A FALIBILIDADE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

THE FALLIBILITY OF THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM AND THE PRINCIPLE OF HUMAN DIGNITY

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11496512


Arthur Aleixo Lacerda Pinto1
Júlia Carla Silva Santos2


Resumo: Objetiva-se, através do presente artigo científico, tratar sobre a falibilidade do sistema carcerário brasileiro na garantia da integridade física dos apenados, na possibilidade de violação aos preceitos constitucionais e, sobremodo, em relação ao princípio da dignidade humana. Nesse esteio, compreende-se que o processo de execução da pena rege-se pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), além dos princípios, valores e direitos contidos na Magna Carta de 1988, que devem ser observados e colocados em prática em prol daqueles que foram privados de liberdade. Embora a teoria apresente em seu bojo tais pressupostos basilares e necessários à concretização da dignidade humana, a realidade se mostra diversa do esperado. Em outras palavras, tem-se, hodiernamente, um sistema penitenciário falho, com superlotação de presos, além de tantas outras mazelas carcerárias. Ademais, ressaltam-se diversos fatores que contribuem para esse resultado, sobremodo o abandono e o descaso por parte do ente público. Diante disso, coaduna-se com o posicionamento adotado por doutrinadores e juristas modernos, qual seja, que o atual sistema penitenciário brasileiro carece de novos caminhos, da implementação de políticas públicas e ações que visem mais à ressocialização do que simplesmente a punição. Deve-se buscar uma adequação e aplicação do conteúdo presente na Lei de Execução Penal e na legislação pátria como um todo, para que os fins colimados no princípio da dignidade humana sejam realmente observados e respeitados. Em relação à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de mecanismos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que a temática proposta possui uma essência qualitativa e é predominantemente teórica.

Palavras-chave: Sistema prisional brasileiro. Princípio da dignidade humana. Lei de Execução Penal. Apenados. Ressocialização.

Abstract: The aim, through this scientific article, is to address the fallibility of the Brazilian prison system in guaranteeing the physical integrity of inmates, the possibility of violating constitutional precepts and, above all, in relation to the principle of human dignity. In this sense, it is understood that the process of executing the sentence is governed by the Penal Execution Law (Law nº 7,210/84), in addition to the principles, values and rights contained in the Magna Carta of 1988, which must be observed and put into practice. practice in favor of those who have been deprived of their freedom. Although the theory presents such basic assumptions necessary for the realization of human dignity, the reality appears to be different from what was expected. In other words, we currently have a flawed penitentiary system, with overcrowding of prisoners, in addition to many other prison problems. Furthermore, several factors that contribute to this result stand out, especially abandonment and neglect on the part of the public entity. In view of this, it is in line with the position adopted by modern scholars and jurists, namely, that the current Brazilian penitentiary system lacks new paths, the implementation of public policies and actions that aim more at resocialization than simply punishment. An adaptation and application of the content present in the Criminal Execution Law and in national legislation as a whole must be sought, so that the purposes set out in the principle of human dignity are truly observed and respected. Regarding the methodology adopted, the use of bibliographic, doctrinal and jurisprudential mechanisms is emphasized, given that the proposed theme has a qualitative essence and is predominantly theoretical.

Keywords: Brazilian prison system. Principle of human dignity. Criminal Execution Law. Convicted. Resocialization.

1  INTRODUÇÃO

É sabido que o sistema penitenciário brasileiro sofreu diversas modificações ao longo dos anos e, atualmente, rege-se por intermédio da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), além dos demais elementos, direitos e valores contidos na Magna Carta de 1988 e na legislação extravagante. Contudo, embora a teoria preveja o direito à vida, à saúde, à integridade física, à assistência médica, boas condições alimentares e de higiene em prol dos apenados, a realidade hoje vislumbrada em muito se difere do conteúdo teórico.

Nesse diapasão, diversos doutrinadores, juristas e estudiosos passaram a questionar a questão da falibilidade do sistema carcerário brasileiro e da possível violação à essência do princípio da dignidade humana. Em outras palavras, os estudiosos questionam as constantes mazelas vivenciadas pelos apenados, obstaculizando ainda mais à possibilidade de ressocialização e de recolocação desses indivíduos no seio da sociedade.

Diante desses pressupostos, gera-se a presente problemática: o sistema penitenciário brasileiro sofre constantes falhas, colocando em risco à integridade física dos detentos e violando o princípio da dignidade humana? Dessa forma, por intermédio do presente artigo científico, busca-se responder tais indagações e propor possíveis caminhos que podem ser seguidos pelos operadores do direito e aplicadores da legislação pátria.

Ressalta-se, nessa senda, que o presente artigo apresenta as principais considerações acerca do sistema penitenciário brasileiro atual. Ademais, trata-se sobre a pena privativa de liberdade, trazendo uma análise conceitual e os critérios basilares que norteiam o mencionado regime de pena.

Posteriormente, trata-se sobre o princípio da dignidade humana, suas considerações essenciais e os seus fatores de maior relevo, haja vista tratar-se de um mandamento de otimização, do corolário da justiça. Nesse mesmo contexto, aborda- se acerca do princípio em comento e da sua ligação com a Lei de Execução Penal (LEP).

Por intermédio do capítulo principal, trata-se sobre o sistema penitenciário brasileiro e sobre a possibilidade de violação à dignidade humana dos presos. No mesmo prumo, enfatiza-se sobre a questão da superlotação prisional, da ausência de garantia de direitos basilares, das dificuldades de ressocialização e recolocação desses apenados em sociedade. Ademais, de modo supletivo, apresenta-se o posicionamento adotado pelos tribunais superiores atuais em relação à temática apresentada.

Em relação à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de mecanismos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que a temática proposta possui uma essência qualitativa e é predominantemente teórica.

2  O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: Principais considerações

Compreende-se, inicialmente, que o sistema prisional se constitui como um local onde os presos ou pessoas internadas são mantidas, para fins de cumprimentos de sanções previamente estabelecidas pelos julgadores (NUCCI, 2020). Nesse esteio, consoante Nucci (2020), o sistema prisional brasileiro atualmente abrange às penitenciárias (locais onde os apenados cumprem penas de reclusão, em regime fechado), as colônias agrícolas, industriais ou similares (onde os apenados cumprem penas em regimes semiabertos), a casa do albergado (onde os apenados cumprem penas privativas de liberdade em regime aberto, ou seja, ficam nesse local em dias específicos e previamente definidos), o centro de observação (onde são realizados os exames gerais e criminológicos desses indivíduos), os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (que abrigam as pessoas inimputáveis e semi-imputáveis) e a cadeia pública (onde ficam as pessoas que ainda não foram sentenciadas a um regime de cumprimento de pena, denominados “presos provisórios”) (NUCCI, 2020).

Conforme os ensinamentos de Mirabete (2020), nas penitenciárias busca-se garantir uma segurança máxima, ou seja, são construídas muralhas e grades de proteção, além de se manter uma vigilância constante (que é realizada por policiais ou agentes).

Com relação às colônias agrícolas, industriais ou similares, bem como as denominadas “casas de albergados”, Nucci (2020) ressalta que se trata de estabelecimentos com segurança mediana, não sendo necessária a construção de muralhas, nem a manutenção de policiais armados. Há, sobremodo, um senso de disciplina e responsabilidade por parte de cada apenado, que devem cumprir o que já fora estabelecido em âmbito de sentença de execução penal (NUCCI, 2020).

No que se refere à monitoração eletrônica, Távora e Alencar (2022) enfatizam que se trata de um cumprimento de pena “atípico”, tendo em vista que o apenado cumprirá a sanção estabelecida fora de um estabelecimento prisional, ou seja, a pena será cumprida em âmbito domiciliar ou regime aberto. Dessa maneira, diante da ausência de vagas em instalações penais específicas, para fins de cumprimento de penas do regime semiaberto, o apenado não poderá ser enviado para um estabelecimento destinado ao cumprimento de uma pena mais gravosa, haja vista que se trata de uma falha do ente público (TÁVORA; ALENCAR, 2022).

A cadeia pública, por outro lado, destina-se aos denominados “presos provisórios”, ou seja, aqueles que ainda não foram sentenciados ao cumprimento de pena em um regime específico. Desse modo, segundo Nucci (2020), esses indivíduos serão colocados em celas individuais, com dormitórios, parte sanitária e com lavatórios, com espaços mínimos de seis metros quadrados, com o condicionamento térmico adequado às instalações, em consonância com o artigo 88 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). Ademais, o mencionado autor complementa que as cadeias públicas se constituem como “[…] um prédio (anexo à delegacia de polícia) que abriga celas, o ideal é que fossem individuais ou, pelo menos, sem superlotação, contendo um pátio para banho de sol” (NUCCI, 2020, p. 227). No mesmo sentido, esclarece Nucci (2020) que tal local se trata de uma instalação de permanência provisória, tendo em vista que, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, essas pessoas serão transferidas para o estabelecimento penal específico e adequado.

Segundo as ponderações de Mirabete (2020), o termo “penitenciária” é proveniente da palavra “pena”. Desse modo, trata-se de um local mais afastado dos centros urbanos, onde os apenados cumprirão as penalidades impostas ao regime fechado, haja vista o cometimento de alguma infração penal (MIRABETE, 2020).

Consoante prevê o atual Código Penal Brasileiro, instituído através do Decreto- Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, por intermédio do artigo 31, existem penas específicas que serão cumpridas pelos apenados, a depender da natureza da infração penal cometida, da condição física do infrator e da gravidade da conduta criminosa praticada. Ademais, segundo o autor supramencionado (MIRABETE, 2020), a lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, propôs importantes mudanças no Código Penal Brasileiro e, dentre elas, concedeu-se um maior respaldo para o sistema de penas alternativas à prisão do indivíduo, além de possibilitar que o magistrado aplique sanções diversas de uma prisão. Nesse sentido, conforme os ensinamentos de Mirabete (2020), a partir da vigência da lei nº 7.209/84, as penalidades impostas passaram a ser vislumbradas da seguinte forma:

a) Únicas, quando existe uma só pena e não há qualquer opção para o julgador;
b) Conjuntas, nas quais se aplicam duas ou mais penas (prisão e multa) ou uma pressupõe a outra (prisão com trabalhos forçados);
c) Paralelas, quando se pode escolher entre duas formas de aplicação da mesma espécie de pena (por exemplo, reclusão ou detenção);
d) Alternativas, quando se pode eleger entre penas de naturezas diversas (reclusão ou multa, por exemplo) (MIRABETE, 2020, p. 605).

No mesmo sentido, Nucci (2020) enfatiza que a maioria das mudanças em âmbito de legislação penal objetivam o alcance de novos caminhos que possam substituir as penas privativas de liberdade, desde que o delito praticado seja sem violência ou grave ameaça. Desse modo, entende-se que o cumprimento de pena em regime fechado destina-se aos apenados que tenham cometido condutas mais gravosas e violentas.

É importante destacar que, segundo Távora e Alencar (2022), o sistema prisional brasileiro possui o escopo de ressocializar aqueles indivíduos e, de modo complementar, punir adequadamente os atos de violência e criminalidade praticados. Portanto, o Estado toma para si o ônus de combater os crimes, por intermédio do cárcere, impedindo que essas pessoas continuem a perpetuar condutas contrárias aos valores sociais.

Em tom supletivo ao exposto, aduz Focault (2011):

[…] a reforma propriamente dita, tal como ela se formula nas teorias do direito ou que se esquematiza nos projetos, é a retomada política ou filosófica dessa estratégia, com seus objetivos primeiros: fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, extensiva à sociedade; não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir (FOCAULT, 2011, p. 127).

Outrossim, entende-se que o indivíduo é conduzido ao sistema penitenciário para fins de cumprimento de imposições sociais e legais. No mesmo prumo, segundo Távora e Alencar (2022), mister que se tenham objetivos de recuperação e ressocia- lização, em consonância com imperativos de ordem moral precípuos.

2.1  A pena privativa de liberdade: análise conceitual e critérios relevantes

Entende-se, nesse contexto, que a pena privativa de liberdade consiste em retirar (de forma temporária) o direito de locomoção de alguém, de ir e vir, de circular livremente em âmbito social, haja vista o cometimento de um delito. Desse modo, tem -se que o Código Penal Brasileiro, por intermédio do artigo 32, traz as possibilidades de sanções possíveis e, dentre elas, a denominada “pena privativa de liberdade”:

Art. 32 – As penas são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – privativas de liberdade;
II – restritivas de direitos;
III – de multa (BRASIL, 1940).

Nesse esteio, conforme Nucci (2020), o ordenamento jurídico pátrio traz em seu bojo a possibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade. Ademais, compreende-se que os mencionados tipos penais são construídos com subsídio nessa essência de sanção e, de forma complementar, por intermédio de multa. Quando a pena é aplicada, poderá ocorrer a sua substituição por sanções alternativas. Portanto, a pena privativa de liberdade pode ser utilizada como instrumento de conversão em penalidades de outra natureza. Ressalta-se, nesse mesmo contexto, que o sistema punitivo brasileiro não permite a aplicação de penas privativas de liberdade com caráter perpétuo (NUCCI, 2020).

Segundo ponderações de Liszt (2015), o valor de um sistema de sanções é estipulado com subsídio na segurança e na capacidade de se alcançar as finalidades punitivas precípuas. Nesse sentido, a pena privativa de liberdade cumpre com tais critérios exigidos, ocupando um lugar de destaque na seara de penas previstas:

O valor de um sistema de penas efetivo depende da segurança e da elasticidade próprias para permitir o alcance de cada uma das três finalidades punitivas. E da mesma forma cabe observar a respeito dos distintos meios de punição. Nisso reside a importância da pena privativa da liberdade, total- mente desprezada por Mittelstadt, pois como nenhuma outra e ela apropriada para se adaptar a todas as finalidades da pena. E por isso e chamada, sem dúvida alguma, a ocupar o primeiro e principal lugar dentro do sistema de penas (LISZT, 2015, p. 19).

Dentre as penas privativas de liberdade que podem ser aplicadas ao indivíduo, tem-se a de reclusão, detenção ou prisão simples. Dessa maneira, preleciona Nucci (2020):

Existem três espécies de penas privativas de liberdade – reclusão, detenção e prisão simples – que, na realidade, poderiam ser unificadas sob a denominação de pena de prisão. A pena de prisão simples é a destinada às contravenções penais, significando que não pode ser cumprida em regime fechado, comportando apenas os regimes semiaberto e aberto. Além disso, não se pode inserir o contraventor condenado no mesmo lugar onde se encontrem os criminosos (NUCCI, 2020, p. 530).

Ademais, com subsídio no Código Penal Brasileiro, pode-se compreender que a pena de reclusão se diferencia da de detenção, haja vista que a primeira pode ser cumprida sob regime fechado, semiaberto ou aberto. De outro modo, tem-se que a pena de detenção só pode ser cumprida sob regime semiaberto ou aberto (BRASIL, 1940).

De forma complementar ao exposto, enfatiza Nucci (2020):

Quanto às diferenças entre as penas de reclusão e detenção, destinadas ao crime, temos basicamente cinco: a) a reclusão é cumprida inicialmente nos regimes fechado, semiaberto ou aberto; a detenção somente pode ter início no regime semiaberto ou aberto (art. 33, caput, CP); b) a reclusão pode acarretar como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do pátrio poder (atualmente, denominado, pelo Código Civil, poder familiar), tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo de pena, cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, filho, filha ou outro descendente ou tutelado ou curatelado (art. 92, II, CP); c) a reclusão propicia a internação nos casos de medida de segurança; a detenção permite a aplicação do regime de tratamento ambulatorial (art. 97, CP); d) a reclusão é cumprida em primeiro lugar (art. 69, caput, CP); e) a reclusão é prevista para crimes mais graves; a detenção é reservada para os mais leves, motivo pelo qual, no instante de criação do tipo penal incriminador, o legislador sinaliza à sociedade a gravidade do delito (NUCCI, 2020, p. 530).

Portanto, compreende-se que a modalidade de pena de reclusão se destina aqueles indivíduos que venham a cometer crimes mais gravosos, enquanto a pena de detenção se destina aqueles que tenham cometido delitos mais brandos, mais simples (NUCCI, 2020).

No mesmo contexto salientado, tem-se, com base no Código Penal Brasileiro, que existem os denominados “efeitos secundários da condenação”, ou seja, impedimentos ao exercício do poder familiar em detrimento dos filhos, filhas, outros descendentes, tutelados ou curatelados, previstos no artigo 92, b, II do CP:

Art. 92 – São também efeitos da condenação:
[…]
b) Quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
II – A incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado; […] (BRASIL, 1940).

Em relação à medida de segurança (destinada às pessoas inimputáveis ou semi-imputáveis) também haverá uma diferenciação de regimes. Desse modo, para aqueles que cumprem medida de segurança, o regime será de internação, ao passo que os apenados poderão obter um tratamento ambulatorial (MIRABETE, 2020).

É importante destacar, consoante Mirabete (2020) que se houver concurso de crimes (mais de uma ação delituosa por parte do agente), será cumprida a pena mais gravosa primeiro, em consonância com o artigo 76 do CP, in verbis: “No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave”. (BRASIL, 1940).

Em referência à prisão simples, enfatiza Estefam (2020):

É a modalidade de pena privativa de liberdade prevista para as contravenções penais e, nos termos do art. 6º da Lei das Contravenções Penais, seguem as seguintes regras:
a ) o cumprimento da pena só é admitido nos regimes semiaberto e aberto, sendo, portanto, vedada a regressão ao regime fechado sob qualquer fundamento;
b) a pena deve ser cumprida sem rigor penitenciário;
c) o sentenciado deve cumprir pena em separado daqueles que foram condenados pela prática de crime;
d) o trabalho é facultativo quando a pena aplicada não superar 15 dias. (ESTEFAM, 2020, p. 719).

Compreende-se, conforme Estefam (2020), que o condenado à prisão simples só cumprirá essa modalidade de sanção se for reincidente. Do contrário, caso se trate de um delito de menor potencial ofensivo, caberá uma transação penal ou suspensão condicional do processo, a depender da situação fática apresentada e dos demais elementos legais.

3  O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA: Breves ponderações

Salienta-se, inicialmente, que os princípios são considerados os elementos norteadores mais precípuos para os juristas e operadores do direito. Desse modo, são denominados “mandados de otimização”, uma vez que podem ser concretizados em diferentes graus e sob diferentes possibilidades fáticas ou jurídicas:

Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes (ALEXY, 2008, p. 90).

Em caráter complementar ao exposto, preleciona Reale Júnior (2018) que os princípios traduzem os valores inestimáveis à sociedade, ao sistema jurídico.

Representam, sobremodo, a configuração basilar do Estado, determinando o caminho a se seguir e a forma de ser:

Toda pessoa é única e nela já habita o todo universal, o que faz dela um todo inserido no todo da existência humana; que, por isso, ela deve ser vista antes como centelha que condiciona a chama e a mantém viva, e na chama a todo instante crepita, renovando-se criadoramente, sem reduzir uma à outra; e que, afinal, embora precária a imagem, o que importa é a tornar claro que fizer pessoa é dizer singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência, o que é impossível em qualquer concepção transpersonalista, a cuja luz a pessoa perde os seus atributos como valor fonte da experiência ética para ser vista como simples momento de um ser transpessoal ou peça de um gigantesco mecanismo, que, sob várias denominações, pode ocultar sempre o mesmo monstro frio: coletividade, espécie, nação, classe, raça, ideia, espirito universal, ou consciência coletiva (REALE JÚNIOR, 2018, p. 174).

No contexto avençado, ressalta Silva (2012) que os princípios nem sempre se encontram expressos nas normas, ou seja, podem ser vislumbrados de maneira abstrata, nas entrelinhas dos diplomas legais. São considerados como a base, o alicerce mais seguro para ser aplicado em qualquer operação jurídica:

No sentido, notadamente no plural, significa que as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas. Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. (SILVA, 2012, p. 49, grifo nosso).

Dentre os diversos princípios dispostos na Magna Carta de 1988 e devido à tamanha importância deles, destaca-se aqui o princípio da dignidade humana e os pormenores atinentes a ele.

Com subsídio na temática realçada, observa-se que o princípio da dignidade humana consiste no elemento central, no corolário da justiça, no cerne que envolve os demais princípios, garantias e valores contidos no Estado Democrático de Direito. Diante disso, consoante Bulos (2020), tem-se no princípio da dignidade humana um imperativo de justiça social (BULOS, 2020).

De maneira complementar, disserta Bulos (2020) que o princípio em comento possui um conteúdo precípuo e amplo, abarcando os valores morais, sociais, espirituais que estão incorporados no patrimônio humano. Além disso, o princípio da dignidade humana traz em seu bojo direitos individuais e metaindividuais, englobando perspectivas que atingem todos os setores da sociedade hodierna:

Este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios, incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. (BULOS, 2020, p. 502).

Observa-se, nesse prumo, que o princípio da dignidade humana se constitui como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III da Carta Magna de 1988, in verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana […]” (BRASIL, 1988).

Dessa maneira, conforme Bulos (2020), o princípio suscitado representa o cerne da justiça, abrangendo valores e garantias relativas a todos.

3.1  O princípio da dignidade humana, as demais garantias constitucionais e a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84)

Com subsídio no contexto proposto, tem-se que o ente público possui o poder de cercear a liberdade de um indivíduo, desde que objetive a manutenção da ordem pública e da incolumidade de pessoas e bens, conforme prevê à Magna Carta de 1988 (BRASIL, 1988).

Contudo, da mesma forma que é possível a prisão de um indivíduo para fins de proteção à sociedade e aos bens precípuos, o Estado deve garantir a proteção das pessoas que cumprem penas privativas de liberdade, assegurando-se, sobremodo, a dignidade humana como garantia fundamental. Nesse sentido, conforme Assis (2017), existe um acervo legal, resoluções e normas que preveem à proteção dessas pessoas. Ademais, a Carta Magna de 1988 estabelece 32 incisos que tratam sobre essa temática, realçando a importância e o respeito aos direitos humanos:

As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais. Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. Já em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica – a Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução penal (ASSIS, 2017, p. 15).

Nos mesmos moldes, Piovesan (2022) aduz que a Magna Carta de 1988 apresentou um maior foco nas questões humanitárias e estabeleceu critérios de proteção. Antes, consoante à autora, o homem era considerado apenas como um detentor de deveres e obrigações para com o Estado. Hodiernamente, se vislumbra o ser humano detentor de inúmeros direitos, assegurando-se a dignidade, o valor e a tutela contra possíveis abusos do ente público:

A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político- democrático no Brasil. Introduz também indiscutível avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotados no Brasil (PIOVESAN, 2022, p. 89).

Os direitos fundamentais contidos no diploma constitucional em comento, devidamente tipificados, bem como os direitos humanos literalmente realçados trata- se de normas de aplicação imediata, em prol da garantia de um convívio harmônico em sociedade e da igualdade de todos os cidadãos. Tem-se, nesse prumo que “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2012, p. 117).

Assim, é possível vislumbrar que as normas internacionais e nacionais (sobremodo a Magna Carta de 1988), buscam estabelecer e definir o papel do Estado, no sentido de proteção e garantia da concretização da dignidade humana dos apenados. Embora tais preceitos estejam definidos no diploma constitucional brasileiro, nas normas internacionais, nos tratados e resoluções, a realidade vivenciada pelos apenados em muito se difere do que se encontra tipificado (SILVA, 2012).

A Lei de Execução Penal, bem como a Magna Carta de 1988, asseguram e garantem um tratamento digno a todos os cidadãos, inclusive aqueles que cumprem medidas privativas de liberdade. Contudo, estudiosos, juristas e operadores do direito questionam essas garantias, ou seja, se são devidamente aplicadas, respeitadas e consolidadas em prol da população carcerária:

As garantias estão legalizadas, consolidando a ideia de serem respeitadas e estendidas a todos, mas não há apreço por parte da sociedade e do Estado, encontrando-se a massa carcerária totalmente desprovida de atenção e consideração (KIRST, 2018, p. 17).

Diante de tais questionamentos e dúvidas acerca do funcionamento do sistema penitenciário brasileiro e a concretização do princípio da dignidade humana em prol dos apenados, mister que se aborde acerca dessa discrepância.

4  O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E O DESRESPEITO Á DIGNIDADE HUMANA DOS PRESOS

Conforme visto, o sistema de execução penal brasileiro é composto por sanções, sendo essas cumpridas pelos apenados sob diferentes regimes (regime aberto, semiaberto ou fechado). Nesse âmbito, enfatiza-se que os apenados que cumprirão penas privativas de liberdade em regime fechado serão encaminhados às penitenciárias brasileiras (MIRABETE, 2020).

Dentro da temática realçada, consoante Focault (2011), o apenado deve cumprir com a sanção imposta e ser punido por seus atos. Contudo, esse sistema penitenciário deverá observar os critérios e elementos ligados à universalidade e necessidade, ou seja, fazer dessa punição um exemplo social:

[…] a reforma propriamente dita, tal como ela se formula nas teorias do direito ou que se esquematiza nos projetos, é a retomada política ou filosófica dessa estratégia, com seus objetivos primeiros: fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, extensiva à sociedade; não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir (FOCAULT, 2011, p. 79).

Nesse diapasão, conforme os ensinamentos de Focault (2011), para que o ente público possa cumprir com sua função para com a sociedade e com o apenado, as garantias, valores e preceitos previstos na Magna Carta de 1988 devem ser observados. Ademais, de modo específico, compreende-se que a Declaração Universal de Direitos Humanos, bem como a própria LEP (Lei de Execução Penal) complementam o entendimento acerca dos elementos que devem ser cumpridos e priorizados.

No sentido avençado, Assis (2017) salienta que o Estado, diante desse conjunto de normas, valores, preceitos e princípios jurídicos, deveria punir o indivíduo e, concomitantemente, promover à ressocialização dele. Trata-se, sobremodo, de buscar alternativas viáveis que possam reduzir os casos de reincidência na prática criminal e conceder uma nova oportunidade para o agente infrator no âmbito profissional (ASSIS, 2017).

Embora os doutrinadores e juristas tenham essa ideia realçada (de que as sanções devem objetivar à punição do agente, à ressocialização do mesmo e servir de exemplo perante a sociedade), o sistema penitenciário brasileiro mostra-se divergente em todos esses sentidos. Nesse esteio, observa-se que esses lugares se mostram insalubres, sem o atendimento médico devido, com constantes problemas de violência e mortes entre os detentos. Tais fatores, consoante Lima (2021), evidenciam uma nítida falibilidade e precariedade desse sistema:

O sistema carcerário no Brasil está falido. A precariedade e as condições subumanas que os detentos vivem hoje são de muita violência. Os presídios se tornaram depósitos humanos, onde a superlotação a carreta violência sexual entre presos, faz com que doenças graves se proliferem, as drogas cada vez mais são apreendidas dentro dos presídios, e o mais forte, subordina o mais fraco (LIMA, 2021, p. 39).

Suplementarmente ao exposto, aduz Mirabete (2020) acerca dessa realidade vislumbrada e vivenciada hodiernamente:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere (MIRABETE, 2020, p. 285).

Conforme o entendimento de Brito (2020), o atual modelo adotado por esse sistema atua de modo discriminatório e em condições de exclusão social das pessoas mais humildes, não visando o bem-estar social, nem tampouco os direitos fundamentais atinentes a essas pessoas. Assim, na contramão das leis vigentes, observa-se uma constante omissão e descumprimento por parte do Estado e dos demais órgãos de segurança pública (BRITO, 2020).

Em sentido complementar ao exposto, aduz Assis (2017):

O sistema penal e, consequentemente o sistema prisional não obstante sejam apresentados como sendo de natureza igualitária, visando atingir indistintamente as pessoas em função de suas condutas, têm na verdade um caráter eminentemente seletivo, estando estatística e estruturalmente direcionado às camadas menos favorecidas da sociedade (ASSIS, 2017, p. 127).

No contexto realçado, Mirabete (2020) aduz que o sistema penitenciário brasileiro se mostra como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, haja vista que objetiva apenas o encarceramento dos detentos, sem uma tomada de atitudes realmente viáveis para fins de reabilitação e recolocação social. Em outras palavras, tem-se que o ente público não consegue obter um resultado satisfatório para com essas pessoas que, uma vez soltas, tornam-se ainda mais violentas do que na época em que foram conduzidos ao cárcere:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere. (MIRABETE, 2020, p. 92).

Em sentido complementar ao conteúdo em comento, preceitua Hungria (2020):

Os estabelecimentos da atualidade não passam de monumentos de estupidez. Para reajustar homens à vida social invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único animal que fala; obrigam a regras que eliminam qualquer esforço de reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, em vez de remodelar caracteres ao influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, em vez de incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor-próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro (HUNGRIA, 2020, p. 147).

Portanto, segundo Hungria (2020), o atual sistema carcerário brasileiro em vez de promover a ressocialização, a recolocação dessas pessoas no âmbito social e profissional, após o cumprimento das penas impostas, apenas provocam a desumanização delas. Há, sobremodo, um processo de inversão de processos lógicos de ressocialização, onde não há nenhuma tentativa hábil para estruturar esse sistema, para conceder uma oportunidade concreta em prol dos apenados (HUNGRIA, 2020). Com relação aos problemas comumente vislumbrados no âmbito do sistema prisional brasileiro, destaca-se a questão da superlotação desses locais, a ausência de atendimento médico, de higiene e de oportunidades de trabalho (MIRABETE, 2020).

No que se refere ao problema de superlotação no âmbito do sistema penitenciário brasileiro, tem-se que os apenados, muitas vezes, são colocados em locais onde a capacidade máxima de pessoas já foi excedida, dificultando não apenas o processo de convívio entre eles, mas também obstaculizando o processo de ressocialização posterior ao cumprimento da pena (HUNGRIA, 2020).

Nessa senda, Leal (2021) argumenta que a questão da superlotação dos estabelecimentos penitenciários, por si só, acarreta uma série de violações aos direitos fundamentais inerentes às pessoas encarceradas (direito à saúde, alimentação, segurança, trabalho, educação, dentre outros). Trata-se, principalmente, de uma omissão do ente público para com essas pessoas:

Evidente superlotação, que além de provocar amontoamento de presos, dificulta funções e serviços básicos, como alimentação, saúde, higiene, segurança, trabalho, educação, recreação e assistências em geral; Presos em delegacias ou cadeias públicas à espera de uma vaga nas prisões, eis que a insuficiência de vagas nos cárceres é situação rotineira; Situações estruturais totalmente comprometidas, com instalações inadequadas, celas sem lavatório, cama, colchões ou lençóis, com infiltrações, baratas, pulgas, percevejos e ratos, aonde não penetram raios do sol e onde o odor fétido de urina e excremento, acumulados em pequenas cubas ou sacos de plástico, torna-se insuportável, em completo abandono as mais elementares normas de higiene; Alto índice de doenças e absoluta ausência de tratamento médico; Reclusos sadios com doentes mentais, e estes últimos sem tratamento adequado e acorde com os preceitos médicos e legais; Elevada taxa de suicídios e homicídios realizados das mais aterrorizantes formas: presos decapitados, esquartejados, mutilados, degolados; Violência sexual, muitas vezes cometidas por presos diagnosticados como soropositivos ou aidéticos; Rebeliões, motins, e crime organizado, onde os próprios presos aplicam sanções, decidem quem deve viver ou morrer, comandam a extorsão, o narcotráfico e o mercado do sexo; Abuso de poder e corrupção de agentes penitenciários e autoridades (LEAL, 2021, p. 105).

Suplementarmente ao exposto, aduz Greco (2020) que os apenados sofrem diariamente com a questão da superlotação das celas e com a ausência de direitos fundamentais e precípuos à vida nesses locais:

Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como os da superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível, pois que não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal (GRECO, 2020, p. 189).

Segundo o entendimento de Cerqueira (2022), essa situação enfrentada pelos apenados no âmbito do sistema penitenciário brasileiro, não decorre apenas de uma omissão por parte do legislador, mas sim do próprio Estado em relação a essas pessoas. Entende-se, nesse sentido, que há uma grave falha estrutural, ocasionando na violação aos direitos humanos voltados para a questão:

[…] da liberdade, da vida, da segurança pessoal; da integridade física das pessoas, dos maus – tratos e da tortura; de não ser preso ou detido arbitrariamente; da presunção de inocência; da proteção da lei; da invasão da privacidade; da liberdade de pensamento, consciência e religião, da liberdade de opinião e expressão; da liberdade de reunião e de associação pacífica […] (CERQUEIRA, 2022, online).

Em referência à questão da ausência de direitos sociais e, dentre eles, a questão da assistência médica, do acesso à higiene básica e às oportunidades de trabalho, observa-se o conteúdo presente no artigo 12 e no artigo 14 da Lei de Execução Penal, in verbis:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
[…] Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 1º (Vetado).
§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
§ 4º Será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao poder público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém- nascido (BRASIL, 1984, grifo nosso).

Do mesmo modo, também se observa, por intermédio do artigo 41, inciso II da Lei em comento que o direito ao trabalho, bem como a remuneração devida, também são direitos atinentes aos apenados: “Art. 41 Constituem direitos do preso: […] II- atribuição de trabalho e sua remuneração […]” (BRASIL, 1984).

Dessa forma, consoante Mirabete (2020), o trabalho auxilia os detentos durante o cumprimento da sanção imposta, sendo benéfico em vários aspectos. Ademais, consoante o artigo 126, §1º da LEP, esses indivíduos, uma vez que exerçam lá dentro atividades laborais, terão direito à remissão pelos dias trabalhados. Trata-se, sobremodo, de um incentivo para fins de redução do cumprimento da pena e uma forma de se motivar o bom comportamento no âmbito das penitenciárias (MIRABETE, 2020).

Acerca da questão em comento, observa-se o conteúdo previsto no artigo 126 da Lei de Execução Penal, que assim dispõe:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I-1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar- atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho (BRASIL, 1984).

Nesse prumo, disserta Dias (2020) que a remissão de pena se mostra benéfica aos apenados, haja vista que já os prepara para uma posterior reintegração social e promove meios para que sejam reabilitados. Em resumo, trata-se de um instrumento de grande viabilidade e eficácia em prol dessas pessoas:

A remissão se mostra um instituto eficiente, pois reeduca ao delinquente, prepara-o para sua incorporação à sociedade, proporcionando meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade, favorece a sua família e, sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao próprio esforço do apenado (DIAS ,2020 apud MIRABETE, 2020, p. 292).

Além disso, enfatiza Zacarias (2016) que a ausência de oportunidades de trabalho acarreta grande ociosidade entre os apenados que, diante dessa questão, passam a se rebelar e adentrar cada vez mais no mundo da criminalidade:

O trabalho é importante na conquista de valores morais e materiais, a instalação de cursos profissionalizantes possibilita a resolução de dois problemas, um cultural e outro profissional. Muda o cenário de que a grande maioria dos presos não possui formação e acabam por enveredar, por falta de opção, na criminalidade e facilitam a sua inserção no mercado de trabalho, uma vez cumprida a pena (ZACARIAS, 2016, p. 78).

Observa-se, nesse prumo, que durante muitos anos, doutrinadores e estudiosos acreditavam que a pena privativa de liberdade teria o condão de recuperar à essência humana, de reintegrar esses indivíduos para uma vida em sociedade. Contudo, vislumbra-se que o Estado, agregado aos órgãos de segurança em vigência, enfrentam cada dia mais obstáculos para a concretização dessas questões (MIRABETE, 2020).

Nesse contexto, complementa Bitencourt (2020):

Um dos grandes obstáculos à ideia ressocializadora é a dificuldade de colocá- la efetivamente em prática. Parte-se da suposição de que, por meio do tratamento penitenciário – entendido como conjunto de atividades dirigidas à reeducação e reinserção social dos apenados -, o terno se converterá em uma pessoa respeitadora da lei penal. E, mais, por causa do tratamento, surgirão nele atitudes de respeito a si próprio e de responsabilidade individual e social em relação à sua família, ao próximo e à sociedade. Na verdade, a afirmação referida não passa de uma carta de intenções, pois não se pode pretender, em hipótese alguma, reeducar ou ressocializar uma pessoa para a liberdade em condições de não liberdade, constituindo isso verdadeiro paradoxo (BITENCOURT, 2020, p. 241).

Dessa maneira, Assis (2017) enfatiza que, diante dessas problemáticas, deve- se repensar em uma nova atuação estatal, em métodos alternativos para fins de cumprimento de pena, que se amoldem de forma mais clara aos fins colimados no instituto da ressocialização (ASSIS, 2017).

No mesmo prumo, complementa Assis (2017):

Haja vista, os inúmeros problemas relacionados com a Execução Penal no Brasil, vislumbra-se que o melhor caminho a ser seguido não é o da reclusão e sim o da aplicação de penas alternativas, tais como, prestação de serviços à comunidade, doação de alimentos aos necessitados, enfim, penas que não retiram o condenado do meio social além de lhe impor uma responsabilidade habitual. A execução da pena é o primeiro e o último momento em que se torna possível a ressocialização (ASSIS, 2017, p. 145).

Nessa mesma linha de pensamento, Greco (2020) complementa que o Estado deve preocupar-se tão somente com bens jurídicos precípuos aos cidadãos, ou seja, elementos vitais e necessários para a vivência em sociedade. Trata-se, sobremodo, de um momento de mudanças que se adequem aos fins colimados no princípio da dignidade humana:

A hora é de mudanças, de coragem para adoção de um sistema diferente, garantista, que procure preocupar-se com o princípio da dignidade da pessoa humana, que consiga enxergar em outros ramos do ordenamento jurídico força suficiente para a resolução dos conflitos sociais de somenos importância (GRECO, 2020, p. 179).

Desse modo também complementa Bitencourt (2020):

O conceito de ressocialização deve ser necessariamente submetido a novos debates e novas definições. É preciso reconhecer que a pena privativa de liberdade é um instrumento, talvez dos mais graves, com que conta o Estado para preservar a vida social de um grupo determinado. Este tipo de pena, contudo, não resolveu o problema da ressocialização do delinquente: a prisão não ressocializa. A pretendida ressocialização deve sofrer profunda revisão (BITENCOURT, 2020, p. 243).

Suplementarmente ao exposto, enfatiza Julião (2021) sobre a necessidade de novas propostas e estratégias que visem o alcance desse efeito ressocializador em prol dos apenados:

No campo das políticas de execução penal, diante da diversidade de fatores que envolvem o tema, é necessário propostas e estratégias específicas de acompanhamento e avaliação, que valorizem concepções mais abrangentes e totalizantes, que busquem apreender a ação, sua formulação, implementação, execução, processos, resultados e impactos (JULIÃO, 2021, p. 18).

Diante dos elementos expostos, segundo preceitua Bitencourt (2020), há necessidade de se repensar nos caminhos que estão sendo adotados para fins de ressocialização desses apenados. Trata-se de uma busca por novas abordagens, definições e condutas que melhor se amoldem à realidade vivenciada no sistema penitenciário brasileiro.

4.3 O posicionamento adotado pelos tribunais hodiernos acerca do sistema penitenciário brasileiro

Com subsídio no tema em comento, também se observam posicionamentos jurisprudenciais acerca das situações vivenciadas pelos apenados no âmbito das penitenciárias brasileiras e no reconhecimento de violações aos princípios, direitos e garantias destinados a essas pessoas. Nesse prumo, vislumbra-se que o Supremo Tribunal Federal, em sede de análise de um Habeas Corpus, ponderou que a Lei de Execução Penal deve ser analisada sob o crivo da Magna Carta de 1988, onde se estabelece a preponderância de instrumentos voltados para a reinclusão social, para a concretização da cidadania e da dignidade humana:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONSTITUCIONAL. SUSPENSÃO. PRÁTICA DE NOVO CRIME DURANTE O PERÍODO DE PROVA. ABSOLVIÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. RESTABELECIMENTO DA LIBERDADE CONDICIONAL.
A Lei de Execução Penal – LEP é de ser interpretada com os olhos postos em seu art. 1º. Artigo que institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isso para favorecer, sempre que possível, a redução de distância entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da CF, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). A reintegração social dos apenados é, justamente, pontual densificação de ambos os fundamentos constitucionais (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99.652/RS. Relator: ministro Ayres Britto. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 04 dez. 2009).

Nesse mesmo sentido, observa-se as ponderações realizadas pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de análise de um recurso especial. Nesse esteio, ponderou o douto tribunal que o tratamento desumano destinado aos apenados no âmbito das penitenciárias brasileiras, bem como a nítida falta de estrutura e na omissão do Estado frente à essa celeuma, poderá ensejar no cabimento de uma ação indenizatória por danos morais. Preceitua o nobre tribunal acerca da violação de direitos, garantias e princípios fundamentais, motivando-se a ação em comento:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACÓRDÃO COM FUNDAMEN- TOS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO DO RECURSO ES- PECIAL. ARESTO COM APOIO EM MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. ART. 267, VI, DO CPC. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO AO PLEITO EXORDIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

1. O Tribunal de origem decidiu que o tratamento desumano ao presidiário, decorrente das péssimas condições física e sanitária do estabelecimento car- cerário aliados à superlotação das celas, dá ensejo ao dano moral, porque atenta contra os direitos da personalidade do preso. Ademais, afirmou que se o Estado, de há muito, tem conhecimento dessa situação carcerária e pouco, ou, quase nada, faz para corrigi-la, peca por omissão e não pode ad aeter- num invocar o princípio da “reserva do possível” para isentar-se da respon- sabilidade.

2. Inviável o processamento do apelo ante a verificação cristalina de que a Corte a quo, ao entender pela responsabilidade civil do Estado, erigiu o seu posicionamento com base em questões de índole constitucional (arts. 1º, III, e 5º, caput, II, III, V, X e XLIX, da CF), cujo exame restringe-se à via do re- curso extraordinário, sob pena de usurpação da competência do egrégio Su- premo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da CF/88.

3. Além disso, o acórdão recorrido apoia-se em matéria de ordem fática, ao consignar, por exemplo: a) “é indubitável que as condições sanitárias dos presídios, no Estado, são péssimas e agravam ainda mais as consequências da superlotação dos presídios, como é o caso do dos autos, que tem capaci- dade para apenas 130 (cento e trinta) internos e abriga, na realidade, 370 internos, conforme informações de f. 48, da própria Secretaria de Estado de Segurança Pública”; b) “o fornecimento de material de higiene pessoal, obri- gação do Estado, devido à falta de recursos não tem sido distribuído aos pre- sos, e, sendo nossa população carcerária em sua maioria de baixo poder aquisitivo, ficam os mesmos sujeitos as práticas de escravização própria dos presídios, tais como promiscuidade, violência sexual e outras, para obtenção destes materiais”. Incidência da Súmula 7/STJ.

4. Quanto ao suposto malferimento do art. 267, VI, do CPC, escorreita a fun- damentação do aresto hostilizado que bem anotou não haver falar em carên- cia de ação – por impossibilidade jurídica do pedido -, mercê de o pleito exor- dial não encontrar vedação no ordenamento jurídico pátrio.

5. Recurso especial não-conhecido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 961.234/MS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Diário Judici- ário Eletrônico- DJe, 01 set. 2008).

No mesmo sentido avençado, observa-se outra decisão também proveniente do Superior Tribunal de Justiça, em sede de análise de um recurso especial. Nesse prumo, ponderaram que a custódia cautelar acarreta cerceamento da liberdade do indivíduo. Contudo, deve-se o magistrado verificar as condições apresentadas nesses estabelecimentos prisionais, bem como o tratamento que é concedido aos apenados:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 1º, III, DA CF. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. LEI N. 11.343/2006. LI- BERDADE PROVISÓRIA. ARTS. 310 E 312 DO CPP. CONDIÇÕES PRECÁ- RIAS DE SAÚDE DO CUSTODIADO E AUSÊNCIA DE MOTIVOS ENSEJA- DORES DA PRISÃO PROVISÓRIA AUTORIZAM A CONCESSÃO DE LI- BERDADE PROVISÓRIA. LEGALIDADE.

1. A República Federativa do Brasil tem como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

2. A custódia cautelar implica necessariamente o cerceamento do direito à liberdade, entretanto o custodiado em nenhum momento perde a sua condi- ção humana (art. 312 do CPP).

3. Impõe-se ao magistrado verificar, caso a caso, se o sistema prisional detém meios adequados para tratar preso em condições precárias de saúde, caso contrário, admite-se – de forma excepcional – a concessão da liberdade pro- visória, em atenção ao princípio da dignidade humana, inclusive porque, nos termos da Constituição Federal, ninguém será submetido a tratamento desu- mano ou degradante (art. 5º, III).

4. Relevante a manifestação do juízo de primeiro grau – ao deferir a liberdade provisória -, pois manteve contato direto, a um só tempo, com a situação con- creta do acusado, com os fatos a ele imputados e com o ambiente social onde estes ocorreram.

5. Recurso especial não conhecido. Concessão de habeas corpus de ofício para determinar a expedição de alvará de soltura em nome da codenunciada, a fim de garantir-lhe o direito de aguardar em liberdade o curso da ação penal

– mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício -, se por outro motivo não estiver presa e ressalvada a possibilidade de haver decretação de prisão, caso se apre- sente motivo concreto para tanto, nos termos do voto (BRASIL. Superior Tri- bunal de Justiça. REsp 1253921. Relator: ministro Sebastião Reis Júnior. Di- ário Judiciário Eletrônico- DJe, 21 mai. 2013).

Tem-se, dessa maneira, um entendimento jurisprudencial majoritário, qual seja, que os estabelecimentos prisionais brasileiros devem oferecer condições humanas aos presos, bem como a concessão de direitos basilares (direito à vida, saúde, condições de higiene, oportunidades de trabalho), de forma que se viabilize e se efetive a reintegração social dessas pessoas após o cumprimento das penalidades impostas.

5  CONCLUSÃO

Com subsídio em todos os elementos abordados por intermédio da presente pesquisa científica, pode-se compreender que o sistema penitenciário brasileiro atualmente é regido por intermédio dos princípios, garantias e valores preceituados pela Magna Carta de 1988, pela Lei de Execução Penal, pelo Código de Processo Penal e pela legislação estravagante. Nesse prumo, após o magistrado fixar a pena do indivíduo, ele será conduzido para algum estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da sanção imposta.

Embora as leis vigentes e, sobremodo à Magna Carta de 1988, estabeleçam que os direitos e garantias dos apenados devem ser observados e cumpridos, observa-se que o ente público se mostra aquém desse compromisso para com essas pessoas. Em outras palavras, observa-se que o sistema prisional brasileiro se encontra repleto de problemas, injustiças e ausência de cuidados para com as pessoas que tiveram a liberdade cerceada e que cumprem a penalidade devida.

Nesse contexto, conforme apurado alhures, muitos apenados são mantidos em celas superlotadas, sem qualquer atendimento médico, condições dignas para se fazer a higiene. Nesse mesmo prumo, vislumbra-se que muitos apenados não possuem nem a possibilidade de exercer funções laborais compatíveis com o regime de pena imposto, para fins de remissão de pena e, posteriormente, para serem reintegrados em âmbito social.

Com base em toda a pesquisa realizada, tem-se que a maioria dessas pessoas não são sequer julgadas da forma correta, ou seja, muitos não possuem nem o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa justa. Do mesmo modo, ao cumprirem as penalidades impostas nos estabelecimentos prisionais brasileiros, são estigmatizados, ignorados, deixados de lado pelo Estado e muitas vezes pela própria sociedade.

Nesse prumo, diversos doutrinadores, juristas e estudiosos passaram a questionar as possíveis violações não somente aos direitos humanos, mas também os direitos fundamentais, basilares, contidos na Magna Carta de 1988. Dessa maneira, passaram a questionar a tratar sobre a nítida violação à dignidade humana dos presos por parte do Estado e dos órgãos de segurança pública.

Dessa forma, com base em tais questionamentos, pode-se compreender que o tratamento degradante, omisso, de exclusão desses apenados por parte do Estado só fomentará ainda mais a violência e a reincidência dessas pessoas no mundo do crime. Há, sobremodo, diversos obstáculos à ideia de ressocialização, de reintegração social, de recolocação desses indivíduos em âmbito social e profissional.

Diante de todos os elementos suscitados, mister que haja uma mudança de pensamento, de aplicação das penas estabelecidas no ordenamento jurídico pátrio. Dessa maneira, comunga-se com a ideia de que novas políticas públicas sejam implementadas, que seja adotado um novo sistema de execução penal, voltado para a concretização dos direitos humanos, da dignidade humana em prol desses apenados. É necessário, sobremodo, que se enxergue a importância de reintegrar essas pessoas na sociedade de uma forma correta, para que não se contribua ainda mais para atitudes de exclusão, de depreciação humana, de descaso para com o outro. Aduz-se ainda que, nos mesmos moldes da doutrina majoritária, tem-se que a jurisprudência pátria também coaduna com o pensamento de que essas pessoas devem ser punidas da forma devida, mas devem ter os direitos fundamentais garantidos. Do contrário, a execução da pena perde a sua essência mais vital, ou seja, a capacidade de ressocialização dessas pessoas, de uma resolução de conflitos de modo equânime e condizente com os princípios, valores e garantias presentes no Estado Democrático de Direito.

Portanto, mister que haja uma mudança de postura por parte do Estado, da sociedade, da comunidade em geral, para que se tenha a punição devida aos criminosos, mas que haja, concomitantemente, a observância dos valores sociais precípuos e da essência contida no âmago do princípio da dignidade humana.

REFERÊNCIAS

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ASSIS, Rafael Damaceno de. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. 2017. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/13087-13088-1- pb.pdf>.Acesso em: 12 mai. 2024.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: < Acesso em: 12 mar. 2024.”>https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm > Acesso em: 12 mar. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99.652/RS. Relator: ministro Ayres Britto. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 04 dez. 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 961.234/MS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 01 set. 2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1253921. Relator: ministro Sebastião Reis Júnior. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 21 mai. 2013.

BRITO, Leodir Fagundes de. Sistema penitenciário brasileiro na atualidade e suas perspectivas. Curitiba, 2020.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2020.

CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. A Polícia e os Direitos Humanos: Estratégias de Ação. 2022. Disponível em: <

1Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: arthuraleixo@outlook.com. Artigo científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.
2Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: juliacarla1999@hotmail.com. Artigo científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.