REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411011527
Suzana Maria Ferreira1
Davi da Costa Almeida2
RESUMO
Ao longo da história as pessoas com deficiência encararam inúmeros obstáculos para serem integradas e incluídas na sociedade, obstáculos estes que ficaram mais evidentes com a vida escolar. A criança não sente diretamente sua deficiência, mas, a dificuldade decorrente dela. Sobre as pessoas com deficiência intelectual foi e continua sendo necessário pensar e (re)pensar a maneira como são definidas, considerando especialmente que a nomenclatura hoje conhecida como deficiência intelectual variou ao longo dos tempos. A pessoa com deficiência intelectual apresenta uma condição clínica caracterizada por limitações evidentes no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, este último expresso como habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. No campo educacional, a constatação de um quadro de Deficiência Intelectual se constitui, em geral, como um desafio para a educação escolar. Dentro desse contexto se delineia o problema que atravessa essa pesquisa, ou seja, quais são as práticas e recursos pedagógicos efetivos para que se concretize a escolarização de alunos com deficiência intelectual na contemporaneidade? Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo investigar as práticas pedagógicas e recursos didáticos para a inclusão de alunos com Deficiência Intelectual.
Palavras-chave: Deficiência Intelectual, Escolarização, Práticas Pedagógicas.
1. INTRODUÇÃO
O ser humano e a sociedade em geral enfrentam grandes dificuldades para conviver com o que é diferente. Determinadas categorias não se enquadram dentro de padrões estabelecidos, em que essas são tidas como divergentes e colocadas a margem do processo social. Nesse sentido, os ditos “divergentes” são estigmatizados como excepcionais por não atenderem à critérios e parâmetros criados pelo mundo social. Conviver com a diferença exige conhecer o outro e suas limitações, precisa-se mudar os paradigmas vigentes. A diferença é algo inerente à condição humana e à relação entre as pessoas. O paradigma da inclusão das pessoas com deficiência, baseia-se, entre outros, em princípios como a valorização do indivíduo, a aceitação das diferenças e a cooperação.
Por conseguinte, ao longo da história, as pessoas com deficiência encararam inúmeros obstáculos para serem integradas e incluídas na sociedade. Tais obstáculos ficaram mais evidentes com a vida escolar, pois, a criança não sente diretamente sua deficiência, mas, a dificuldade decorrente dela. Dificuldade que no âmbito escolar se torna um desafio para a criança e todos os profissionais da escola. Com relação às pessoas com deficiência intelectual, encontramos nos estudos de Vygotsky, sobre a Formação Social da Mente, que muitos admitem que “a mente da criança contém todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual; eles existem já na sua forma completa, esperando o momento adequado para emergir” (Vygotsky, 1998, p. 32).
Nessa perspectiva, as pessoas com deficiência intelectual, o próprio conceito de deficiência intelectual, ao longo da história, teve várias definições e redefinições que permearam o debate histórico, sobretudo o acesso desses indivíduos à educação. A história das deficiências atravessa, de um lado, como na Antiguidade, pessoas com deficiência que chegaram a ser divinizadas no Egito ou eram tidas como Oráculos dos deuses na Grécia, e, por outro lado, pessoas com deficiência que “foram consideradas subumanas em Esparta e Atenas, o que legitimava sua eliminação e seu abandono” (Capellini; Machado; Sade, 2012, p. 158). À medida que as sociedades avançavam, as definições e redefinições foram se alterando em função do conhecimento científico, das mudanças sociais e políticas, e do movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Assim, a integração e inclusão de crianças com deficiência intelectual se tornaram uma questão pertinente que foi se desdobrando dentro das sociedades através das lutas sociais e políticas em defesa das pessoas com deficiência. A integração escolar se fundamentou em pesquisas, onde mostraram um efeito positivo não somente nas atitudes dos estudantes com deficiência intelectual, mas, também naqueles ditos normais. A esses estudantes novas possibilidades foram abertas e uma participação real e efetiva como elementos ativos e produtivos da sociedade foi possível. Portanto, uma vez integrados, para garantir que a inclusão ocorra e continue a ocorrer de fato, fizeram-se necessárias várias ações sociais, políticas, legais, pedagógicas, etc., que atendessem às necessidades específicas das crianças e das pessoas com deficiência intelectual.
No caso do Brasil, os marcos históricos principais, mais modernos e contemporâneos que se refletiram política, social e educacionalmente falando e etc., partem da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996. Bem como da publicação da “Política Pública de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, publicada pelo Ministério da Educação em 2008 e do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), publicado em 2015. Assim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, assegura e promove, no seu art. 1ª, “condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil, 2019,p. 8). Nessa perspectiva de garantir a inclusão social das pessoas com deficiência, inclui-se a garantia dos alunos com necessidades educacionais especiais, pois, não se espera que estes alunos se integrem por si mesmos, mas que os ambientes sociais, principalmente o educacional, se transformem para possibilitar essa inserção, ou seja, estejam devidamente preparados para receber a todas as pessoas, indistintamente.
Dentro desse contexto se delineia o problema que atravessa essa pesquisa, ou seja, quais são as práticas e recursos pedagógicos efetivos para que se concretize a escolarização de alunos com deficiência intelectual na contemporaneidade? Como tais práticas e recursos surgiram e como podemos utilizá-los? Como as escolas precisam se adaptar e se readaptar para receber os alunos com deficiência intelectual? Dessa forma, é necessário a compreensão que para que as escolas possam acolher a diversidade do alunado, reconhecendo e valorizando as diferentes capacidades, competências, habilidades que existem em uma sala de aula, elas precisam ser revistas inteiramente e mudar suas práticas usuais, que são marcadas ainda pelo conservadorismo e pela discriminação.
Muitas escolas ainda são excludentes e inadequadas para o alunado com deficiência intelectual que já temos hoje inserido no ambiente escolar, suas práticas e recursos são obsoletos. Em todos os seus níveis educacionais, a escola deve oportunizar práticas pedagógicas e recursos didáticos que atendam as especificidades de cada aluno. É necessário repensar as práticas, ressignificá-las e pensar em instrumentos que venham a promover o aprendizado do aluno, principalmente, do aluno com deficiência intelectual. Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivos investigar as práticas pedagógicas e recursos didáticos para a inclusão de alunos com Deficiência Intelectual; analisar as dificuldades pedagógicas e os desafios enfrentados pelos professores para a realização de atividades com alunos com Deficiência Intelectual, identificando os recursos pedagógicos e a didática na perspectiva da acessibilidade.
Nossa metodologia de pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, com revisão bibliográfica de cunho teórico, descritivo e interpretativo sobre as concepções de práticas e recursos pedagógicos para o acolhimento as crianças com deficiência intelectual.
2. HISTORICIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Ao longo do desenvolvimento do homo sapiens, das transições e revoluções históricas e técnicas pelas quais passou as pessoas com deficiência tiveram vários destinos diferentes. Quando os homens ainda eram nômades, antes da revolução da agricultura e da formação dos impérios da antiguidade, de acordo com Gouvêa, Garcia e De Oliveira:
A cerca de 10 mil anos atrás iniciou-se a nova idade da pedra, sendo que os homens começaram a produzir suas próprias ferramentas de pedra e começaram também a cultivar, mesmo com a evolução ocorrida às pessoas com deficiência eram consideradas um fardo para os grupos sociais, sendo que eram abandonados ou até eram mortas, sendo vista pelo grupo como uma atividade natural, pois os povos na sua maioria eram nômades e não conseguiam deslocar-se rapidamente com essas pessoas trazendo risco para todo o grupo (Gouvêia; Garcia; De Oliveira, 2021, n.p.).
As civilizações antigas tinham diferenças quanto ao tratamento das pessoas com deficiência. No Egito, a pessoa com deficiência era respeitada, os livros mostram que as pessoas com deficiência física, nesse caso os anões, e os cegos conviviam nas altas cortes da época. Os gregos, de acordo com Gouvêa, Garcia e De Oliveira (2021), baniam as pessoas deficientes. Eles tinham um ideal de perfeição, as pessoas com deficiência eram sacrificadas ou “abandonadas à própria sorte” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). Para eles “a condição física do ser humano era essencial, principalmente considerando que eles enfrentavam constantes guerras” (Corrent, 2016, n.p.). Portanto, muitas polis gregas, ou seja, cidades-estado, voltavam à educação das crianças e jovens para atividades físicas e exercícios militares. As duas cidades mais importantes, Atenas e Esperta, eram exemplos desses casos.
Em Esparta, a sociedade era totalmente militarista e o objetivo maior era fazer de seus cidadãos soldados preparados para a guerra. Portanto, não poderiam apresentar nenhum tipo de deficiência. Assim ao nascerem as crianças eram avaliadas e caso se constatasse alguma deformidade, seriam logo eliminadas (De Oliveira; Pereira, 2024, p. 354). Segundo Monteiro, em Esparta as “crianças eram consideradas subumanas: ‘em Esparta crianças portadoras de deficiência físicas ou mentais eram consideradas subumanas, legitimando sua eliminação ou abandono’” (Monteiro, 2016, p. 222-223). De acordo com Rodrigues, “tal prática era coerente com os ideais atléticos, de beleza e classistas que serviam de base à organização sociocultural” (Rodrigues, 2008, p. 7) de Esparta e Atenas. Com referência a tal perspectiva temos que:
A finalidade da educação espartana era formar guerreiros. Com 7 anos de idade, os meninos eram afastados das mães e ficavam até os 18 anos em escolas, onde aprendiam ginástica, esportes (corridas, lutas usando o corpo, lançamento de dardos), a ler e escrever e a manejar armas. O método exigia esforços: ficavam nus até nos dias frios, tomavam banho gelado, comiam pouco, apanhavam. Tudo isso para que ficassem resistentes como o ferro. Capacidade de suportar o sofrimento físico, disciplina, habilidade militar: esses eram os objetivos principais (Schmidt apud Corrent, 2016, n.p.).
Os filósofos gregos, a exemplo de Platão (no livro “A República”) e Aristóteles (no livro “A Política”), de acordo com Pereira, sugeriam o extermínio das pessoas com deficiência. “A eliminação era por exposição, ou abandono ou, ainda, atiradas do aprisco de uma cadeia de montanhas chamada Taygetos, na Grécia” (Pereira, 2018, p. 84). De acordo com De Castro, na concepção de Aristóteles “era inútil o Estado investir na educação da pessoa surda, pois o ‘pensamento é impossível sem a palavra’” (De Castro, 2024, n.p.).
Na civilização Romana, “tanto os nobres como os plebeus podiam sacrificar os filhos que nasciam com alguma deficiência” (Monteiro, 2016, p. 222), suas leis não eram a favor das pessoas com deficiência. A população encarava o nascimento das pessoas com deficiência como um castigo de Deus (Monteiro, 2016, p. 222). De acordo Gouvêa, Garcia e De Oliveira (2021) existia uma lei romana chamada de “forma humana” que autorizava a morte de todos os bebês que nasciam deformados e eram considerados monstros. A morte deles era aprovada pelos vizinhos.
Com o surgimento do Cristianismo, “os sentimentos de amor ao próximo, o perdão, a humildade e a bondade eram preceitos pregados na época por Jesus Cristo que atuava afrente dos menos favorecidos e contra a lei da ‘forma humana’” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). Com o Cristianismo “na vida dos romanos, com essa nova religião veio junto novos conceitos até então desprezados e ignorados, que era a questão de caridade, de pensar no próximo, de ajudar os necessitados” (Corrent, 2016, n.p.). Segundo Nikolas Corrent, “essa ideologia cristã surgiu e veio de encontro com as dificuldades, vivenciadas pela sociedade, mas humilde como humilhada entre eles, mendigos, pobres, deficientes” (Corrent, 2016, n.p.). Nessa época conhecida como Idade Média, as crianças que nasciam com deficiência passaram a ser enxergadas de “maneira mística, mágica e misteriosa e eram consideradas pela sociedade como cidadãos de baixo padrão” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.).
Mas é durante o período cristão que também ocorrerem modificações sobre como a sociedade enxergava as pessoas com deficiência. Pois segundo Monteiro, “a pessoa com deficiência passa a ser aceita como alguém que tem alma e deve ser cuidada com amor” (Monteiro, 2016, p. 223). E segundo Pessotti, o Cristianismo “modifica o status do deficiente que […] passa de coisa a pessoa. ‘Mas a igualdade de status moral ou teológico não correspondera, até a época do iluminismo, a uma igualdade civil, de direitos’” (Pessotti apud Monteiro, 2016, p. 223). Ou seja, mesmo com alguns avanços, ainda perdurou durante a Idade Média a estigmatização negativa das pessoas com deficiência. De acordo com Monteiro:
Ainda na Idade Média, Martinho Lutero defendia que os deficientes mentais eram seres diabólicos que mereciam castigos para serem purificados e durante a Inquisição toda pessoa portadora de deficiência que fosse reconhecida pela encarnação do mal era destinada à tortura e à fogueira. […], a pessoa portadora de deficiência passou a ser acolhida nos conventos ou igrejas por troca de trabalhos (Monteiro, 2016, p. 223).
Com a chegada da Idade Moderna (séc. XV-XVIII), grandes acontecimentos ocorreram como quando os Turcos tomaram Constantinopla (1453) e a explosão da Revolução Francesa (1789). Tal período é marcado também por grande revolução como a Reforma Protestante e a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII. Esse momento histórico é transitório e conturbado, porém no meio desses embates
ocorreram coisas positivas, a evolução das artes, músicas e da ciência com o reflorescimento cultural do Renascimento (séc. XV) e o Iluminismo (séc. XVIII). Desenvolveu-se um olhar mais humanizado para as pessoas com deficiência e pessoas de baixa de renda que eram os grupos mais marginalizados. Nesta época foram criados hospitais e abrigos para essa população. As pessoas com deficiência passaram a ser entendidas como doentes, que precisavam de cuidados médicos.
“O louco e o idiota já não são criaturas tomadas pelo diabo e dignos de tortura e fogueiras por sua impiedade ou obscenidade: São doentes ou vítimas de forças sobre humanas cósmicas, ou não dignos de tratamento e complacência” […]. Portanto, as superstições, a crença em espíritos maus, o pensamento dos castigos de Deus para justificar as deficiências vai aos poucos sendo substituídos por uma visão cientifica (Monteiro, 2016, p. 224).
No século XIX, o olhar da sociedade para as pessoas com deficiência era de acolhimento e “também que necessitavam de uma atenção especializada”, assim foram criadas “organizações que cuidavam e tratavam de maneira mais racional e menos dispendioso, mas no olhar de muitos estudiosos era apenas um meio de exclusão e marginalização” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). Na metade desse século:
As pessoas com deficiência foram reconhecidas como força laboral, pois Napoleão Bonaparte devido à falta de contingente deu oportunidade aos soldados feridos e foi a partir da iniciativa de Napoleão que houve a criação do sistema Braille sendo que as pessoas cegas poderiam passar mensagens de guerra a noite e sem iluminação para suas tropas (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.).
De acordo com Gouvêa, Garcia e De Oliveira (2021, n.p.), foi só no início do século XX que surgiram as primeiras ações concretas para as pessoas com deficiências em conferências e congressos, constatando que estas pessoas necessitavam principalmente de reabilitação, sendo a atenção centrada em “crianças inválidas” e/ou “pessoas deficientes”. “Mas com o estourar da 1ª guerra de 1914 à 1918 esse progresso foi interrompido” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.).
Os resultados das duas grandes guerras da primeira metade do século XX transformaram radicalmente o cenário social e tiveram impactos drásticos no mundo do trabalho. E é justamente nesse momento histórico que as pessoas com deficiência começam a fazer parte de forma mais efetiva da vida produtiva da sociedade e do mundo do trabalho. Como um dos exemplos da força de trabalho da pessoa com deficiência foi a figura do “ex-presidente americano Franklin Delano Roosevelt que foi assolado pela poliomielite em 1921 aos 39 anos de idade, e demonstrou ao mundo a sua independência, sua competência no trabalho e ainda sendo bem remunerado para isso” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.).
Com o término da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se realmente a preocupação quanto à deficiência, pois perante lugares destruídos, milhões de pessoas mortas, além da enorme quantidade de feridos, pessoas passaram a ser deficientes por causa dos confrontos. Tudo isso, fez surgir a preocupação da sociedade com os direitos dessas pessoas que não eram deficientes e passaram a ser, pois se tratava de uma grande quantidade de ocorrências que variava desde o mental ao físico. Assim, de acordo com Tahan:
Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que o direito necessita se preocupar com grupos sociais específicos, nesse caso surgem os mutilados da guerra, pessoas que foram para a guerra sem nenhuma deficiência e voltam às suas casas com algum tipo de mutilação que impedem a fruição normal de suas atividades de vida diária (TAHAN, 2012, p. 21).
É a partir desses acontecimentos que as pessoas passam a olhar os deficientes com outros olhos, conceitos simplesmente passaram a ser repensados, de forma mais coerente e consciente. Porque as percepções preconceituosas das pessoas já não tinham tanta força, diante das circunstâncias que se apresentam a frente, “uma realidade que não se esperava, mas que os fez notarem que a deficiência tem causa e consequências e não era um mero castigo, maldição, além da percepção de que, essas pessoas independentes de suas limitações são importantes” (Corrent, 2016, n.p.). Assim, mudanças no contexto social e histórico foram ocorrendo e sendo estabelecidas pela sociedade ao passar do tempo. Segundo Corrent, “a deficiência começa a ganhar novas concepções principalmente de aceitação como de apoio” e as sociedades passam a aceitar como defender os direitos dos deficientes e, assim, “a deficiência vai conquistando seu espaço junto à sociedade, construindo sua história dentro da concepção de superação” (Corrent, 2016, n.p.). De acordo com Negreiros:
Mudanças socioculturais foram ocorrendo paulatinamente na Europa, cujas marcas principais foram o reconhecimento do valor humano, o avanço da ciência e a libertação quanto a dogmas e crendices, reconhecendo-se que o grupo de pessoas com deficiência deveria ter atenção específica fora dos abrigos ou asilos para pobres e velhos. A despeito das malformações físicas ou limitações sensoriais, essas pessoas, de maneira esporádica e ainda tímida, começaram a ser valorizadas enquanto seres humanos (Negreiros, 2014, p. 15).
Gouvêa, Garcia e De Oliveira afirmam que “a partir de 1950 as instituições de tratamento para pessoas com deficiência foram criadas em diversos países levando ajuda técnica e de interação social para pessoas dos mais diversos tipos de deficiência” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). Com esse avanço e mesmo a ONU (Organização das Nações Unidas) “criando a declaração dos direitos da pessoa com deficiência intelectual em 1971 e a declaração dos direitos da pessoa com deficiência em 1975 a estrutura legislativa não avançou muito” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). Em 1981 com a declaração do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, poucas ações reais foram feitas, a exclusão e a inoperância das leis afetam significativamente o grupo de pessoas com deficiência.
No Brasil, as transformações legais e no âmbito social e educacional também somente serão mais efetivas a partir da Constituição de 1988. Segundo Gouvêa, Garcia e De Oliveira, a Constituição Federal de 1988 “foi um marco para a pessoa com deficiência no Brasil, pois proibi a discriminação de salário, fica assegurado a saúde, a assistência pública, proteção, integração social, houve a criação de concursos públicos para as pessoas com deficiência” (Gouvêa, Garcia e De Oliveira, 2021, n.p.). As pessoas com deficiência terão direito a contribuir para a aposentadoria. No Brasil, outros marcos legais são: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996; a publicação da “Política Pública de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, publicada pelo Ministério da Educação em 2008 e do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), publicado em 2015.
2.1 A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DIAGNÓTICOS E CONCEITOS
Ao longo do tempo, a concepção de deficiência intelectual vem sendo alterada, “desde sua concepção como estado mental, passando a condição humana, até a visão recente de situação de deficiência” (De Carvalho, 2024, n.p.). Para Carvalho, “essas diferentes posições afetam, ética e socialmente, quem recebe o diagnóstico” (De Carvalho, 2024, n.p.) e impacta os modos e as propostas de intervenção. Remetem à significação e ressignificação da pessoa com deficiência para si mesma e “como é vista pelo outro e pela sociedade. Ao mesmo tempo, oferece ou restringe oportunidades de ser para si e para a vida social e comunitária” (De Carvalho, 2024, n.p.).
Nesse sentido, ao falarmos da pessoa com deficiência intelectual, foi e continua sendo necessário pensar e (re)pensar a “maneira como definimos esta população, considerando especialmente que a nomenclatura hoje conhecida como deficiência intelectual variou ao longo dos tempos e parece sempre existir uma busca do que seja de fato a sua melhor definição” (Veltrone; Mendes, 2013, p. 362). De acordo com Dias e De Oliveira:
A categoria deficiência intelectual constituiu-se ao longo da história em meio a diferentes definições e significações dualistas, que foram sendo substituídas ou reforçadas pelas seguintes, sem que se superassem as representações negativas e estigmatizantes, apoiadas em abordagens normativas do desenvolvimento humano. Em momentos predominaram visões baseadas em concepções inatistas, para as quais o desenvolvimento está predeterminado nas características pessoais, e, em outros, concepções ambientalistas, nas quais prevaleceu a determinação do ambiente sobre o desenvolvimento do indivíduo. Apenas no século XX vemos emergir concepções de desenvolvimento baseadas em uma perspectiva dialógica e cultural que possibilitam redirecionar a compreensão da deficiência intelectual de forma inédita. A deficiência passa a ser tratada não mais como impossibilidade de desenvolvimento intelectivo, mas como uma das alternativas de desenvolvimento possíveis ao ser humano (Dias; De Oliveira, 2013, p. 171).
Para De Carvalho, os sistemas internacionais de classificação atualmente em uso, “categorizar é um procedimento adotado para demarcar tipos e graus de dificuldade de natureza intelectual, bem como para diagnosticar e caracterizar a deficiência intelectual e seu atendimento” (De Carvalho, 2024, n.p.). Dentre os sistemas de classificação, o CID-10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, da Organização Mundial da Saúde – OMS), “oferece especificações de gravidade para a deficiência intelectual, nas categorias leve, moderada, grave e profunda, de forma breve e pouco aprofundada” (De Carvalho, 2024, n.p.).
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DSM-5, da APA (American Psychiatric Association), é outra referência internacional. Nesse guia, a deficiência intelectual é também concebida como condição clínica. Tal deficiência compõe o grupo dos transtornos do neurodesenvolvimento, que tipicamente se “manifestam cedo no desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional” (APA, 2014, p. 31). Segundo o DMS-5, a deficiência intelectual3 (transtorno do desenvolvimento intelectual):
Caracteriza-se por déficits em capacidades mentais genéricas, como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência. Os déficits resultam em prejuízos no funcionamento adaptativo, de modo que o indivíduo não consegue atingir padrões de independência pessoal e responsabilidade social em um ou mais aspectos da vida diária, incluindo comunicação, participação social, funcionamento acadêmico ou profissional e independência pessoal em casa ou na comunidade (APA, 2014, p. 31).
Podemos ainda resumir os déficits funcionais ou de desenvolvimento, segundo De Carvalho, da seguinte forma:
a) Intelectual – abrangem funções como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência. b) Adaptativo – envolvem os domínios conceitual, social e prático, relativos à independência e à responsabilidade social, abrangendo atividades sociais, comunitárias, comunicação, habilidades de vida diária e acadêmicas (De Carvalho, 2024, n.p.).
Os procedimentos de avaliação e diagnóstico4, os déficits nas funções intelectuais, segundo Duarte, “são confirmados pela avaliação clínica e testes de inteligência padronizados e individualizados, e realizados em crianças a partir de 5 anos” (Duarte, 2018, p. 18). Já os déficits adaptativos limitam “o funcionamento de uma ou mais atividades diárias, comprometendo a comunicação e o aspecto social, com repercussões nos diversos ambientes: casa, escola e trabalho” (Duarte, 2018, p. 18). Ainda segundo Duarte, a deficiência intelectual deve ser “diagnosticada após os 5 anos, quando é possível mensurar a inteligência por meio de testes de QI” (Duarte, 2018, p. 18).
3 Vale ressaltar, de acordo com Dias e De Oliveira, que “os diversos sistemas de classificação (CID, DSM e CIF) devem funcionar de forma integrada na busca de uma visão mais ampla da saúde. Os dois primeiros tratam da classificação das condições físicas e mentais, incluindo a etiologia da deficiência mental, e o terceiro, dos aspectos funcionais do indivíduo com deficiência, observando-se seus contextos específicos de vida e desenvolvimento. Entretanto, o que ainda se observa de forma disseminada é a simples exigência de um laudo médico especificando a deficiência que, muitas vezes, vem representada apenas na forma do número de CID, sem evidências das características subjetivas e desenvolvimentais da pessoa avaliada” (Dias; De Oliveira, 2013, p. 174).
4 Com relação ao uso dos testes de QI, de acordo com Dias e De Oliveira, “o Ministério da Educação do Brasil reconhece, em alguns dos seus documentos, a complexidade do diagnóstico de deficiência intelectual e problematiza a utilização do QI. Afirma que a deficiência ‘não se esclarece por uma causa orgânica, nem tão pouco pela inteligência, sua quantidade, supostas categorias e tipos’, de modo que o ‘diagnóstico de deficiência mental preconizado pelos testes de QI reduz a identidade da criança a um aspecto relativo a uma norma estatística padronizada’. Em ambos os documentos, ressalta-se a necessidade de considerar aspectos das singularidades e subjetividades, além do diagnóstico diferencial. Apenas dizer que alguém tem deficiência intelectual não é muito esclarecedor, tendo em conta as diferentes e particulares formas de relação com o meio social que a caracterizam e indicam sua maneira de interpretar o mundo e de relacionar-se com os objetos de aprendizagem” (Dias; De Oliveira, 2013, p. 175).
As causas da deficiência intelectual são inúmeras. Existem fatores genéticos e teratogênicos que causam a deficiência intelectual, “entre estes estão o uso do álcool na gravidez, agentes infecciosos e defeitos congênitos do sistema nervoso central, que apesar de serem congênitos, não significa que sejam geneticamente determinados” (Duarte, 2018, p. 18-19). Por fim, a deficiência intelectual “é causada por inúmeros fatores ambientais e genéticos, porém em 55% a 60% dos casos as causas são indefinidas” (Duarte, 2018, p. 19).
2.2 A ESCOLARIZAÇAO DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
O desenvolvimento escolar de toda criança atravessa um contexto social que se inicia de forma bastante prematura desde o nascimento. Originalmente, a criança é inserida no mundo simbólico-social humano pelos seus pais e parentes mais próximos. A escola não é o primeiro ambiente social desse mundo simbólico, mas é a continuidade dele no tempo moderno e contemporâneo. Assim, quando a criança tem contato com as relações sociais, a linguagem, o desenho, a escrita, a matemática e outras facetas da cultura, ela internaliza estas formas de expressão tipicamente humanas. As pessoas com deficiência atravessam essa mesma realidade com experiências diferentes, diversas, múltiplas, etc., marcadas pelas peculiaridades e singularidades de cada deficiência. Assim, de acordo com Santos, sobre o desenvolvimento da linguagem na deficiência intelectual:
Merece destaque o fato de ser comum um déficit na produção da linguagem, como problemas com a morfologia e, em decorrência disso, a construção de frases curtas e simples. Devido à limitada capacidade expressiva, ocorrem poucas interações diárias que favoreçam o aperfeiçoamento, o que acaba gerando uma realimentação: como as pessoas não entendem muito bem o relato daquele com deficiência intelectual, então ele acaba por não insistir na fala. Entretanto, a fala é o elemento primordial para o maior desenvolvimento dos demais processos cognitivos (Santos, 2012, p. 939).
Nesse sentido, o argumento que para que ocorra o desenvolvimento da criança é preciso observar os processos e as questões externas correlacionadas com si (processos e questões internas), torna-se relevante a reflexão sobre como se dá a aprendizagem, tanto na educação escolar quanto nas situações cotidianas, das crianças com deficiência intelectual. Isso, porque de acordo com Leonel e Leonardo, em relação ao desenvolvimento da criança, independentemente de esta ter ou não deficiência, “é possível sua educação. A criança com deficiência pode superar a limitação imposta pela deficiência, pois todo defeito cria estímulos para elaborar uma compensação, e o importante não é o defeito em si, mas sim, a criança atingida pela deficiência” (Leonel; Leonardo, 2014, p. 543).
Tal perspectiva se alinha a própria concepção da educação inclusiva. Pois, de acordo com Santos, a perspectiva da inclusão dentro da escola não se restringe à superação das dificuldades e dos limites do aluno ou à socialização, “mas tem como proposta favorecer a emancipação intelectual por meio da incorporação de novos conhecimentos, de acordo com a possibilidade de ampliar o que já se conhece e de favorecer o desenvolvimento geral” (Santos, 2012, p. 939). Como consequência, a criança com deficiência intelectual não deve ser vista como incapaz de conhecer e aprender, pois a mesma pode apreender o mundo simbólico que a cerca. Seguindo a mesma perspectiva, Leonel e Leonardo afirmam que:
O trabalho educativo deve buscar superar as limitações a partir do ensino, entendendo a pessoa com deficiência como um ser capaz de desenvolver todo o seu potencial por meio do acesso aos conhecimentos científicos e das mediações – estas, essenciais para o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da consciência. […] Desse modo, para desenvolver o seu psiquismo a criança necessita das relações com o mundo ao seu redor. Para a criança com deficiência, reforça-se que esse processo não acontece de modo diferente: ela só vai avançar em seu processo de aprendizagem ao estabelecer relações sociais, que são necessárias para a transformação das suas funções elementares em funções superiores (Leonel; Leonardo, 2014, p. 543).
Para Rahme e Moreira, dentro do campo educacional, a constatação de um quadro de Deficiência Intelectual constitui-se como um desafio para a educação escolar, pois, “não raras vezes, os discursos médico e psicológico são acionados, com o objetivo de diagnosticar, tratar e mesmo orientar a implementação de práticas pedagógicas” (Rahme; Moreira, 2018, n.p.). Essa inversão de papeis entre o discurso médico-psicológico e o discurso pedagógico dificulta o desenvolvimento e aplicação de estratégias que possam beneficiar as crianças com deficiência intelectual dentro do ambiente escolar.
Os reflexos desses problemas também se desdobram em outras complexidades, pois, nos dias atuais, o processo de inclusão escolar de alunos com deficiência intelectual “tem-se constituído em um dos principais desafios para a efetivação de uma educação inclusiva, dadas as dificuldades que a escola comum apresenta em construir propostas de trabalho que sejam condizentes à realidade desses estudantes” (Rahme; Moreira, 2018, n.p.).
Segundo Glat e Estef, “em plena vigência do modelo de educação inclusiva, ainda há um número significativo de indivíduos com deficiência intelectual cuja trajetória educacional se restringe a escola ou a instituição especializada” (Glat; Estef, 2021, p. 160). Mas isso não significa que a escola superou as dificuldades que ela impõe às pessoas com deficiência, principalmente, com deficiência intelectual. Mas, pelo contrário, o que a realidade escolar mostrar é uma imposição de certas adaptações para as pessoas com deficiência na tentativa de moldá-las a escola.
Assim, é necessário inverter tal lógica, pois, para a efetivação de uma educação inclusiva, a escola deve se transformar para atender a todos os alunos, e não estes que precisam se moldar a escola (Glat; Estef, 2021, p. 161). Entretanto, para poder ser de fato materializada, essa “proposta demanda o desenvolvimento de práticas pedagógicas diferenciadas que possibilitem a aprendizagem do conteúdo escolar por alunos com necessidades educacionais especiais, sobretudo a deficiência intelectual” (Glat; Estef, 2021, p. 161). Assim, segundo Santos, respeitando o:
Grau de limitação imposto pela determinação neurológica, mesmo que o professor possa fazer muito no ensino escolar junto a alunos com deficiência intelectual, alguns conteúdos e objetivos educativos específicos serão inatingíveis, inclusive nos casos em que há um nível moderado de limitações. Mais do que destrinchar o conteúdo curricular, deve-se priorizar aquilo que pode ser assimilado pelo aluno, afinal, caso não ocorra a assimilação, não haverá a aquisição (aprendizagem), a memorização e, consequentemente, a recuperação e a aplicação (Santos, 2012, p. 940).
Portanto, mesmo que o conteúdo curricular apreendido pelo aluno com deficiência intelectual seja consideravelmente limitado, existe a possibilidade de um efetivo desenvolvimento de “suas potencialidades, tal como propõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 1996) em relação aos objetivos educacionais centrados nos processos formativos e no vínculo com o mundo do trabalho e com a prática social” (Santos, 2012, p. 940). E conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, percebemos que:
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e; a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[…] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37). (Brasil, 2008, p. 8).
Dessa forma, no Brasil, as propostas e marcos legais preconizam e demandam que os sistemas de ensino e as escolas assegurem a todos os educandos, com deficiência ou não, a oportunidade de alcançar o processo de aprendizagem e de concluir as etapas de ensino, possibilitando os mesmos a almejarem e alcançarem o ensino superior e o mercado de trabalho. Para tanto as escolas precisam se adaptar e desenvolver estratégias para atingir tais objetivos, principalmente, quando se trata das pessoas com deficiência intelectual. Assim, levando-se em consideração tais perspectivas e reflexões, segundo Santos, o currículo e o planejamento propostos ao aluno com deficiência intelectual devem gerar experiências e transformações no ambiente escolar. E dentre tais experiências e transformações podemos citar:
Que seja possível definir ou reforçar a identidade do aluno (quem ele é, seu valor pessoal, sua cultura); sem discriminações e que promova segurança, relação interpessoal, contingências positivas e bem-estar pessoal; que permita a acessibilidade ao ambiente físico e a acessibilidade instrumental (materiais e recursos que minimizem as dificuldades sensoriais e motoras); em que, assim como em relação aos demais alunos sem deficiência, as práticas de ensino considerem as fases de desenvolvimento do aluno, as quais podem prolongar-se por um tempo maior; com práticas motivadoras, alegres e afirmativas; com estratégias ricas em estimulação e diversificadas quando necessário (por exemplo, recursos audiovisuais, objetos de diferentes materiais, cores e texturas); […] com atividades mais tranquilas nos momentos de maior enfoque nos conteúdos curriculares, uma vez que o estado emocional livre de tensão, estresse, medo, irritabilidade e ansiedade pode permitir maior atenção e concentração; […] em que o professor leve o aluno a pensar e verbalizar sobre aquilo que está sendo transmitido, uma vez que, na deficiência intelectual, o processamento da informação ocorre mais por recepção do que por ativação (ação) – o raciocínio lógico é possível desde que estimulado para tal. Além disso, tal estratégia gera consciência perante aquilo que está em aprendizagem; […] que estimule a curiosidade e desafie o aluno, a fim de gerar um repertório permanente de iniciativa e exploração ativa; que não superestime as potencialidades do aluno, tendo em vista a frequente generalização de um nível muito inferior de dotação intelectual na deficiência intelectual; […] que valorize a prática do brincar, a qual consiste em uma abordagem natural para o desenvolvimento humano, favorece o pensar e o fantasiar – até porque tal clientela apresenta déficit de abstração e contato com a realidade objetiva (Santos, 2012, p. 940-941).
O conjunto de experiências citadas acima não se reduz a somente tais estratégias ou mudanças propostas. Existem inúmeras outras maneiras e práticas lúdicas, comportamentais, éticas, políticas, culturais, sociais, etc., que precisam ser e podem ser adaptadas para transformar o ambiente escolar num verdadeiro ambiente inclusivo e propício para receber e incluir as pessoas com deficiência intelectual. Mas ficou claro, no tocante às estratégias pedagógicas para atendimento à diversidade dos educandos, em particular os alunos com Deficiência Intelectual, que:
Essas devem ser pensadas de maneira que beneficiem a todos, a fim de que as situações de ensino sejam conduzidas para que os alunos possam […] “ter acesso a todas as oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela instituição escolar, este professor deve ter consciência de que o ensino tradicional deverá ser substituído por uma pedagogia de atenção à diversidade” (Santos; Martins, 2015, p. 404).
Ressalta-se ainda, “a necessidade de se promover, paralelamente às estratégias citadas, uma maior parceria com os docentes atuantes nas Salas de Recursos Multifuncionais” (Santos; Martins, 2015, p. 404), bem como, um trabalho diferenciado e sistêmico com a família, a qual deve se constituir “numa importante parceira desse processo” (Santos; Martins, 2015, p. 404). Para tanto, é de grande importância e “relevância a participação dos pais no Conselho escolar” (Santos; Martins, 2015, p. 404). Assim, pressupomos também, segundo Santos e Martins, que “uma visão inovadora dada às práticas pedagógicas desenvolvidas no cenário escolar possibilitará maior motivação nos alunos em geral para uma efetiva aprendizagem” (Santos; Martins, 2015, p. 404).
Nesse contexto, concordamos com Santos e Martins que o fazer pedagógico para alunos com Deficiência Intelectual, “na perspectiva da organização de um ambiente escolar inclusivo, considera as diferenças, garantindo a sua participação efetiva em todas as práticas educativas, favorecendo a atividade conjunta e a cooperação entre todos os alunos” (Santos; Martins, 2015, p. 405) da sala de aula. Estes são participantes ativos desse cenário escolar, pois juntamente com os professores criam novas expectativas de aprendizagem que beneficiam a todos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito se avançou no processo de inclusão. Muitas conquistas e direitos foram adquiridos para as crianças com Deficiência Intelectual. E tendo como referência os trabalhos analisados durante a pesquisa, podemos indicar limitações na abordagem pedagógica direcionada às pessoas com Deficiência Intelectual, o que limita a aprendizagem escolar desses sujeitos. Além disso, a pesquisa bibliográfica apresentou uma necessidade dos profissionais da educação em conhecer às práticas pedagógicas voltadas para os deficientes intelectuais, o que indica a necessidade de processos de formação inicial e continuada de professores, que pautem e aprofundem a abordagem dessa temática.
Todavia, algumas pesquisas indicaram mudanças de práticas pedagógicas com estudantes com deficiência intelectual, demonstrando a busca, por parte de alguns professores, em trabalhar a inserção do aluno na turma, bem como a implementação de metodologias de trabalho que produzam novas situações de aprendizagem para esses sujeitos. Diante disso, consideramos, como Breciane (2014) e Effgen (2014), que a prática pedagógica direcionada para o aluno com deficiência intelectual tem de ser pensada a partir da constituição humana naquele ambiente, considerando as diferenças existentes e tomando, como ponto de partida para a ação pedagógica, as especificidades presentes no processo.
As concepções apresentadas demonstram que as práticas e estratégias dentro das escolas precisam ser aperfeiçoadas para contemplar as pessoas com deficiência intelectual. Ainda existem inúmeras barreiras que impedem tais educandos de avançarem dentro dos ambientes educacionais e sociais. As crianças com deficiência intelectual, seguindo o que preconiza o seu desenvolvimento, como o que ocorre com todas as demais, precisam que as escolas se adaptem para recebê-las. As salas de recursos multifuncionais são de extrema importância, bem como, os professores do atendimento educacional especializado. Mas é necessário também mudar a cultura da escola, pois uma criança com deficiência não significa que a condição dela seja a condição de infante pelo resto da vida. A sua autonomia pode ser alcançada, mas é necessário alinhar práticas e estratégias conjuntamente com a realidade da própria criança, suas limitações, e dos seus familiares. E é nesse contexto, que a escola pode sim contribuir no desenvolvimento da cidadania e da participação ativa dessas crianças dentro da sociedade.
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1 Professora efetiva da rede municipal de ensino das escolas Senador Jessé Pinto Freire – Senador Georgino Avelino; Dona Mariquinha – Goianinha, graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú; Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Letras (Português/Inglês) – Uniseb Coc – Ribeirão Preto – São Paulo. E-mail: diandrafer@gmail.com.
2 Professor efetivo e coordenador do curso em especialização em Atendimento Educacional Especializado (AEE) da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) no Departamento de Ciências Humanas, campus Mossoró; doutor em Educação, mestre Filosofia, graduado em Pedagogia (licenciatura) e Ciências Sociais (bacharelado) pela Universidade Federal do Ceará (UFC); graduado em Filosofia (bacharelado) pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: davi.almeida@ufersa.edu.br.