A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL E A ORIGEM DO ABUSO SEXUAL

THE HISTORICAL EVOLUTION OF CHILDREN’S AND TEENAGERS’ RIGHTS IN BRAZIL AND THE ORIGIN OF SEXUAL ABUSE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10205149


Isabelle Martins Honorato1


RESUMO

O artigo em questão traz uma reflexão acerca dos direitos das crianças e adolescentes por um viés histórico, com especial atenção às leis promulgadas no Brasil voltadas aos infantes. Diante dos crimes bárbaros cometidos contra esse grupo de pessoas consideradas vulneráveis, é necessário entender a origem da violência e como o fato das crianças não serem consideradas como seres de direitos e que merecem um cuidado diferente dos adultos influenciou na criação e desenvolvimento de políticas públicas relevantes que objetivam a proteção das crianças e adolescentes. O abuso sexual infantil é uma prática muito antiga e que por muitos anos esteve inserida nos costumes de culturas específicas e que por sua vez serão tratadas no decorrer deste artigo.

Palavras-chave: Crianças e adolescentes; infantes; origem da violência; vulneráveis. 

ABSTRACT

The present article reflects on the children’s and teenagers’ rights from an historical perspective, with special attention to the laws enacted in Brazil aimed at infants. Faced with the barbaric crimes committed against this considered vulnerable group of people, it is necessary to understand the origin of violence and how the fact that children are not considered having rights and deserving different care from adults has influenced the creation and development of relevant public policies aimed at protecting children and adolescents. Child sexual abuse is a very old practice that for many years has been embedded in the customs of specific cultures, which in turn will be dealt with in this article.

Keywords: children and teenagers; infants; origin of violence; vulnerable. 

INTRODUÇÃO

O abuso cometido contra crianças e adolescentes é uma tragédia social e merece atenção, uma vez que o trauma vivido pela vítima é irreversível e muitas vezes afeta o seu desenvolvimento, vindo a ser um possível abusador na vida adulta caso não receba a atenção devida. Por isso a importância de tratar a respeito do assunto, com o objetivo de dar suporte a essas vítimas e entender a origem dessa violência e a aplicação das penalidades ao abusador.

Pelos dados obtidos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2021, os registros de violência sexual contra a infância atingiram 6 mil denúncias, no período entre 1º de janeiro a 12 de maio. De 35 mil denúncias de diversas violências cometidas contra crianças e adolescentes durante esses meses, cerca de 17,5% são de violência sexual.

No Brasil, foi fundada uma associação privada chamada CHILDHOOD com o intuito de proteger à infância e à adolescência tendo foco no enfrentamento do abuso e da exploração sexual contra crianças e adolescentes. Esta associação tem vários veículos de informação e os índices estudados foram retirados do site principal onde é destacada a importância de falar a respeito da violência sexual, alertando as pessoas e informando que este problema existe para dessa forma poder proteger as crianças pois com isto as denúncias aumentam, e consequentemente os agressores são punidos.

A fundação afirma que aproximadamente 80% das denúncias de violência sexual contra as crianças e adolescentes são de abuso sexual. Este abuso trata de um tipo específico de violência sexual trazendo uma característica importante, onde os maiores números de agressores são familiares da vítima.  Além disso, o Ministério Público diz que 88% dos agressores são homens e em relação às vítimas, sabe-se que a maior porcentagem é de meninas. Crianças e adolescentes negros representam a maioria das vítimas de violência sexual, com os dados obtidos entre os anos de 2011 e 2017. Além disso, existem os números de denúncias em que a cor da vítima não foi informada.

Durante a pandemia, houve um aumento nos casos de abuso. O isolamento social fez com que a vítima tivesse um contato maior com o agressor que, com a existência do home office passa mais tempo em casa que o habitual, e não estar frequentando a escola, trouxe mais dificuldade de registrar a denúncia, tendo em vista a instituição educacional ter profissionais capacitados para auxiliar a criança a quebrar o sigilo e denunciar as violências que esteja sofrendo. 

Analisando de forma histórica, existem registros de formas variadas de violências sexuais praticadas na antiguidade, tendo particularidades culturais e temporais.

O autor Ariés (1981 apud Burjaili; Ribeiro, 2007), realça como a infância era vista de forma desvalorizada na história da cultura ocidental, sendo exposta por exemplo à trabalho intenso como uma pessoa adulta. As crianças eram vistas como um sujeito em miniatura, menos inteligentes que o adulto e essa visão fez com que as crianças sofressem inúmeras crueldades e violências, além de não serem consideradas como sujeitos de direitos como atualmente, e hoje as violências cometidas contra essas crianças passou a ser considerado como problema político e questão de saúde pública.

Durante décadas a infância vem sendo alvo de violência onde as crianças estão sujeitas a toda forma de agressão podendo ser psicológica, sexual, física, negligência, além de serem submetidas a situações de abuso de poder, se tornando objeto de maus-tratos.

A violência cometida no ambiente familiar traz discussões em aspectos importantes para serem debatidos, como a situação de poder sobre a vítima que pode fazer com que ela mantenha em segredo os abusos que sofre em casa, e dessa forma não efetua a denúncia. Isto ocorre muitas vezes por medo, receio do que pode acontecer consigo ou com outros membros da sua família caso traga à tona as violências que presencia. A necessidade de falar sobre o assunto verifica-se primeiramente devido ao sofrimento imputado às vítimas, como também dada a violência doméstica,muitas vezes silenciosa, em quese dá a negligência precoce e o abuso sexual, fatores que podem impedir um bom desenvolvimento físico e mental da vítima.

Para Minayo (2006), consiste em violência a prática do uso da força para dominar e provocar danos a outros indivíduos: 

Violência consiste no uso da força, do poder e de privilégios para dominar, submeter e provocar danos a outros indivíduos, grupos e coletividades. A cultura e as formas de solução de conflitos das sociedades determinam quais condutas são mais violentas e quais são menos. (Minayo, 2006).

Essa violência ocorre desde os primórdios nas civilizações antigas, e teve maior visibilidade nos anos 80 onde passou a ser objeto de preocupação do poder público e fonte de pesquisas de diversas áreas. É importante fazer uma passagem histórica da violência para entender a sua origem. 

Odaila (1985, p. 14) afirma que:

uma das condições básicas da sobrevivência do homem, num mundo natural hostil, foi exatamente sua capacidade de produzir violência numa escala desconhecida pelos outros animais.

Dito isto, pode-se observar a existência de uma naturalidade da violência, porém a definição do que seria esta violência se tem a partir de determinada sociedade e em momentos históricos distintos.  

O incesto, por exemplo, era uma prática de imperadores romanos. Autores ressaltam que o imperador romano denominado Tibério demonstrava interesse sexual pelas crianças utilizando-as como objetos para satisfazer seu prazer. Em outras regiões como no Egito o incesto também era tido como algo comum, em que reis peruanos se casavam com suas próprias irmãs. 

A prática do infanticídio, por exemplo, era aceita pelas sociedades antigamente, onde era direito dos pais greco-romanos escolherem aceitar o filho recém-nascido ou renegá-lo, onde este era condenado a morte (Veyne, 1992). 

No decorrer dos anos, este comportamento foi visto pela sociedade como uma prática que deve ser punida, o que demonstra uma conscientização do direito das crianças à vida. 

Em 315-329 d.C. foi desenvolvida na Itália uma lei que sugeria sujeitar as mãos dos pais com o objetivo de afastá-los do infanticídio (Lyman, 1982) e anos depois,em 374 d.C., o infanticídio passou a ser considerado pecado capital, porém fora da alçada política. 

Somente no início do século XII, a Inglaterra promove a primeira lei que considera a morte de crianças por nutrizes ou professores como igual ao homicídio de pessoas adultas.

Sabe-se que na família romana o poder paterno era exercido pelo chefe da família, dessa forma o pai era considerado a autoridade familiar dentro de casa, e como autoridade, exercia poder absoluto sobre os filhos, independentemente de serem maiores ou menores de idade, pois nessa época não havia tal distinção, e dessa forma os filhos eram tratados como objetos. O pai obtinha direito como proprietário da criança. 

Historicamente, o desenvolvimento da infância surgiu apenas no século XX, tendo características e necessidades específicas.  A partir do surgimento da escola a criança passa a ser vista diferente do adulto, e neste momento a infância começa a ser estudada. 

A criação das escolas trouxe algumas mudanças no conceito de infância, porém, as crianças ainda eram vistas como adultos em miniaturas, e a única preocupação das escolas era formar e preparar as crianças para a vida adulta.

Por muito tempo, foi necessário lutar para manter as crianças na escola.  Após a revolução que ocorreu entre XVIII e XIX as crianças voltam a trabalhar como pessoas adultas, deixando as escolas, até que em 1950 passam a conseguir frequentar a instituição novamente.

Diante de todos esses eventos no decorrer dos anos, no século XX, finalmente foi trazida a perspectiva de proteção integral à criança e ao adolescente, trazendo um novo conceito à infância, como é vista atualmente.

1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS NO BRASIL

No Brasil, por muitos anos, os pais eram considerados como autoridade máxima no âmbito familiar, este, tinha o poder de castigar seus filhos a fim de proteger sua autoridade, justificando os castigos como forma de educar as crianças, e caso este castigo viesse a causar a morte de seu filho, o pai não sofreria punição por sua conduta. 

Em 1926 foi produzido o decreto nº 5.083, sendo o primeiro Código de Menores do Brasil, que foi criado com o intuito de cuidar de crianças expostas e abandonadas, e cerca de um ano depois foi substituído pelo Decreto 17.943-A, conhecido como Código Mello Mattos. Com esta nova lei, a família passa a ter o dever de suprir as necessidades básicas das crianças e dos jovens independentes de sua situação econômica. 

A Constituição Federal de 1988 foi um marco muito importante na evolução dos direitos da infância. Esta constituição caracteriza as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, e trouxe a discussão em face do significado da infância e adolescência, pondo fim na visão repressiva que permeava anteriormente. 

No artigo 227 da Constituição destaca que a sociedade e o Estado devem assegurar os direitos dessas crianças. Em 1990 foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069 de 1990, que veio para substituir o Código de Menores criado em 1979.

A aprovação da Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é considerada como uma das maiores conquistas da década de 90 sendo uma legislação reconhecida internacionalmente é vista como uma das mais avançadas no que diz respeito à proteção integral da criança e do adolescente.

O ECA veio com objetivo de assegurar uma vida digna ao cidadão que se encontra em fase de desenvolvimento. O estatuto trouxe intervenção do Estado e da Sociedade.

Pelo conceito de criança expresso no ECA, crianças são as pessoas de 12 anos incompletos, e entre 12 e 18 anos é considerado como adolescente.

Schultz e Barros (2011) definem infância como a fase entre o nascimento e a puberdade, onde existem comportamentos que devem ser compreendidos de maneira a se respeitar as diferentes culturas de determinado tempo e espaço, relacionando ainda com a troca de conhecimentos que se estabelecem entre crianças, adolescentes e adultos. 

O papel da família no desenvolvimento da criança é de suma importância, pois a partir dos primeiros contatos tidos no seu lar obtém sua formação. A criança constrói sua personalidade a partir do conhecimento que adquire nos seus primeiros anos de vida, refletindo em suas relações na escola, na sociedade e depois como pessoa adulta. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem um capítulo em que assegura o direito à convivência familiar e comunitária, onde traz como dever da família, da comunidade e da sociedade em geral além do Poder Público, garantir com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, dignidade, respeito, liberdade e à convivência familiar e comunitária (Brasil, 1990).

A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Este conceito é referente não só a violência cometida dentro de casa, mas sim por quem é cometido, sendo membro da família da vítima. 

A prática utilizada pelos responsáveis da criança, muitas vezes é utilizada com o intuito de “educar”. Dito isto, podemos fazer uma análise ao castigo como direito dos pais para corrigir, e do uso abusivo de práticas violentas com a mesma intenção, porém de forma exagerada. Lembrando que a violência não se constitui apenas na física, abrangendo também a psicológica, com xingamentos, ameaças, dentre outras. 

É importante pontuar e conceituar a negligência tida pelos pais da vítima, sendo esta qualquer ação e omissão dos responsáveis quanto aos cuidados básicos, como a alimentação, o carinho, a atenção, educação, recursos básicos que são importantes para o desenvolvimento saudável da criança.

Tendo dito isto, e entendendo qual o papel dos familiares frente aos jovens e crianças, a violência intrafamiliar tem um ponto que é destacado nesta pesquisa: a violência sexual.

Toda ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou até mesmo a participar de relações sexuais com o uso da força, manipulação e ameaça é considerada como violência sexual. 

A partir de pesquisas e estudos comprovados sabe-se que a violência sexual na maioria das vezes é cometida por alguém que faz parte da sua vida pessoal e até mesmo mora no mesmo lugar que a vítima, e o fato disto acontecer nesse ambiente dificulta muito a investigação e a denúncia do abuso. 

Segundo as denúncias registradas no. Disque 100, em 2015, 48,75% ocorreram na casa da vítima, e em segundo 23,37% na casa do suspeito. 

A família, na sociedade, é o primeiro agente socializador da criança e do adolescente, sendo elemento fundamental no desenvolvimento infanto-juvenil. A partir do momento que os abusos cometidos vêm de dentro de casa, afetam diretamente o desenvolvimento e crescimento desta criança, que por ter vivenciado situações agressivas desde os primeiros anos de idade venha a estimular a possibilidade de na vida adulta reproduzir aquilo que presenciou dentro de casa. Podendo até ser um abusador por conta dos traumas que tivera na infância, e ainda afetar a sua capacidade de interagir socialmente. Esta violência está diretamente ligada com a relação de poder entre os pais e a vítima.

Para Faleiros, (2007) a negligência é o primeiro estágio e o fio da meada das diferentes formas de violências praticadas contra crianças e adolescentes. Quando protegidos, cuidados, amados e respeitados eles dificilmente serão expostos a alguma forma de violência. Os danos e consequências físicas, psicológicas e sociais da negligência sofrida na infância e na adolescência são extremamente graves, pois se configuram como ausência ou vazio de afeto, de reconhecimento, de valorização, de socialização, de direitos (filiação, convivência familiar, nacionalidade, cidadania) e de pleno desenvolvimento. Existem inúmeras formas de negligência, por exemplo, a falta de cuidados com a alimentação, a saúde, a vida escolar; abandono dos pais; negação da paternidade; crianças e adolescentes que assumem responsabilidade de adultos (cuidam de si próprios e/ou de irmãos pequenos), meninos e meninas de rua, sem proteção familiar e comunitária etc.

Os ambientes que naturalmente devem oferecer proteção e abrigo a criança, são considerados âmbito de afeto, e o abuso sexual intrafamiliar ocorre justamente nesse local, em que a vítima mantém uma relação de confiança com o possível abusador, podendo ser alguém da família, no círculo de amizade, ou até mesmo na escola. Sabemos que este tipo de violência acontece com qualquer criança, de todas as classes sociais, e que existe uma hierarquia entre a vítima e o abusador, este que utiliza de seu poder e autoridade para manter o ato em segredo, o que impossibilita a denúncia, e consequentemente a interrupção do abuso.

2. VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. 

Por muitos anos as crianças na sociedade não eram vistas como pessoas vulneráveis e que precisam de uma atenção redobrada e especial, pois eram vistas como adultos miniaturas e menos inteligentes, a infância em si, não existia. Isso fez com que fossem submetidas a trabalhos que não condiz com a sua faixa etária, além de ignorarem a sua vulnerabilidade e entenderem que as crianças tinham o mesmo entendimento das coisas que os adultos. 

A partir da Declaração dos Direitos das Crianças em 1959, passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direito que necessitam de proteção e cuidados especiais, decorrente da sua imaturidade física e mental. 

Mesmo com a existência do ECA, as crianças e os adolescentes ainda sofrem violência intrafamiliar ou extrafamiliar. 

O abuso sexual é responsável por danos sérios a criança, físicos, emocionais e sociais. Este abuso nada mais é que a utilização da sexualidade de cada criança para a prática de qualquer ato de natureza sexual, e o fato de maior parte dos abusos serem cometidos por alguém com quem a vítima mantém uma relação de confiança agrava mais o fato. 

Existe um serviço que foi criado em 1997 pela Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Criança e ao Adolescente (Abrapia), sendo utilizado como instrumento para o enfrentamento contra a violação dos direitos destas crianças. Este serviço nada mais é do que o Disque 100, utilizado como fonte de dados de violências sexuais cometidas a estes seres vulneráveis.

Tratando-se de uma violência contra pessoas com nível de vulnerabilidade maior é interessante analisar a questão de desigualdade, principalmente de gênero e de geração. Esta desigualdade faz com que o abuso sexual infanto-juvenil seja constante. 

As chances de a vítima ser do sexo feminino é consideravelmente superior, tendo uma maior incidência em relação ao sexo masculino, que por mais que sofra abusos também, os números comprovam que os índices são menores. Além disso, muitas vezes o homem não relata o abuso que sofrera, assim como a mulher, o que faz com que o número de denúncias seja menor que a quantidade de casos que realmente acontecem. 

A violência sexual intrafamiliar traz um ponto importante a ser analisado: a síndrome do segredo. Esta síndrome, é reflexo do comportamento do abusador diante da vítima, com o intuito de manter em sigilo os abusos que comete contra a criança. Um exemplo disso é o abuso entre pai e filha (o), onde, após sofrer a violência, o abusador volta a demonstrar o mesmo afeto e cuidado de pai, o que torna a descoberta mais difícil. Este fato, faz com que a vítima se sinta confusa com esta alteração de personalidade, fazendo com que seja difícil para ela acreditar que está realmente sendo abusada. Isto se dá por conta da fase pela qual a vítima está vivendo, pois normalmente o abuso ocorre durante o período que a criança está se desenvolvendo, criando sua personalidade, formando suas idéias e perspectivas. A confusão sentimental que a vítima sofre, dado que o abusador é alguém que tem o dever de proteger e oferecer carinho e afeto faz com que esta não consiga distinguir amor paternal de prazer sexual, causando-lhe inclusive, distúrbios em relação a sua sexualidade. 

Pode-se afirmar que a violência doméstica contra a criança e ao adolescente representa todo ato ou omissão – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico – praticado por pais, parentes ou responsáveis contra as vítimas. Isso implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (Guerra, 1998, p. 32- 33). 

Diferente da violência intrafamiliar, a extrafamiliar ocorre quando o agressor é uma pessoa que não pertence ao convívio da vítima como os familiares, mesmo que esse seja alguém conhecido e com relação próxima à vítima.

Nos casos de violência intrafamiliar pode-se afirmar que o abuso tem maior duração em relação a extrafamiliar podendo durar por mais de anos. Braum (2002) diz que o abusador extrafamiliar cria uma relação com a vítima por meio de brindes, presentes, doce, dinheiro e normalmente ocorre apenas uma vez, já o abusador intrafamiliar usa o seu poder para manipular a vítima, sendo ameaçada para que não revele a agressão.

Além disso, é certo que no abuso intrafamiliar o abusador tem maior acesso a vítima, e o uso do poder sobre a criança causa medo do que pode vir a acontecer quando efetuar a denúncia, tendo em vista que muitas vezes o agressor e a vítima vivem embaixo do mesmo teto. A proximidade entre o abusador e a vítima nestes casos são maiores e a relação de afeto também e é um fator que influencia a reação da vítima ao abuso. 

A criança é um ser vulnerável, e sua fragilidade por conta da idade é utilizada como mecanismo para facilitar a manipulação do agressor a fim de satisfazer seus desejos sexuais. Violência sexual é uma das manifestações mais cruéis existentes de abuso com crianças, adolescentes, e mais frequente no ambiente familiar. 

No âmbito da proteção à infância, profissionais comprometidos com a saúde e com o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes participaram ativamente de um forte movimento em prol da cidadania desse grupo, o que redundou na criação do Estatuto da Criança e da Adolescência (ECA) promulgado em 1990. Hoje existem diversos programas e iniciativas da sociedade e do Estado focados em solucionar esse problema. Um documento importantíssimo da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça com caráter Inter setorial e, portanto, contando com a contribuição do Ministério da Saúde e de profissionais da área, é o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil de 2002. (Minayo, 2006).

Atualmente pelo canal Disque 100, da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos foi registrado um aumento de 68% dos casos de violação sexual contra crianças e adolescentes em 2023, frisando que grande parte ocorre dentro de casa, sendo a escola um dos únicos ambientes em que a vítima se sente segura para contar que está sofrendo algum tipo de violência. A escola se torna um ambiente ideal para a prevenção do abuso, a partir da conversa com a vítima, considerando que ela não pode ter essa mesma confiança com algum familiar. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste trabalho, foi realizada uma pesquisa com o objetivo de estudar o abuso sexual infantil intrafamiliar com foco na evolução histórica acerca dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil e a origem do abuso sexual. No decorrer desse estudo, entende-se que o abuso cometido contra os infanto-juvenis é uma prática que ocorre desde a antiguidade, com aspectos culturais e temporais. 

Existem diversas formas de violência praticadas contra as crianças e adolescentes e isso trouxe a necessidade e importância de falar a respeito do tema, tendo em vista proteger os direitos que no decorrer de tantos anos foram desenvolvidos e criados a fim de garantir a segurança do pleno desenvolvimento dos infantes. 

Um crime silencioso, o abuso sexual quando cometido no seio familiar demonstra um maior entendimento pois em inúmeros casos as vítimas demoram a conseguir quebrar o ciclo da violência, o que gera transtornos nas vítimas irreversíveis e que afetam diretamente o seu desenvolvimento como pessoa. 

Compreender a criação dos direitos da infância implica no reconhecimento de um período histórico em que não eram consideradas como seres que precisavam de cuidados especiais diante da sua vulnerabilidade e falta de capacidade de entendimento por conta de sua idade.

O fato de o agressor estar dentro do ambiente familiar da vítima faz com que o acesso seja maior e a frequência do abuso também. A pesquisa trouxe o quanto este fator dificulta o trabalho de profissionais envolvidos no desenvolvimento integral das crianças que tem o intuito de interromper os abusos cometidos contra a vítima. 

Faleiros (2007), trata a negligência como o primeiro estágio das diferentes formas de violência praticada contra crianças e adolescentes. Seus danos podem ser físicos, psicológicos e sociais e se configura com a ausência ou o vazio de afeto, valorização de direitos e do seu desenvolvimento pleno. 

Importa alertar que o pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes é primordial e a criação de normas que tragam a proteção a esses direitos durante o decorrer dos anos foi importante para garantir a segurança aos infantes frente às diversas violências existentes e que vem sendo cometidas há muitos anos.

Por fim, entende-se que a presente pesquisa não abordou todas as informações que existem acerca do tema, pois trata de um assunto complexo e abrangente que precisa ser analisado de forma minuciosa e estudado por meio de muitas pesquisas, mas é importante falar a respeito para que seja considerado de extrema importância, exigindo um cuidado especial, devendo ser tratado com cautela e sensibilidade, para assim garantir as crianças e adolescentes um desenvolvimento pleno e saudável. 

REFERÊNCIAS

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1E-mail: isabelle.martinshonorato@gmail.com 
UniSalesiano de Lins- Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Direito