A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL: A NECESSIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO DO REEDUCANDO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL

PENAL EXECUTION IN BRAZIL: THE NEED FOR RE-SOCIALIZATION OF PRISONERS AND THE PRINCIPLE OF PENAL LEGALITY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505222011


Lívia de Oliveira Campos¹
Sabrina Souza Castro²


Resumo: O presente artigo científico tem como objetivo abordar a execução penal no Brasil, um tema de grande relevância no campo jurídico, que busca não apenas a punição, mas a reintegração social do apenado. A pesquisa destaca a importância da ressocialização do reeducando e a aplicação do princípio da legalidade na execução penal, analisando os desafios enfrentados pelo sistema prisional, como a superlotação e as condições inadequadas de encarceramento. Através de levantamento bibliográfico e documental, o trabalho visa contribuir para um debate mais humano e eficaz sobre a execução penal no Brasil.

Palavras-chaves: Execução Penal, Ressocialização, Legalidade Penal, Direitos Humanos, Sistema Prisional.

Abstratc: This scientific article aims to address criminal enforcement in Brazil, a highly relevant topic in the legal field, which seeks not only punishment, but also the social reintegration of the inmate. The research highlights the importance of resocializing the inmate and applying the principle of legality in criminal enforcement, analyzing the challenges faced by the prison system, such as overcrowding and inadequate incarceration conditions. Through a bibliographic and documentary survey, the work aims to contribute to a more humane and effective debate on criminal enforcement in Brazil.

Keywords: Criminal Enforcement, Resocialization, Criminal Legality, Human Rights, Prison System.

1 INTRODUÇÃO

A execução penal no Brasil constitui um campo jurídico de notória complexidade, diretamente vinculado à efetivação dos direitos fundamentais, à dignidade da pessoa humana e à preservação dos princípios constitucionais. Muito além do simples cumprimento da pena, a execução penal deve ser compreendida como um instrumento de transformação social, cujo objetivo principal é a reintegração do apenado ao convívio comunitário de forma justa e produtiva. Nesse contexto, ganha centralidade a necessidade de se discutir a ressocialização do reeducando e a aplicação concreta do princípio da legalidade no curso da pena.

O sistema prisional brasileiro, entretanto, enfrenta obstáculos históricos e estruturais que comprometem a realização desses objetivos. Superlotação, precariedade nas condições de encarceramento e a ineficiência das políticas públicas voltadas à reinserção social evidenciam um cenário marcado por violações sistemáticas de direitos, reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF 347, que declarou o estado de coisas inconstitucional nas prisões do país. Essa realidade demanda uma análise crítica sobre a atuação do Estado e a eficácia das normas que regem a execução penal. (BRASIL, 2023)

Este trabalho tem como proposta examinar a execução penal sob o viés da legalidade e da ressocialização, compreendendo de que forma esses dois pilares dialogam entre si e quais desafios ainda se impõem à sua efetiva aplicação. A pesquisa desenvolveu-se por meio de levantamento bibliográfico e documental, com base em legislações, doutrinas, jurisprudências e dados oficiais, adotando-se uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório.

Ao discutir os fundamentos legais da execução da pena, bem como as práticas ressocializadoras adotadas no país, busca-se refletir sobre os limites e possibilidades do sistema penal brasileiro. O intuito é contribuir com o debate acadêmico e jurídico, oferecendo subsídios para uma execução penal mais humana, eficaz e compatível com os preceitos do Estado Democrático de Direito.

2 A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL: FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS

A execução penal no Brasil reveste-se de importância ímpar que abarca os princípios e fundamentos que regem a aplicação das penas. Este ramo do direito processual penal não se limita à punição, mas tem como objetivo central a reintegração social do apenado, em conformidade com os preceitos constitucionais e os direitos humanos.

Enfrentando desafios significativos, como a superlotação carcerária e a escassez de recursos destinados a programas de reabilitação. A busca por soluções eficazes é imperativa para a efetivação dos princípios da Justiça, tornando a execução penal um campo de estudo essencial para a compreensão das dinâmicas sociais e jurídicas que permeiam a aplicação das penas no Brasil.

2.1 CONCEITO E NATUREZA DA EXECUÇÃO PENAL

Perpassando por contextos históricos, nota-se a relação da evolução do contexto de execução penal, paralela ao desdobrar de desenvolvimento da sociedade; este é reflexo das transformações sociais, políticas e culturais de um povo. Mesmo em tempos mais remotos, o termo era compreendido como forma de efetivar o título executivo perante o Estado. (PAIVA, 2024)

No período colonial, as sanções eram alinhavadas com tortura e crueldade, princípios que geriam a consequência de atos criminosos. Sem leis específicas para regulamentar condutas penais, o espírito animalesco tomava frente ao racional, proporcionando barbáries aos olhos de quem bem quisesse ver, como forma exemplar de penalizar violentamente o criminoso, retirando a identidade do ser e, consequentemente, qualquer tipo de sentimento humanizado que viesse a ser despertado para com o tal. (COIMBRA, 2014)

No Brasil Império, uma evolução regulamentadora inspirada na política francesa, habitou terras tupiniquins. O país estava se consolidando como uma nação independente, e havia a necessidade de um sistema jurídico que refletisse os novos valores da sociedade. Assim o Código Criminal, promulgado em 1830, veio independente, influenciado por ideias liberais e utilitaristas, estabelecendo regras para crimes e penas, com distinções entre escravos e livres; refletia ainda uma visão punitivista, com penas severas e a manutenção da pena de morte, traços cruéis e de tortura que ainda eram vivos e rotineiros. (BADAUY, 2023).

Chegando em 1940, durante a era Vargas, foram elaborados conceitos que condiziam mais com a época. Em um período de instabilidade política e social, a ascensão de ideais de direitos humanos influenciou a elaboração do novo código; introduziu conceitos como a culpabilidade e a individualização da pena, além de uma abordagem mais voltada para a ressocialização. No entanto, penas severas ainda eram mantidas. (Badauy, 2023) Partindo do pressuposto da redemocratização do Brasil, na década de 80, a movimentação pela reforma do sistema penal ganhou força. A sociedade estava se recuperando de momentos sombrios e violentos, resquícios da ditadura militar, e essa demanda potente acabou por refletir as necessidades da sociedade civil. O estabelecimento de meios para a execução de direitos e deveres à condenados, foram pouco a pouco colocado em prática, iniciando assim, vagarosamente, o respeito aos princípios fundamentais. (BADAUY, 2023)

Hoje, através de uma inquirição detalhada, compreende-se a relação íntima de evolução síncrona, numa espécie de cadeia retroalimentar entre sociedade e Judiciário, que busca equilibrar a necessidade de segurança pública com a proteção dos direitos humanos e a promoção da ressocialização. Como dito por Mirabete (2023, p.99), o entendimento da execução penal “[..] não se destina unicamente a cumprir a pena imposta, mas a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.” Sendo garantido na Lei de Execução Penal (LEP) – Lei nº 7.210/1984, princípios, direitos, deveres e formas de cumprimento da pena que devem ser seguidos com o caráter individualizado, há o auxílio na transformação do apenado em um cidadão produtivo e respeitador das leis, reinserindo-o na sociedade e evitando sua reincidência no sistema. (BRASIL, 1984)

Já a multifacetada, envolvendo aspectos jurídicos, sociais e psicológicos, a natureza da execução penal, vem do amalgamento consequencial do Direito Penal e Processo Penal. A execução da pena só existe pela averiguação da conduta criminal, esta que é citada no direito penal. Andreucci, explica da seguinte forma:

A função de execução penal encontra raízes entre três setores distintos: no que respeita à vinculação da sanção e do direito subjetivo estatal de castigar, a execução refere-se ao direito penal substancial; no que respeita à vinculação como título executivo, refere-se ao direito processual penal; no que toca à atividade executiva verdadeira e própria, refere-se ao direito administrativo, deixando sempre a salvo a possibilidade de episódicas fases jurisdicionais correspondentes, como nas providências de vigilância e nos incidentes de execução. (ANDREUCCI, 2024, p. 412)

Parafraseando Mirabet e Leone (2008), há de ser superada a antiga ideia de que o direito que regula a execução penal é essencialmente administrativo; é necessário reconhecer, em função de sua própria autonomia, que não é viável submetê-lo completamente às esferas do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Essa autonomia implica que a execução penal possui características e princípios próprios que não podem ser totalmente subordinados a outras áreas do direito, mesmo que estejam interligadas, de forma que, baseados na LEP – Lei de Execução Penal, são a estrutura aliada a nortear a validade dos direitos e deveres dos sentenciado.

2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA EXECUÇÃO PENAL

Os princípios tratados dentro da execução penal, estão envoltos na Constituição Federal, para além de específicos, ligados exclusivamente ao cumprimento da pena, no qual faz-se necessário o estabelecimento de sua importância para correta efetivação da reprimenda imposta pelo Estado. Esses princípios constitucionais visam garantir a dignidade da pessoa humana, a justiça e a efetividade do sistema penal. São fundamentais para assegurar que o perfazer das sanções não apenas cumpram uma função punitiva, mas também promovam a reintegração do reeducando de forma adequada e condizente com a realidade de cada apenado, sempre respeitando e preservando os direitos humanos. Tomado conhecimento dos mais expressivos, resta discorrer sobre: humanidade das penas; legalidade; personalização da pena; proporcionalidade da pena; isonomia; jurisdicionalidade; vedação ao excesso da execução e ressocialização. (PEREIRA, 2021)

Orbitando a conjuntura de esferas com existência perpendicular, a diferenciação entre os princípios que regem a Lei de Execução Penal e àqueles que estão perpetuados para o Direito Penal e Processual Penal, é visível e palpável, contudo, os previstos na Constituição Federal devem ser valorados, considerados pressupostos gerais correlacionados com todas as áreas do Direito. À vista disso, ao adentrar nos princípios constitucionais, há de se relacionar com a atribuição perante a execução penal, ascendendo ao princípio básico para se tratar de pena, recebendo a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, Inc. III, da Constituição Federal, fazendo correlação com a humanização da condenação, em que qualquer punição fora das formas da humanidade não deve ser aplicada no sistema jurídico brasileiro. Em consequência, entende-se que independente do crime cometido, a humanização desta prevalece e há de ser aplicada em todos os casos, sem distinção de atuação. (PEREIRA, 2021)

Alinhado predecessor, cita-se o princípio da legalidade, no qual no decorrer da Lei de Execuções Penais, é substancial suas condições claramente definidas na mesma. Ora muito utilizado nas defesas da execução penal, este é de suprema importância para a garantia do avanço processual, assegurando que direitos dos condenados sejam respeitados, evitando arbitrariedades na aplicação das penas. Há instruções com reconhecimento de vários contextos, com casos expressos na lei, conforme consolidado no art. 3º e 45º da LEP. (PEREIRA, 2021)

Sicronicamente, ocorre a individualização da pena, princípio em que há a adaptação da sanção penal às circunstâncias específicas de cada caso, levando em consideração a personalidade do apenado, a gravidade do crime e as condições sociais e econômicas do indivíduo. Sendo o mais omitido pelo Poder Judiciário, devido aos preconceitos estruturais da sociedade, o mesmo diz que a pena deve ser aplicada e cumprida contextualizando cada apenado de forma individual, mesmo que o crime ou circunstâncias sejam iguais ou parecidas. Assim, este não há de ser somente um meio para desferir a sanção do Estado, mas sim viabilizar uma reintegração do indivíduo na sociedade. (PEREIRA, 2021)

Utilizando do princípio da proporcionalidade, em conjunto com os anteriormente destrinchados, entende-se que a pena aplicada sendo proporcional à gravidade do crime cometido, mantendo um caráter adequado com a punitividade remanescente, evita excessos e endossa o cumprimento da função social da condenação, caindo por terra então, o conceito de vingança. (PEREIRA, 2021)

Estipulado no art. 3º, parágrafo único, da LEP, traz-se o princípio da isonomia, que estabelece igualdade total a todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos indivíduos o mesmo tratamento e a mesma proteção legal, podando a diferenciação entre apenados, seja qual cunho for, racial, histórico, cultural e religioso. (BRASIL, 1984)

A necessidade de ressocialização dos presidiários é um ponto central da execução penal; meio complexo que deve ser entendido como um processo que vai além da mera punição, mas também engloba acolhimento e auxílio estrutural aos mesmos, visto que o propósito não é colocá-los em posição de escória, a margem da sociedade, mas sim, reeducar para que vivam de maneira produtiva, somando à comunidade. E isso só se dá por meio de políticas públicas eficazes, sempre pautadas nos princípios apresentados e correlacionados. (BRASIL, 1984)

2.3 A LEI E EXECUÇÃO PENAL E SUAS DIRETRIZES

Um marco no sistema penal brasileiro, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) é a forma de regularização dos termos para assegurar os direitos e deveres dos apenados, da execução das penas privativas de liberdade e estabelece também, diretrizes para a reintegração social dos reeducandos. Junção de normas, essa legislação reflete a preocupação com a reintegração do apenado na comunidade e a proteção dos direitos humanos. Com políticas públicas, busca garantir que a execução penal não se restrinja ao ato punitivo, mas promova a reintegração integral do preso. (BRASIL, 1984)

Na presente lei, há abordagem de questões referentes à organização do sistema carcerário e a caracterização deste, considerando como os reclusos devem se comportar segundo o contexto de comunidade dentro do presídio, além das boas práticas que o Estado deve fomentar perante o ambiente de encarceramento. (BRASIL, 1984)

A ênfase na ressocialização do reeducando, reverbera um compromisso com a dignidade humana e a comunidade, na qual há necessidade de oferecer oportunidades para que os indivíduos possam reconstruir suas pessoas e permanecerem em grupo. As diretrizes da lei, incluem a individualização da pena, o tratamento digno, a promoção de educação e trabalho, a progressão de regime e as saídas temporárias, que são essenciais para facilitar essa reintegração, bem como considera a defasagem de estrutura geral em presídios, a falta de projetos e empreendimentos para a aplicação de estudos, leituras, trabalhos e outras cepas que agregam diretamente no processo de ressocialização. (PASSOS, 2024)

Nesta contextualização teórica, é visto que o Supremo Tribunal Federal reconheceu ações inconstitucionais nas prisões brasileiras, através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, o qual foi apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tal reconhecimento se deu no ano de 2023. Através do referido julgamento, o STF entendeu que o sistema prisional brasileiro é inconstitucional, uma vez que viola diversos direitos fundamentais, este pautado na superlotação dos presídios, déficit de bens e meios para manutenção das celas, além da permanência dos presos após o lapso temporal da pena imposta e tratamento desumano. Após essa decisão, a União e os Estados brasileiros foram obrigados a intervir e modificar a situação carcerária, o que acaba por comprovar a eficácia de atuação da LEP. (BRASIL, 2023)

Abrindo margem para maior entendimento referente ao cumprimento do propósito da execução penal, dito ser o de promover justiça e reintegração social, há esforço conjunto entre o Estado e a sociedade civil. A articulação entre a necessidade de ressocialização e o princípio da legalidade penal, é vital para transformar o sistema penal brasileiro em um espaço mais humano e eficaz, alinhado aos valores de um Estado Democrático de Direito, o passo essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

3 A RESSOCIALIZAÇÃO DO REEDUCANDO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Como um dos pilares fundamentais no âmbito de execução penal, a ressocialização configura-se como um processo complexo e multifacetado, cujo objetivo transcende a mera aplicação da pena, aspirando a reintegração do indivíduo condenado à sociedade de forma produtiva e sintônica. Tal recurso fundamenta-se na premissa de que a pena, além de punir, deve proporcionar condições para a transformação do apenado, capacitando-o a adotar comportamentos socialmente aceitáveis e a romper o ciclo da reincidência criminal. Não obstante, este é permeado por desafios significativos, tais como a superlotação carcerária, a insuficiência de políticas públicas eficientes, além do estigma social que perpetua a marginalização, contribuindo para a manutenção de ciclos de recidiva. (PASSOS, 2024)

Perante o cenário apresentado, serão analisadas as perspectivas e estratégias que logram adesão para metamorfosear tal sistema, viabilizando uma abordagem humanizada, e por consequência, mais efetiva, contribuindo à construção de uma sociedade mais justa, digna e inclusiva. (BRASIL, 1984)

3.1 O PAPEL DA RESSOCIALIZAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL

Preceitua o art. 1º da Lei 7.210/84 que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e internado” (BRASIL, 1984). A diretriz em questão fundamenta-se em dois pilares essenciais: a observância rigorosa das determinações judiciais contidas na sentença e a implementação de condições que viabilizem a reinserção social do indivíduo condenado.

Visando assegurar um conjunto de direitos fundamentais ao indivíduo condenado, com o intuito de propiciar não apenas o seu afastamento do convívio social e a justa punição pelo delito cometido, mas também a salvaguarda de um nível mínimo de dignidade humana e a manutenção de vínculos sociais essenciais com a comunidade, a Lei de Execução Penal, prestes a completar quatro décadas de vigência, configura-se como um instrumento legal de relevância para a transformação do panorama atual do sistema prisional brasileiro. (VIEIRA, 2020)

A reinserção do apenado na sociedade tem ocupado posição de destaque nos debates contemporâneos, desde que a pena privativa de liberdade passou a ser considerada um mecanismo necessário. A legislação nacional, em seu artigo 59 do Código Penal, estabelece a finalidade da pena como retribuição e prevenção, esta última abrangendo a ressocialização do apenado. (BRASIL, 1940)

A função da ressocialização consiste em estabelecer aparatos que propiciem a reintegração do indivíduo condenado ao tecido social, visando a sua inserção novamente na vida cotidiana de forma a prevenir a recidiva criminal. Com esta finalidade, a efetiva aplicação das normas de reinserção social exige o fomento de práticas readaptadoras no sistema prisional, durante o cumprimento da pena, como programas e políticas específicas. Ademais, busca-se fomentar a compreensão do apenado de que suas ações podem violar os direitos de terceiros e do Estado, contribuindo para que este internalize e compreenda o significado da sanção penal, transcendendo a mera imposição estatal. (RICARDO, 2023)

O intento é que o cidadão reconheça a necessidade de respeitar a lei não apenas em virtude do poder coercitivo do Estado, mas também pela consciência de que suas condutas, inerentes ao tipo penal, podem levar a danos irreparáveis à sociedade. Assim, a sanção penal, em particular a pena privativa de liberdade, tem sido concebida com uma tríplice finalidade: punir, prevenir e, concomitantemente, promover a reintegração social do indivíduo que cometeu o delito, indicando-lhe um caminho de retorno à vida no âmbito social. (RICARDO, 2023).

3.2 PROGRAMAS E POLÍTICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO

A Lei de Execução Penal, legislação que disciplina o cumprimento de sentenças e os direitos e deveres dos apenados, suscita debates entre juristas acerca da superpopulação carcerária e das condições precárias observadas nos estabelecimentos prisionais. Problemáticas como a deterioração de alimentos, restrição no fornecimento de água potável, escassez de medicamentos e projetos de educação, trabalho e capacitação, para além do tratamento degradante, são recorrentes entre os reclusos e seus familiares. (GONÇALVES; 2023)

A Carta Magna, ao consagrar direitos e deveres fundamentais, delineia o arcabouço para a formulação e execução de políticas públicas, as quais visam garantir a efetivação dos direitos constitucionais em áreas específicas. No contexto da ressocialização, destacam-se três eixos basilares: trabalho, educação e leitura, cuja implementação durante o cumprimento da pena imposta pelo Estado é indispensável. (BRASIL,1988)

Max Weber, considerado um dos fundadores da Sociologia, disse que “o trabalho dignifica o homem”. Weber destacou que o trabalho se encaixava como uma das ações sociais mais nobres e dignas presentes na sociedade, sob este prisma, a atividade laboral durante o cumprimento da pena, especialmente no ambiente prisional, reveste-se de importância fundamental tanto para o reeducando quanto para o Estado. (Weber; 1904) Ao garantir os direitos fundamentais do apenado, previstos no artigo 1º, inciso IV, e no artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, que asseguram o direito ao trabalho a todos os cidadãos, o Estado cumpre seu papel na promoção da dignidade humana. Tal prática contribui para a otimização de recursos e a celeridade na execução de serviços, resultando em benefícios econômicos, operacionais e sociais. (BRASIL,1988)

No que tange tal cenário, traz-se como exemplo a planificação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desenvolve projetos de ressocialização. Entre as iniciativas, destacam-se o Plano Pena Justa, (ADPF 347/DF), o Programa “Um Novo Tempo” (2024) e o projeto “Começar de Novo” (2023), que visam a proporcionar oportunidades de educação, trabalho e reinserção social.

A eficácia dessas políticas exige a colaboração do sistema prisional e o apoio do Estado, por meio da alocação de recursos e da implementação de programas, ponto que preocupa juristas, como evidenciado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, na época, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em outubro de 2023, durante o evento “A leitura nos espaços de privação de liberdade – Encontro nacional de gestores de leitura em ambientes prisionais”, realizado na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Em sua declaração, o Ministro destacou a urgência de medidas para a humanização dos espaços carcerários, e reconheceu a falha sistêmica que o engloba. Sistema prisional é uma das maiores violações de direitos humanos no Brasil, disse presidente do STF. (BRASIL, 2023)

Desmembrando os pilares de estrutura de ressocialização, é trazido à atividade laboral. Apontado na legalidade, há características a serem abordadas para realização dos trabalhos, existindo a previsão pela Regra de Mandela. Esta estabelece um conjunto de diretrizes que orientam a seleção de trabalhos adequados aos reeducandos, considerando suas capacidades físicas individuais. A alocação laboral deve, portanto, observar as necessidades físicas específicas de cada interno. Além disso, o trabalho prisional, em sua totalidade, deve visar à capacitação do apenado, preparando-o para a reintegração social após o cumprimento da pena. (ONU, 2015)

É dito que mesmo enquanto encarcerado, o labor é remunerado. Previsto no artigo 29 da Lei de Execução Penal, é estabelecido que “o valor não poderá ser inferior a três quartos do salário mínimo vigente” (Brasil, 1984). Do montante recebido pelo reeducando, são deduzidos os seguintes valores, conforme o artigo 29, parágrafo 1º:

a) indenização dos danos causados pelo crime, quando determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) assistência à família;

c) pequenas despesas pessoais;

d) ressarcimento ao Estado das despesas com a manutenção do condenado, em proporção fixada, sem prejuízo das destinações anteriores. (BRASIL, 1984)

O saldo remanescente é depositado em pecúlio, em conta individualizada à qual o reeducando terá acesso após a libertação. O pedido de liberação deste pode ser feito por meio da guia de execução, com a expedição de alvará judicial. (BRASIL,1984)

No que concerne aos estudos, sua relevância se equipara à do trabalho, ambos instrumentais na reintegração social do apenado. A educação, nesse contexto, visa a promover a redescoberta intelectual e profissional do indivíduo, preparando-o para o retorno à sociedade (Gonçalves, 2023). A Lei de Execução Penal, em seu artigo 126, parágrafo 1º A, inciso I, prevê a remição da pena pelo estudo, incentivando a prática educacional no ambiente prisional. (BRASIL,1984)

3.3 A EFICÁCIA DAS MEDIDAS DE RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL

A disparidade entre a teoria e a prática revela um cenário complexo, no qual a implementação de medidas ressocializadoras esbarra em obstáculos estruturais e sociais. Conquanto a legislação brasileira estabelece diretrizes para a reintegração de pessoas privadas de liberdade, a realidade prática apresenta empeços significativos; marcada pela superlotação, precariedade das instalações e falta de recursos, o que dificulta a aplicação efetiva dessas medidas (GONÇALVES, 2023).

A realidade encontrada nos presídios brasileiros diverge significativamente dos preceitos legais estabelecidos para a ressocialização. A oferta de trabalho, por exemplo, é frequentemente restrita a atividades de baixa qualificação e remuneração inadequada, o que compromete a aquisição de habilidades relevantes para o mercado de trabalho. A educação, fundamental para a transformação dos detentos, também enfrenta obstáculos. A falta de infraestrutura, professores e materiais didáticos resulta em um ensino precário, que limita o potencial de mudança. A assistência social, essencial para o apoio psicológico e jurídico, é comprometida pela escassez de profissionais qualificados e pela superlotação de apenados. O atendimento insuficiente impede a satisfação das necessidades dos detentos, dificultando a superação de traumas e a manutenção de vínculos sociais (GONÇALVES, 2023).

Embora o sistema prisional brasileiro enfrente desafios significativos, a capacidade de transformação não se perdeu por completo. Observa-se que a implementação de programas que oferecem oportunidades de trabalho, educação e suporte psicossocial tem demonstrado resultados positivos na redução da reincidência e na reintegração social dos detentos.

Contudo, para que essa transformação se torne uma realidade abrangente, é fundamental que haja um investimento contínuo em políticas públicas eficazes, para além da aliança entre Estado e sociedade. Assim, concomitantemente a melhoria das condições prisionais, a expansão das oportunidades de trabalho e educação e o combate ao preconceito, acabam por refletir um sistema prisional mais justo e humano (GONÇALVES, 2023).

4 LEGALIDADE PENAL E DIREITOS HUMANOS NA EXECUÇÃO PENAL

Ao abordar a legalidade penal e os direitos humanos no contexto da execução penal, torna-se imprescindível destacar os meios e as formas pelos quais esses elementos são aplicados no cotidiano do sistema executório, bem como suas origens e fundamentos jurídicos. O princípio da legalidade, originado no âmbito penal e constitucional, estende-se de maneira clara e fundamentada à execução penal. Por meio desse princípio, viabiliza-se a efetivação dos direitos humanos durante a execução da pena, permitindo interpretações mais humanitárias do cumprimento da sanção penal, sempre em consonância com a aplicação integral da legislação vigente. (CÂMARA, 2019)

4.1 A LEGALIDADE NA EXECUÇÃO PENAL: LIMITES E GARANTIAS

O princípio da legalidade no âmbito da execução penal deve ser compreendido a partir de suas origens, sendo essencial a análise de sua importância para a aplicação deste no processo de execução. Nesse sentido, é pertinente, inicialmente, o conceito do referido princípio, conforme exposto por Câmara (2019).

A etimologia da palavra “princípio” possui diversos significados, mas todos convergem para o entendimento de uma base, origem ou causa primária de uma ação. Nesse contexto, o princípio jurídico é considerado um instrumento fundamental para a

interpretação de sistemáticas jurídicas, proporcionando aos estudiosos uma base sólida para a aplicação de determinada compreensão acerca da organização das normas legais (CÂMARA, 2019).

O direito da execução penal é reconhecido como uma área autônoma, possuindo princípios próprios que servem como fundamentos para o exercício das normas específicas desse ramo do direito, auxiliando, assim, na sua devida aplicação. A partir dessa perspectiva, pode-se compreender o entendimento de Alberto (2022) a seguir:

O Direito de Execução Penal, como toda ciência, está fundamentado em princípios e que, por gravitar sua atuação sobre a liberdade humana, são iluminados pelas garantias decorrentes da constitucionalização dos direitos humanos, especialmente da contemplação da dignidade da pessoa humana e da humanidade, orientando, assim, toda a atuação do Estado na execução da pena. – (COIMBRA,2009, p. 19).

Ao se examinar a base dos princípios, passa-se à análise do princípio da legalidade, o qual sofreu influência do Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII, surgindo como uma forma de limitação do poder estatal por meio da sua ação. Antes de ser aplicado à execução penal, esse princípio estava restrito ao direito penal (ALBERTO, 2022).

O princípio da legalidade exerce uma função de limitação do poder do Estado em relação ao indivíduo, visto que, no exercício da soberania, deve-se observar a subordinação ao Direito, respeitando os limites impostos pela lei. A negligência em cumprir tais limites pode resultar na ilegitimidade da pena imposta pelo Estado, acarretando danos ao cidadão (CÂMARA, 2019).

No que se refere à execução penal, pode-se seguir a mesma linha de raciocínio, considerando que é nesse momento que se exerce o direito de punir. Trata-se de uma fase executória, na qual se coloca em prática o que foi determinado na sentença criminal condenatória transitada em julgado. Assim, todo o processo da execução deve tramitar em conformidade com a lei, vinculado às atividades do juiz e das autoridades administrativas, garantindo, dessa forma, a efetivação da finalidade da pena (ALBERTO, 2022).

Nessa esfera, veja-se que Goulart (1994, p. 92) assevera que:

Para a realização dessas finalidades, isto é, para o atendimento das disposições da sentença e igualmente dos fins da própria execução da pena, é necessário que a via executória se efetive em um regime de efetivas garantias ao interesse comunitário e aos direitos individuais. Para que isto se dê é imprescindível a vinculação da execução penal à Lei e ao Direito, enquanto aspecto essencial do caráter do Estado de Direito. Apenas dentro desse quadro é que a execução penal encontra legitimidade.

Dessa forma, seguindo as diretrizes da lei é possível garantir ao apenado um direito de reconhecer o futuro da sua pena com base na lei, considerando que todos os andamentos processuais estarão pautados no direito, garantindo-lhe formas para conhecer o seu cumprimento de pena em todo o seu teor. (ALBERTO, 2022).

Silva, salienta em sua obra:

Desse postulado, que se constitui um dos pilares do Estado de Direito e o distingue do Estado absolutista, decorre não apenas a necessidade de previsão clara da pena nos códigos, mas também, e obrigatoriamente, a clareza na execução dessa pena e a certeza quanto à expectativa para o futuro do condenado. Tal preceito vale para que se possa conhecer com precisão como e por quanto tempo será a permanência do condenado no cárcere. O princípio da legalidade estende-se até o momento da execução e, assim como a pena prevista abstratamente na norma, também a execução dessa pena deve se caracterizar pela clareza e pela certeza. (SILVA, 2009, p. 72)

Além da condição do Estado utilizar o direito para punir os cidadãos, o princípio da legalidade no presente caso traz na verdade uma garantia para aplicação da lei nos seus devidos termos, considerando que o juiz da execução deverá seguir os referidos ritos que a causa pede, tornando-se assim a execução fundamentada e concisa em sua aplicação. (ALBERTO, 2022)

No mesmo sentido, Goulart (1994, p.75) ressalta que, permeia a execução penal pela legalidade: “desaparecem os desvãos que sempre ensombreceram a via executória, dela afastando o arbítrio e no lugar dele estabelecendo-se o primado da Lei e do Direito.”

Atualmente, o princípio da legalidade está previsto no art.2º da Lei nº 7.210, art. 5°, XXXIX, da Constituição Federal e, no art. 1º do Código Penal, o qual prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” (BRASIL, 1988)

Diante disso, a doutrina atual considera o princípio da legalidade o mais importante, tendo em vista que estabelece diretrizes fundamentais para a aplicação da lei e a garantia dos direitos e deveres pelos cidadãos, desconsiderando imposições penalizadoras e infernais como forma de punição, além de que o referido princípio está estipulado nos Códigos Penais desde o império (ALBERTO, 2022). Para Batista (2007, p. 67):

O princípio da legalidade, base estrutural do próprio estado de direito, e também a pedra angular de todo direito penal que aspire à segurança jurídica, compreendida não apenas na acepção da “previsibilidade da intervenção do poder punitivo do estado”, que lhe confere Roxin, mas também na perspectiva subjetiva do “sentimento de segurança jurídica” que postula Zaffaroni. Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta daquela predisposta na lei. (BATISTA, 2007, p. 67)

Portanto, o princípio da legalidade é de suma importância para a execução da pena e deve ser seguido à risca, para garantir os direitos fundamentais para os cidadãos, além de abrir brecha para a aplicação dos direitos humanos em fase executória, buscando a ressocialização do reeducando. (CÂMARA, 2019).

4.2 DIREITOS HUMANOS E A CONDIÇÃO DO REEDUCANDO

Se tratando de direitos humanos aplicados na execução penal é de suma importância argumentar em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, considerando que este está pautando como base para aplicação da lei de forma humanitária, sendo assim, necessário apontar seu conceito e utilização no Judiciário. (ALBERTO, 2022)

A Constituição da República aponta dentro de suas normas um dos fundamentos à dignidade da pessoa humana, resultando o dever de todos em seguir e respeitar os direitos e garantias fundamentais dos homens, tendo em vista que está elencada na lei suprema. (BRASIL,1988)

A dignidade da pessoa humana é um meio para que o Estado trate os cidadãos de maneira coerente, considerando que está elencado como sendo uma das garantias fundamentais transcritas pela Constituição Federal, sendo que guia o Estado para apresentar ações de conservação da dignidade ou, até mesmo, a promoção da mesma. (ALBERTO, 2022)

Na doutrina apresentada por Sarlet (2002, p. 47), “como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade.”

Ao se falar da execução penal, é importante que durante o cumprimento da pena seja assegurado ao reeducando a dignidade humana, independente de qual regime o mesmo esteja cumprindo pena, considerando que tal princípio é constitucional e está previsto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Na execução, é necessário apontar ações que respeitam e promovam os direitos fundamentais dos reeducandos. (BRASIL,1988) Assim propõe a Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (…) XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (…) XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (…) L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; (…) LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; (…) LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

Não difere a Lei de Execução Penal (7.210/1984):

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I – material II – à saúde; III -jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa.

Na mesma conjectura, temas e súmulas em casos de repercussão geral, auxiliam a estabelecer meios ágeis para se valer do direito fundamental aos reeducandos. Nesse sentido, veja-se o tema 220 do STF que referencia a obrigação da Administração Pública em realizar ações para proporcionar um ambiente adequado para os reeducandos, pautado na Constituição Federal e as garantias fundamentais.

Tema 220 – É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes. (BRASIL, 2015)

O respeito à pessoa humana deve ser mantido em seus exatos termos para que seja demonstrado como argumento decisivo contra a falta de humanidade da pena, conforme é demonstrado por Ferrajoli (2002, p. 318), “cada homem, e por conseguinte, também o apenado, não deve ser tratado nunca como um “meio” ou “coisa”, senão sempre como “fim” ou “pessoa”.”

Ainda assim, através da Lei nº 7.210/84 é latente que aos reeducandos serão garantidos todos os direitos que não estejam expressos na sentença ou pela lei, conforme se observa: “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.” (BRASIL,1984)

Os direitos e deveres dos reeducandos devem ser respeitados e seguidos da maneira correta, conforme está previsto e intitulado na Constituição Federal, sendo que tais normas devem ser seguidas em face dos reeducandos, caracterizando a atuação do Estado para que tais feitos sejam realizados da maneira correta e eficiente.

Assim sendo, os direitos humanos, caracterizados através da dignidade da pessoa humana, refletindo nas condições do reeducando, devem ser apontados e trabalhados pelo Estado, devem assim os Poderes Judiciário e Executivo, atores da execução penal, realizar todos os atos com base na dignidade da pessoa humana pautando o respeito dos direito humanos e condições do reeducando a cada caso concreto, buscando a reintegração social, vendo-os como sujeitos que estão cumprindo pena e não como objeto de manipulação. (ALBERTO, 2022).

4.3 O PAPEL DO ESTADO E DA SOCIEDADE NA GARANTIA DOS DIREITOS DOS REEDUCANDOS

O Estado é detentor da prerrogativa de punir, jus puniendi, sendo que somente ele poderá exercer tal atividade, tendo em vista ser-lhe uma ação privativa, portanto, quando um indivíduo viola as leis, é averiguado a situação e caso a autoria e materialidade estejam devidamente comprovadas, é necessário a atuação do Estado no ato de punir. (MARIA, 2015)

A Constituição Federal, juntamente com a Lei de Execução Penal, assegura às pessoas privadas de liberdade a plenitude de seus direitos e deveres. Compete ao Estado, no exercício de sua função punitiva, garantir a observância dessas normas, uma vez que a prerrogativa de punir é de sua exclusiva responsabilidade. Nesse contexto, cabe-lhe não apenas aplicar a pena, mas também promover as condições necessárias para a efetivação dos direitos fundamentais, contribuindo para a ressocialização do apenado. Tal dever envolve ações concretas no ambiente prisional, especialmente no que se refere à infraestrutura adequada, ao acesso à educação, à saúde e à qualificação profissional. (MARIA, 2015)

Com o aumento da população carcerária o Estado fica ausente ao gerir os meios para sustentar o sistema carcerário, assim há a necessidade de construção de novos presídios, a implementação de formas para a ressocialização, como a inserção de bibliotecas, livros, estudos, formação profissional e profissionais para acompanhar a evolução dos sentenciados com as práticas ressocializadoras. (VALIATTI, 2020)

A falta de administração do Poder Público em relação aos reeducandos causa conflito com aquelas normas que estipulam a dignidade da pessoa humana e meios dignos para que se cumpra a pena, afrontando sistematicamente as previsões legais. Dessa forma, há de se perceber a importância da atuação do Estado para garantir os direitos dos reeducandos, considerando que a mesma via que pune é a que deve zelar pelos meios de cumprimento da pena anteriormente imposta. (MARIA, 2015)

Diante do exposto, o papel do Estado é fundamental e multifacetado, baseado em preceitos constitucionais, legais e humanitários, que estarão prezando pelo procedimento da aplicação do objetivo do cumprimento da pena. Já foi apresentado acima a responsabilidade do Estado no cumprimento da pena imposta, considerando que o mesmo deverá garantir a execução da pena nos seus devidos termos. (MARIA, 2015)

Mesmo diante da privação da liberdade, o reeducando continua a exercer deveres e possui direitos, conforme está estipulado na lei, sendo assim, cabe ao Estado garantir a efetivação dos direitos fundamentais durante o cumprimento da pena, seja com acesso à saúde, trabalho, assistência jurídica, informações, religiosa, social e psicológica, além de ter direito de estar em um ambiente estruturalmente digno. Tais direitos podem ser exercidos através de programas sociais e administração pública com atuação do Estado e sua determinação. (VALIATTI,2020)

Além disso, deve promover a ressocialização, buscando visar meios dentro e fora do meio carcerário para que o reeducando seja reinserido na sociedade, através de bases educacionais, profissionalizantes e políticas públicas. No momento que o Estado aplica formas de remição de pena e garantias fundamentais dentro do sistema prisional, este possibilita também a reinserção social do sentenciado. (MARIA, 2015)

A infraestrutura dos presídios também é uma ação que deve partir da responsabilidade do Estado, o qual deverá permitir aos reeducandos condições adequadas de habitação, higiene, alimentação e segurança, sendo diretamente ligado e relacionado a proibição de tortura, tratamento desumano ou degradante, conforme previsto no art. 5º, III e XLIX da CF/88. (BRASIL,1988)

Constata-se assim, o papel essencial desempenhado pelo Estado na garantia dos direitos dos reeducandos, em conformidade com os dispositivos legais e constitucionais vigentes. Nesse sentido, é imprescindível que as ações estatais sejam pautadas na efetiva aplicação das normas, respeitando-se suas especificidades e assegurando a concretização dos direitos no âmbito da execução penal. A sociedade também exerce um papel relevante nesse processo, especialmente por meio de suas atitudes e comportamentos em relação aos reeducandos. (MARIA, 2015)

Considerando que a sociedade reflete, em grande medida, as diretrizes e valores promovidos pelo Estado, suas ações possuem estreita relação com a efetivação ou negação dos direitos previstos em lei, influenciando diretamente a reintegração social dos indivíduos em cumprimento de pena.

5 CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho, demonstrou-se que a execução penal no Brasil vai além da simples imposição de sanções, sendo marcada por um viés constitucional que prioriza a dignidade da pessoa humana, a legalidade penal e a ressocialização do reeducando. A análise histórica revelou a evolução do sistema punitivo brasileiro, indicando avanços legais e institucionais, especialmente a partir da promulgação da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que estabeleceu fundamentos normativos claros para assegurar direitos e deveres aos apenados, bem como mecanismos de reintegração social.

A ressocialização, pilar da execução penal moderna, mostrou-se não apenas como um objetivo jurídico, mas como um imperativo ético e social. No entanto, os obstáculos estruturais, como a superlotação carcerária, a escassez de recursos e a ineficácia de políticas públicas, ainda comprometem a plena realização desse ideal. A atuação estatal, embora amparada por normativas robustas, carece de efetividade prática, refletindo-se na violação sistemática de direitos fundamentais.

Nesse sentido, ficou evidente que o princípio da legalidade, ao lado dos direitos humanos, não apenas limita o poder punitivo do Estado, mas também funciona como instrumento de proteção do reeducando. A execução penal, quando pautada em parâmetros legais e constitucionais, deve assegurar garantias mínimas à pessoa privada de liberdade, promovendo meios reais para sua transformação e retorno digno à sociedade.

Portanto, é imperativo reconhecer a responsabilidade conjunta do Estado e da sociedade na efetivação de um sistema prisional mais justo, humano e eficaz. A ressocialização deve ser tratada como um processo contínuo e coletivo, sustentado por ações educativas, laborais e assistenciais, que concretizem os preceitos constitucionais e reafirmem o compromisso com os valores de um Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

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¹ Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho, da rede Ânima Educação. E-mail: liviacamposfunk31@gmail.com
² Academica do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho, da rede Ânima Educação. Email: sabrinassouzacastro@gmail.com Artigo apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de graduação em Direito no Centro Universitário UNA, campus Bom Despacho, 2025. Orientadora: Pauliana Maria Dias, Mestre em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Advogada.