dos frequentadores, que é parte da rua e da vida das pessoas. Um lugar, assim sendo, de compra e venda, mas também de visitas, bate-papos e encontros, participação e relacionamentos afetivos.

Em sua dissertação, Barbosa (2013, p.76) afirma que cerca de 5% dos entrevistados por ela na Feira de Senhor do Bonfim-BA formavam a clientela dos produtos orgânicos:

Na feira de Senhor do Bonfim, predomina a comercialização de produtos hortifrutigranjeiros. […] Os produtos orgânicos também marcam presença, em poucas quantidades ainda, devido ao seu preço elevado, o que evidencia a procura apenas, por parte de uma clientela detentora de maiores recursos financeiros e maior grau de escolaridade. Cerca de 5% dos entrevistados se enquadram nesse percentual.

Vale ressaltar ainda a respeito do aspecto da localização da feira, que atualmente ela funciona em dois locais centrais da cidade, com uma boa oferta de transportes públicos do tipo vans, ônibus, táxis e mototáxis, o que facilita a mobilidade e a diversidade espacial de moradia dos frequentadores da feira, cujo horário de funcionamento ao consumidor é das 08:00 horas da amanhã até 16:00 horas da tarde. Porém, nem sempre foi assim, pois quando essa feira surgiu ela era montada em outro local da cidade e somente às quintas-feiras, como mostra comparativo das figuras 1 e 2, a seguir.

Figura 1 : Mapa de feiras orgânicas

 Fonte: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), 2023. 

Figura 2 : Aviso de local e horário de funcionamento

Fonte: ASCOM-PMSB, 2022.

Cabe ressalvar que a feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim-BA foi reconhecida pela lei municipal nº 1.656/2022, em 23 de agosto de 2022, como patrimônio cultural e imaterial da cidade, pelo seu valor histórico, cultural e artístico, o que situa a importância deste espaço público, como um lugar primordial para o encontro e para a diversidade das práticas sociais já encaixadas no imaginário popular.

Essa lei supracitada, promulgada pela Prefeitura Municipal de Senhor do Bonfim-BA em 2022, é fruto da ampla participação das entidades representativas de produtores e trabalhadores rurais e movimentos sociais do campo, bem como da necessidade de assegurar o direito garantido na Lei Orgânica do Município, de 05 de abril de 1990, no seu artigo 167, que diz:

O Município deverá integrar-se com o Estado e a União na manutenção e no apoio aos serviços oficiais, já existentes ou que venham a ser criados, tais como: I – planejamento agrícola; II – geração e difusão de tecnologia agropecuária; III – defesa sanitária animal e vegetal; IV – informação rural; V – comercialização, abastecimento e armazenamento; VI – cooperativismo e associativismo; VII – crédito rural; VIII – seguro agrícola; IX – formação profissional e educação rural; X – práticas agroecológicas; XI – habitação e eletrificação rural; XII – agroindústria (SENHOR DO BONFIM, 1990, p. 66).

Silva, et al (2019), cita que a Feira Agroecológica, atualmente estabelecida, nasce ainda como feira orgânica, passando por duas etapas importantes desse processo que foi em 03/07/2015, quando ocorreu uma reunião para organizar a Feira Orgânica em Senhor do Bonfim- BA e no dia 14/07/2015 que foi a inauguração da Feira Orgânica de Senhor do Bonfim e que contou com a presença de agricultores, de parceiros e autoridades municipais e estaduais (foto 2). Originalmente a Feira nasce da organização dos agricultores familiares e produtores orgânicos.

  Foto 2 : Inauguração da Feira Orgânica em Senhor do Bonfim – BA

Fonte: Silva et al..2019.

5 ELEMENTOS DA ETNOGRAFIA ENVOLVIDOS NA PESQUISA DE CAMPO DA FEIRA AGROECOLÓGICA E ORGÂNICA DE SENHOR DO BONFIM-BA

Neste sentido, para concernir os fenômenos sociais florescentes entre trabalho e resistência, na referida feira, apresenta-se a etnografia de rua (ROCHA e ECKERT, 2013), com intuito de articular esse conceito, oriundo da pesquisa na antropologia, com os dados coletados de campo durante as visitas técnicas, ou seja, a partir das vivências adquiridas nesse espaço da cidade, das experiências pessoais in loco, pujantes para a produção tanto de subjetividades quanto de sociabilidades junto aos feirantes e demais atores sociais ali presentes, nos abarcando enquanto pesquisadores nessas práticas, uma vez que coabitamos e visitamos o mesmo espaço.

Rocha e Eckert (2013, p.6) ao trabalhar com a pesquisa por meio da “etnografia de rua” no livro Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana, consideram o seguinte:

A sistematicidade de uma etnografia de rua acaba por constituir o pesquisador como mais um habitante do espaço urbano investigado, possibilitando a construção de vínculos com as pessoas com as quais partilha essa experiência sensível.

Ainda segundo as autoras Rocha e Eckert, no capítulo 1 do referido livro, destacam que “A etnografia consiste em descrever práticas e saberes de sujeitos e grupos sociais por meio de técnicas, como observação e conversações, desenvolvidas no contexto de uma pesquisa.” (ROCHA; ECKERT, 2013, p. 22).

Diante do exposto, dispõe que, é na relação de constituição e desconstituição entre o campo de pesquisa de campo e o objeto de pesquisa de campo, que torna possível uma observação antropológica sobre a cidade, consequentemente da interrelação da produção de vida no campo com o urbano, pois nos “abre os olhos” para visualizar a “imagem” de uma cidade múltipla, partindo do ponto de vista das práticas e das relações, tais como o próprio pesquisador as enxerga, as coleta e as transcreve, de forma direta e situacional.

Posto isto, acerca da própria experiência no campo, conjuntamente com as fotografias, estudos bibliográficos, análise documental e de conteúdos de redes sociais virtuais, iniciou-se o estudo proposto para o presente artigo, que considera as determinações entre alimentação e cultura como abordagem para a reflexão mais ampla da agroecologia, território, sustentabilidade.

5.1 FEIRA AGROECOLÓGICA E CIDADE: RESISTÊNCIA, VIVÊNCIA E EXPERIÊNCIA URBANA A PARTIR DAS FORMAS DE SER E ESTAR NA FEIRA LIVRE DA CIDADE DE SENHOR DO BONFIM-BA

A definição pelo tema das feiras agroecológicas e orgânicas se deu ainda em contexto pandêmico no Estado da Bahia, que recentemente teve decretado novamente uma série de restrições sanitárias. A retomada da feira na cidade de Senhor do Bonfim-BA também se deu em contexto similar em meados de outubro de 2021 em mesmo cenário (imagem 3), quando a Prefeitura Municipal, por meio da Web TV Facebook, denominada iTVê, e do canal no Youtube do BONFIM Notícias, comunicou aos frequentadores e feirantes que o funcionamento voltaria no dia quatro de novembro do mesmo ano, numa espécie de “relançamento”, que na época funcionava apenas às quintas-feiras, e em frente à sede da Prefeitura. (CANAL DO YOUTUBE BONFIM NOTÍCIAS, 2021).

Foto 3 : Reportagem sobre reinauguração da Feira Agroecológica de Sr. do Bonfim

Fonte: Bonfim Notícia, 2021.

Desde a definição da temática do artigo no âmbito do Programa PPGADT, passou-se por uma aproximação mais estreitamente com o Município de Senhor do Bonfim-BA. A finalidade era de melhor compreender como a feira agroecológica e orgânica, uma modalidade de vendas de alimentos diferenciados relativamente estabelecida no comércio na cidade que ainda se mantém robusta na atualidade, não obstante a concorrência oligopolista das redes de supermercados de diversos portes e da tradicional feira livre convencional (imagem 4). Esta sendo último espaço público que vai além das relações comerciais aí praticadas para tornar-se também palco por onde já atuaram o famoso cantor e compositor, Rei do Baião, Luiz Gonzaga e o temido cangaceiro Virgulino Ferreira, Lampião. Esta feira foi considerada a “segunda maior do Nordeste e a maior do Estado da Bahia”, conforme avaliação do canal do Youtube RTV Caatinga UNIVASF (2016).

Foto 4 : Visão interna da feira de Sr. do Bonfim (BA)

  Fonte: RTV Caatinga UNIVASF, 2016.

Munidos de informações prévias, partiu-se para observar e analisar o cotidiano da feira agroecológica e orgânica na cidade de Senhor do Bonfim-BA, incorporando a importância do ato de “fazer a feira” como imprescindível para a experiência da visita técnica de campo, entendendo que esse ato não era somente uma forma de comprar alimentos e produtos agroecológicos para viabilizar diálogos, observações e entrevistas, como também uma forma de sentir parte desse local de trabalho e resistência, vivendo para além da função de pesquisador, pois é um Território onde nos socializamos com pessoas além de amigos, conhecidos e vimos e vivemos situações impremeditadas.

Frente a isso e de acordo com que afirma Bruner (1986), no seu livro The Anthropology of Experience[1], uma experiência é mais pessoal, quando ela se refere a um eu ativo, a um ser humano que não só se engaja mas molda uma ação. (Tradução nossa).

Por meio da observação direta, fotografias e de entrevistas abertas buscou-se registrar no diário de campo tudo o que se chamou a atenção nos dias em que foi feita a vista técnica à feira, sendo possível nesse processo coletar informações importantes e traduzi-las em palavras, cheiros, sons, imagens. O ato de frequentar a feira livre propicia diversas formas de sociabilidade no espaço público, porque esse é o local de encontros e das situações inusitadas.

O contempto inicial com que os feirantes nos olhavam foi se desbaratando com as conversas mantidas nos dois locais onde acontecem a feira, em dias e horários distintos. Como diz o antropólogo Da Matta (1997), no seu livro A Casa & A Rua: “saí da sala de visitas e adentrei na intimidade desta casa”.

Quando se adentrou na feira que acontece no dia de quinta-feira, localizada na Praça Dr. Antônio Gonçalves, bem no Centro da cidade, visualizou-se de pronto uma feirante vendedora de água de coco e suco verde, que não fica em uma barraca convencional de feira como os demais dali e sim que em um carro tipo pick-up de cor branca, com logomarcas de propaganda de seus produtos.

Há também no ambiente um carrinho com um banner informativo, equipado com sombreiros verdes, e equipamentos específicos para abrir os cocos para que se possa vendê-los individualmente em copos plásticos e garrafas recicláveis em diversas medidas ao gosto do freguês.

Foto 5 : Área da Feira Agroecológica (Praça Dr. Antônio Gonçalves)

Fonte: Próprios Autores, 2023.

Ao adentrarmos ainda mais a feira na rua da praça (imagem 5), diversos sons e cheiros passam a se misturar à experiência de “fazer a feira” e uma jovem vendedora de beijus anuncia: “temos beijus recheados, sabor beijinho, coco queimado e com goiabada, cada 1 por 5”. Ao lado da barraca dessa moça, tem outra feirante vendendo vários de tipos de queijos leite de vaca e cabra, manteiga, biscoitos caseiros, sequilhos, licuri caramelizado com açúcar mascavo, mel, doces de leite, banana e goiaba, além de café orgânico, inclusive possui uma garrafa com café preto, quente, pronto para os clientes degustarem e um pedaço de requeijão no centro da barraca com uma faca grande de cabo branco para atrair os consumidores, inclusive o entrevistador participante (foto 6).

                Foto 6 : Feirantes e consumidores

Fonte: Próprios Autores, 2023.

O número de feirantes por edição da feira livre é variável. Dependendo do dia (quinta ou sábado), porém há feiras que acolhem aproximadamente trinta unidades produtivas familiares composta por agricultores que sublocam os espaços cobrando “aluguel” por bancas, pagando um valor simbólico para garantir a condição de “feirante titular”, pois, além dos “feirantes oficiais”, existem também os trabalhadores avulsos que guardam, armam e desarmam as barracas com esse recurso arrecadado do “aluguel”, que, na verdade, é uma taxa para custear esse serviço prestado aos feirantes, que na sua grande maioria são trabalhadoras mulheres rurais[2]. Assim, se estabelecem arranjos de trabalho informais em que se procura acolher uma massa de pessoas que estão à margem do sistema oficial de trabalho e previdência.

Foto 7 : Ato de Fazer a feira e entrevistando as feirantes

   Fonte: Próprios Autores, 2023.

Nas falas das feirantes com os quais foram feitas entrevistas abertas, portanto sem um roteiro sistematizado em papel, foram observadas frases que pareciam denunciar um acentuado empoderamento das mulheres em relação ao desempenho de seu ofício. Reforça-se a isso olhares de satisfação pelo reconhecimento e sentimento inclusão social e cidadania que acompanhavam esses sujeitos em suas subjetividades. Assim sentem-se reconhecidas pelos seus fregueses e frequentadores.

Ademais, a feira significa para esses sujeitos/atores um local de realizações econômicas e sociais, pois falam com alegria da relação que construíram com seus fiéis clientes e da renda que ganham com sua atividade comercial. A “pobreza” ou sentimento de derrota não aparece nas falas, o que pode simbolizar que esse espaço de trabalho e resistência valeu a pena ser construído e conquistado.

Quanto a ação do poder público (Governo do Estado e do Município) na feira, existem os dois lados da mesma moeda na visão dos feirantes. Com respeito ao lado negativo, os feirantes mostraram a inexistência de lixeiras e banheiros públicos disponíveis na Praça para uso deles e dos consumidores, fato que obriga os feirantes a pedir aos comerciantes estabelecidos aos arredores da feira para usar os banheiros dos seus estabelecimentos comerciais e de também levarem suas próprias lixeiras.

O lado positivo é a segurança e a inexistência de repressão de ações policialescas. Os feirantes falaram que a Guarda Municipal e a Polícia Militar fazem rondas contínuas que mantém o local seguro. Disseram também que acham as ruas bem sinalizadas e arborizadas, com estacionamento para carros e motos, limpas, bem pavimentadas e com certo nível acessibilidade para pessoas com deficiência física. Dentro desse contexto, excetuando-se os aspectos de insalubridade, os feirantes se sentem pertencentes à sociedade em geral, cidadãos úteis e também tratados como tal, o que aumenta o sentimento de inclusão social expresso nas suas falas.

Foto 8 : Panorama da localização da feira que acontece nas quintas-feiras

   Fonte: Próprios Autores, 2023.

Testemunhou-se uma situação muito simbólica na fala e gestos de um consumidor entrevistado diante de uma feirante, que vendia frutas orgânicas (banana prata, banana café, banana maçã, graviola, abacate, jaca) e sabão caseiros, produzidos de forma ecologicamente correta. Assim, de forma muita espontânea, esse consumidor entrevistado carregava um sorriso largo e tinha orgulho e satisfação de dizer que comprava os produtos agroecológicos e orgânicos da feira como se fosse um diferencial a favor dele (foto 9). Isso pode denotar uma posição positiva da feira agroecológica dentro da concepção social de sua freguesia por sabe distinguir entre o alimento convencional e o alimento agroecológico. Isso leva a acreditar que vale a pena participar desses momentos singulares de significados que geram esperança com o crescimento da adesão ao movimento da agroecologia no município e no mundo.

    Foto 9 : Diálogo com consumidor jovem e uma feirante na feira agroecológica

Fonte: Próprios Autores, 2023.

No âmbito da pesquisa de campo participante, pode-se compreender, mais amiúde, que a feira não é só o espaço onde ocorre a venda de alimentos para alimentar o corpo durante aquela semana, mas também o “palco” em que se desenvolvem diversas práticas sociais, entendidas aqui como “práticas de espaço”.

Na feira agroecológica, segundo informações dos feirantes, existem diversos e variados clientes, inclusive advindos de outros municípios vizinhos, que possuem um itinerário certo naquela redondeza e antes de tomarem seus transportes de volta para casa se encontram com os feirantes dos quais compram toda semana, tornando-se conhecidos pelo nome, e além disso já integram suas histórias, pois, por laços de convivência e afeto, se tornaram amigos.

A feira agroecológica, que acontece no dia de sábado no Cruzeiro, associa-se ao espaço da feira livre convencional, formando um ambiente “híbrido”. Ao comprar alguns temperos e ingredientes, o pesquisador trocou informações com um feirante que gerou um insight[3] que estreitou laços de sociabilidade ao compartilhar saberes e experiências, ao longo da conversa, sobre o uso de plantas medicinais nativas do bioma caatinga, a exemplo a casca de angico, que tem propriedades adstringentes, depurativas e hemostáticas, ou seja, são indicadas: para reduzir sangramentos, combater diarreias, ajudar na cicatrização da pele; para ajudar a eliminar substâncias nocivas que prejudicam a saúde; e para estancar hemorragias (fotos 10 e 11).

               Foto 10 : Barracas de temperos, hortaliças, especiarias, plantas ornamentais e medicinais da feira de Cruzeiro realizada no sábado

Fonte: Próprios Autores, 2023.

          Foto 11 : Barraca de temperos e plantas medicinais da feira do Cruzeiro, realizada no sábado

Fonte: Próprios Autores, 2023.

No processo de imersão, descobriu-se que uma vendedora de biscoitos, bolos, petas e sequilhos, que desenvolve essa função há mais de duas décadas, falou orgulhosa disso, contando que leva uma vida boa a partir de seu trabalho e afirmou que tudo é preparado em sua casa até hoje com muita dedicação (foto 12).

Foto 12 : Barraca de biscoitos, sequilhos, petas e bolos caseiros

Fonte: Próprios Autores, 2023.

Seguindo no itinerário da feira agroecológica e orgânica, no sábado, no Cruzeiro, atrás das duas barracas isoladas de temperos, hortaliças orgânicas, especiarias, plantas ornamentais, medicinais, que compõe a feira mesmo que forma pulverizada, reconhecemos alguns feirantes que estiveram também na feira da quinta-feira. Eles são agricultores familiares de diversas comunidades rurais do município de Senhor do Bonfim, que trazem à feira produtos que se conectam a uma tradição local.

Destacam-se do conjunto das comunidades rurais que participam frequentemente da feira: 1) a comunidade de Canavieira, onde estão os grupos produtivas de mulheres que fazem os beijus secos, molhados e as tapiocas; 2) o Assentamento Serra Verde, local em que os assentados da reforma agrária produzem hortaliças orgânicas; 3) a comunidade Quilombo de Cazumba I, onde produzem os biscoitos, bolos e sequilhos; 4) a comunidade de Várzea do Mulato, que integra o Quilombo de Tijuaçu, onde produzem os temperos; 5) a comunidade das Grotas (Barroca do Faleiro, Mulungu), Missão do Sahy (Varzinha), local onde estão os produtores de verduras e frutas orgânicas (foto 13).

Esses agricultores que participam da feira agroecológica, falaram que recebem assistência técnica continuada do projeto Pró-Semiárido, por meio da equipe de extensionista do Instituto de Desenvolvimento Social e Agrário do Semiárido (IDESA), da Prefeitura Municipal de Senhor do Bonfim-BA e do núcleo do Centro Público de Economia Solidária (CESOL) Piemonte da Diamantina e Municípios.

Foto 13 : Espaço de trabalho e resistência da feira agroecológica, realizada no sabado, no bairro Cruzeiro, rodeada pela feira livre convencional   

Fonte: Próprios Autores, 2023.

Entrevistando um feirante que vendia plantas ornamentais, mudas frutíferas agroecológicas e carambolas (foto 14), trabalhando ainda de máscara, falou ter escolhido trabalhar junto com sua família na feira de sábado porque é um local em que é possível desenvolver essa atividade de maneira mais fácil, por estar num espaço público e conhecido, já que ocorre há muito tempo na cidade, semanalmente, com fregueses que sempre frequentam e, também, por contar com segurança, mas que “nem sempre vende o suficiente”, o que foi confirmado pela colega da barraca de artesanato em barro à frente, relatando que o movimento de consumidores da feira diminuiu com a pandemia da COVID-19.

Foto 14 : Barraca de plantas ornamentais, muda s frutíferas e carambolas

  Fonte: Próprios Autores, 2023.

Considerando-se as dificuldades impostas pela pandemia, o feirante falou que já fez amigos na feira com outros feirantes, bem assim como a sua colega vendedora de artesanato de barros à sua frente, com os fregueses que sempre retornam para comprar suas mudas e plantas ornamentais. Em vista disso, pode-se assinalar que a feira livre não se situa somente como um espaço de comercialização, como já indicado por Sato (2012), porém como um vigoroso espaço para a produção de sociabilidades.

               Foto 15 : Barracas de artesanatos locais

 Fonte: Próprios Autores, 2023.

 

O artesanato comercializado na feira de sábado é feito por muitas agricultoras familiares da cidade e região, pois na feira existem grupos produtivos que fazem parte de outros Municípios do Território Identidade do Piemonte Norte do Itapicuru, mas que estão toda semana na feira. As cores dos diversos tipos de artesanatos a venda na feira chamam a atenção de quem ali passa, possuem insumos, formas e texturas diferentes nas mercadorias que são exploradas pelos feirantes, garantindo um resultado estético que conta com a admiração de frequentadores e de outros feirantes (foto 15).

Ainda de acordo com Barbosa (2013, p.81)

Outra característica da feira, que merece destaque, são as barracas de artesanato que possuem uma qualidade e quantidade de bens culturais incalculáveis. Expostos no chão, em cima de esteiras de palha ou dependurados em varais, encontram-se os mais variados artesanatos de couro, palha, barro, pau, alumínio, cipó, pano, bordados, etc.

Os registros fotográficos realizados no decorrer da visita técnica de campo proporcionaram um relativo conhecimento sobre o que é significativo para os feirantes: sobressai-se, dentre os vários posicionamentos obtidos, a formosura da estética popular incorporada nos artesanatos que fazem das bancas das barracas enfileiradas uma quase coreografia a céu aberto (foto 16).

Foto 16 : Barracas de venda de artesanatos locais

Fonte: Próprios Autores, 2023.

Neste sentido, Sato (2007, p.97) conceitua no seu artigo, intitulado “Processos Cotidianos de Organização no Trabalho na Feira Livre”, que:

A arte cotidiana – elaborada com recursos pouco sofisticados, mas adequados para apresentar as mercadorias – é fruto de um apurado senso estético que confere identidade à estética da feira livre, a qual, note-se, vê sua imitação nas grandes redes de supermercados.

É importante colocar em relevo, a atuação do Centro Público de Economia Solidária (CESOL) do Piemonte da Diamantina e Municípios, que realiza assistência técnica para empreendimentos de Economia Solidária (e da Agricultura Familiar), no município de Senhor do Bonfim  – BA. Destaca-se as variadas formas de artesanato, mediante processos de qualificação dos produtos, embalagens, rotulagens, marketing e publicidade digital, sobretudo no apoio à comercialização nos mercados convencionais, feiras e eventos realizados no território.

Foi justamente na esfera de qualificação de produtos que, no âmbito da pesquisa de campo, ouviu-se falar da necessidade de apoio para a implantação da venda delivery dos beijus da comunidade de Canavieira. Também nessa oportunidade, foi cogitado angariar apoio institucional para realização de um desejo coletivo voltado para a criação de um catálogo para a venda delivery, via zap, para os demais produtos da feira.

6 CONCLUSÃO

Realizou-se com esse artigo uma maneira de expressar uma reflexão sobre o espaço de trabalho e resistência na Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim-BA, situada no Território Identidade do Piemonte Norte do Itapicuru, Semiárido baiano para a disciplina Cultura, Identidade e Território.

Para tanto, utilizou-se de um conceito fundamental da abordagem etnográfica na pesquisa de campo, que foi o da “empatia”, ou seja, foi feito um esforço por parte dos pesquisadores do PPGADT da UNIVASF de se colocarem no lugar dos feirantes, sujeitos da feira agroecológica e orgânica do município de Senhor do Bonfim – BA.

Assim, transmudados por imposição metodológica para esses novos sujeitos, buscou-se enxergar as coisas e o mundo de acordo com ponto de vista dos outros (feirantes), e não do nosso (pesquisadores). As descobertas foram variadas em diversos campos da vivência e do saber que estão expressas no corpo do artigo. Também foram confirmadas referências de estudos anteriores sobre a feira e sua dinâmica, entre outros aspectos relevantes para quem queira ou precise aprofundar novos estudos.

É evidente que por esse percurso, a abordagem etnográfica não chegará a constatações com rigor estatístico, mas, sem dúvida, e no que se propôs, enriquecera o entendimento qualitativo no descobrimento de coisas novas no estudo da feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim – BA.

Realizado o presente estudo, verificou-se a confirmação da hipótese de pesquisa, considerando todos os aspectos políticos, sociais, ecológicos e culturais da feira, como um espaço de trocas de saberes ou de habitus no sentido de Bourdieu, onde os conviventes enriquecem o capital social dos feirantes em campos relacionais envoltos em rede de relacionamentos no Território de Identidade do Piemonte Norte do Itapicuru, e que em meio a conflitos com o modo de produção capitalista hegemônico, o espaço-feira agroecológico é ambiente de resistência, além de produzir e reproduzir a manutenção do tecido sociocultural do campesinato.

Diante disso, tem razão quem diz que a feira transcende o restrito ato de comércio, pois também é depositária da história, das tradições e igualmente é produtora de subjetividades e sociabilidades entre os sujeitos envolvidos na trama da feira.

Entre março de 2020 a março de 2021, a Feira Agroecológica e Orgânica, também foi afetada pela pandemia da Covid 19, fazendo com que os trabalhos de comercialização e o contato com os consumidores fossem cessados durante vários meses, o que propiciou uma descontinuidade da feira, todavia, muitos feirantes continuaram a participar da feira livre, tradicional, nos dias de sábado, como forma de sobrevivência, uma vez que aquele espaço é para muitos a única fonte de renda.

A Feira Agroecológica e Orgânica de Senhor do Bonfim – Ba, é um espaço que carece de maior apoio das instituições públicas e até privadas, tendo em vista o contexto social e a natureza dos produtos ali trabalhadas, logo investimentos que possibilitem uma maior divulgação dos produtos, a inserção de outros serviços que se agreguem àquele espaço, mas que não interfiram na sua capacidade de fornecer alimento, história e laços de reciprocidade fortalecidos para a população.

Por fim, cabe dizer que é possível realizar uma descrição etnográfica mais densa em trabalhos futuros a partir deste artigo, como possibilidade de chegar a interpretações com outros detalhamentos e a partir também de outros olhares e focos.

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[1] “An experience is more personal, as it refers to an active self, to a human being who not only engages in but shapes an action” (BURNER, 1986, p.5).

[2] 10 barracas da feira agroecológica e orgânica de Senhor do Bonfim , sendo 07 geridas por mulheres e 3 por homens.

[3] É um substantivo com origem no idioma inglês e que significa compreensão súbita de alguma coisa ou determinada situação.


1Discente do Doutorado em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial – UNIVASF/Juazeiro – BA
2Docente, vice-coordenador, do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, nível mestrado profissional, e do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, nível doutorado profissional da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
3Docente no Colegiado de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, nível doutorado profissional da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
4Docente, Coordenador, do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, nível mestrado profissional, e do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, nível doutorado profissional da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).