A ELITIZAÇÃO DA LINGUAGEM JURÍDICA COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

THE ELITIZATION OF LEGAL LANGUAGE AS AN OBSTACLE TO ACCESS TO JUSTICEM: A CRITICAL ANALYSIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10679457


Derick Heliston Ferreira Batista1, Fred Klaus Batista de Oliveira Monteiro2, Maria Raquel Silva3, Liliane Santos Rosa4, Priscila Vincenzi dos Santos5, Mariana Gabriela de Oliveira6, Brenda Tavares Gonçalves7, Flora de Oliveira Souza8, Pedro Victor Souza Marques9, Erothildes Silva Rohrer Martins10, Frank Leonardo Gomes Ferreira Junior11, Ágatha Maria Fernandes Alves12


RESUMO:

Este trabalho trata da importância da linguagem jurídica do Brasil é objeto de discussão devido ao uso exagerado do português e à abundância de termos latinos que, na maioria das vezes, estão além da compreensão do cidadão comum. Analisando o que é a linguagem jurídica, há a tentativa de demonstrar como ela tem sido uma barreira ao acesso à justiça desde o surgimento do direito brasileiro, e como sua simplificação é a base da validade, uma questão muito princípio importante. Assim, a diferença entre linguagem e linguagem, as duas faces conceituais da linguagem jurídica, as raízes históricas do elitismo da linguagem jurídica no Brasil e suas consequências nos dias atuais no acesso à justiça, escrita de pesquisa sobre os abusos e propriedades da linguagem jurídica, e método de simplificação da linguagem jurídica. Buscamos demonstrar que o direito é a ciência da palavra escrita, e que sendo a palavra escrita a ferramenta primordial do jurista, cabe a ele saber utilizá-la para facilitar o bom desempenho da profissão, o acesso à justiça (impedindo distância das instituições judiciais civis) e a aplicação da lei. Dessa forma, este artigo busca demonstrar que, para além das mudanças já em curso, são necessárias mudanças profundas para garantir o acesso à justiça.

Palavras-Chave: Acesso à Justiça. Discurso. Linguagem jurídica. Simplificação.

ABSTRACT:

This paper deals with the importance of legal language in Brazil is the subject of discussion due to the overuse of Portuguese and the abundance of Latin terms that, most of the time, are beyond the comprehension of the common citizen.By analyzing what legal language is,there is an attempt to demonstrate demonstrate how it has been a barrier to access to justice since the emergence of Brazilian law, and how its simplification is the basis of validity, a very important principle issue. Thus, the difference between language and speech, the two conceptual faces of legal language, the historical roots of the elitism of legal language in Brazil and its present-day consequences on access to justice, research writing on the abuses and properties of legal language, and method of simplifying legal language. We seek to demonstrate that law is the science of the written word, and that, since the written word is the jurist’s primary tool, it is up to him to know how to use it to facilitate the good performance of the profession, access to justice (preventing distance from civil judicial institutions) and the application of the law. Thus, this article seeks to demonstrate that, in addition to the changes already underway, profound changes are necessary to guarantee access to justice.

Keywords: Access to Justice. Discourse. Legal language. Simplification.

INTRODUÇÃO

Em todo o país, temos testemunhado um aumento de litígios, acúmulo de processos e atrasos na entrega do tribunal que os litigantes não entendem quando isso acontece.

A utilização de linguagem jurídica rebuscada, expressões obsoletas, prazos longos, sequências indiretas e adjetivos exagerados em peças processuais e decisões é um dos grandes pecados do judiciário, que, além de interferir na beleza do trabalho, dificulta compreender fatos e argumentos. Como será explicado, esse medo de parecer erudito dificulta o acesso à justiça porque distancia o judiciário dos cidadãos, dificultando o entendimento de todas as partes, causando lentidão no processo e até mesmo situações que podem afetar o resultado final.

Ainda hoje, os debates sobre a linguagem jurídica brasileira são objeto de extensas discussões sobre o uso rebuscado do português e a abundância de terminologia latina que, na maioria das vezes, é incompreensível para o cidadão comum. Essa linguagem, adotada pelos aplicadores da lei e popularizada sob o nome de “juridiques”, pode ser um grande obstáculo ao acesso à justiça, ou seja, impede o cidadão de compreender a lei.

É neste contexto que a simplificação da linguagem jurídica é de grande importância. O tema justifica-se por sua relevância para o direito e a cidadania, por interferir diretamente no acesso à justiça e por ser um tema moderno, ainda que o tema esteja presente desde os tempos coloniais.

O objetivo deste trabalho será, primeiro explicar a diferença entre linguagem e idioma, depois tentar definir o que é linguagem jurídica e defender a importância da linguagem no campo jurídico.

Em seguida, serão explicadas as raízes históricas do elitismo da língua jurídica brasileira, ilustrando brevemente o período que vai do período colonial ao imperial, destacando como estruturas gramaticais amplas e eruditas representam um elo com o passado. Portanto, retratos históricos serão uma base importante para o trabalho.

Portanto, o objetivo deste trabalho é examinar a linguagem jurídica como uma barreira no processo de comunicação e acesso à justiça entre as pessoas comuns, sugerindo a necessidade de melhorar o diálogo entre profissionais do direito e leigos, a fim de criar um diálogo mais efetivo no qual ambas as partes podem interagir de forma justa, o que poderia melhorar a aplicação dos princípios constitucionais de acesso à justiça.

O método utilizado será, portanto, um estudo bibliográfico para compreender e explicar algumas das contribuições teóricas existentes sobre o tema, utilizando-as como base para as hipóteses e conclusões a serem apresentadas.

O estudo foi desenvolvido de acordo com um plano de trabalho que identificou e filtrou criteriosamente fontes materiais e bibliográficas como: legislação nacional adequada e pesquisas científicas pertinentes ao tema. Com o auxílio de métodos históricos, dados materiais e bibliográficos sendo coletados, analisados ​​e apresentados de forma sistematizada, tendo como foco principal a linguagem jurídica como barreira à comunicação entre o cidadão comum e à concretização do acesso à justiça.

Este artigo busca entender melhor como a língua se torna uma ferramenta de controle da sociedade e como ela não apenas impõe poder a pessoas com diferentes níveis de conhecimento da língua, mas também afasta o cidadão comum do diálogo, impedindo o exercício do direito de acesso justiça.

Primeiramente, por meio de uma breve análise da obra A Ordem do Discurso de Michel Foucault, no qual pode-se observar como o uso do próprio discurso torna-se elitizado de forma a prejudicar a população em geral, e como o mesmo discurso é convenientemente mantido para garantir o poder dos falantes.

Posteriormente, este artigo mostrará como essa estrutura de poder é mantida por meio de uma linguagem exagerada e rebuscada, que ofende a aplicação do artigo 5ᵒ, XXXV da Constituição Federal de 1988, para impedir o acesso dos cidadãos à justiça.

1.LINGUAGEM JURÍDICA

Qual o conceito de linguagem jurídica e por qual motivo a linguagem essa é tão importante para o direito?  Para atender a essas questões, é necessário a priori compreender a diferença entre língua e linguagem.

Para tanto, ensinam Fábio Trubilhano & Antônio Henriques (2013, p.1), que para conceituar a linguagem abordam, tipicamente, três pontos fundamentais, quais sejam:

  • O acervo coleção (conjunto),
  • Socialização (sociedade) e,
  • Sistema (organização).

O conceito proposto pelo autor Jovanovic é referenciado na obra de Trubilhano & Henriques (2013, p.1); este conceito descreve bem a associação entre estes pontos. Para ele, a língua é o conjunto de signos que servem de meio de comunicação entre comunidades que compartilham as mesmas tradições sócio-linguístico-culturais.

Ou seja, a língua é “um acordo social entre pessoas de um determinado grupo étnico que desenvolve coletivamente signos linguísticos” (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013), são os sons articulados da fala, e também reconhece e atribui significado a sinais visuais (escrita), o que resulta na combinação de palavras (significantes) (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p.1).

A evidência de que o significado é atribuído (ou seja, que “não há correspondência natural entre as palavras e seu significado pretendido”), (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013), é o fato de que a mesma palavra (gráfica ou audível) tem significados diferentes para diferentes idiomas, ou existe simultaneamente em várias línguas, mas com significados diferentes.  Como resultado, o significado de cada sinal depende do idioma em questão, isso porque a linguagem é um acordo coletivo que é “construído aos poucos” por seus usuários, fruto de uma “vontade” e de um “costume” que se cristaliza pelo uso ao longo do tempo (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p.2).

Foi assim que cada língua foi criada, algumas evoluíram a partir da mesma base, como as línguas neolatinas (francês, italiano, português, espanhol, etc.), que se desenvolveram a partir do latim.  Cada língua tem suas próprias regras e estruturas, que se refletem na fonologia, morfologia e sintaxe.  À medida que uma língua se desenvolve, uma de suas variantes torna-se padrão, isso faz com que sejam colocadas sobre ela as regras de convenção gramatical, que é semelhante à relação entre significantes e significados, é uma questão de convenção social que se vai criando aos poucos.

A língua é o método mais eficaz e complexo de comunicação.  Eficaz, porque confere ao ser humano duas capacidades essenciais:

  • A comunicação externa (“expor e detalhar” os pensamentos dos outros em termos linguísticos, “ideias abstratas”, além de “decodificar os termos linguísticos apresentados pelos outros, assimilando os conceitos por mim expressos”). (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p. 2).
  •  A comunicação interna (“formular ideias comigo mesmo”, pois sem o domínio de uma língua só seriam possíveis associações que não fossem linguísticas, isso limitaria o desenvolvimento do cérebro a outras formas de associação, excluindo a linguística” por mim expressos”), e (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p. 2).
  • Misto (a comunicação é facilitada pelo uso simultâneo da linguagem verbal e não verbal, como as histórias em quadrinhos, que potencializam o diálogo e o pensamento dos personagens das figuras).

Como resultado, pode-se inferir que toda língua é manifestação de linguagem, mas nem toda linguagem se manifesta por meio de uma língua (HENRIQUES; TRUBILHANO).

De acordo com o pensamento de Cazacu citado por Henriques; Trubilhano, (2013) :

Linguagem e língua são, no fundo, dois aspectos diferentes – mas de nenhuma maneira opostos – de um mesmo fenômeno complexo: o da comunicação (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p.4).

A partir disso, pode-se concluir que língua e linguagem são conceitos distintos, mas indissociáveis.

1.1 Níveis de Linguagem

Como mostrado anteriormente, a linguagem falada se manifesta por meio de uma língua (português, italiano, etc.). Porém, a forma como as pessoas se expressam depende da situação em que se encontram, pois para cada situação é utilizado o nível de linguagem (oral) adequado: letrada, familiar ou popular.  “Falantes que sabem se comunicar precisam saber o momento certo para transitar entre os níveis da língua conforme a situação exige.

“Se não houvesse normas a regulamentar o fato língua, em pouco tempo uma língua se tornaria várias outras línguas, e então as pessoas de um mesmo território passariam a não mais lograr efetividade na comunicação (..). Ademais, se não houvesse um variante padrão controlada por normas, com o passar do tempo as consequentes alterações da língua impossibilitariam a compreensão de textos escritos anteriormente” (HENRIQUES; TUBILHANO, 2013, p.15).

A utilização do nível escolarizado é ideal para textos jurídicos, porém, esta constatação é alvo de má interpretação por parte de muitos operadores do direito que confundem riqueza lexical com linguagem arcaica e entendem que o uso do nível escolarizado dificulta a compreensão do texto. Por isso, usam afinamentos, inversões, frases longas etc. Uma vez que na opinião deles, esses elementos tornam o texto” elegante”. No entanto, usar um nível rebuscado nada mais é do que prestar atenção às normas gramaticais, usar um vocabulário rico (de forma seletiva, mas clara) e tentar entender o que está sendo dito.

O nível usual, por sua vez, é mais utilizado para a comunicação cotidiana com amigos, familiares, redes sociais, pois se caracteriza por ser flexível, informal e menos preocupado com a adesão fiel à gramática.

“Expressões informais, estruturas de frases alternativas e certas gírias típicas de redes sociais, como “dar o fora”, “cara”, “emprego”, não soam bem em textos jurídicos, como em petições ou sentenças (…), onde não se encaixa na visão da vis cômica (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013).

O nível de popularidade é usado por pessoas “menos instruídas, até mesmo analfabetas”. Como tal, caracteriza-se por um vocabulário limitado, problemas gramaticais e uso excessivo de gírias.

“(…) o ideal é que o uso de variantes que não sejam padrão se dê por opção intencional do usuário da língua, e não por desconhecimento, pois ignorar a norma culta propicia severo prejuízo à imagem do falante quando este se encontra em situação mais formal, como é o caso da seara jurídica, além de que as ausências do domínio da variante padrão e da riqueza vocabular costumam resultar em discursos rudimentares e deficientes” (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p16).  

Por fim, cabe ressaltar que “não há nada de errado com camadas coloquiais, familiares; o que é adequado ou inadequado depende do contexto em que estão inseridas”. No campo do direito, por exemplo, o culto é suficiente.

1.2 Linguagem jurídica

Diante dos conceitos apresentados, vale ressaltar que a linguagem jurídica é uma linguagem que pode ser qualquer um dos seguintes tipos:

a) Oralmente: por meio da língua portuguesa, no caso do Brasil, oralmente no caso de audiências e sustentações orais, e por escrito, no caso de petições e decisões;

b) Não-verbais: executados fora da língua portuguesa, por exemplo, através de gestos com as mãos, o movimento de um juiz batendo em um martelo, dentre outros;

c) Mista: Uso de linguagem falada e não verbal, por exemplo, quando um advogado gesticular, ao fornecer apoio verbal, coloque mais ênfase no que é dito.

No entanto, este trabalho pretende focar apenas na face original da linguagem jurídica, a forma oral, que ocorre principalmente na forma escrita, pois é aí que surgem os maiores problemas de verificação, aplicando-se o que for levantado sobre a forma escrita, depois da necessária adaptação na forma falada. Embora a forma falada exista dentro da lei, a forma escrita é mais utilizada, uma vez que a maioria dos atos processuais são conduzidos por ela (petições, mandados, decisões, etc.). Isso acontece em:

“(…) questão de segurança jurídica, no intuito de que os atos praticados fiquem registrados, podendo ser consultados a qualquer momento pelas partes, magistrados de quaisquer instâncias e outros interessados. Não fosse o processo registrado pela língua escrita, em pouco tempo as ideias se perderiam e seria praticamente impossível promover a justiça nos casos concretos” (HENRIQUES; TUBILHANO, 2013, p.9).

É importante ressaltar que ao dar tal atenção, este trabalho não pretende valorizar o escrito e o oral de formas distintas, pois ambos são “importantes para a comunicação” (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013).

Prosseguindo com a conceituação de linguagem jurídica, entende-se que se trata de uma expressão que “designa um determinado tipo de linguagem utilizada por advogados, juristas, juristas, enfim, qualquer pessoa que necessite estabelecer comunicação em determinado enfoque jurídico. Não representa “um tipo diferente de linguagem”, mas sim “um nível de linguagem próprio do domínio do direito” (ARIOSE, 1999).

“A língua é a mesma, a portuguesa. Então não se pode falar em (..) qualquer (..) artifício inusitado. A linguagem forense nada mais é do que a língua portuguesa aplicada ao Direito”. (ARIOSE, 1999, p.2).

Paiva (2007), complementando o pensamento de Ariosi (1999) observou:

“O advogado tem, assim como profissionais de outras áreas, uma linguagem própria, peculiar à sua atividade. Algumas palavras de nosso idioma, apesar de serem, em princípio, acessíveis a qualquer leitor, são utilizadas no universo jurídico com sentido próprio. (..) A essas expressões de sentido técnico nenhuma crítica se há de fazer. (..). Respeita-se a linguagem técnica, mas condena-se veemente a linguagem prolixa de muitos profissionais da área. Linguagem confusa e arcaica contribui para a morosidade da justiça” (ARIOSE, 1999, p.12).

Percebe-se que o sentido originário da linguagem jurídica é a linguagem técnica do meio jurídico, que define conceitos e, portanto, não pode ser suprimida. No entanto, por razões históricas, uma outra linguagem foi adicionada a esse conceito: uma linguagem recorrente, longa, rebuscada, arcaica e incompreensível. É dessa linguagem, que com o tempo passou a ser conhecida também como jurídica, que o direito precisa se libertar porque prejudica a boa comunicação e o andamento processual.

Portanto, pode-se concluir que a linguagem jurídica é como uma moeda com duas faces distintas, pois ao longo do tempo, o sentido da expressão se divide em dois: o sentido original, que está relacionado com a linguagem conceitual do meio jurídico; significado por razões históricas, relacionadas à linguagem longa, rebuscada e obscura.

“Esse vício de linguagem é característico de muitas classes sociais e profissionais”, mas é mais visto na esfera jurídica.  “Escolher palavras dessa natureza tornou-se um hábito do advogado, que só destrói a clareza do texto. Há uma diferença entre escolher a palavra certa para obter o significado exato e escolher a palavra difícil apenas para demonstrar falsa sabedoria.” Nesse sentido, Filippetto afirma:

“Tem gente que pensa que escrever bem é escrever difícil. Engano. Quanto mais simples forem os termos usados, mais claro será o texto e, portanto, maior será a qualidade da redação. Sendo assim, é desaconselhável a utilização de palavras muito rebuscadas, que ninguém mais usa, que soam estranho. Além de ser pedante, (..) denota que o advogado pretende impressionar não pelo domínio do direito, mas pelas barreiras intransponíveis à compreensão comum. Por exemplo: ‘Fossemos acompanhar a megalegoria e culteranismo dos réus, mostraríamos a delitescência da patognomônica vestibular (..)’. Escreveu-se, mas nada se disse. Palavras excessivamente requintadas truncam a fluência da leitura dificultando a compreensão do texto (…)” (FILLIPETTO, 2001, p.76).

Foucault (1996), discute isso em seu livro A Ordem do Discurso, no qual argumenta que os tipos sistematizadores são responsáveis ​​por criar uma coerção no discurso como um enunciado de pertença ao grupo, seja usando o próprio privilégio de quem usa o discurso, seja para impondo a verdade sobre a sociedade, e preservá-la, ou mesmo atingir alguém sem se preocupar com o significado do que ele diz.

 A disciplina é o princípio que rege a produção da fala. Impõe-lhe limites por meio de um jogo de identidade na forma de regras permanentemente atualizadas. As pessoas estão acostumadas a ver a versatilidade de um autor, as inúmeras resenhas e o desenvolvimento de uma disciplina como recursos ilimitados para a criação do discurso. Possivelmente, mas ainda são princípios coercitivos; seus efeitos positivos e multiplicadores provavelmente não podem ser explicados sem levar em conta suas funções restritivas e coercitivas (FOUCAULT, 1996, p. 36).

Além desse raciocínio, o filósofo Friedrich Nietzsche complementa da seguinte forma:

Aquele que se sabe profundo esforça-se por ser claro; aquele que gostaria de parecer profundo à multidão esforça-se por ser obscuro. Porque a multidão acredita ser profundo tudo aquilo de que não pode ver o fundo. Tem tanto medo! Gosta tão pouco de se meter na água! ” 13

Como será mostrado, o direito brasileiro tornou-se, e muitas vezes ainda é, prisioneiro da erudição, uma barreira ao acesso à justiça.

1.3 A Importância da linguagem para o Direito

A língua falada (ou, como se viu, o uso de uma língua, seja ela falada ou escrita), “tem peculiaridades próprias que merecem alguma reflexão, sobretudo no âmbito jurídico”. Tendo em vista que este trabalho se concentra nas modalidades de linguagem escrita, vale primeiramente ressaltar que, devido à ligação indireta com o destinatário neste caso, é necessário um vocabulário mais rico (isso não significa o uso de palavras incompreensíveis), preste mais atenção sintaxe e, acima de tudo, clareza.

“Um sistema de comunicação pouco claro (…) pode por vezes ter consequências graves. Dada a natureza social do direito, o discurso jurídico deve ser claro. As leis são criadas para mediar as relações, e por vezes os conflitos, entre vários componentes da sociedade, o dever de interpretar as normas jurídicas com clareza cristalina para que aqueles que batem à porta possam entendê-las é fundamental.  Dessa forma, um texto jurídico, mais do que qualquer outro, deve estar isento de falhas que impeçam a captação de sua mensagem” (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p. 38).

A busca pela clareza na hora de escrever é fundamental, pois o sentido pretendido do texto será compreendido pelo destinatário posteriormente, na ausência do autor.  Isso evita que o receptor tenha dúvidas a esclarecer, ao contrário da linguagem falada, em que o contato direto é imediato e direto, permite o esclarecimento simultâneo.  Assim, na linguagem escrita, o autor deve aproveitar o facto de o texto poder ser preparado e revisto antes de ser apresentado ao destinatário, o que lhe permitirá prepará-lo com mais cuidado “tanto do ponto de vista do sujeito como em termos de conteúdo linguístico e discursivo” (VIANA, 2003, p.13) também evitarão possíveis ambiguidades.

“(..) por exemplo, ao peticionar em juízo o advogado deve verificar se o conteúdo de seu texto está claro, pois a apreciação de sua petição, em regra, demorará (..) e não será realizada em sua presença. O inverso também é verdadeiro: ao decidir, o juiz deve ser claro, caso contrário não será compreendido pelos advogados das partes, os quais podem, nesse caso, opor (..) embargos de declaração, com o intuito de que o magistrado afaste a obscuridade ou contradição presente em sua decisão” (HENRIQUES; TRUBILHANO, 2013, p. 8).

De acordo com Nascimento Apud Paiva:

“Escrever corretamente assume no campo do Direito valor maior do que em qualquer outro setor. (…) O jurista não observa fatos, mas estuda o significado de determinadas palavras por meio das quais deve reconstituir os fatos” (PAIVA, 2007, p.11).

Com isso, é impossível conceber o direito sem uma fonte escrita, pois toda decisão jurídica se baseia em um texto específico: é o texto que é interpretado (PAIVA, 2007, p.7) para sustentar essa afirmação, discute-se a disparidade entre as finalidades do texto legal e do texto literário:

“Enquanto a linguagem literária visa, predominantemente, expressar e comunicar emoções, sentimentos ou vivências psicológicas, o texto jurídico tem função primordial de desenvolver ideias fundamentalmente informativas e argumentativas. Antes de escrever, o emissor deve se preocupar com quem vai ler. De nada adianta incluir palavras rebuscadas para ilustrar exemplos, se o leitor não conhece tais expressões. Para que ocorra comunicação, deve haver entre escritor e leitor um mínimo de informações compatíveis” (PAIVA, 2007, p.14).

Assim, ao redigir um documento processual, o advogado deve lembrar que existe um juiz interessado em compreender o documento da forma mais rápida e possível para dar prosseguimento à investigação, (PAIVA, 2007, p.12), além disso, existe um cidadão interessado em compreender as decisões do tribunal e procedimentos que o envolvem.

É fundamental reconhecer que a linguagem possui múltiplas funções conativas, referenciais, emocionais, poéticas e metalinguísticas, sendo a primeira delas primordial para o Direito.  “A função conativa é convencer ou influenciar o receptor”, segundo os textos legais, deve-se construir uma mensagem que direcione o raciocínio do receptor para uma determinada perspectiva, a respeito de uma determinada tese se a intenção da lei escrita é descrever os fatos (VIANA, 2003, p.13) e teses, demonstrando que o raciocínio exposto é o correto e prendendo a atenção do receptor, inspirando-o a ler o escrito, é simples concluir que ele deve ser elaborado de forma a transmitir a mensagem ao receptor da forma mais clara e concisa possível possível.

“(…) para o operador do Direito, o escrever bem é fundamental, na medida em que utiliza a linguagem na exteriorização das normas e conceitos jurídicos. (..) Não há grandes segredos para se escrever bem (..). Se tiver empenho, (..), disciplina e (..) paciência, tenderá a adquirir o controle da técnica redacional. ” ( SABBAG, 2012, p.15).

Porque a linguagem é crucial para o Direito, a redação adequada de textos jurídicos é considerada uma componente fundamental da atividade e um meio de acesso à justiça.  Assim, “saber como escrever corretamente, de forma lógica, com consistência, bom raciocínio e precisão”, é de suma importância para o exercício da profissão.

“Um ofício com tantas palavras, livros, leis, textos, debates e julgamentos nunca poderia deixar de ser um ofício da palavra. Fazer Direito é escolher a palavra como pedra fundamental, é escolher o raciocínio, a lógica e a retórica como companhia, e a fala e a escrita como principal instrumento de trabalho. (…) todo profissional da área jurídica não deixa de ser um escritor” (AQUINO, 2010, p.5).

Se a lei é o ato de escolher a palavra como fundamento, é crucial entender como polir essa pedra para que ela seja vista: o correto exercício da profissão, o acesso à justiça e a aplicação da lei.

Tendo em vista que o advogado é um dos profissionais que mais utiliza a linguagem como principal meio de trabalho, é fundamental que ele tenha habilidade para falar e escrever com clareza.  Na lei, interpretações imprecisas podem levar a injustiças, e é por isso que tentamos evitar isso.  O advogado é responsável perante aqueles que o abordam, assim como o médico é responsável por seus pacientes.  Se ele entender mal as palavras durante sua defesa, isso pode ter um efeito prejudicial em seus clientes (AQUINO; DOUGLAS, 2010, p.431).

“Cabe a você avaliar e medir o que escreve ou diz. Isso porque a subdosagem pode afetar seriamente o resultado desejado. (…) escrevendo ou falando, você pode mudar o mundo, persuadir, conquistar, realizar” (AQUINO; DOUGLAS, 2010, p. 4).

Para Ariosi, o bom domínio da língua portuguesa (oral e principalmente escrita) é fundamental para o sucesso dos profissionais da área jurídica, pois os ajudará a alcançar seus objetivos. Quanto mais pomposo for o conteúdo e a forma do artigo, mais hipócrita ele parecerá, além de expressar “desconhecimento do bom português” e “difamar o texto” e o autor (ARIOSE, 1999, p.2).

“Não se deve menosprezar o que aparentemente é básico e primário. O erro em subestimar estes conhecimentos tem sido cometido por quem não entende que o que importa, de fato, é a apresentação de um texto claro, objetivo, correto, que respeite o bom português e se preste a estabelecer a comunicação com quem se pretende atingir com o mesmo” (ARIOSE, 1999, p.5).

Para Ariosi (1999), o bom domínio da língua portuguesa (oral e principalmente escrita), é fundamental para o sucesso dos profissionais da área jurídica, pois os ajudará a alcançar seus objetivos. Quanto mais pomposo for o conteúdo e a forma do artigo, mais hipócrita ele parecerá, além de expressar “desconhecimento do bom português” e “desacreditar o texto” e o autor.

Com isso, é simples concluir que a apresentação de um texto obscuro, rebuscado, com inversões e linguagem arcaica dificulta o acesso à justiça.

1.4 Lacuna no ensino jurídico

A capacidade de produzir e compreender textos jurídicos é um dos maiores obstáculos enfrentados atualmente pelos profissionais da área e pelo cidadão comum. A formação jurídica contemporânea consiste em “aprendizagem técnica, conhecimento sistemático do ordenamento jurídico (…)14 ”.

Essa formação “desenvolvida na maioria dos cursos de graduação do Brasil, utilizando os manuais jurídicos como principal fonte para seus estudos bibliográficos”, e sua linguagem “acabou por embriagar os juristas, que automaticamente a copiaram por ser a mais adequada no contexto jurídico do país15

“A linguagem complexa substituiu a necessidade de fundamentação das posições, tornando aparentemente embasadas as posições jurídicas calcadas apenas (…) em um linguajar inacessível à maioria da população brasileira. Poucos são os autores, na área do Direito, que conseguem desenvolver em suas obras (..) uma linguagem menos carregada (..) e comunicativamente eficaz. Esse problema, no entanto, parece não ser percebido por boa parte dos juristas, em especial os mais novos, que se deslumbram com a possibilidade de reproduzir esse falso eruditismo em seus discursos, textos e mesmo nas conversas mais informais possíveis” (SANTANA, 2012, s/p).

Embora muitos jovens profissionais tenham defendido uma linguagem jurídica mais clara, em geral não há muita preocupação com essa questão, pois não há disciplina dedicada à linguagem jurídica nos currículos jurídicos. Os cursos apenas de português geralmente não abordam teórica ou praticamente a simplificação da linguagem jurídica.

Há exceções, como a Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que possui em seu currículo duas disciplinas básicas: Linguagem Jurídica e Retórica e Argumentação Jurídica. Em geral, porém, a formação acadêmica prepara o futuro advogado com os conhecimentos jurídicos necessários, porém, muitas vezes, limita-se a questões jurídicas sem ensinar aspectos que complementem sua atuação como profissionais da área, como a boa redação. Essa prática é prejudicial na formação dos profissionais do direito porque acaba criando um mundo muito distante da realidade.

As pessoas acreditam que a boa escrita é um talento, uma personalidade inata, ou que não há necessidade de contorná-la porque ela será adquirida com a prática e a experiência cotidiana (PAIVA, 2007, p.7 e 11).

Ainda assim:

“Aprender a escrever e falar é extremamente útil para a carreira, quase indispensável, e (..) essas artes são permitidas mesmo àqueles que não tiveram a sorte de nascer com talento ou pendor para tal. É muito importante aprender a língua e como fazer uso dela nos dois meios mais comuns de sua divulgação: a escrita e a fala” (AQUINO; DOUGLAS, 2010, p.4).

Segundo Xavier:

“(…) não é preciso ser um grande estilista da pena para escrever corretamente, e isto é o mínimo que se deve cobrar de um advogado competente. Havendo perseverança em fazer certo as coisas, exercitação frequente e lastro de leitura adequada, a maior parte dos obstáculos será vencida” (XAVIER, 2000, p.230).

Principalmente na área jurídica, é de extrema importância saber argumentar, descrever e se expressar, e se o advogado souber usar nossa linguagem de forma clara e correta na hora de se comunicar, então os conhecimentos profissionais adquiridos na faculdade serão utilizados de forma mais eficaz para ajudar na realização da justiça.

1.5. A LINGUAGEM JURÍDICA COMPLEXA COMO OBSTÁCULO DE NÃO ACESSO À JUSTIÇA

A linguagem jurídica é a linguagem técnica utilizada pelos operadores do direito, mas quando há uso excessivo de advérbios e adjetivos, uso repetido e desnecessário, inversões sintáticas, expressões ambíguas, rebuscadas, frases redundantes, expressões mais latinas, parágrafos longos, a linguagem foi cada vez mais vista como jargão jurídico, impedindo e comprometendo o entendimento e o diálogo com os cidadãos comuns, e atuando como uma barreira ao acesso à justiça. Segundo o já citado Michel Foucault, os discursos criados na sociedade são baseados no poder e, portanto, segundo o artigo científico de Rodrigo Rios Faria de Oliveira (2019), A complexidade do formalismo da linguagem jurídica frente à precariedade da compreensão na sociedade Brasileira, esse poder está diretamente relacionado à arte de entender, de modo que no uso da linguagem jurídica nos deparamos com uma forma inacessível às massas por não pode ser interpretada.

Mas sabemos que tal desvelamento não é de todos, ou seja, nem todos possuem a arte de compreender. Então esse poder, se podemos chamar de poder de interpretação, de entendimento, é como um segredo, um segredo que precisa ser desvendado, porque a linguagem, aqui estamos falando de linguagem jurídica, está envolta em mistério explicativo, algo que escapa a um simples leitor e, portanto, inacessível a uma grande parcela da sociedade. Aqui precisamos de interpretação (OLIVEIRA, 2019, p.5).

Desta forma, é importante frisar que o Direito e o acesso à justiça, assim como a acessibilidade linguística não podem ser um instrumento de segregação social, sendo assim, Rodrigo ainda destaca em seu artigo científico que os cidadãos, ao não compreenderem as normas de direito, acabam por não confiarem nas instituições públicas, pois acreditam que tais direitos não se aplicam a si mesmos, o que revela, novamente, a criação de um discurso voltado ao poder como já afirmava Foucault, e como esse linguajar rebuscado é um obstáculo na concretização do acesso à justiça.

Esse entendimento compartilhado por parcela significativa da população, demonstra claramente os efeitos negativos da linguagem jurídica nas relações sociais, pois cria um código é sigiloso para os profissionais do direito, o que leva a uma alienação dos cidadãos, que os afasta do entendimento adequado do nosso ordenamento jurídico, o que contribui à crença de que não há justiça no país (OLIVEIRA, 2019, p.5).

Com isso, o direito deve acompanhar as mudanças da sociedade, o que tornaria a linguagem mais dinâmica e consequentemente difundiria o direito mais amplamente, isso porque a linguagem jurídica deve ser compreendida por todos, para que ninguém fique sem conhecimento de seus direitos.

Samene Batista Pereira Santana (2012), explica que a antiga linguagem do direito é causada por dois motivos principais: a ambiguidade das leis, e a tradição que cria uma estrutura de poder dentro dos tribunais.  Assim, para evitar que essa prática recorrente se espalhe ao longo do tempo, a sociedade deve participar e exigir mudanças que promovam a simplicidade da linguagem jurídica, o que levaria ao respeito e à igualdade.

Adicionalmente, o artigo de Renata Martins de Souza,  publicado no Consultor Jurídico (Conjur),  intitulado A elitização da linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à Justiça  (2020), destaca a obra de Ada Pellegrini Grinover, filósofa brasileira que também afirma que “A ideia de acesso à Justiça, que tomou relevo sobretudo no bojo do Estado Social, não implica, porém, apenas possibilitar o acesso à Justiça como instituição estatal, mas também viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (1996), sendo assim ela é prevista na Constituição Federal de 1988 no art 5ᵒ, XXXV, como é descrito “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

No que diz respeito à aplicação do princípio do acesso à justiça no cotidiano do cidadão comum, ainda existem vários obstáculos a serem superados, que vão desde o custo do processo até o tempo necessário para julgar o mesmo processo.

No entanto, esses obstáculos não são os únicos a serem superados, e neste caso, como já mencionou Mauro Cappelletti (1988), em sua obra Acesso à Justiça, existem também obstáculos para que a própria população reconheça seus direitos e faça propostas. Uma ação ou justificativa para si mesmo porque, como ele mesmo explicou, as barreiras econômicas, as disparidades educacionais, as circunstâncias e o status social impedem as pessoas de acessar a justiça porque muitas delas não conseguem ou não conseguem superar esses desafios.

A “capacidade jurídica” pessoal, se se relaciona com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status social, é o um conceito muito mais rico, e de crucial importância na determinação da acessibilidade da justiça. Ele enfoca as inúmeras barreiras que precisam ser pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado através de nosso aparelho jurídico. Muitas (senão a maior parte) das pessoas comuns não podem – ou, ao menos, não conseguem superar essas barreiras na maioria dos tipos de processos. (CAPPELLETTI, 1988, p.22).

A língua, portanto, continua sendo um obstáculo a esse objetivo, pois muitos cidadãos brasileiros não têm acesso a ela e, além disso, como aponta o sociólogo Raymundo Faoro, a língua é uma ferramenta do Estado para controlar seus próprios interesses, o que afasta os mais humildes de mecanismo de justiça.

O poder, que é nominalmente a soberania popular, não é propriedade do povo comum do estado, da sociedade, da ignorância e da pobreza. O chefe não é um representante, mas um gerente de negócios, e o gerente de negócios não é um agente.  (…). E o povo, (…) o que eles querem? Isso oscila entre o parasitismo e a mobilização para desfile (…). A lei, retoricamente elegante, não o interessava. Esta eleição, ainda que formalmente livre, reservou-lhe uma escolha entre opções que não promulgou (FAORO, 2001, p. 885).

Por outro lado, a matéria publicada no Conjur diz que, por meio de uma linguagem mais próxima da realidade dos mais necessitados, os aplicadores da lei dão segurança aos leigos que, por sua vez, poderão atuar melhor em suas vidas .papel na sociedade, além de poder interagir de forma otimizada de acordo com suas necessidades de interesse.

2 RESOLVENDO OS OBSTÁCULOS ATUAIS

Diante de tudo o que foi exposto ao longo do desenvolvimento deste artigo, as grandes questões que envolvem a linguagem jurídica muitas vezes são desnecessariamente rebuscadas, mantendo a população à distância do judiciário, afinal, como dito anteriormente, a linguagem tem o poder de criar ambientes de poder e tornar a natureza elitista dos oradores do direito.

Então, como explicam Samene Batista Pereira Santana e Rodrigo Rios Faria de Oliveira, com a criação dessa “elite” construída por uma linguagem altamente sofisticada, leva à segregação social e, consequentemente, gera insegurança na população porque, em por sua vez, fazem valer e defendem seus direitos Sentindo-se inseguros por não terem entendido o que foi dito, ofendendo claramente o princípio constitucional do acesso à justiça consagrado no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal.

Portanto, diante dessa crise de linguagem na comunicação jurídica, fica claro que mudanças são necessárias, a começar pelas próprias instituições estatais, a fim de desmantelar essa imagem negativa do judiciário e restabelecer os vínculos com o cidadão comum. Nesse sentido, como forma de elucidar os temas que perpassam este trabalho, serão apresentados exemplos de implementação de linguagem mais acessível em âmbitos jurídicos, lembrando que é impossível esgotar esse vasto assunto.

Ressalte-se que o processo de utilização do direito para uma linguagem mais compreensível, não é uma realidade aplicada distante e complexa, conforme já discorrido por Rodrigo Rios Faria de Oliveira, para garantir que funcione para todos e garanta o acesso à justiça.

Mais recentemente, a doutrina passou a levar em consideração a necessidade de mudança dessa linguagem tradicional para que a justiça seja melhor compreendida e acessada por todos, demonstrando a perniciosidade dos profissionais do direito rebuscados (OLIVEIRA, 2019, p. 7).

Como exemplo a esse respeito, é necessário referir novamente o artigo publicado pelo Conjur sobre a Defensoria Pública, que tem papel fundamental na defesa dos interesses de seus clientes, mas também é responsável pela orientação extrajudicial em termos humanitários, mais fácil de usar.

Ainda nesse sentido, conforme artigo publicado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) intitulado Simplificação da linguagem jurídica (2006), da juíza Oriana Piske, o autor afirma que o Judiciário atualmente carece de legisladores mais efetivos que priorizar o entendimento sobre as normas processuais e a linguagem do processo, e leis que não sejam ambíguas ou incompreensíveis, pois isso não traz legitimidade ao próprio Judiciário.

Assim, para criar uma justiça simples e ágil, os juízes devem abandonar a linguagem elaborada e, em vez disso, empregar um diálogo conversacional que seja compreensível e facilite a entrega da justiça a todos.

Nesse sentido, propomos que tribunais e comarcas adotem uma linguagem mais abrangente: campanhas para simplificar a linguagem jurídica;  a promoção de cursos que envolvam atualização da linguagem jurídica;  a criação de revistas que incluam documentos jurídicos que tenham exemplos de expressões que foram substituídas por alternativas mais simples (PISKE, 2006).

Enquanto isso, a Procuradoria-Geral da União (AGU) publicou o artigo AGU Adota Projeto Inovador de Linguagem Jurídica (2021),  afirmando que, para melhorar o acesso à informação, lançou um projeto denominado Lei Visual que utiliza elementos visuais como vídeos, infográficos, fluxogramas , storyboards, bullet points e QR codes, além de usar modelos personalizados e evitar palavras rebuscadas, apresentam uma linguagem mais compreensível e clara, como explica a Coordenadora Nacional Procuradora da República Alexandra Da Silva Amaral, do grande grupo de cobrança da PGF, “O objetivo é introduzir uma linguagem compreensível e clara, buscando mudar a forma como nos comunicamos com magistrados e juízes. Em princípio, nossa ideia é trabalhar com os tribunais e a própria Procuradoria-Geral da República faz uma abordagem mais efetiva.”

Ao harmonizar direito e tecnologia de forma inovadora, o projeto possibilitou uma grande mudança na comunicação com o judiciário, aumentando a presença da PGF nos tribunais e garantindo a qualidade da defesa das entidades representadas pelo órgão (KALATZIS, 2021, s.p)16

No que diz respeito a essas mudanças necessárias no diálogo entre as instituições estatais e o público em geral, há também o exemplo da Advocacia Geral da União (PGU), que, por meio do Ministério Público do Trabalho, passou a utilizar técnicas jurídicas visuais em sua obra comemorativa Alto Trabalho Tribunal, reduzindo o comprimento de documentos antigos de 10 para 12 folhas, passando para 4 folhas para uma leitura agradável.

Basicamente, a estratégia empregada foi fazer um breve resumo do processo, destacando a decisão de buscar a reforma. Tratados e precedentes jurídicos são condensados ​​para que os magistrados possam observar os assuntos em debate desde o início. Fotografias, estatísticas, dados financeiros e econômicos são destacados para melhor embasar os argumentos empregados no recurso (ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO-AGU).17

Desta forma, fica claro que a comunicação entre os aplicadores da lei e os cidadãos está dando os primeiros passos para o entendimento mútuo e o diálogo necessário entre as duas partes. Ainda há um longo caminho a percorrer até que todas as mudanças entrem em vigor, mas é já é bom. Comece. Assim, como demonstram os exemplos citados acima, é perfeitamente possível tornar a linguagem jurídica acessível ao público, contribuindo assim para os princípios constitucionais de acesso à justiça e ajudando a melhorar a percepção popular sobre o judiciário.

CONCLUSÃO

Se o objetivo da linguagem jurídica é defender, e persuadir um argumento, então é fácil perceber que um advogado, ao elaborar um ensaio, deve ser capaz de relatar com clareza os fatos e justificar a aplicação de uma norma, demonstrando que a conclusão do raciocínio importa para você é uma decisão favorável para os clientes.

Fazer direito é escolher essa palavra como pedra angular, e saber talhar essa pedra para que ela fique sobre ela: o bom desempenho da profissão, a administração da justiça e o cumprimento da lei, é essencial. Inevitavelmente, um dos meios desse apedrejamento foi simplificar a linguagem da lei.

A difusão do saber jurídico e a ampliação do acesso à justiça por meio da linguagem representariam “reconquista” do Estado pela sociedade, pois tornar o discurso jurídico compreensível à grande maioria é uma forma de concretizar o desejo de justiça e de acesso à justiça” dessa justiça. Diante do que foi apresentado, pode-se concluir que a linguagem jurídica é um dos fatores que causa e continua causando o distanciamento entre o direito e a justiça.

Na definição de linguagem jurídica, explica-se que há um sentido originário, envolvendo a linguagem técnica do meio jurídico, definindo conceitos, e um sentido acompanhante, que é inapropriado, decorrente de razões históricas, envolvendo longos e rebuscados e linguagem obscura. A linguagem jurídica pode, assim, ser comparada a uma moeda, com duas faces distintas, pois o significado expresso se divide em dois ao longo do tempo. A conclusão, portanto, é que ao longo do tempo a lei, também conhecida como lei, vem justamente da linguagem que a acompanha, pois prejudica a boa comunicação e o andamento processual.


13CITADOR.        Frases        de        Friedrich        Nietzsche.        Disponível        em:<http://www.citador.pt/frases/aquele-que-se-sabe-profundo-esforcase-por-ser-cl-friedrich- wilhelm-nietzsche-19250>. Acesso em: março de 2023.

14SANTANA, Samene Batista Pereira. A linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à justiça. Uma análise sobre o que é o Direito engajado na dialética social e a consequente desrazão de utilizar a linguagem jurídica como barreira entre a sociedade e o Direito/Justiça. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=12316&revista_caderno=24>. Acesso em: 20 de março. 2023.

15IDEM

16AGU Adota Projeto Inovador de Linguagem Jurídica. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-adota-projeto-de-linguagem-juridica-inovadora> . Acesso em: 07 de abril. 2023.

17AGU Adota Projeto Inovador de Linguagem Jurídica. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-adota-projeto-de-linguagem-juridica-inovadora> . Acesso em: 07 de abril. 2023.


REFERÊNCIAS

AGU – Advocacia-Geral da União, projeto AGU adota de Linguagem Jurídica Inovadora. Plataforma do Governo Federal, 2021. Disponível em:<https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-adota-projeto-delinguagem-juridica-inovadora> . Acesso em: 22 de abril. 2022.

ARIOSI, M. Manual de Redação Jurídica. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

AQUINO, R.; DOUGLAS, W. Manual de Português e Redação jurídica. Niterói: Impetus, 2010.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988/organização e índice por Geralda Magela Alves e Equipe. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Fabris  Editor, 1988.

CITADOR.    Frases de        Friedrich        Nietzsche.       Disponível      em:<http://www.citador.pt/frases/aquele-que-se-sabe-profundo-esforcase-por-ser-cl- friedrich-wilhelm-nietzsche-19250>. Acesso em: 20 de março. 2022.

FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato brasileiro. 3. ed. São   Paulo: Globo, p.855, 2001.

FILIPPETTO, M. E. C. P. Apontamentos de Redação e Prática  Forense. São Paulo: Memória Jurídica, 2001.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. v. 3. Edições Loyola: São Paulo, 1996.

HENRIQUES, A.; TRUBILHANO, F. Linguagem Jurídica e Argumentação: Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2013.

PAIVA, M. Português Jurídico. Brasília: Fortium, 2007.

PISKE, O. Simplificação da linguagem jurídica. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2006/simplificacao-da-linguagem-juridica-juiza-oriana-piske#:~:text=Reconhecer%20a%20necessidade%20de%20simplifica%C3%A7%C3%A3o,do%20Poder%20Judici%C3%A1rio%20no%20Brasil.>. Acesso em:  22 de março. 2023.

SABBAG, E. Português Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2012.

SANTANA, S. B. P. A linguagem jurídica como obstáculo ao acesso      à justiça. Uma análise sobre o que é o Direito engajado na dialética social e a consequente desrazão de utilizar a linguagem jurídica como barreira entre a sociedade e o Direito/Justiça.Disponívelem:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=12316&revista_caderno=24 >. Acesso em: 20 de março. 2022.

SOUZA, R. M. A elitização da linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à Justiça. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-29/tribuna-defensoria-elitizacao-linguagem-juridica-obstaculo-acesso-justica>. Acesso em: 14 de abril. 2022.

TJDFT. NOTÍCIAS DO TJDFT. Simplificação da Linguagem Jurídica -Juíza Oriana      Piske. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2006/simplificacao-da-linguagem-juridica-juiza-oriana-piske >. Acesso em: 03 de março. 2022.

STF. NOTÍCIAS DO STF. Judiciário tem papel de protagonismo no funcionamento do Estado,  diz Lewandowski.  Disponível em: <https://www.sedep.com.br/noticias/judicirio-tem-papel-de-protagonismo-no-funcionamento-do-estado-diz-lewandowski/> . Acesso em: 25 de março. 2022.

TORRES, A. F. M. Acesso à Justiça. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4592>. Acesso em: 01 de abril. 2022.

VIANA, J. M. Manual de Redação Forense e Prática Jurídica. São Paulo:  Editora Juarez de Oliveira, 2003.

XAVIER, R. C. Português no Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense,2000.

WOLKMER, A. C. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.


1Pós-Graduado em Advocacia 4.0 Inovação Jurídica e Tecnologia, Faculdade Educacional-VERBOEDU- RS
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2355-771X E-mail: derickheliston@gmail.com

2Orientador e Mestrando em Sociedade Tecnologias e Políticas Públicas, Centro Universitário de Maceió-UNIMA-AL
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9409-3564 E-mail: fredklaus.adv@gmail.com

3Pós-Graduada em Medicina Veterinária Legal, FACUMINAS- MG
ORCID:https://orcid.org/0000-0003-4570-2113 E-mail: quelluzz69@gmail.com

4Pós-Graduada em Crítica Cultural, Universidade Estadual da Bahia-UNEB-BA
ORCID: https://orcid.org/00Priscila Vincenzi dos Santos00-0001-7912-5380 E=mail:lilianerosalia@gmail.com

5Mestre em Zootecnia, Instituto Federal do Paraná-PR
ORCID: https://orcid.org/0009-0009-2789-0684 E-mail: priscilavincenzi@gmail.com

6Mestranda em Administração, CEFET-MG
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8576-5525 E-mail: marianagabrielabh@hotmail.com

7Pós-graduada em Direito Tributário, Universidade Triângulo Mineiro-MG
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-7982-7041 E-mail: Brendatavares27@gmail.com

8Mestranda em Contratos e da Empresa, Universidade de Minho, PT
ORCID: https://orcid.org/0009-0002-6880-7647 E-mail:flora.souza@gmail.com

9Pós-graduado em Direito processual, Centro Universitário-CESMAC-AL ORCID: https://orcid.org/0009-0005-5697-5469 E-mail: elicosouza@hotmail.com

10Doutoranda em Ciência Ambiental, UNIFAL-MG
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0845-2071 E-mail: erothildes.martins@sou.unifal-mg.edu.br

11Graduando em Direito, Universidade Federal do Maranhão-UFMA-MA
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4272-5733 E-mail: frankleonardogfj@gmail.com

12Pós-Graduada Pós-graduação em Direito Constitucional Aplicado, Centro Universitário –  MG
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-9448-0306 E-mail: agathamfa@yahoo.com.br