A EFICÁCIA/INEFICÁCIA DOS NOVOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS PARA SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS

THE EFFICACY/INEFFICACY OF NEW PROCEDURAL INSTRUMENTS FOR EXTRAJUDICIAL CONFLICT RESOLUTION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202412061302


Patrícia de Lima Villadouro1
Geralda Cristina de Freitas Ramalheiro2
Edmundo Alves de Oliveira3
Guilherme Celestino de Abreu4


Resumo

O presente artigo analisou a (in)eficácia dos novos instrumentos processuais voltados à solução extrajudicial de controvérsias, destacando a sobrecarga do poder judiciário como um impedimento ao acesso à justiça. O estudo abordou discussões legislativas e doutrinárias sobre a desjudicialização no Brasil, utilizando o método dialético-argumentativo e pesquisa bibliográfica em materiais normativos, artigos jurídicos e doutrinas relevantes. Os resultados indicam que a extrajudicialização contribui para assegurar o acesso à justiça, promovendo uma gradual mudança cultural do litígio para a pacificação. Apesar das dificuldades observadas, há uma valorização crescente da consensualidade e do protagonismo das partes na administração e resolução de seus conflitos, incentivando a autocomposição, inclusive por vias paraestatais.

Palavras-chave: Extrajudicialização. Desjudicialização. Consensualidade. Acesso à justiça. Cultura da pacificação.

ABSTRACT

This article analyzed the (in)effectiveness of the new procedural instruments aimed at extrajudicial dispute resolution, highlighting the overload of the judiciary as an obstacle to access to justice. The study addressed legislative and doctrinal discussions on dejudicialization in Brazil, using the dialectical-argumentative method and bibliographic research in normative materials, legal articles, and relevant doctrines. The results indicate that extrajudicialization helps to ensure access to justice, promoting a gradual cultural shift from litigation to pacification. Despite the observed challenges, there is a growing appreciation for consensuality and the protagonism of the parties in the management and resolution of their conflicts, encouraging self-composition, including through para-state means.

Keywords: Extrajudicialization. Dejudicialization. Consensuality. Access to justice. Culture of pacification.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil observa-se o predomínio da cultura de tratar os conflitos no Judiciário com vistas a obter uma solução oriunda de uma sentença, priorizando o método adversarial. No entanto é necessária a ponderação referente a outros meios de solução de controvérsias, que podem se mostrar mais adequados, tendo em vistas as especificidades dos conflitos.

É de conhecimento que, no que concerne aos meios para resolução de disputas, a obtenção dos meios apropriados para a resolução de disputas pode ocorrer dentro e fora do Judiciário, valendo-se de técnicas e instrumentos que confiram um melhor direcionamento ao litígio.

A questão que direcionou esta pesquisa foi: os novos instrumentos processuais para a solução extrajudicial de conflitos têm se mostrado eficazes?

Com o intuito de responder ao problema delineado, o presente artigo objetivou analisar a (in)eficácia dos novos instrumentos processuais para solução extrajudicial de conflitos.

Referente à hipótese, tem-se que a extrajudicialização da resolução de conflitos é um meio de garantir que as partes atendidas tenham acesso à justiça, procedendo, gradativamente, a substituição da cultura do conflito pela cultura da pacificação.

A importância do tema em estudo está em conscientizar que os caminhos atuais e mais modernos chamam a atenção para a necessidade de priorizar alternativas extrajudiciais para a resolução de disputas, sabendo-se que o monopólio do Judiciário não tem se mostrado suficiente para fazer frente à grande quantidade de pedidos que ingressam dia após dia no Judiciário.

Referente à metodologia, o método empregado do desenvolvimento desta pesquisa foi o dialético-argumentativo, operacionalizado por pesquisa bibliográfica realizada em material normativo, artigos jurídicos e doutrinas alusivas à temática abordada.

2. SOBRECARGA DO PODER JUDICIÁRIO COMO IMPEDIMENTO AO ACESSO À JUSTIÇA

Os conflitos sempre estiveram presentes na natureza humana e nas interações sociais. As maneiras de resolver disputas foram evoluindo ao longo do tempo, mas é claro que não há uma solução ideal ou uma fórmula única a ser seguida. Os padrões de comportamento também mudaram significativamente com o passar dos anos, de modo que questões consideradas importantes em um período podem não ter a mesma relevância em outro.

A interação social é um resultado inevitável da existência do ser humano, havendo apenas a sua adequação quanto à frequência e em alguns casos a quantidade de pessoas, as quais dividem a sua rotina. Nesse sentido, das relações humanas decorre o conflito, considerando as singularidades de cada indivíduo com suas características diversas: personalidade, cultura, classe social, costumes, dentre outras, que resultam em uma forma de pensar distinta da dos demais. 

No Brasil, o Estado assume o poder coercitivo, sendo a ele atribuída a incumbência de resolver eventuais conflitos, sempre que necessário, e, na maioria dos casos, quando acionado. 

Sobretudo no âmbito do judiciário, no Brasil muito se discute quanto à maneira mais eficaz para solucionar o problema do congestionamento de processos, pois normalmente recorre-se aos métodos adequados de solução de conflitos. Tendo como um dos grandes precursores do que hoje se chama de maneira mais abrangente de métodos de solução de conflitos, Cappelletti e Garth (1988, p. 65-72), em sua obra original, Access to Justice: The Newest Wave in the Worldwide Movement to Make Rights Effective, sugeriram alguns métodos alternativos para decidir causas judiciais. Entre eles estão a adoção da arbitragem, a conciliação e a utilização de incentivos econômicos. Essas abordagens continuam a ser aplicadas em escala crescente, tanto dentro quanto fora do âmbito judicial. 

No Brasil, existem legislações que tratam sobre cada um dos métodos sugeridos na obra supracitada referentes à mediação, com menção do procedimento desde as ordenações Manuelinas (1514). Entretanto, considera-se que a conciliação passou a ter mais importância e visibilidade a partir do Código de Processo Civil de 1973, do mesmo modo que as leis que criaram os Juizados de Pequenas Causas e, posteriormente, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais – oportunidade que passou a figurar também procedimento autônomo, com princípios e esquemas diversos do comum; impondo maior celeridade, permitindo solução mais eficaz para os envolvidos, sobretudo com a conciliação, cada vez mais estimulada e utilizada por todos os sujeitos do processo (ALMEIDA, 2019, p. 29).  

A concepção ampliada do acesso à justiça, que abriu o Judiciário para uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos, associada à dinâmica acelerada das relações sociais e ao aumento de sua complexidade, impulsionou o fenômeno da excessiva judicialização das disputas. A crescente quantidade de litígios, estimulada por uma cultura de litígio, tem gerado o que se denomina “explosão de litigiosidade”, dificultando o pleno acesso à justiça (CAPPELLETTI, GARTH, 1988, p. 5). No Brasil, o Poder Judiciário tem sido o principal receptor dessa litigiosidade excessiva, reflexo de uma tendência social que busca a solução de todos os conflitos por meio judicial, fruto de anos de protagonismo do Judiciário na defesa das mais diversas causas (MANCUSO, 2018, p. 21).

Kazuo Watanabe (2011, p. 386) denominou esse fenômeno de “cultura de sentença”, referindo-se à predominância do mecanismo adjudicatório na resolução de conflitos, bem como à formação jurídica dos operadores do Direito, que tendem a recorrer a decisões judiciais para solucionar disputas. No entanto, essa cultura deve ser gradualmente desencorajada, diante da crise enfrentada pelo sistema judicial e da ineficácia do método jurisdicional para resolver certos tipos de conflitos. A predominância do mecanismo adjudicatório tem gerado um aumento constante no número de recursos, o que contribui para o congestionamento das instâncias ordinárias, dos Tribunais Superiores e da Suprema Corte.

Essa ampla judicialização, somada à cultura de sentença enraizada na sociedade, tem provocado um congestionamento significativo no sistema judicial. Paradoxalmente, a sociedade parece acomodada com a atribuição de seus problemas a terceiros, aceitando, muitas vezes, soluções não satisfatórias (MANCUSO, 2018, p. 30). Cury (2018, p. 499) aponta que os novos conflitos encontram as instituições oficiais, especialmente o Judiciário, despreparadas para tratar adequadamente dessa variedade de temas e crescente volume de processos judiciais em prazo razoável. Embora seja essencial garantir o pleno acesso a um ordenamento jurídico justo, condição fundamental para a consolidação do Estado Democrático de Direito, o sistema judicial não está preparado para lidar com a quantidade de demandas diárias.

A crise do Judiciário é frequentemente associada à crise mais ampla do Estado, refletindo problemas como corrupção, falta de investimento e descaso social. Essa crise é vista como um enfraquecimento do próprio Estado, que gradualmente perde sua soberania e negligencia a prestação de serviços e direitos básicos, incluindo a justiça (TARTUCE, 2019, p. 36-37). Nos países em que o Judiciário exerce exclusivamente a função jurisdicional, a crise da justiça se confunde com a crise do próprio Judiciário e de seus integrantes (GRINOVER, 1998, p. 21).

Existe um consenso de que o Judiciário está em crise, em razão do descompasso entre a exigência de proteção jurídica efetiva e os meios disponíveis para oferecê-la de forma célere e eficiente, conforme os princípios e garantias processuais e constitucionais. Diversos obstáculos ao acesso à justiça já foram apontados por Cappelletti e Garth (1988, p. 31), como pobreza, dificuldade de acesso devido ao desconhecimento dos direitos, altos custos judiciais, falta de representação adequada para interesses transindividuais, excesso de formalidades nos procedimentos e a centralização na resolução de disputas.

Grinover (1998, p. 27-28) aponta que a crise do Poder Judiciário tem múltiplos aspectos: crise estrutural dos Poderes do Estado, crise institucional decorrente do desequilíbrio entre os Poderes, crise de mentalidade em função da inadequação da formação dos juízes para lidar com novos conflitos sociais e políticos, e crise dos mecanismos de controle da função jurisdicional. Uma das causas do congestionamento é a inadequação da gestão dos conflitos, sendo que muitas disputas poderiam ser resolvidas por outros meios, reservando a via judicial para questões mais complexas.

Grinover (1998, p. 22) propõe como solução a deformalização dos processos judiciais e das controvérsias extrajudiciais. No âmbito judicial, isso incluiria técnicas para simplificar o processo, tornando-o mais acessível e apto a resolver disputas menos complexas, como a criação de juizados especiais e o uso de meios de julgamento antecipado. No âmbito extrajudicial, sugere-se o fortalecimento de métodos alternativos de solução de disputas, como a auto e heterocomposição.

Cappelletti e Garth (1988, p. 28) sugerem o enfrentamento dos obstáculos ao acesso à justiça por meio das chamadas “ondas renovatórias”. A primeira onda focou na assistência judiciária; a segunda, nas reformas para representar interesses difusos, especialmente em áreas como proteção ambiental e do consumidor; e a terceira onda, no enfoque do acesso à justiça, visa remover os obstáculos processuais que impedem a resolução rápida e eficiente dos conflitos, abrangendo mecanismos e procedimentos para prevenir e processar disputas.

Cahali (2018, p. 45) ressalta que a terceira onda renovatória não se limita à reforma dos procedimentos judiciais, mas também envolve a criação de procedimentos especiais, a mudança dos métodos de prestação de serviços judiciais, a simplificação do Direito e o uso de métodos privados ou informais de solução de litígios, realizados fora do Judiciário. Mancuso (2018, p. 29) reforça que o conceito de acesso à justiça deve evoluir, cedendo espaço para a desjudicialização dos conflitos por meio da busca de soluções auto e heterocompositivas, fora da estrutura judiciária estatal.

Assim, é necessário implementar novas políticas judiciárias e incentivar formas alternativas de resolução de conflitos, que respondam melhor às necessidades sociais e contribuam para um acesso mais efetivo e célere à justiça.

Destaque-se que a sobrecarga no poder judiciário reflete também na continuidade das empresas familiares, pois se um procedimento cujo resultado é tem importância para a tomada de decisões na empresa e que poderia ser realizado de forma simples e célere em um cartório, ficar por anos à espera de uma decisão judicial, a empresa terá que arcar com elevados prejuízos, que a depender do caso, poderá levar à sua falência.

Reconhecendo a necessidade de implementar meios alternativos ao Poder Judiciário para a resolução dos litígios e da tendência social para a negociação, destaca-se a retomada dos equivalentes jurisdicionais, considerando a natureza dos conflitos a forma mais adequada de abordá-los. Surge, assim, um novo modelo de gestão de conflitos, baseado no consenso, que tem ganhado apoio crescente no ordenamento jurídico nacional, e que foi introduzido no Direito de Família e das Sucessões pela Lei n°11.441/2007.

3. A DESJUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL: DISCUSSÕES LEGISLATIVAS E DOUTRINÁRIAS

Para Pedroso (2001, p. 11), o prognóstico positivo apresentado pelas vias conciliatórias motivou os governos a elaborarem programas, de diferentes níveis de ambição, para reformar a administração da justiça.

No Brasil, se deu pouco a pouco a publicação de atos normativos cujo propósito era informalizar e desburocratizar a solução de conflitos, dando início ao que foi chamado por Ada Pellegrini Grinover (2015, p. 51-53) de “minissistema brasileiro de métodos consensuais de solução de conflitos”.

Dentre eles pode-se destacar a Resolução n⁰ 125/2010, do CNJ, que definiu diretrizes para a Política Judiciária Nacional de procedimento adequado de conflitos de interesses. 

Também o CPC/2015 em seu art. 3º, § 3º, determinou que houvesse estímulo à conciliação e à mediação por todos os que fazem parte da Justiça, tais como, os magistrados, patronos, defensores públicos e membros do Ministério Público. 

No que concerne à mediação, um dos métodos utilizados para resolver lides que conta com um terceiro imparcial entre as partes, assim dispõe o art. 4º da Lei 13.140/2015: “o Mediador conduzirá o procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito”5.  

O que se percebe, desde a normatização eficaz do instituto, é sua crescente utilização, em diversos aspectos. Não só com o estímulo judicial, mas também com a iniciativa dos próprios interessados, na busca de uma solução eficaz fora da órbita do judiciário.

A lei 13140/2015 regula o instituto da mediação em seus mais variados aspectos e esse marco normativo proporcionou maior segurança jurídica aos processos de mediação, encorajando a sua utilização e favorecendo a disseminação da prática em diversas áreas de interesse social.  

O conjunto legislativo formado pela resolução CNJ 125/10, a Lei 13.140/15 e o CPC/15 introduziu na estrutura jurídico brasileira o Sistema Multiportas concebido por Frank Sander. A escolha política pela nova metodologia em verdade representa uma virada ampliativa do sentido de jurisdição e do conceito de acesso à justiça. Sob o argumento de se tornar mais participativa e cooperativa, abrindo-se às exigências de “um novo paradigma, em que o cidadão deverá ter a oportunidade de influir nos centros decisórios onde o público não se resume ao estatal”, as formas de resolução de conflitos extrapolam os limites do judiciário e encontram nos mecanismos da convencionalidade, baseados no diálogo convergente ou na arbitragem, opções legítimas (CABRAL, 2022, p. 249)

Destaque-se ainda a Lei nº 11.441/2007, que é uma legislação que tornou possível realizar inventário e partilha de bens de forma extrajudicial, ou seja, fora da esfera do Poder Judiciário. Antes dessa lei, o procedimento de inventário era obrigatoriamente judicial, o que muitas vezes tornava o processo mais demorado e burocrático.

A partir da promulgação da Lei nº 11.441/2007, os interessados podem optar por realizar o inventário e a partilha de forma mais rápida e simplificada, desde que preenchidos alguns requisitos, como a inexistência de menores ou incapazes como herdeiros e a presença de um advogado para representar todas as partes envolvidas.

Essa legislação trouxe benefícios significativos, como a redução de custos e prazos para a conclusão do inventário, além de desafogar o Judiciário ao possibilitar a resolução extrajudicial de questões patrimoniais.

Pelas informações expostas, é possível observar que as serventias extrajudiciais passaram a ser alvo da política pública de desjudicialização e têm exercido uma função de grande relevância nesse sentido, na medida em que gozam de características que as possibilitam prevenir conflitos e garantir que as relações jurídicas sejam estáveis e harmônicas, propiciando segurança jurídica e pacificação social.

A valorização dos métodos alternativos de solução de controvérsias é uma das características mais importantes do “novo modelo processual civil brasileiro” (DINAMARCO, 2017, p. 48). Resultado de um ambiente pós-positivista, o CPC/2015 parece estar rompendo com o anterior sistema processual, que privilegiava a cultura do litígio, já que tem inovado qualitativamente em vários aspectos, priorizando a autonomia privada em detrimento da justiça contenciosa, “focada em formas conciliatórias” (CAPPELLETTI, GARTH, 1992, p. 133).

O objetivo é implementar um mecanismo que permita o tratamento adequado dos conflitos apresentados ao Judiciário, conforme sua natureza. Para isso, será realizada uma avaliação preliminar por especialistas, com o intuito de identificar as partes envolvidas, a natureza e a extensão da controvérsia, possibilitando a escolha do instrumento de resolução mais adequado para cada caso. Essa abordagem reconhece que a prestação jurisdicional do Estado não deve ser vista como o único meio eficiente para a distribuição da justiça, nem como a única sede de atividade jurisdicional. Portanto, é necessário adotar um sistema pluriprocessual que contemple diferentes formas de abordagem e tratamento de controvérsias (TARTUCE, 2019, p. 177-181).

Apesar da defesa da promoção de métodos consensuais de resolução de conflitos, existem posicionamentos críticos a essa prática. Owen Fiss, por exemplo, argumenta que o estímulo a esses métodos pode desvirtuar a função primordial da jurisdição, que é interpretar e aplicar valores presentes em textos de alta autoridade, como a Constituição e as leis, aproximando-os da realidade. Fiss também aponta possíveis desvantagens, como o desequilíbrio de poder entre as partes, a ausência de consentimento legítimo, a falta de base para o envolvimento judicial continuado e a priorização da pacificação em detrimento da justiça (FISS, 2004, p. 124-143).

Todavia, mesmo reconhecendo a validade dessas críticas, a adoção de meios consensuais não parece excluir a via jurisdicional nem gerar desequilíbrio de poder entre as partes. Ainda que essas desvantagens existam, a jurisdição estatal permanece sempre disponível, garantindo a intervenção judicial sempre que as partes não alcançarem um acordo (DINAMARCO, 2017, p. 215).

A implementação de um novo modelo para a gestão da justiça pode proporcionar soluções mais adequadas aos conflitos, promovendo o envolvimento direto das partes na busca do melhor resultado, sem comprometer os relacionamentos existentes, favorecendo uma justiça coexistencial. Contudo, a mudança de cultura necessária para a adoção de formas não jurisdicionais de resolução de conflitos é um processo gradual, que exige transformações na formação e na visão dos operadores do Direito, bem como na adaptação da sociedade.

Nesse contexto, cabe ao Estado promover essa mudança de concepção, incentivando a adoção de alternativas como a resolução em cartórios extrajudiciais, a mediação e a conciliação. Tais iniciativas já estão sendo incorporadas ao sistema processual brasileiro, em direção a um modelo semelhante ao dos tribunais multiportas dos Estados Unidos, com a edição de normas que incentivam a desjudicialização e atribuem aos órgão não judiciais, como os cartórios extrajudiciais, funções anteriormente reservadas ao Judiciário.

Diante dessas considerações, conclui-se que a desjudicialização, especialmente após a implementação da política pública de procedimento adequado de controvérsias, configura um mecanismo relevante para reduzir a judicialização excessiva. Essa estratégia pode ser operacionalizada por meio do emprego de métodos consensuais de resolução de conflitos, como a mediação, e da atuação dos cartórios, ampliando o acesso à justiça de forma eficaz.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É muito importante o tratamento adequado dos conflitos empresariais anterior à sua judicialização, pois esta resolução extrajudicial de controvérsias diz respeito à estabilidade social e à formação de uma nova cultura com vistas à sua solução adequada, ou seja, nasce a cultura da pacificação e a consequente redução dos conflitos, com efeitos consideráveis na redução da cultura de sentença. Para tanto, são necessárias instituições confiáveis para a implementação de novas regras do sistema democrático visando à garantia e proteção dos direitos, porque esse é o compromisso básico dessas instituições, e esse é um dos seus motores por trás do desenvolvimento da sociedade. Isso é chamado de desenvolvimento de sistema. 

Os métodos que objetivam ao consenso surgiram visando a resolução de disputas, cheios de esperanças. A tendência mundial de resolução das diferenças com uma atitude preventiva e rápida ajuda no reconhecimento da experiência de resolução das diferenças por meio de litígios como negativos e indesejáveis. O diálogo, ao invés disso, está se tornando cada vez mais importante na composição das diferenças. Somente depois que os humanos tiverem abandonado a noção de certeza e as fronteiras entre as culturas, o diálogo poderá ocupar um lugar importante. Não há mais como deixar de olhar o mundo de uma perspectiva global e sistemática. Portanto, no enfrentamento da dor que ameaça a própria existência humana, as pessoas não poderão mais desistir de soluções e ações cooperativas e prospectivas.

Atualmente, o Brasil vive a integração do sistema legislativo e jurídico, ou seja, o CPC/2015 apresenta avanços no atendimento a quase todas as necessidades da sociedade. A demanda excessiva que atingia o sistema instável, hoje, tornou-se estável. Precipuamente, em se tratando dos métodos adequados de resoluções de conflitos, como a utilização dos cartórios extrajudiciais, a mediação e a conciliação, novos mecanismos extrajudiciais necessários para socorrer o Judiciário.

A resolução das disputas de forma pacífica emerge como uma solução para o congestionamento do Judiciário. Pode-se dizer que seria como se existisse, no átrio do fórum, diversas portas e, dependendo do assunto em discussão, as partes seriam direcionadas para a porta que melhor se adequasse e possibilitasse a resolução pacífica do conflito.

Importa destacar também situações em que na verdade não existem conflitos e que os procedimentos realizados extrajudicialmente podem contribuir para reduzir custos e conferir maior celeridade a determinado procedimento como já se observa no divórcio e inventário extrajudicial.

Desta feita, o que o ordenamento jurídico apresenta é a valorização da consensualidade, com o incentivo à cultura da pacificação, e, consequentemente, a busca maior pela autocomposição, até mesmo de forma paraestatal, exercendo as partes o protagonismo acerca da administração e resolução de seus conflitos.


5BRASIL. Lei 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 20 julho 2024.

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1Mestrando em Direito e Gestão de Conflitos pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Especialista em Direito Tributário pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Graduada em Administração pelo Instituto de Ensino Superior COC. Atualmente é Auditora Fiscal da Receita Municipal de Ribeirão Preto. e-mail: plvilladouro12@uniara.edu.br
2Doutora pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Mestra pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Graduada em Administração Pública pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professora no Programa de Mestrado Profissional em Direito da Universidade de Araraquara (UNIARA). Membro do Grupo de Pesquisa de Direito, Inovação, Empreendedorismo e Gestão de Conflitos a Universidade de Araraquara (UNIARA). e-mail: gcdframalheiro@uniara.edu.br
3Doutor em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Especialista em Gestão Pública e Gerência de Cidades pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Atualmente é Coordenador do Programa de Mestrado em Direito – Gestão de Conflitos da Universidade de Araraquara- UNIARA, Coordenador Geral do NEAD da Universidade de Araraquara, Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UNIARA). Professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Araraquara e Professor titular da Graduação da Universidade de Araraquara. Atuou como membro da CPA e do Comitê de Ética em Pesquisa. Foi membro da Coordenação editorial da revista Cadernos de Campo- UNESP. e-mail: eaoliveira@uniara.edu.br
4Mestrando em Direito e Gestão de Conflitos pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Especialista em Gestão e Legislação Tributária pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Especialista em Gestão Financeira e Auditoria pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Graduado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC). Atualmente é Auditor Fiscal da Receita Municipal de Ribeirão Preto. e-mail: gcabreu@uniara.edu.br