A EFICÁCIA DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7226635


Autoria de:

Daniela Pereira Vasconcelos
João Victor Tolentino Precioso
Rafaela Guilhermon de Carvalho
Acsa Liliane Carvalho Brito Souza


RESUMO

O presente trabalho pretende analisar o Procedimento Extrajudicial da Usucapião, visando demonstrar a eficácia deste instituto para a regularização da titularidade de imóveis, bem como visa apresentar a utilidade pública do procedimento para a regularização fundiária, com enfoque aos imóveis urbanos. Assim, o artigo demonstrará a respeito dos conceitos basilares que rodeiam o tema, demonstrando o significado e as diferenças entre a conceituação de propriedade, de posse e de domínio. Portanto, o artigo vislumbra elucidar a respeito das etapas do procedimento, bem como de toda instrução probatória, com o fito de apontar os resultados gerados pela segurança jurídica do procedimento.

Palavras-chave: Usucapião extrajudicial. Propriedade. Registro de imóveis.

ABSTRACT

The present work intends to analyze the Extrajudicial Procedure for Usucapion, aiming to demonstrate the effectiveness of this institute for the regularization of property ownership, as well as to present the public utility of the procedure for land regularization, with a focus on urban properties. Thus, the article will demonstrate about the basic concepts that surround the theme, demonstrating the meaning and the differences between the concept of property, possession and dominion. Therefore, the article aims to elucidate the steps of the procedure, as well as the entire evidentiary instruction, with the aim of pointing out the results generated by the legal certainty of the procedure.

Keywords: Extrajudicial adverse possession. Property. Real estate registration.

1. INTRODUÇÃO

Para o Ordenamento Jurídico brasileiro, somente é possível adquirir a propriedade formal de imóveis a partir da inscrição do título no Cartório de Registro de Imóveis, que gera publicidade e possui oponibilidade erga omnes.

Neste sentido, a Usucapião entra como um instituto que visa converter em propriedade formal a posse de bens imóveis, em virtude da posse prolongada do bem.

Assim, a aquisição é originária, logo que não deriva de qualquer relação jurídica formada entre o autor do pedido e o proprietário tabular, entendimento consubstanciado de acordo com Maria Helena Diniz.

“É modo originário de aquisição da propriedade, pois a relação jurídica formada em favor do usucapiente não deriva de nenhuma relação do antecessor. Uma propriedade desaparece e a outra surge, porém, isso não significa que ela se transmite”1

Dessarte, para Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, a Usucapião é um instrumento que visa o reconhecimento da titularidade dominial, bem como a atribuição de título apto a modificar a propriedade formal para quem de fato possui o bem, em razão da ausência de contestação e pelo lapso temporal2.

Posto isto, até o Código de Processo Civil de 2015, somente era possível pleitear a Usucapião na via Judicial, em virtude disso os processos com essa temática sobrecarregavam o Poder Judiciário, além de tornar o processo extremamente moroso e custoso para as partes interessadas. 

A partir do CPC/2015, que alterou a Lei de Registros Públicos – LRP, acrescentando o art. 215-A, surgiu a possibilidade de pleitear a Usucapião na via extrajudicial junto aos Cartórios de Registros de Imóveis. Além disso, com a necessidade de regulamentação minuciosa, surgiram as instruções do Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, bem como do Provimento nº 21/2017 da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de Rondônia. 

À vista disso, o objetivo deste artigo é deslindar os aspectos históricos e gerais da posse e da propriedade, vislumbrando demonstrar as diferenças dentre estes conceitos.

Sendo assim, a partir da análise dos conceitos gerais da posse e da propriedade, o cerne deste trabalho é apreciar a eficácia da modalidade extrajudicial da usucapião, considerando a instrução probatória, os requisitos e as modalidades aceitas.

Diante disso, será possível identificar as maiores dificuldades que impedem o registro da usucapião extrajudicial, bem como soluções cabíveis às problemáticas advindas desta modalidade.

Não obstante, doravante esta análise, o mérito será a observância da eficácia social e jurídica do procedimento na via extrajudicial, bem como sua segurança jurídica perante o título aquisitivo originário, a partir da metodologia de pesquisa bibliográfica.

2. CONCEITOS BASILARES: DA POSSE, DA PROPRIEDADE E DO DOMÍNIO

2.1. DA POSSE

A posse, apesar de ser um instituto jurídico controverso, há de ser conceituada e diferenciada do conceito de propriedade. 

Para Savigny, para caracterizar a posse, são necessários o corpus e o animus domini, ou seja, exercer o senhorio sobre a coisa e ter a intenção de possuir a coisa para si. 

Inobstante, em sentido diverso, Ihering conceitua que, no mundo factual, todo exercício sobre a coisa é posse e a detenção ocorre quando prescrita pela lei. Neste caso, não há comprovação do animus e tampouco há a necessidade de comprovar-se a intenção, não aplicando-se a teoria da aparência.

Desse modo, a teoria adotada pelo Código Civil brasileiro é a objetivista, a qual dispõe que o animus e o corpus estão intrinsicamente interligados, onde a primeira é a exteriorização da segunda. Sendo assim, o art. 1.196 deste códex preceitua: “Considera-se possuidor todo aquele que detém de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”3

Dessa forma, a legislação brasileira associa a posse ao exercício, ou seja, ela é externada através do poder físico que uma pessoa exerce sobre o bem. Destaca-se que o legislador não se opôs à teoria subjetiva de Savigny, logo que o animus é necessário para caracterizar-se a posse.

2.2. DA PROPRIEDADE E DO DOMÍNIO

O domínio e a propriedade são institutos distintos, portanto, os conceitos são divergentes. 

Assim, a propriedade transpassa o campo do direito subjetivo do proprietário de usar, gozar, dispor e reaver a coisa, como melhor lhe convir, como preceitua o art. 1.228 do Código Civil. Porém, neste caso, para ser exercida, a propriedade tem de atender suas funções sociais sob pena de perda deste direito real. 

Já o domínio trata-se da ingerência direta sobre a coisa, onde o campo dominial é tão somente real, assim, não há que se falar em obrigações, tão somente conjugando-se com o gozar, usar, dispor e reaver o bem.

Desta maneira, a propriedade é a instrumentalização do domínio, ambos intrinsicamente ligados, porém, institutos autônomos e complementares.

Importantes distinções, logo que, tratando-se da regularização fundiária no Brasil, foram utilizadas concessões de uso e cartas de aforamento para transmitir o domínio sobre vários bens imóveis da União e dos Municípios para particulares, com a finalidade de vislumbrar a função socioeconômica e ambiental da propriedade.

Neste caso, o negócio jurídico denomina-se como Enfiteuse, onde a propriedade do bem imóvel permanece da União ou do Município, conforme o caso, e o particular exerce tão somente o domínio. 

Destaca-se que a partir do Código Civil de 2002 o instituto da enfiteuse foi extinto, conforme art. 2.038 do referido código: 

“Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 10/01/1916, e leis posteriores.”4

Sendo assim, o CC/2002 não extinguiu as enfiteuses existentes, no entanto, proibiu a instituição de novas. 

Desse modo, é comum deparar-se com imóveis advindos de Concessões de Uso da União ou Cartas de Aforamento do Município, onde o proprietário detém tão somente o domínio e a propriedade permanece sendo bem público.

3. DAS IRREGULARIDADES REGISTRÁRIAS DE IMÓVEIS

Há uma infinidade de motivos para uma pessoa deter tão somente a posse, porém, não possuir a propriedade/domínio sobre o imóvel. 

Assim, há a possibilidade de transferência da propriedade pelos meios convencionais escriturários, circunstância na qual o particular pode ir até um Tabelionato de Notas lavrar uma Escritura Pública e, posteriormente, levar a inscrição ao Cartório de Registro de Imóveis, onde lá será concedido o status de proprietário formal da matrícula.

No entanto, como é extremamente deficitária a regularização fundiária no Brasil, a maior parte dos lotes urbanos são “invasões”, onde os posseiros dos lotes não detêm conexão com o proprietário da matrícula, tampouco possuem títulos para realizarem escrituras públicas.

Conforme entendimento de Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, são vários os motivos que impedem a regularização da propriedade, que pode ser a simples falta de documentação até o parcelamento ilegal do solo.

Inúmeros são os motivos que levam ao estado intermediário de informalidade, tais como a falta de lavratura do instrumento público, irregularidade no parcelamento do solo urbano ou rural, as vendas por ‘procuração’, os vícios e as irregularidades na escritura e, até mesmo, a demora em apresentar o título no Registro de Imóveis ou em atender simples formalidades documentais feitas pelo Registrador, como apresentar cópia autenticada dos documentos de identificação e certidão de casamento atualizada dos transmissores5

Em todo caso, há a incidência de um proprietário formal na matrícula, aqui chamado de proprietário tabular, que não mais possui o animus domini, bem como um posseiro, parte interessada em regularizar sua propriedade.

Assim, é possível aduzir que boa parte das situações irregulares e informais se dão em virtude apenas de questões jurídicas e documentais, que são passíveis de saneamento através do procedimento da Usucapião, de forma a auxiliar a regularização fundiária brasileira.

4. DA USUCAPIÃO

Diante disso, a Usucapião entra como um meio de regularizar a propriedade, quando não há como viabilizá-la pelos meios da correta escrituração das transações.

De antemão, conceitua-se a Usucapião como um meio de adquirir a titularidade registral do imóvel através da posse mansa e pacífica, atravessada pela passagem do tempo.

Assim, para Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, o objetivo da Usucapião é regularizar a propriedade daqueles que possuem a posse, para que a relação entre o bem e o possuidor tenham efeito “erga omnes”.

A usucapião é o instituto jurídico que visa ao reconhecimento da titularidade dominial e à atribuição de título apto a modificar a propriedade formal para quem possua o bem, incontestadamente, por certo lapso temporal6.

A corrente doutrinária dispõe que a Usucapião é uma forma de prescrição extintiva e, paralelamente, aquisitiva, logo que a primeira significa o nascimento de um direito e a segunda sua perda em virtude do tempo. Isto, pois há a perda da propriedade formal pelo proprietário tabular usucapido, bem como há insurgência da propriedade de aquisição originária pelo usucapiente.

Em virtude disso, salienta-se que sobre esta transmissão não é recolhido quaisquer impostos, seja o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, seja o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, previsão constante até mesmo no Provimento nº 65/2017-CNJ, em seu art. 24, caput:

‘’Art. 24. O oficial do registro de imóveis não exigirá, para o ato de registro da usucapião, o pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, pois trata-se de aquisição originária de domínio.’’7

Quanto à utilidade do procedimento para a regularização fundiária brasileira, à priori, faz-se necessário conceituar a regularização fundiária segundo A Regularização Fundiária Urbana (REURB) lei 13.465/2017. 

Esta trata-se de um conjunto de “medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.”8

Sendo assim, as diversas situações de informalidade podem ser sanadas através da Usucapião, logo que geram a devida titulação do proprietário informal do imóvel, o que beneficia a urbanização e o ordenamento territorial urbano.

4.1. DO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DA USUCAPIÃO

O procedimento extrajudicial da Usucapião foi instituído a partir do Código de Processo Civil de 2015, que acrescentou o art. 216-A na Lei de Registros Públicos – LRP, a Lei nº 6.015/1973. 

Ressalta-se que o procedimento não exclui a via judicial, tão somente prevê um meio alternativo para a regularização dos imóveis pelas partes interessadas.

Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado9.

Destaca-se que não são todas as modalidades de usucapião aceitas pelo procedimento, tão somente o tipo ordinário, extraordinário e o constitucional.

Ademais, com o advento da Lei nº 13.465/2017, que alterou significativamente o artigo supracitado, foi garantida ainda mais acessibilidade ao instituto da Usucapião, logo que esta legislação trouxe a inovação de que em resposta a notificação do proprietário tabular, o silêncio é interpretado como concordância, não sendo mais necessária a expressa concordância deste ao procedimento.

Assim, em 11 de julho de 2017, foi sancionada a Lei 13.465, com o objetivo de aprimorar os institutos de regularização fundiária rural e urbana existentes, trazendo em seu bojo alterações pontuais no art. 216-A da Lei 6.015/1973, estabelecendo que o silêncio do titular registral significa anuência, com o pedido extrajudicial de usucapião e criando procedimento para que a sua citação seja feita por edital, nos casos de ele não ser encontrado ou estar em local incerto e não sabido. (COUTO, 2018).

Sendo assim, apenas com a impugnação do titular registral, dos entes públicos, confrontantes ou terceiros interessados, o procedimento é repassado a esfera judicial, convertendo-se em demanda do Poder Judiciário.

Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei10.

Posteriormente a fase de notificações, que será descrita em momento oportuno, caso não haja qualquer impugnação pelas partes com interesse de agir, o Oficial Registrador de Imóveis irá apreciar a demanda, podendo rejeitar ou acolher o pedido de registro da Usucapião, como uma forma de Sentença.

5. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

A instrução probatória da Usucapião é a fase inicial do procedimento, onde a parte interessada, acompanhada por advogado ou defensor público, apresenta as documentações necessárias à comprovação da posse e da prescrição aquisitiva.

Primordialmente, a parte interessada deverá ir até um Cartório de Notas lavrar uma Ata Notarial para fins de Usucapião, que é o primeiro documento necessário para instruir o Requerimento, conforme o inciso I do art. 216-A da Lei de Registros Públicos (LRP).

Ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil; (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)11.

Desse modo, o referido artigo obriga apenas que seja atestado o tempo de posse exercida pelo requerente e seus antecessores, conforme o caso, e suas circunstâncias. Destaca-se que os antecessores mencionados tratam-se dos posseiros anteriores que realizaram negócios jurídicos na cadeia possessória do Requerente e não precisam necessariamente conectarem-se com o proprietário tabular. 

Já o Provimento nº 65/2017-CNJ vai além e dispõe em seu art. 4º, inciso I, que a Ata Notarial deve conter a qualificação, o endereço eletrônico, o domicílio e residência do requerente, do respectivo cônjuge ou companheiro, se tiver, e do titular do imóvel lançado na matrícula. Além disso, prevê ainda em suas alíneas:

a) a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;

b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;

d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional;

e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições;

f) o valor do imóvel;

g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes12.

Não obstante, o Provimento nº 21/2017-TJRO vai mais adiante e dispõe a respeito da Ata Notarial em todo seu capítulo I, que instituiu além das disposições mencionadas no Provimento nº 65/2017-CNJ, que para a lavratura, o Tabelião de Notas pode, de ofício ou a requerimento do interessado, deslocar-se até o imóvel em diligências. Além de instituir a obrigação de dar fé às seguintes informações:

– as declarações de testemunha e/ou da parte interessada sobre:

a) o nome do atual possuidor do imóvel usucapiendo;

b) a identificação do imóvel usucapiendo, suas características, localização, área e eventuais construções e/ou benfeitorias nele edificadas;

c) os nomes dos confrontantes e, se possível, de eventuais titulares de direitos reais e de outros direitos incidentes sobre o imóvel usucapiendo e sobre os imóveis confinantes;

d) o tempo de posse que se sabe ser exercido pela parte interessada e por eventuais antecessores sobre o imóvel usucapiendo;

e) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte interessada;

f) eventual questionamento ou impedimento ao exercício da posse pela parte interessada;

g) conhecimento ou desconhecimento da existência de ação possessória ou reivindicatória em trâmite envolvendo o imóvel usucapiendo;

h) a continuidade e a durabilidade do exercício da posse pela parte interessada;

i) o exercício da posse com ânimo de dono pela parte interessada; e

j) quem é reconhecido como dono do imóvel usucapiendo.

II – a relação dos documentos apresentados para os fins dos incisos II, III e IV, do art. 216-A, da Lei nº 6.015/73;

III – o valor de mercado aproximado do imóvel, declarado pelos interessados;

IV – a identificação do imóvel usucapiendo tanto quanto possível, aplicando-se à descrição as disposições relativas à escritura pública; e

– a informação com respectivo número de consulta sobre a existência de decretação de indisponibilidade de bens imóveis ou direitos a eles relativos, constantes do banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, criado pelo Provimento nº 39/2014 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ13.

Posteriormente a elaboração da Ata Notarial, o procedimento se inicia no Cartório de Registro de Imóveis, onde o Requerente deve apresentar diversas novas documentações. 

Conforme o caso, deverá ser apresentada Planta e Memorial Descritivos elaborados por responsável técnico, assinados pelos titulares de direito da matrícula do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes, conforme o art. 216-A da Lei 6.015/73, inciso II. Hipótese na qual ausentes as assinaturas, o Oficial de Registro de Imóveis irá proceder com a notificação destes para darem ciência e anuência ao procedimento, onde o silêncio importa como concordância.

Ressalte-se que será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula, de acordo com o art. 4º, § 5º do Provimento 65/2017-CNJ.  

Além disso, também deverão ser demonstradas as certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente conforme o mesmo artigo, em seu inciso III. Isto, pois não pode haver contestação a posse do autor, o que perfaz a posse mansa exigida pelo instituto da Usucapião.

Adiante, o inciso IV do artigo institui que deverá ser apresentado justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse. Destaca-se que a desnecessidade de apresentar justo título é inerente ao fato de que em algumas modalidades da Usucapião, tal como a Extraordinária, é dispensado o justo título para fazer jus à prescrição aquisitiva.

5.1. DA ANUÊNCIA DOS TITULARES DE DIREITOS DO IMÓVEL USUCAPIENDO E DOS CONFRONTANTES

Quando os documentos e as peças técnicas estiverem em ordem e o Oficial de Registro de Imóveis tiver convencimento para seguir o procedimento, passa-se à fase das notificações, previsão do art. 10, do Provimento nº 65/2017-CNJ.

Art. 10. Se a planta mencionada no inciso II do caput do art. 4º deste provimento não estiver assinada pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância14.

Assim, quando não houver assinatura dos titulares de direitos dos imóveis confrontantes, quais sejam, os vizinhos do lote objeto da usucapião, estes deverão ser notificados. 

Isto se dá, logo que a Usucapião se trata de aquisição originária, onde o Lote a ser usucapido pode invadir imóveis confinantes, assim, a anuência destes é primordial para garantir segurança jurídica ao procedimento.

Quanto à notificação dos titulares de direitos na Matrícula, estes se referem ao proprietário tabular, bem como aos titulares de direitos hipotecários, de promessas de compra e venda, dentro outros. 

Importante ressaltar que quando o autor do pedido apresentar justo título, acompanhado da prova de quitação das obrigações, será outorgado o consentimento dos titulares de direitos na matrícula, de acordo com o que estipula o art. 13 do Provimento nº 65/2017-CNJ. O provimento dispõe exemplos de justos títulos em seu § 1º do mesmo artigo:

[…] 

§ 1º. São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o caput: I – compromisso ou recibo de compra e venda; 

II – cessão de direitos e promessa de cessão; 

III – pré-contrato;

IV – proposta de compra; 

V – reserva de lote ou outro instrumento no qual consea e a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar; 

VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; 

VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; 

VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação15.

5.2. DA CIÊNCIA DOS ENTES

Quando não houver contestação ao procedimento da Usucapião Extrajudicial, o Oficial de Registro de Imóveis deverá dar ciência à União, ao Estado e ao Município ou Distrito Federal, para manifestarem seu interesse ou ausência de interesse no imóvel usucapiendo, redação do art. 15 do Provimento nº 65/2017-CNJ.

Isto se dá, logo que, conforme art. 2º, § 4º do Provimento nº 65/2017-CNJ, não é admitido o reconhecimento extrajudicial da Usucapião de bens públicos. Sendo assim, qualquer manifestação de interesse de algum ente público gera o indeferimento do pedido, circunstância na qual o procedimento é encerrado e enviado ao juízo competente para ser realizado o rito judicial.

Onde destaca-se que a inércia destes órgãos públicos não impede o prosseguimento, que pode seguir adiante após quinze dias. No entanto, é admitida a manifestação do Poder Público em qualquer fase do procedimento, tendo em vista o interesse comum e a proibição da Usucapião de bens públicos.

5.3. DA PUBLICAÇÃO DE EDITAL

A última fase do procedimento para reconhecimento da Usucapião se dá com a publicação de edital na forma do art. 257, III, do Código de Processo Civil de 2015, onde o Oficial deve dar publicidade ao pedido do autor. Assim, qualquer impugnação lega à lavratura de relatório circunstanciado de todo o processamento da Usucapião, inteligência do art. 16 do Provimento nº 65/2017-CNJ.

6. DA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO

Posto isto, a partir do momento em que a documentação estiver em ordem e não houver pendências de qualquer diligência, o Oficial registrará a aquisição na própria Matrícula onde o imóvel estiver escrito, quando o pedido referir-se à totalidade do bem (art. 20, § 1º, do Provimento nº 65/2017-CNJ) ou abrirá matrícula própria para o imóvel (art. 216-A, § 6º da LRP), a depender do caso.

No entanto, caso ao final das diligências ainda persistirem dúvidas quanto à documentação ou a titularidade da posse do autor do pedido, o pedido será rejeitado, circunstância na qual o Oficial de Registro de Imóveis irá certificar o ocorrido através de Nota Devolutiva.

Com o indeferimento do pedido, o autor pode apresentar impugnação, no prazo de quinze dias, perante o Oficial, que remeterá ao juízo competente, conforme dispõe o Art. 17, § 5º, do Provimento nº 65/2017-CNJ. 

Não obstante, com o regular instrumento do feito e o registro realizado, o autor da usucapião detém a propriedade formal do bem imóvel, podendo todos os poderes de direito sobre este.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema abordado é de grande importância à sociedade, logo que é de praxe deparar-se com imóveis sem correta tabulação, onde o proprietário na matrícula imobiliária já não mais possui o bem de fato, tão somente de direito.

Dessarte, o presente trabalho logrou êxito em demonstrar as diferenças entre a propriedade, a posse e o domínio, importantes apontamentos para entender plenamente a importância do instituto da Usucapião.

A inovação do procedimento extrajudicial, através da desjudicialização da Usucapião, gerou a necessidade de estudo e análise deste fito, para então trazermos simplificação e esclarecimentos à respeito do instituto para as partes interessadas.

Assim, o procedimento atende à função privada na regularização perante o registro imobiliário, bem como atende à função social, logo que possui grande impacto positivo nas medidas urbanísticas e jurídicas das cidades, no plano da regularização fundiária.

Portanto, o processamento da Usucapião nas vias extrajudiciais através dos Cartórios de Registros de Imóveis provou-se ser plenamente possível e vem sendo exercido através de uma ótima regulamentação, gerando segurança jurídica para os títulos aquisitivos originários, advindos desta prescrição aquisitiva.

REFERÊNCIAS 

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1DINIZ, Maria Helena. Adjudicação compulsória extrajudicial: conceitos e limites. Colégio Notarial do Brasil, 2022. Disponível em: https://cnbpr.org.br/2022/08/23/artigo-adjudicacao-compulsoria-extrajudicial-conceitos-e-limites/ Acesso em: 05 Out 2022.

2COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião como forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, p. 79.

3BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, Presidência da República, [2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 05 Out 2022.

4BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, Presidência da República, [2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 05 Out 2022.

5COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião como forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, Capítulo 3.1.

6COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Artigo “Usucapião extrajudicial: reflexões sobre questões controvertidas no Registro de Imóveis” – Parte 3. Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais. Disponível em: corimg.org/artigo-usucapiao-extrajudicial-reflexoes-sobre-questoes-controvertidas-no-registro-de-imoveis-parte-3/#_ftn1/ Acesso em: 05 Out 2022.

7CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 65, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 24, p. 0. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf/ Acesso em:  05 Out. 2022.

8BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 dezembro de 1973. Dispõe os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm Acesso em: 05 Out 2022.

9CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 021, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 21.  Disponível em: https://www.tjro.jus.br/corregedoria/index.php/atos-normativos/provimentos/106-provimentos/provimentos-2017/2224-provimento-n-21-2017-cg/ Acesso em: 05 Out. 2022.

10BRASIL. Lei nº 14.382, de 27 junho de 2022. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp); altera as Leis nºs 4.591, de 16 de dezembro de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e 13.465, de 11 de julho de 2017; e revoga a Lei nº 9.042, de 9 de maio de 1995, e dispositivos das Leis nºs 4.864, de 29 de novembro de 1965, 8.212, de 24 de julho de 1991, 12.441, de 11 de julho de 2011, 12.810, de 15 de maio de 2013, e 14.195, de 26 de agosto de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14382.htm / Acesso em: 05 Out 2022.

11BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 dezembro de 1973. Dispõe os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm Acesso em: 05 Out 2022.

12CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 65, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 24, p. 0. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf/ Acesso em:  05 Out. 2022.

13CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 021, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 21.  Disponível em: https://www.tjro.jus.br/corregedoria/index.php/atos-normativos/provimentos/106-provimentos/provimentos-2017/2224-provimento-n-21-2017-cg/ Acesso em: 05 Out. 2022.

14CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 65, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 24, p. 0. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf/ Acesso em:  05 Out. 2022

15CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento n. 65, de 14 de dezembro de 2017. Diário da Justiça [da] Corregedoria Nacional de  Justiça, Brasília, DF, n. 24, p. 0. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf/ Acesso em:  05 Out. 2022