A EFETIVIDADE DO DIREITO DE FAMÍLIA NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS ESSENCIAIS PARA UMA INFÂNCIA SAUDÁVEL

THE EFFECTIVENESS OF FAMILY LAW IN PROTECTING ESSENTIAL RIGHTS FOR A HEALTHY CHILDHOOD

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11527325


Raylane Monteiro De Lima;
Orientadora: Jennifer Alves Rates Gomes.


RESUMO

O direito de família desempenha um papel crucial na proteção dos direitos essenciais para uma infância saudável, fornecendo o arcabouço legal para regular as relações familiares e salvaguardar o bem-estar das crianças. No entanto, a efetividade desse ramo do direito na promoção de uma infância saudável está sujeita a uma série de desafios e complexidades. Este artigo analisa a efetividade do direito de família na proteção dos direitos essenciais das crianças, explorando questões como guarda, convivência, pensão alimentícia e proteção contra abusos. Por meio de uma análise crítica da legislação, jurisprudência e práticas judiciais, identificamos desafios na aplicação do direito de família, bem como oportunidades para aprimoramento. Concluímos que, embora o direito de família seja fundamental na proteção dos direitos das crianças, é necessário um esforço contínuo para garantir sua efetividade e promover uma infância saudável e segura para todas as crianças.

Palavras-chave: Convivência familiar. Direito fundamental da criança. Políticas públicas

 ABSTRACT

Family law plays a crucial role in protecting the rights essential for a healthy childhood, providing the legal framework to regulate family relationships and safeguard the well-being of children. However, the effectiveness of this branch of law in promoting a healthy childhood is subject to a series of challenges and complexities. This article analyzes the effectiveness of family law in protecting children’s essential rights, exploring issues such as custody, visitation, child support and protection from abuse. Through a critical analysis of legislation, jurisprudence and judicial practices, we identify challenges in the application of family law, as well as opportunities for improvement. We conclude that, although family law is fundamental in protecting children’s rights, continuous efforts are needed to ensure its effectiveness and promote a healthy and safe childhood for all children.

Keywords: Family coexistence. Fundamental right of the child. Public policy

INTRODUÇÃO 

A instituição familiar é o alicerce primordial da sociedade, moldando as relações humanas mais íntimas e fundamentais. No entanto, a eficácia na proteção dos direitos e interesses que permeiam esse universo complexo e multifacetado nem sempre é garantida pelo arcabouço jurídico existente. O direito de família, enquanto disciplina que regula os vínculos afetivos e patrimoniais entre seus membros, enfrenta desafios singulares em sua busca pela efetividade. 

Este estudo se propõe a analisar a efetividade do direito de família, mergulhando nas questões fundamentais que permeiam sua aplicação prática. Ao explorar os mecanismos legais, as políticas públicas e os desafios enfrentados pelos operadores do direito nesse campo, busca-se compreender as potenciais soluções para promover uma justiça familiar mais eficaz e equitativa.

O trabalho discute a efetividade do Direito de Família na proteção dos direitos essenciais para uma infância saudável, abordando a importância da legislação e dos mecanismos de garantia. A temática é relevante para a garantia do desenvolvimento infantil e para a compreensão do papel da família nesse contexto de proteção. A análise proposta visa contribuir para o debate sobre os desafios enfrentados atualmente e as perspectivas de aprimoramento das políticas públicas.

A contextualização do tema parte da necessidade de compreender a interação entre o Direito de Família e os direitos fundamentais das crianças, considerando o ambiente familiar como principal espaço de proteção e desenvolvimento. É fundamental analisar a evolução histórica das normas que regem as relações familiares e as transformações sociais que impactam a efetividade dessas leis na atualidade, visando à promoção de uma infância saudável e segura.

Os objetivos do estudo incluem analisar a aplicação prática do Direito de Família na proteção dos direitos essenciais das crianças, identificar possíveis falhas nos mecanismos de fiscalização e garantia, e propor medidas para aprimorar a eficácia das leis vigentes. Busca-se contribuir para a promoção de políticas públicas mais efetivas e para a conscientização da sociedade sobre a importância da proteção à infância.

A justificativa para a realização deste estudo reside na necessidade de aprofundar o debate sobre a efetividade do Direito de Família na proteção dos direitos das crianças, diante dos desafios e dilemas enfrentados atualmente. A pesquisa busca ampliar o conhecimento sobre os instrumentos jurídicos de proteção existentes, bem como apontar possíveis caminhos para superar as limitações e garantir uma infância saudável e plena.

A metodologia adotada envolve a realização de revisão bibliográfica e análise documental de legislações nacionais e internacionais relacionadas à proteção da infância no âmbito do Direito de Família. Serão considerados estudos de caso e dados estatísticos para embasar as conclusões, visando uma abordagem fundamentada e precisa sobre a efetividade das normas existentes e os desafios para sua implementação.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa e revisão bibliográfica, foram aplicados métodos voltados para uma abordagem dedutiva com o viés da pesquisa exploratória. Foi utilizado ainda o método de abordagem dedutivo com o viés da pesquisa exploratória, voltado para analisar os diferentes ângulos do problema, por meio da consulta a autores com diferentes pontos de vista (GIL, 2018).

Quanto  aos meios, utilizou-se a pesquisa bibliográfica que busca integrar diversas informações presentes no campo científico a partir de uma abordagem qualitativa buscando integrar o estudo do tema com a análise das informações coletadas pela perspectiva de autores renomados na área estudada, aprofundando uma discussão de caráter exploratório acerca dos objetivos almejados por meio da percepção e entendimento dos padrões encontrados nas informações verificadas. 

A pesquisa bibliográfica foi realizada nas áreas do Direito Constitucional e Direito Civil, com foco específico no Direito de Família, buscando satisfazer tanto a análise de dados dedutiva, que parte da interpretação legislativa, conceitos doutrinários, teorias e jurisprudências atuais, quanto a análise indutiva, que compreende o estudo da realidade fática. Além disso, adotou-se uma abordagem multidisciplinar, incorporando estudos das ciências humanas.

A investigação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Lei de Adoção, mostrou-se crucial para uma compreensão abrangente da produção científica relacionada ao tema. A análise jurisprudencial, especialmente aquela relacionada ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, desempenhou um papel fundamental como ferramenta para alcançar os objetivos do estudo.

RESULTADOS

Os resultados da pesquisa bibliográfica revelam uma gama de aspectos relacionados à efetividade do direito de família na proteção dos direitos essenciais para uma infância saudável. A análise dos textos consultados destacou várias questões-chaves, identificou-se um conjunto abrangente de leis nacionais e internacionais que buscam proteger os direitos das crianças no âmbito do Direito de Família, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, convenções internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como leis específicas sobre adoção, guarda, alimentos e proteção contra abusos.

A pesquisa revelou uma diversidade de práticas judiciais no que diz respeito à aplicação das leis de família para proteger os direitos das crianças. Foram observadas decisões judiciais que variam em termos de rigor na proteção dos direitos da criança, indicando uma necessidade de maior uniformidade e consistência na jurisprudência.

Foram identificados desafios na efetividade do direito de família na proteção dos direitos das crianças. Estes incluem questões relacionadas à garantia do melhor interesse da criança em disputas de guarda, dificuldades na execução de pensões alimentícias e deficiências na prevenção e combate à violência doméstica.

A pesquisa ressaltou a importância da abordagem interdisciplinar na proteção dos direitos das crianças no contexto do Direito de Família. A integração de conhecimentos e práticas de áreas como psicologia, assistência social e saúde é fundamental para uma abordagem holística na promoção de uma infância saudável.

Os resultados do estudo destacam a complexidade e a importância da efetividade do direito de família na proteção dos direitos essenciais para uma infância saudável, evidenciando a necessidade de um esforço contínuo para superar desafios e garantir a plena realização dos direitos das crianças neste contexto.

DISCUSSÃO

PRIMEIRAS TENTATIVAS DE RECONHECIMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL 

Os direitos das crianças, tal como os direitos humanos em geral, foram formulados em tempos muito recentes e, antes do século XIX, quase não havia referências a este tema. Reis (2008) e Álvarez (1994), entre outros, realizam uma revisão histórica que reflete a consideração social, cultural e jurídica que foi concedida aos menores ao longo do tempo e em diversos contextos.

A nível internacional, os direitos das crianças só começaram a ser legalmente reconhecidos no século XX. Nesta fase surgiram diversas instituições que, em primeiro lugar, procuraram ampliar o acesso à educação e assim promover total ajuda e proteção aos menores. Ao mesmo tempo, surgiram diversas declarações e convenções que protegiam os direitos desse setor da população; supõe-se, portanto, que a infância necessita de proteção especial, e vários textos legais que a endossam serão preparados nessa altura. No entanto, só na Segunda Guerra Mundial é que a questão da infância ganhou destaque: no contexto da guerra, esta tornou-se uma questão relevante para muitas associações humanitárias, principalmente devido às altas taxas de orfandade, falta de proteção e vulnerabilidade infantil em geral que aquela guerra causou (ÁLVAREZ, 1994, p. 35).

Em resposta a esta situação, surgiu a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1959. Pela primeira vez, a comunidade internacional reconheceu, explicitamente, a criança como um ser vulnerável, que necessitava de proteção especial tanto antes como após seu nascimento, e recomendou a adoção de medidas legais pelos Estados e o estabelecimento de sanções derivadas do descumprimento desta proteção (ÁLVAREZ, 1994, p. 51). 

A Declaração de 1959 incluiu o reconhecimento de todos os direitos sem discriminação de qualquer tipo, proteção especial para o desenvolvimento integral, atenção aos melhores interesses da criança, cuidados especiais para a criança e a mãe, o direito a um nome e a uma nacionalidade, o direito a boa saúde e alimentação, tratamento especial para crianças com deficiência física ou mental, direito ao amor e à compreensão que será proporcionado principalmente pelas famílias e especialmente pelas mães, e o direito de receber educação (CARMONA,  2011, p. 47). 

Reconhece-se assim o papel dos laços de filiação e protegem-se as famílias, sobretudo, as mães para que possam desempenhar as tarefas de cuidado. Apesar do viés patriarcal que este texto apresenta, uma vez que pressupõe que a principal responsabilidade pelas crianças cabe às mães, representa um primeiro passo na incorporação das famílias no sistema jurídico que regula a proteção das crianças.

Outros textos subsequentes retomam e desenvolvem o conteúdo dessa Declaração inicial. Assim, a Declaração sobre Progresso e Desenvolvimento Social, aprovada pela ONU em Dezembro de 1969, estabelece que para alcançar este desenvolvimento é essencial proteger os direitos das mães e das crianças, proteger a saúde e o bem-estar das mulheres, especialmente se forem grávidas e/ou com filhos pequenos, e conceder licenças e subsídios de gravidez e maternidade aos trabalhadores e ainda a Carta Social Europeia, aprovada em 1965, que inclui, entre outras questões, o direito ao trabalho – entendido como um meio pelo qual o trabalhador e a sua família podem levar uma vida digna e a proteção especial às crianças e adolescentes que enfrentam perigos físicos e morais associados ao desempenho de um trabalho (RIZINNI, 2000).

Nestes primeiros regulamentos, a idade mínima para trabalhar foi fixada em quinze anos e foi proibido o trabalho noturno para menores de 18 anos. 

Também incluída nestas primeiras declarações estava a proteção dos trabalhadores em caso de maternidade: um descanso mínimo de doze semanas após o parto, e a obrigação dos países membros de adotarem medidas para regular o trabalho noturno, perigoso ou insalubre das mulheres que criam os seus filhos. Por fim, o direito da família foi considerado como célula fundamental da sociedade (ÁLVAREZ, 1994, p. 69-70).

O PAPEL DAS FAMÍLIAS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS: PERSPECTIVAS ÉTICAS

O direito de qualquer menor viver com família, além de ser um imperativo ético de primeira ordem, está inscrito em diversas normas internacionais, uma vez que se pressupõe que a família é o elemento fundamental da sociedade onde cada indivíduo é cuidado e protegido. Conforme observado anteriormente, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, estabeleceu a família como ambiente ideal para o desenvolvimento infantil e orientou os Estados a promoverem medidas de proteção familiar que favorecessem a assunção dessa responsabilidade (CALVO, 2020). 

Como destaca Barbara Hall, é comum considerar que a responsabilidade original pelo cuidado de crianças e adolescentes deve ser atribuída aos seus pais, e isso porque foram eles que agiram expressamente para que aquela criança nascesse. Existe, portanto, uma dimensão de ‘imputabilidade’ que diz respeito exclusivamente aos genitores biológicos, e que faz pressupor a assunção do mandato ético de cuidar do menor com quem mantêm essa filiação genética. Como vemos, o sistema jurídico internacional baseia-se nesta mesma premissa (HALL, 2017).

A família deve receber a proteção e a assistência necessárias para poder assumir plenamente as suas responsabilidades na comunidade. Também está indicado na referida Convenção que as crianças e os adolescentes, para o desenvolvimento da sua personalidade, devem crescer no seio da família, num ambiente de felicidade, amor e compreensão. O artigo 9.º protege o direito de viver com o pai e a mãe, exceto nos casos em que a separação seja necessária para o interesse superior do menor, e o direito de manter contato com ambos os progenitores no caso de viver sozinho com um deles. 

O artigo 18.º indica que a principal responsabilidade pelo cuidado dos menores cabe a seus pais e que os Estados devem ajudá-los a desempenhar esta tarefa. O artigo 27 enfatiza este aspecto e indica que, para alcançar o bem-estar material básico das crianças, os Estados devem ajudar as famílias mais desfavorecidas para que possam cobrir pelo menos as necessidades de nutrição, vestuário e habitação dos seus membros menores de idade (UNICEF, 2015).

 A implementação de apoios sociais especificamente dirigidos às pessoas com filhos dependentes, bem como as diversas medidas de conciliação e de corresponsabilidade promovidas pelas administrações públicas, respondem diretamente a este mandato, uma vez que facilitam às famílias a assunção das funções de cuidado dos seus menores.

No sentido ético, a principal responsabilidade atribuída às famílias é a promoção do bem-estar dos menores. Sobre essa questão, Skelton (2018) sugere que as necessidades de bem-estar são diferentes em cada fase da infância e que os adultos devem ter flexibilidade e capacidade de resposta adequada às exigências específicas da idade de cada menino ou menina. No entanto, o autor conclui que a característica comum a todos os meninos e meninas é que ainda não alcançaram plena agência e autonomia, o que os coloca numa posição de vulnerabilidade e os faz necessitar de atenção e apoio específicos prestados pelos adultos do seu convívio.

Em 1994, coincidindo com a comemoração do Ano Internacional da Família, a ONU dedicou uma sessão de debate geral à questão do papel da família na promoção dos direitos da criança. O documento de conclusões dessa sessão (ONU, 1994) incluiu diversas reflexões interessantes para este estudo, por exemplo, reconheceu-se que o próprio conceito de família, longe de ser unívoco, compreende uma ampla tipologia de grupos de pessoas unidas por laços de parentesco de vários tipos e que pode ser entendida em sentido amplo. Aspectos culturais, econômicos, sociais ou jurídicos interferem na definição de família utilizada em cada contexto.

Daqui decorre que a família tem potencial para ser o primeiro espaço democrático com o qual tem-se contato, embora na prática aconteça muitas vezes o contrário, e é a própria família que não respeita os direitos das crianças.

O texto da ONU conclui com uma indicação da necessidade de reforçar a proteção dos direitos dos menores que, devido a diversas circunstâncias, não têm família. 

Dentro deste quadro geral dos direitos da criança, chama-se a atenção à amplitude e diversidade de tarefas relacionadas com o bem-estar na infância que se realizam fundamentalmente no ambiente doméstico e familiar: garantir o direito à educação, assegurar as condições para um bom descanso, proporcionar uma alimentação equilibrada em quantidade e qualidade, ajudar na higiene pessoal, fornecimento e manutenção de vestuário e calçado, bem como outras responsabilidades de acompanhamento e supervisão dos tempos livres: planejamento de atividades extracurriculares, controle de relações sociais ou monitorização da utilização de dispositivos móveis (SILVA, 1996).

A tarefa ética de ser mãe ou pai, inclui, cuidar de todas essas questões, sempre com foco no benefício do menor. Além de proporcionar um ambiente seguro e proporcionar às crianças os meios materiais necessários à sua subsistência.

A aprendizagem dos valores começa em casa, logo, surge a importância de introduzir nos meninos e nas meninas, atitudes de respeito, solidariedade, empatia, honestidade, responsabilidade, tolerância ou civilidade, que contribuirão para o seu desenvolvimento emocional e para a sua adaptação à vida em uma sociedade cada vez mais complexa. Cada família cria um quadro de aprendizagem informal, muito eficaz e influente no qual comportamentos, atitudes, hábitos ou comentários representam um modelo de referência para os mais jovens dessa unidade familiar. O que é dito, mas sobretudo o que é feito, é observado e imitado. (BIZINOTTO, 2015).

A infância e a adolescência são as fases em que se forja a personalidade adulta. Mas nestas fases a pessoa apresenta grande fragilidade, pois ainda não desenvolveu mecanismos psicológicos de autoproteção e é especialmente vulnerável a qualquer tipo de influência. Daí a importância de proteger os menores a nível físico, emocional, educacional e de saúde (GARCÍA, 2008). 

Em relação ao princípio ético do cuidado, Domingo (2019) fundamenta que a atitude de proteção e apoio que cada mãe e pai devem adotar para com os seus filhos e filhas é benéfica, seja materna ou paterna, deve-se procurar o bem-estar dos seus descendentes, e não só aceitar, mas também promover as suas transformações e escolhas de vida e a sua crescente autonomia (MACLEOD, 2018). O vínculo filial é um exemplo de equilíbrio entre proteção e emancipação.

Torralba (2002), refere-se à paternidade e à maternidade como uma qualidade ontológica que marca um antes e um depois na vida das pessoas, na medida em que “a sua forma de ver a realidade e de estar no mundo já não pode ser separada do fato de ser pai” (p. 68). Isto implica a assunção plena e consciente da incontornável responsabilidade adquirida ao procriar, e que abre um horizonte ético de inter-relação baseado no cuidado.

O principal objetivo perseguido por meio da educação, tanto formal como não formal, é o desenvolvimento gradual de todas as capacidades da pessoa, tacitamente presentes no menino ou na menina, mas que devem ser exercidas e adquiridas gradualmente com a ajuda de outras pessoas ao seu redor que acompanhar esse processo. A autonomia é a expressão máxima do desenvolvimento da personalidade humana, e aprender autonomia é formar a capacidade de liberdade moral e individual e a responsabilidade pelo seu exercício. 

Nesse sentido, Divers (2017) enfatiza a importância de incutir agência, ou seja, promover o pensamento crítico e a capacidade individual de argumentar, decidir e agir. A autonomia de aprendizagem é da responsabilidade dos pais, mas também diz respeito ao sistema educativo como um todo: é responsabilidade pedagógica.

A parentalidade é frequentemente vista como o direito das famílias de escolherem o que é bom para os seus filhos e filhas, como se fossem sua propriedade. Kennedy (2020), investiga a origem dessa crença e remonta às sociedades da antiguidade greco-latina, nas quais o pai chegava a decidir sobre a vida ou a morte de seus filhos. O avanço na consideração dos direitos das crianças, já exposto no início deste estudo, deu origem a novas abordagens em que a vida e o bem-estar das crianças são protegidos mesmo contra o interesse e a vontade dos pais.

 À família é atribuído um papel preponderante no que diz respeito ao bem-estar infantil, mas a interação de meninos e meninas com a esfera comunitária também é importante para alcançar ou falhar – esse propósito (Gómez Espino, 2008). Em contextos que aspiram à consolidação do Estado-providência, é evidente que, para além da família, a sociedade como um todo tem o compromisso ético de proteger as gerações mais jovens, promovendo, para isso, necessária criação de redes de interdependência geracional e a ampliação do cuidado para além dos limites da unidade familiar. 

Tavares (2020), inspirado nas abordagens sobre o nascimento formuladas por Hannah Arendt, identifica que, no que diz respeito à infância, todos os adultos são responsáveis ​​por acolher hospitaleiramente as novas gerações e por mostrar aos meninos e meninas que o mundo é um espaço comum de possibilidade de construção de si e dos outros, a partir da pluralidade, mas sem perder de vista o plano da igualdade. 

Como já foi referido, as diretrizes e acordos internacionais que abordam os direitos das crianças enfatizam a importância e a responsabilidade das famílias, e principalmente dos pais, ao garantir a proteção e o cuidado das crianças e adolescentes, garantindo assim o acesso e o exercício dos seus direitos.

 Se a família assume e executa adequadamente esta tarefa, considera-se que este é o ambiente mais adequado para o desenvolvimento de meninos e meninas, que recebem dos pais o cuidado, o carinho, a alimentação e a proteção de que necessitam para crescerem e desenvolverem-se com saúde e todas as suas capacidades. Os problemas surgem quando a família não tem condições de satisfazer essas necessidades, e até age para violar os direitos básicos das crianças. O horizonte ético fica turvo se as famílias não cumprem a sua responsabilidade fundamental no que diz respeito ao cuidado e apoio aos seus filhos, o que gera consequências terríveis e causa danos irreparáveis ​​às crianças (MACLEOD, 2020).

Calderón, a respeito da responsabilidade dos pais, recorda que o cuidado dos responsáveis pela criança foi considerado vital para o desenvolvimento e a formação psicológica do infante, de modo que configuraria verdadeira obrigação dos pais o atendimento a este dever jurídico, sendo a negligência não justificável a tal obrigação legal configuradora de ilícito civil (CALDERÓN, 2017).

A legislação atual estabelece diferentes medidas de intervenção para atenuar estas situações de falta de proteção às crianças, mas a grande vulnerabilidade e fragilidade deste grupo populacional faz com que estas ações sejam muitas vezes insuficientes ou cheguem tardiamente. Quando o espaço de proteção e segurança que deveria ser propiciado pela família não reúne essas qualidades, o menor fica ao relento, desprovido do bem-estar básico que seu ambiente deveria, eticamente, proporcionar.

A FAMÍLIA, ESTADO E SOCIEDADE PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Embora a Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, sobre Crianças e Adolescentes (ECA) estabeleça princípios suficientes para a concretização dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. O ECA discorre sobre o princípio da proteção adequada de crianças e adolescentes, adotado pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que afirma: 

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de zelar pelo direito à vida das crianças e aos adolescentes e ao jovem, com prioridade absoluta, o direito à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência das famílias e comunidades, e de serem protegidos de todas as formas de negligência e discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em síntese, o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente contém normas que regem os princípios básicos das relações jurídicas que envolvem crianças e adolescentes no âmbito da família, da sociedade e do Estado. Por sua vez, a Convenção sobre os Direitos da Criança adota o princípio da proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes no cenário internacional, elevando-os à condição de sujeitos de direito.

O artigo 3.º da referida Convenção prevê que as decisões públicas relativas às crianças devem considerar o melhor interesse da criança. A proteção adequada justifica-se porque as crianças e os adolescentes são incapazes de fazer valer os seus direitos diretamente, dada a sua situação temporária.

O tratamento especial dado pela lei às crianças e aos adolescentes e o princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, estão vinculados ao princípio do desenvolvimento humano, ou seja, as crianças e os adolescentes são formados nos aspectos físicos, emocionais e intelectuais.

Devido a esta situação, estes sujeitos não compreendem plenamente os seus direitos e são incapazes de lutar pela implementação dos seus direitos. É precisamente por causa desta condição de pessoas em desenvolvimento que elas têm direitos especiais. 

O objetivo de todas as salvaguardas acima mencionadas é minimizar os maus tratos de pessoas com condições especiais de desenvolvimento físico, mental e psicológico e, assim, garantir a igualdade material com a população adulta. Desta forma, procura-se garantir as condições mínimas aceitáveis ​​para um desenvolvimento adequado à vida adulta digna (DIVERS, 2017).

Contudo, inúmeras crianças e adolescentes vivem à margem das políticas públicas mais básicas como educação, saúde, lazer, cultura e segurança. Nesse sentido, observa-se que: a) a prioridade de beneficiar, de proteção e assistência em qualquer circunstância; b) a prioridade de atendimento em serviços públicos ou de interesse público; c) a preferência na formulação e implementação de políticas sociais públicas e d) a distribuição privilegiada de recursos públicos em áreas relacionadas com a proteção de crianças e jovens (MACLEOD, 2020). 

Diante do descumprimento dessas disposições, os órgãos responsáveis ​​pela proteção dos direitos das crianças e adolescentes elegeram a via legal como uma das alternativas para obrigar o Estado a cumprir suas obrigações.

E precisamente para bloquear este ciclo prejudicial para os jovens e para lhes oferecer um futuro melhor e garantir uma sociedade mais segura, o legislador escolheu o sistema de corresponsabilidade acima mencionado. Por outro lado, o Código Penal Brasileiro estabeleceu, em seus artigos 136, 244, 246 e 247, os crimes de abuso, abandono material, intelectual e moral, com pena de prisão e multa, para os infratores dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

O ordenamento jurídico brasileiro determina que os pais devem cumprir certos deveres, devido ao poder familiar. A Constituição Federal, em seu artigo 227, atribui à família o dever de educar, bem como a convivência e o respeito à dignidade dos filhos, devendo esta sempre prezar pelo desenvolvimento saudável do menor. Nesse sentido, o artigo 229 da CF/88 atribui aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos, como já foi mencionado neste estudo.

No mesmo sentido, o Código Civil, em seu artigo 1.634, estabelece como obrigações conjugais o sustento, criação, guarda, companhia e educação dos filhos (1.566, IV). Já os artigos 1.583 a 1.590 tratam da proteção dos filhos em caso de rompimento da sociedade conjugal.

Os deveres dos pais estabelecidos pelos diplomas mencionados incluem o direito de criar, englobando as necessidades biopsíquicas do filho, e estão relacionados à satisfação das necessidades básicas da criança e do adolescente. Logo, entende-se que o processo de educação dos filhos não requer a coabitação de ambos os pais, desde que cumpram suas responsabilidades de maneira efetiva (DINIZ, 2007).

Dessa forma, tanto o pai quanto a mãe colaboram para a formação física, mental, moral e ética dos filhos. É importante os pais fazerem com que o filho perceba que a vida não é só aconchego, mas também trabalho, bondade, conflito, que não há apenas sucesso, mas também fracasso, que não há apenas ganhos, mas também perdas. Os pais devem ensinar os limites da vida e transmitir valores éticos e morais, que serão o fundamento da personalidade, pois todo filho é fruto das suas relações familiares. Dessa maneira, será na soma de ambos os papéis que se formará uma pessoa equilibrada e preparada para a vida (BOFF, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se chegar à finalização deste artigo compreende-se que as medidas de proteção à uma infância saudável contam amplamente expressas em inúmeros instrumentos legais, entre ele o ECA, e reiteram a importância de fazer com que crianças tenham seus direitos cumpridos. De modo geral, é observado que o cumprimento desse direitos, perpassa pela necessidade de ajuste de uma série de normativas que têm como premissa a validação de ações que constituem uma sociedade minimamente segura e eficiente, capaz de fazer com que a criança tenha seus direitos resguardados e cumpridos.

Na legislação vigente há diversos mecanismos que mostram a presença do direito e obrigação dos genitores de zelar e resguardar seus descendentes, não somente em relação à saúde física, mas também mental e ética. A Carta Magna, no artigo 227, estabelece que cabe à família garantir, entre outros, o direito das crianças à convivência familiar.

A legislação de n. 8.069/90 reafirma a importância de os filhos serem cuidados e instruídos no ambiente familiar, de acordo com o artigo 19. Da mesma forma, o Código Civil lista como obrigações conjugais (artigo 1.566) o provimento, a proteção e a formação dos filhos e em situações de separação ou divórcio dos genitores, deve sempre prevalecer o bem-estar das crianças (artigos 1.584 e 1.586).

Apesar disso, é perceptível que a legislação enfatiza de maneira essencial a e relevância da participação dos pais na formação dos filhos. Todavia, se a negligência injustificada do pai ou da mãe causa dor física e, consequentemente, danos à formação da criança, caracterizaria o dano, causado pela omissão e infração aos deveres de assistência moral e proteção, impostos pelo poder familiar.

A promoção de uma infância saudável é correlatada com todos os direitos aos quais as crianças e os adolescentes têm. O direito se baseia a partir de uma série de ações que são defendidas em inúmeros instrumentos legais e que obrigam a sociedade a cumprir tais medidas em favor do desenvolvimento promissor das crianças e adolescentes. De modo geral, é preciso observar que tais obrigações se resguardam na necessidade de construção de uma sociedade futura que reconheça a necessidade de formar cidadãos justos e conscientes desde a sua infância.

Desse modo, a promoção de uma infância saudável está necessariamente ligada ao presente, e ao futuro, com a elaboração de medidas que permitem ações de conscientização e de conhecimento sobre obrigações morais, formando assim meios de promoção de construção de uma sociedade que, mais à frente, está consciente de seus deveres, de sua humanidade e da necessidade do respeito a dignidade humana inerente a todos.

BIBLIOGRAFIA

ÁLVAREZ Vélez, Maria Isabel. (1994). A proteção dos direitos da criança no âmbito das Nações Unidas e no Direito Constitucional espanhol. Pontifícia Universidade de Comillas

BIZINOTTO, K.; GARCEZ, S.M. Convivência familiar na Lei n. 12.010/2009: o poder de tutela do Estado na construção da autonomia privada. 2015.

BOFF. Leonardo. São José: a personificação do pai. Campinas: Véus, 2005.

BRASIL. Estatuto (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente:. 4 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

BRASIL. Estatuto (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente:. 4 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: . Acesso em: 12 fev.2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil:. 26 ed. Atual. E amp. São Paulo: Saraiva, 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil:. 26 ed. Atual. E amp. São Paulo: Saraiva, 2000.

CALDERÓN, Ricardo Lucas. Princípio da efetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Renovar 2017.

CALVO Guerra, Rosa. (2020). O direito de viver em família. Modalidades alternativas de acolhimento de crianças no quadro jurídico espanhol. Em Villagrasa, Carlos (coord.), Pelos direitos da criança e do adolescente. Wolters Kluwer. 29-47.

CARMONA Luque, Maria do Rosario. (2011). A convenção sobre os direitos da criança: um instrumento de progressividade no direito internacional dos direitos humanos. Dykinson.

Divers, Andrew. (2017). “Inculcating Agency”. Childhood and Philosophy, 13 (27), 253-270.

DINIZ, Maria Helena de.  Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 22. ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva. 2007. v.5. p. 516.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. atual. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.  p. 380-1.

Domingo Moratalla, Agustín (2019) “Cuidado e responsabilidade: de Hans Jonas a Carol Gilligan”. Pensamento. Jornal de Pesquisa e Informação Filosófica, não. 283, vol. 75, pp. 357-373.

FRASER, Nancy. (mil novecentos e noventa e seis). Redistribuição e reconhecimento: rumo a uma visão integrada da justiça de género. Em Radl, Rita (ed.), As mulheres e a instituição universitária no Ocidente. Conhecimento, investigação e papéis de género. Universidade de Santiago de Compostela. 135-153.

García Garnica, Maria del Carmen. (2008). Proteção civil dos direitos das crianças. Em Vela Sánchez, Antonio (coord.). Globalização, imigração e direitos das crianças. Publicação MAD. 109-129.

Gil, Antonio Carlos, 1946- Como elaborar projetas de pesquisa Antonio Carlos Gil. – 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2002.

Gomez Hawthorne, John Michael. (2008). Participação, comunidade e educação para a cidadania. Em Sailing Sanchez, Antonio (coord.). Globalização, imigração e direitos das crianças. Editora MAD. 223-2

HALL, Bárbara. (2017). A origem dos direitos dos pais. Em Gilmore, Stephen (ed.). Direitos e responsabilidades dos pais. Routledge. Boné. 1.

Kennedy, David. (2020). A comunidade da infância. Nefi Edições. LENZA, Pedro. Direto Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

LENZA. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990.

LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MACLEOD, Colin. (2018). O bom pai. En Gheaus, Anca; Calder, Gideão; De Wispelaere, Jürgen (eds.). O Manual Routledge de Filosofia da Infância e das Crianças, cap. 15. Routledge.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010

REIS Monteiro, Antonio. (2008). A revolução dos direitos das crianças. Publicação Popular.

RIZZINI, I. A criança e a lei no Brasil. Brasília, DF: UNICEF/CESPI/USU, 2000. Sambade, Ivan. (2020). Masculinidades, violência e igualdade: o (auto)controle dos homens como estratégia de poder social. Universidade de Valladolid. 

SARAIVA, João Batista Costa Saraiva. Compêndio de Direto Penal Juvenil Adolescente e Ato Infracional. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

SILVA PEREIRA, T. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

SKELTON, Anthony. (2018). Crianças e bem-estar. En Gheaus, Anca; Calder, Gideon e De Wispelaere, Jürgen (eds.). O Manual Routledge de Filosofia da Infância e das Crianças, cap. 8. Routledge.

TAVARES, Maria Tereza Goudard. (2020). “Infâncias, cidade e relações intergeracionais na vida cotidiana”. Childhood and Philosophy , 16, 1-26. Torralba Roselló, Francesc. (2002). Ética do cuidar. Fundações, contextos e problemas. Instituto Borja de Bioética e Fundação de Medicina MAPFRE.

UNICEF. (2015). Convenção sobre os direitos da criança.

ONU. Organização das nações unidas. (1994). Conclusões da Jornada de Debate Geral sobre O papel da família na promoção dos Direitos da Criança.