THE EVOLUTION OF THE FAMILY IN PRESENT TIMES: THE LIMIT OF SUCCESSION IN THE FACE OF THE RIGHT TO SOCIO-AFFECTIVE PATERNITY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10802628
Jonas Willian Agostinho de Sousa1
Wilton Silva Pessoa2
Giselle Karolina Gomes Freitas Ibiapina3
Jane Karla dos Santos4
Luís Carlos Carvalho de Oliveira5
Geloese Gomes Correia Freitas6
RESUMO
A paternidade socioafetiva tem se tornado cada vez mais presente no ordenamento jurídico brasileiro, representando um avanço significativo na proteção dos direitos das crianças e na consolidação de novos modelos familiares. Este artigo tem como objetivo analisar o reconhecimento da paternidade socioafetiva no contexto jurídico brasileiro, abordando suas bases legais, os critérios utilizados para a sua configuração e os direitos decorrentes dessa relação. Além disso, há casos emblemáticos e decisões judiciais relevantes que demonstram a importância desse instituto na busca pela justiça social e no fortalecimento dos vínculos familiares construídos com base no afeto. A família é uma instituição fundamental na sociedade e, ao longo do tempo, sua configuração tem passado por diversas transformações. A evolução dos conceitos e valores atribuídos à paternidade e maternidade tem desafiado o ordenamento jurídico a se adaptar e reconhecer novas formas de filiação. Nesse contexto, a paternidade socioafetiva tem ganhado destaque como uma realidade que precisa ser abordada pelo sistema jurídico brasileiro. Nesse contexto, será realizada uma abordagem da paternidade socioafetiva, na qual serão expostos os conceitos e origem de família, bem como será feita uma análise da evolução normativa da paternidade socioafetiva no Brasil, ressaltando-se o olhar da doutrina e jurisprudência pátrias. Para tanto, os pesquisadores utilizarão dos métodos de pesquisa histórico e documental
PALAVRAS-CHAVE: Família; evolução; paternidade socioafetiva; limites; ordenamento jurídico pátrio.
ABSTRACT
Socio-affective paternity has become increasingly present in the Brazilian legal system, representing a significant advance in the protection of children’s rights and the consolidation of new family models. This article aims to analyze the recognition of socio-affective paternity in the Brazilian legal context, addressing its legal bases, the criteria used for its configuration and the rights arising from this relationship. Furthermore, there are emblematic cases and relevant court decisions that demonstrate the importance of this institute in the search for social justice and in strengthening family bonds built on affection. The family is a fundamental institution in society and, over time, its configuration has undergone several transformations. The evolution of concepts and values attributed to paternity and motherhood has challenged the legal system to adapt and recognize new forms of filiation. In this context, socio-affective paternity has gained prominence as a reality that needs to be addressed by the Brazilian legal system. In this context, an approach to socio-affective paternity will be carried out, in which the concepts and origin of family will be exposed, as well as an analysis of the normative evolution of socio-affective paternity in Brazil, highlighting the perspective of national doctrine and jurisprudence. To this end, researchers will use historical and documentary research methods
KEYWORDS: Family; evolution; socio-affective paternity; Limits; national legal system.
1. INTRODUÇÃO
A paternidade socioafetiva é um fenômeno presente na sociedade contemporânea que desafia as concepções tradicionais de filiação baseadas exclusivamente na relação biológica. Esse tipo de paternidade refere-se ao vínculo construído entre uma pessoa e uma criança, pautado no afeto, no cuidado, na convivência e na responsabilidade, independentemente dos laços consanguíneos. Diante dessa realidade social, o ordenamento jurídico brasileiro vem reconhecendo cada vez mais os casos de paternidade socioafetiva, garantindo a proteção dos direitos e o estabelecimento de vínculos jurídicos entre pais e filhos não biológicos.
Assim, o reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro representa uma evolução na concepção de filiação, garantindo a igualdade de direitos entre filhos biológicos e não biológicos. A afetividade e o cuidado são reconhecidos como elementos essenciais na formação dos vínculos familiares, superando a ideia de que a paternidade se limita à relação biológica. Esse reconhecimento fortalece as relações de afeto e promove uma sociedade mais inclusiva, na qual o amor e o cuidado são reconhecidos como valores fundamentais na formação das crianças.
Em face da importância dessa temática para a sociedade brasileira, resolveu se abordar a questão da paternidade socioafetivo, iniciando com a questão do conceito e origem de família, assim como apreciar a evolução, normatização e implicações e limites da paternidade referida na sociedade contemporânea
2. FAMÍLIA: CONCEITO E ORIGEM
A família é um grupo social fundamental que consiste em pessoas relacionadas por laços de parentesco, casamento ou adoção, que compartilham uma residência comum e se envolvem em interações emocionais, econômicas e sociais significativas. O conceito de família é culturalmente relativo e varia de uma sociedade para outra. Na maioria das sociedades ocidentais, a família nuclear, composta por um casal e seus filhos, é a forma predominante de família.
A origem da família é difícil de determinar, pois a estrutura e a dinâmica familiar evoluíram ao longo do tempo e variam de acordo com o contexto cultural. No entanto, acredita-se que a família tenha se desenvolvido como uma resposta às necessidades humanas básicas de sobrevivência, segurança e reprodução. As primeiras formas de família foram baseadas em laços biológicos, com pais e filhos vivendo juntos para garantir a sobrevivência da espécie.
Segundo Carvalho (2015, p. 54),
A Constituição Federal, ao eleger como princípio a liberdade de planejamento familiar e o pluralismo das entidades familiares, sem distinção ou hierarquia, todas merecedoras de proteção estatal, alargou o conceito de família, que não ocorre mais apenas no modelo jurídico do casamento, que se constitui previamente pela celebração, ou na filiação biológica. Também se constitui pela situação de fato, consistente na convivência socioafetiva, no querer recíproco de seus membros nucleares em ser família, de desenvolver um projeto de vida comum, independentemente de qualquer ato formal de constituição. (CARVALHO, 2015, p. 54).
Destarte, com o tempo, a família evoluiu para além de sua função biológica e tornou-se um grupo social com uma variedade de funções, incluindo a socialização das crianças, a transmissão de valores culturais e a organização da vida cotidiana. A forma e a função da família continuam a mudar e evoluir ao longo do tempo, refletindo mudanças nas normas sociais, econômicas e políticas.
A família também pode incluir outros membros, como avós, tios, primos e outros parentes que vivem juntos ou mantêm relações próximas.
A origem da família é um tema complexo e controverso, mas acredita-se que a instituição da família tenha evoluído ao longo do tempo como uma resposta às necessidades humanas básicas, como proteção, nutrição e reprodução. Acredita-se que a família tenha se originado nas sociedades tribais, onde as relações familiares eram fundamentais para a sobrevivência da comunidade. Com o tempo, a instituição da família se expandiu para além das relações consanguíneas e começou a incluir relações baseadas no casamento e em outras formas de união. (Morgan,1877).
Atualmente, a família é considerada a unidade básica da sociedade, com diversos tipos de configurações familiares, incluindo casais sem filhos, famílias monoparentais, famílias recompostas e outras. A família desempenha um papel fundamental na transmissão de valores, tradições e cultura de uma geração para outra, além de fornecer apoio emocional e material aos seus membros.
A origem da família é um tema que tem sido estudado por antropólogos e sociólogos há muitos anos. Algumas teorias sugerem que a família surgiu como uma forma de proteção e sobrevivência no início da história humana. Outros argumentam que a família evoluiu como uma forma de organização social para garantir a continuidade da espécie. (MONTEIRO, 2012.)
Independentemente da sua origem, a família tem sido uma parte importante da vida humana ao longo da história. Além de fornecer proteção e apoio emocional, a família é uma fonte de aprendizado e transmissão de valores culturais. A família também é responsável por transmitir conhecimentos e habilidades, bem como por garantir a transmissão do patrimônio familiar.
Durante a antiguidade, a família era vista como uma unidade econômica, tendo como principal objetivo a produção e reprodução dos bens materiais. Na Grécia Antiga, por exemplo, a família era composta pelo chefe de família, sua esposa, filhos e escravos.
Com o passar do tempo, a família se tornou uma unidade afetiva, na qual as relações entre seus membros passaram a ser mais valorizadas do que as questões econômicas. Na Idade Média, a família passou a ser vista como um núcleo importante para a transmissão de valores morais e religiosos, quanto aos valores religiosos, o casamento era visto como instituição sagrada era na verdade um dogma da religião doméstica. De fato, a religião desempenhava um papel central na vida das pessoas naquele período, e muitos aspectos da vida familiar estavam ligados à prática religiosa e à moral cristã. (HUIZINGA, 2015).
Segundo Dias (2011),
A histórica disputa entre igreja e Estado em matéria matrimonial é que empresta tanto prestígio à solenidade religiosa do casamento. É tal a importância conferida ao casamento religioso, que, de modo para lá de injustificável, a própria Constituição admite efeitos civis a este ato (CF 226 § 2.º). (DIAS, 2011, p. 24)
Assim, sendo inegável que na Modernidade, a família tem passado por diversas transformações, principalmente a partir da Revolução Industrial, que desestruturou as relações familiares ao separar o espaço de trabalho do espaço doméstico. Além disso, a família passou a ser influenciada por questões legais, como o casamento civil e o divórcio.
Atualmente, a família é vista como uma unidade social dinâmica, que pode ser formada por diferentes configurações, como a família nuclear (pai, mãe e filhos), a família monoparental (um dos pais com os filhos), a família recomposta (com a presença de padrastos, madrastas e/ou meio-irmãos), entre outras.
2.1 A família diante do Direito Romano
No Direito Romano, a família era uma instituição central e fundamental, que tinha como objetivo principal a preservação e a continuidade do patrimônio e da linhagem dos membros da família. A família romana era composta pelo paterfamilias, que era o chefe da família e possuía poder absoluto sobre seus dependentes, incluindo filhos, filhas, netos, escravos e libertos. (SARTI, 2004).
O paterfamilias tinha o direito de vida e morte sobre seus dependentes e podia determinar os casamentos, divórcios e adoções dentro da família. Além disso, ele era responsável por gerir o patrimônio e os negócios da família, bem como por representá-la perante as autoridades.
No Direito Romano, existiam diversas formas de constituição da família, sendo as principais a família agnática e a família cognática. A família agnática era formada pelo paterfamilias, seus filhos e netos do sexo masculino e seus ascendentes do sexo masculino, enquanto a família cognática incluía também as mulheres e seus descendentes. (SANTOS JUSTO, A, 2021).
Segundo Gonçalves, (2018), afirma que:
Durante a Idade Média as relações de família regem-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido. Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante influência no tocante ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a crescente importância de diversas regras de origem germânica (GONÇALVES, 2018, p. 32).
A partir do século III d.C., com as transformações políticas e sociais do Império Romano, a família foi perdendo importância como instituição jurídica e dando lugar ao individualismo e à propriedade privada. Com o tempo, a estrutura da família romana foi se modificando, e novas formas de família surgiram, como a família cristã, baseada no casamento monogâmico e na fidelidade conjugal.
A família romana era organizada sob a figura do “pater famílias”, que era o chefe da família, detentor do poder absoluto sobre todos os seus membros, incluindo a esposa, os filhos, os escravos e até mesmo os parentes mais distantes. O pater familias era responsável por garantir a continuidade da linhagem e pelo patrimônio da família.
O Direito Romano também estabelecia regras para o casamento, o divórcio, a adoção e a herança, que eram todos assuntos de interesse da família. O casamento era visto como um contrato solene entre duas famílias, e a mulher passava a fazer parte da família do marido, perdendo sua condição de cidadã romana. Já a adoção era uma forma de perpetuar a linhagem familiar, permitindo que um homem sem filhos pudesse adotar um herdeiro para continuar o seu nome e o seu patrimônio. CALVANTE, Márcio André Lopes. 2018).
Além disso, o Direito Romano também estabelecia a responsabilidade da família pelo comportamento de seus membros. Se um membro da família cometesse um crime, a família como um todo poderia ser punida pelo Estado. Isso incentivava a manutenção da ordem e da moralidade dentro da família.
Portanto, para o Direito Romano, a família era uma instituição central na sociedade, regulamentada por diversas leis e costumes que buscavam garantir a sua estabilidade e continuidade ao longo das gerações. Luiz Edson Fachin, (1999), em sua obra Elementos Críticos do Direito de Família, assim dispõe:
A família como fato cultural, está antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico. Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades de convivência. Na cultura, na história, prévia a códigos e posteriores a emoldurações. No universo jurídico, trata-se mais de um modelo de família e de seus direitos. Vê-la tão só na percepção jurídica do Direito de Família é olhar menos que a ponta de um “iceberg”. Antecede, sucede e transcende o jurídico, a família como fato e fenômeno. (FACHIN, 1999, p. 14)
Em geral, e fazendo uma breve análise do que fora citado por Fachin, fica compreendido que a família romana era uma instituição patriarcal e hierárquica, em que o pater familias tinha amplos poderes sobre seus membros, e, assim prossegue se até os dias atuais a transcendência e o fenômeno familiar. Essa visão da família influenciou o desenvolvimento do Direito Civil Ocidental, inclusive em países como o Brasil, onde a figura do chefe de família deteve poderes até a promulgação do Código Civil de 1916.
2.2 A inserção do afeto no seio familiar
Nas últimas décadas, houve uma mudança significativa na concepção de família. A visão tradicional, centrada na consanguinidade e no casamento, tem sido ampliada para abranger outras formas de vínculos afetivos. Hoje, compreende-se que o afeto desempenha um papel fundamental na constituição e manutenção das relações familiares saudáveis. A valorização do afeto e a adoção de práticas que promovam um ambiente afetivamente rico podem fortalecer os laços familiares e proporcionar um suporte emocional significativo para todos os membros da família.
O afeto desempenha um papel crucial na formação da identidade individual e familiar. O amor, o carinho, o respeito e a compreensão mútua fortalecem os laços entre os membros da família, proporcionando um ambiente de segurança emocional. Esses vínculos afetivos contribuem para o desenvolvimento saudável e equilibrado de cada indivíduo, promovendo o bem-estar familiar como um todo.
A possibilidade de estabelecer vínculos familiares com base no afeto e no cuidado, independentemente dos laços biológicos, permite que as relações familiares sejam construídas de forma mais ampla e inclusiva. No entanto, é fundamental que os casos de paternidade socioafetiva sejam analisados com cautela e considerando sempre o melhor interesse da criança, garantindo que seus direitos e necessidades sejam preservados. A jurisprudência e a legislação brasileiras têm avançado nesse sentido, reconhecendo a importância e a validade das relações de afeto na constituição familiar. (TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. 2012).
O reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro ocorre em diferentes esferas. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, reconheceu, em diversas ocasiões, a possibilidade de afeto e cuidado estabelecerem a filiação, mesmo sem vínculo biológico. Essa posição foi consolidada no julgamento da ADI 4.2776 e da ADPF 1327, em 2011, que garantiram o direito à multiparentalidade.
Além disso, o Código Civil de 2002 também abriu espaço para o reconhecimento da paternidade socioafetiva. O artigo 1.593 estabelece que “o parentesco é natural ou civil, conforme resultado de consanguinidade ou outra origem“. Isso significa que a paternidade socioafetiva é reconhecida como uma origem válida de parentesco, equiparando-a à consanguinidade.
3. PRESSUPOSTOS E EVOLUÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A paternidade socioafetiva é um conceito relativamente recente que se refere à relação de paternidade baseada no afeto, na convivência e no amor, independentemente de laços biológicos ou jurídicos. Essa forma de paternidade foi reconhecida pela primeira vez pelo Judiciário brasileiro em 1994, em um caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Nas palavras de Ricardo Lucas Calderon (2017):
Parece possível sustentar que o Direito deve laborar com a afetividade e que sua atual consistência indica que se constitui em princípio no sistema jurídico brasileiro. A solidificação da afetividade nas relações sociais é forte indicativo de que a análise jurídica não pode restar alheia a este relevante aspecto dos relacionamentos. A afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na Constituição, explícito e implícito no Código Civil e nas diversas outras regras do ordenamento. (CALDERON, 2017, p. 413)
Diante do exposto a paternidade socioafetiva tem sido cada vez mais reconhecida e valorizada pelo Direito brasileiro, que passou a considerar a importância da relação afetiva entre pais e filhos como um dos principais critérios para a determinação da filiação, juntamente com a filiação biológica e a filiação jurídica. O reconhecimento da paternidade socioafetiva como uma forma legítima de paternidade se deve a diversos fatores, como a mudança de valores e de concepções acerca da família e das relações parentais, a evolução da biotecnologia e das técnicas de reprodução assistida, e a crescente conscientização dos direitos da criança e do adolescente.
Atualmente, a legislação brasileira reconhece a paternidade socioafetiva como uma forma de filiação, e permite que pais e filhos estabeleçam laços de paternidade com base no afeto e na convivência, mesmo sem vínculo biológico ou jurídico. Isso significa que um pai ou uma mãe que convive com um filho, ainda que não seja o pai biológico ou não tenha adotado a criança, pode ser reconhecido legalmente como pai ou mãe socioafetivo(a), desde que sejam comprovados os vínculos afetivos entre eles. (CHAVES, 2005).
O reconhecimento da paternidade socioafetiva é importante porque permite que crianças e adolescentes tenham direito a uma convivência familiar saudável e afetiva, independente de questões biológicas ou jurídicas, e que pais e filhos possam exercer plenamente seus direitos e deveres na sociedade.
No Brasil, a paternidade socioafetiva começou a ganhar reconhecimento jurídico a partir da década de 1990, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabeleceram o princípio da prioridade absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes e reconheceram a importância do afeto na formação da família.
A partir daí, o Poder Judiciário passou a reconhecer a paternidade socioafetiva como uma forma legítima de parentalidade, mesmo em casos em que não há laços biológicos entre pai e filho. Isso permitiu que muitas crianças e adolescentes passassem a ter acesso a direitos como herança, pensão alimentícia, guarda e convivência familiar.
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF)8 reconheceu por unanimidade, a possibilidade de dupla paternidade ou dupla maternidade em casos de reprodução assistida, permitindo que tanto o pai biológico quanto o socioafetivo possam ter seus nomes registrados na certidão de nascimento da criança.
Além disso, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que estabelece que a paternidade socioafetiva pode ser reconhecida por meio de escritura pública, dispensando a necessidade de processo judicial. Com isso, fica mais fácil para pais e filhos formalizarem o vínculo socioafetivo perante a lei.
Em resumo, a evolução da paternidade socioafetiva no Brasil foi resultado de uma mudança de paradigma em relação ao papel do afeto na formação da família e da proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, que permitiu que laços de amor e cuidado pudessem ser reconhecidos e protegidos juridicamente.
3.1 Solução Jurídica e socioafetividade
O ECA estabelece que a criança e adolescente têm direito à convivência familiar e comunitária, e reconhece a paternidade e a maternidade socioafetivas como formas legítimas de constituição da família. Em 2002, foi promulgada a Lei nº 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil Brasileiro e reconheceu a paternidade socioafetiva como uma forma de filiação, conforme o artigo 1.593, estabelecendo que a filiação pode ser biológica ou socioafetiva, e que o parentesco pode decorrer de outras origens, além da consanguinidade.
A jurisprudência brasileira também tem evoluído no sentido de reconhecer a paternidade socioafetiva e conceder direitos aos filhos que são criados por um pai ou mãe socioafetivos. Hoje, é possível que um pai ou mãe socioafetivos adotem formalmente a criança e, assim, assumam todas as responsabilidades e direitos decorrentes da filiação.
Como leciona Paulo Lôbo (2009):
O reconhecimento voluntário é ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. Na classificação dos atos jurídicos, constitui ato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu, porque, ao contrário do negócio jurídico, seus efeitos são predeterminados pela lei, não podendo ser estipulados livremente pelas partes. O ato de reconhecimento, no direito brasileiro atual, além de personalíssimo, apresenta as características da voluntariedade, irrevogabilidade, incondicionalidade. (PAULO LÔBO, 2009, p. 232)
De tal definição extrai-se o dever de uma das soluções jurídicas mais utilizadas, sendo essa a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, que permite que a criança tenha mais de um pai ou mãe legal. Nesse caso, é possível reconhecer tanto a paternidade biológica quanto a paternidade socioafetiva, desde que a convivência com ambos os pais seja comprovada e considerada no melhor interesse da criança. A partir do reconhecimento da paternidade socioafetiva, é possível encontrar soluções jurídicas que garantam os direitos da criança ou adolescente, tais como o direito à pensão alimentícia, ao convívio familiar, à herança e à sucessão, entre outros. Por exemplo, uma criança que foi criada por um padrasto ou madrasta, que não possui vínculo biológico com ela, pode ter garantido o direito a uma pensão alimentícia em caso de separação dos pais, desde que comprovada a relação de afeto e cuidado estabelecida entre eles.
3.2 Concomitância familiar
Concomitância familiar é um termo utilizado para se referir à existência de mais de um vínculo de filiação simultaneamente em uma família. Isso ocorre quando uma criança ou adolescente tem mais de um pai ou mãe, seja biológico ou socioafetivo, ou quando há adoção por parte de um dos cônjuges de filhos já existentes em um relacionamento anterior.
A concomitância familiar pode gerar algumas questões jurídicas complexas, especialmente no que diz respeito à definição de responsabilidades e direitos em relação à criança ou adolescente. É preciso garantir que todos os pais ou mães envolvidas exerçam suas responsabilidades com equilíbrio e de forma harmoniosa, para que a criança ou adolescente tenha acesso a uma estrutura familiar saudável e afetiva. Ivan Roberto (2012).
No Brasil, a legislação reconhece a possibilidade de existência de mais de um vínculo de filiação, tanto biológico quanto socioafetivo. Isso significa que a criança ou adolescente pode ter mais de um pai ou mãe legalmente reconhecidos, com todos os direitos e deveres que isso implica.
A concomitância familiar também pode ser vista como uma forma de valorização da diversidade de formas de constituição familiar, reconhecendo que uma família pode ser formada de diferentes maneiras e que todas elas podem oferecer afeto, cuidado e proteção a uma criança ou adolescente. É importante que o Direito esteja atento a essa realidade e busque soluções jurídicas que garantam os direitos e bem-estar das crianças e adolescentes que vivem em famílias com mais de um vínculo de filiação.
4. EVOLUÇÃO SOBRE O RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE OS CASOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
O conceito de paternidade socioafetiva surge como resultado da evolução dos valores sociais e da compreensão da importância do afeto e do cuidado na relação entre pais e filhos. Historicamente, o Direito sempre se baseou na filiação biológica para estabelecer direitos e deveres, mas com o passar do tempo e a mudança de paradigmas sociais, houve a necessidade de reconhecer juridicamente os vínculos construídos pela afetividade.
Para a filosofia, nos termos de Abbagnano (2007), o afeto nada mais é do que:
As emoções positivas que se referem a pessoas e que não têm o caráter dominante e totalitário da paixão (v.). Enquanto as emoções podem referir-se tanto a pessoas quanto a coisas, fatos ou situações, os A. constituem a classe restrita de emoções que acompanham algumas relações interpessoais (entre pais e filhos, entre amigos, entre parentes), limitando-se à tonalidade indicada pelo adjetivo “afetuoso”, e que, por isso, exclui o caráter exclusivista e dominante da paixão. Essa palavra designa o conjunto de atos ou de atitudes como a bondade, a benevolência, a inclinação, a devoção, a proteção, o apego, a gratidão, a ternura etc., que, no seu todo, podem ser caracterizados como a situação em que uma pessoa “preocupa-se com” ou “cuida de” outra pessoa ou em que esta responde, positivamente, aos cuidados ou à preocupação de que foi objeto. O que comumente se chama de “necessidade de A “é a necessidade de ser compreendido, assistido, ajudado nas dificuldades, seguido com olhar benévolo e confiante”. Nesse sentido, o A. não é senão uma das formas do amor. (ABBAGNANO, 2007, p. 22)
Afirmar, portanto, o princípio da afetividade como garantia fundamental, o ordenamento jurídico brasileiro, reconhece a paternidade socioafetiva que ganhou destaque com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabelece a igualdade de direitos entre filhos biológicos e adotivos. Além disso, o Código Civil de 2002 trouxe dispositivos que permitem o reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva, bem como a possibilidade de adoção por parte de pessoas que já mantêm vínculos afetivos com a criança.
Os tribunais brasileiros têm desempenhado um papel fundamental na proteção e no reconhecimento da paternidade socioafetiva. Por meio de decisões judiciais, têm sido reconhecidos os direitos paternos e filiais decorrentes desse tipo de vínculo, garantindo a igualdade de tratamento e a segurança jurídica para as famílias formadas por afeto.
A jurisprudência brasileira tem se orientado no sentido de considerar a afetividade como elemento essencial para a configuração da filiação, superando a visão estritamente biológica. Dessa forma, mesmo nos casos em que existe a relação de parentesco biológico, é possível reconhecer a paternidade socioafetiva quando comprovada a existência de vínculos afetivos sólidos e duradouros entre pais e filhos. (FACHIN, Luiz Edson. 1992).
O reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva traz consigo uma série de consequências legais e repercussões sociais. Do ponto de vista legal, permite o estabelecimento de direitos e deveres entre pais e filhos, tais como alimentos, herança, guarda, entre outros. Além disso, as crianças que têm sua paternidade socioafetiva reconhecida têm o direito de conviver, ser cuidadas e receber amor e proteção de seus pais não biológicos, o que pode se configurar como o preço da dignidade humana, é o que C. Ramos, (2017), leciona sobre a dignidade humana:
A dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência. Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc. (C. RAMOS, 2017, p. 76)
Ressalta-se que no âmbito social, o reconhecimento da paternidade socioafetiva fortalece a ideia de que a filiação vai além dos laços de sangue, valorizando o papel do afeto e do cuidado na formação da identidade e no desenvolvimento das crianças. Essa compreensão contribui para uma sociedade mais inclusiva e respeitosa, reconhecendo e valorizando diferentes formas de constituição familiar de maneira humana determinada por princípios.
4.1 Direitos decorrentes da paternidade socioafetiva
O reconhecimento da paternidade socioafetiva encontra respaldo em diferentes fundamentos legais no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 estabelece a igualdade entre filhos biológicos e adotivos, garantindo a proteção integral da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também assegura o direito à convivência familiar e comunitária, reconhecendo a importância dos vínculos afetivos para o desenvolvimento saudável dos menores.
Além disso, o Código Civil brasileiro prevê a possibilidade de reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva, bem como a sua conversão em adoção plena. A configuração da paternidade socioafetiva não se baseia em critérios objetivos, como o vínculo biológico, mas sim em elementos subjetivos que evidenciam a construção de um vínculo afetivo e o exercício da parentalidade. Dentre os critérios utilizados pelos tribunais para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, destacam-se: a posse do estado de filho, o tratamento socioafetivo dispensado ao menor, a convivência familiar duradoura e o exercício de deveres e direitos inerentes à paternidade.
O reconhecimento da paternidade socioafetiva traz consigo uma série de direitos e deveres tanto para o pai quanto para o filho. Neste contexto, é fundamental compreender os direitos decorrentes dessa paternidade, garantindo a proteção e o bem-estar de todos os envolvidos, portanto, destaca-se a importância desses direitos no contexto jurídico e social contemporâneo, ressaltando a necessidade de uma abordagem inclusiva e equitativa. O avanço na compreensão e no reconhecimento da paternidade socioafetiva contribui para a construção de uma sociedade mais justa e acolhedora para todas as formas de família. (Gagliano, 2021a).
O filho socioafetivo passa a ter direito a alimentos, herança, nome, registro de nascimento e inclusão no plano de saúde, por exemplo. Já o pai socioafetivo assume os deveres de sustento, guarda, educação e proteção do filho, além do direito de participar da vida do menor e de tomar decisões que lhe dizem respeito. Desta forma Farias e Rosenvald (2015, p. 636), afirmam que a “filiação socioafetiva decorre da convivência cotidiana, de uma construção diária, não se explicando por laços genéticos, mas pelo tratamento estabelecido entre pessoas que ocupam reciprocamente o papel de pai e filho, respectivamente”.
Ao longo dos anos, diversos casos emblemáticos e decisões judiciais ganharam repercussão na mídia e no meio jurídico, contribuindo para o reconhecimento e a consolidação da paternidade socioafetiva no Brasil. Destaca-se o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário 898.0609, em 2017, no qual foi reconhecida a multiparentalidade, permitindo que um indivíduo tenha dois pais ou duas mães no registro civil. Essa decisão representou um avanço importante na proteção dos direitos das crianças e no reconhecimento das famílias plurais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro representa um avanço significativo na proteção dos direitos das crianças e na consolidação de novos modelos familiares pautados no afeto. A possibilidade de reconhecer juridicamente os laços de afetividade e cuidado entre pais e filhos, independentemente dos vínculos biológicos, fortalece o princípio da dignidade humana e contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. No entanto, é fundamental que haja uma maior conscientização e divulgação dos direitos e deveres decorrentes da paternidade socioafetiva, assim como o aprimoramento das políticas públicas e da atuação dos órgãos judiciais para garantir a efetiva proteção desses direitos.
Apesar dos avanços na jurisprudência e na legislação brasileira, ainda existem desafios a serem enfrentados no reconhecimento pleno da paternidade socioafetiva. É necessário um maior debate e conscientização sobre o tema, tanto no meio jurídico quanto na sociedade em geral, a fim de eliminar preconceitos e estereótipos que possam dificultar o reconhecimento dessas relações familiares.
Além disso, é importante que o sistema jurídico continue evoluindo e adaptando-se às mudanças sociais, garantindo a igualdade de tratamento entre filhos biológicos e socioafetivos. A promoção de políticas públicas e a capacitação dos profissionais do direito são medidas essenciais para assegurar a proteção dos direitos das crianças e a consolidação da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro.
6Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em conhecer da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, e julgá-la em conjunto com a ADI 4277, por votação unânime.
7Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família
8O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio.
9O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Graduando em Direito, pela Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail:
2Graduando em Direito, pela Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail:
3Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora do Curso de Direito da Faculdade de Tecnologia de Teresina (CET/PI). Assessora Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. CV: http://lattes.cnpq.br/4928110234711759. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7518-7453. Email:giselle.f.ibiapina@gmail.com.
4Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Professora de Direito da Faculdade CET. https://orcid.org/0000-0003-1276-9426. E-mail: professor21@cet.edu.br
5Graduado em Ciências Sociais. Especialista em Gestão de Sistemas Educacionais. Mestre em Educação. Doutor em Educação. Professor da Faculdade CET. CV: https://lattes.cnpq.br/1647240795355981
6Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidade do Museu Social da Argentina.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
Coordenadora dos cursos de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade CET.
Professora de ensino superior.