A EFETIVIDADE DELIBERATIVA DO CONTROLE SOCIAL: ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE CAMPO GRANDE/MS NA ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE 2022-2025

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505081544


Luciano de Barros Mandetta1
Luciane Cristina de Carvalho2


Resumo

O presente artigo analisa a efetividade deliberativa do Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande/MS na elaboração do Plano Municipal de Saúde 2022–2025. Utilizando abordagem qualitativa com base na análise documental das atas do CMS, foram avaliadas dimensões como representatividade, publicidade, funções exercidas e tipos de decisões. Os resultados revelam atuação significativa do conselho como instância deliberativa, porém com fragilidades quanto à formação e preparo técnico dos conselheiros. Propõe-se como contribuição a institucionalização de processos formativos permanentes, visando aprimorar o controle social e fortalecer a participação cidadã na gestão do SUS.

Palavras-chave: Conselho Municipal de Saúde. Deliberação. Planejamento em saúde. Participação social. Controle social.

1 INTRODUÇÃO

O controle social é um pilar fundamental para a gestão democrática no Sistema Único de Saúde (SUS), instituído no Brasil pela Constituição Federal de 1988 como mecanismo de participação cidadã na formulação e fiscalização de políticas públicas de saúde (Silva, 2008). Nesse contexto, os Conselhos Municipais de Saúde (CMS) emergem como espaços estratégicos de deliberação, nos quais representantes da sociedade civil, trabalhadores da saúde e gestores interagem para garantir a transparência e a equidade nas decisões (Avritzer2010). Contudo, a efetividade deliberativa desses conselhos enfrenta desafios, como a burocratização, a influência  do poder executivo e a limitada capacitação técnica dos conselheiros, que podem comprometer sua autonomia e impacto nas políticas públicas (Tatagiba, 2005).

A literatura destaca que a democracia deliberativa, conforme proposta por Habermas (1995), depende de condições como igualdade na participação, transparência nas decisões e capacidade de influenciar políticas públicas. No entanto, estudos como o de Souza (2018) apontam que muitos conselhos municipais ainda apresentam fragilidades em sua atuação, especialmente no que tange à formação técnica e à proposição de políticas. Tais incertezas evidenciam a necessidade de avaliar o desempenho desses espaços deliberativos, especialmente em processos cruciais como a elaboração de planos municipais de saúde, que orientam as ações do SUS em nível local.

Diante desse cenário, este estudo se propõe a responder: como o CMS de Campo Grande-MS garantiu a efetividade deliberativa na elaboração do Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025, considerando a igualdade deliberativa, o tipo de decisão tomada, a função exercida e a publicização das decisões? O problema é delimitado à análise do CMS de Campo Grande, refletindo a vivência do autor como servidor público e sua percepção sobre a relevância de fortalecer o controle social para a melhoria da gestão em saúde.

O objetivo geral é verificar o grau de efetividade deliberativa do CMS de Campo Grande durante a elaboração do PMS 2022-2025, enquanto os objetivos específicos incluem analisar as dimensões de igualdade deliberativa, tipo de decisão, função exercida e publicização das deliberações. A pesquisa justifica-se pela necessidade de compreender os avanços e limitações da participação cidadã no SUS, contribuindo para o aperfeiçoamento da governança democrática e para a formulação de políticas de saúde mais inclusivas. Além disso, propõe-se como um instrumento prático ao oferecer subsídios para programas de capacitação de conselheiros, visando uma atuação mais qualificada e impactante.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DA LITERATURA

A compreensão da efetividade deliberativa no controle social, especialmente nos Conselhos Municipais de Saúde (CMS), exige um mergulho nas bases teóricas que moldaram as relações entre Estado e sociedade. Este referencial teórico busca estruturar o arcabouço conceitual que sustenta a análise da participação cidadã na elaboração do Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025 em Campo Grande-MS, identificando tanto os fundamentos históricos quanto os debates contemporâneos que informam o problema de pesquisa.

O controle social tem raízes em concepções filosóficas que datam da modernidade. Hobbes (2003) propõe um modelo centralizado, em que o pacto social transfere a soberania aos governantes para garantir ordem, destacando o controle estatal como essencial à coexistência (Hobbes, 2003). Em contraponto, Locke (1978) defende a limitação do poder por meio do consentimento popular, abrindo espaço para a participação cidadã via instituições representativas (Locke, 1978). Rousseau (1999), por sua vez, enfatiza a soberania popular e a deliberação coletiva como base da liberdade, influenciando modelos democráticos horizontais (Rousseau, 1999). Essas ideias foram revisitadas por Marx (2013), que critica o Estado como instrumento da burguesia, e por Gramsci (2001), que introduz a hegemonia como mecanismo de consentimento cultural (Marx, 2013) e (Gramsci, 2001). No Brasil, a Constituição de 1988 consolidou o controle social com a criação de conselhos gestores, impulsionando a participação na saúde, embora desafios como clientelismo persistam (Silva, 2008).

A democracia deliberativa, central para este estudo, foi desenvolvida por Habermas (1995), que destaca a ação comunicativa como meio de legitimação das decisões por meio do diálogo igualitário (Habermas, 1995). Avritzer (2010) adapta essa perspectiva ao contexto brasileiro, analisando as instituições participativas como arenas de deliberação, enquanto Souza (2018) propõem dimensões como igualdade deliberativa e publicização para avaliar sua efetividade. Lüchmann (2002) argumenta que a operacionalização da deliberação exige superar assimetrias de poder, um ponto crítico nos CMS (Luchmann; 2002). Estudos recentes, como o de Tatagiba (2005) e Gohn (2022), indicam que, apesar do potencial transformador dos conselhos, a elitização e a falta de capacitação limitam sua autonomia, sugerindo a necessidade de abordagens inovadoras.

Embora a literatura avance na teorização da democracia participativa, persistem incertezas sobre a efetividade prática dos CMS, especialmente na elaboração de planos de saúde. Trabalhos como o de Farias (2014) e Barddal (2020) apontam a influência do executivo e a baixa representatividade como barreiras, enquanto Pires (2011) propõe indicadores para mensurar impactos. Contudo, a aplicação dessas teorias a contextos locais, como Campo Grande, ainda carece de estudos empíricos detalhados que integrem análise documental e reflexões sobre capacitação. Este trabalho almeja preencher essa lacuna, contribuindo com uma análise estruturada da efetividade deliberativa e uma proposta de capacitação, alinhada às demandas identificadas na literatura.

3 METODOLOGIA 

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva e exploratória, para analisar a efetividade deliberativa do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Campo Grande-MS durante a elaboração do Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025. O foco foi avaliar as dimensões de igualdade deliberativa, tipo de decisão tomada, função exercida e publicização das decisões, utilizando análise documental como principal método de coleta de dados.

A população do estudo abrangeu o conjunto de atas, memórias de reuniões, pareceres e publicações oficiais relacionadas às deliberações do CMS no ano de 2022, período de planejamento do PMS. A amostragem foi delimitada a documentos específicos, incluindo as atas das 11 reuniões da Comissão de Acompanhamento da Elaboração e da Execução do PMS, o parecer de aprovação do plano, a ata de votação e as publicações no Diário Oficial do Município (DOM), selecionados por sua relevância direta ao processo investigado.

Os instrumentos de coleta de dados consistiram na solicitação formal de documentos ao CMS via ofício, seguida pela leitura sistemática das atas e memórias de reuniões. Esses materiais foram organizados cronologicamente e analisados com base nas categorias propostas por Souza & Heller (2018), que definem os graus de intensidade (alto, médio e baixo) para cada dimensão analítica. A tabulação dos dados envolveu a identificação e classificação de fragmentos textuais, registrando a frequência de vocalizações por segmento (usuários, trabalhadores e gestores) e a natureza das deliberações.

A análise de conteúdo, conforme orientado por Krippendorff (2013), foi aplicada para interpretar os dados, buscando compreender a dinâmica deliberativa a partir da perspectiva dos participantes. Os resultados foram estruturados em um quadro comparativo, adaptado do modelo de Souza & Heller (2018), que permitiu mensurar o grau de efetividade em cada dimensão. Para assegurar a validade do constructo, foram trianguladas múltiplas fontes, incluindo documentos internos do CMS e publicações oficiais, seguindo recomendações de Yin (2010). Essa abordagem detalhada viabiliza a replicação do estudo em outros contextos municipais.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

Esta seção apresenta os achados da pesquisa documental, organizados de acordo com as quatro dimensões de efetividade deliberativa analisadas no Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande-MS durante o processo de elaboração do Plano Municipal de Saúde 2022-2025. A análise teve como base as categorias propostas por Souza e Heller (2018), incluindo igualdade deliberativa, tipo de decisão tomada, função exercida e publicização das decisões. Os dados foram obtidos por meio da leitura sistemática das atas de reuniões ordinárias e extraordinárias, documentos oficiais e pareceres, categorizados segundo frequência, conteúdo temático e nível de intensidade (alto, médio, baixo), conforme o Quadro 1.

4.1 Igualdade Deliberativa no CMS

A análise identificou uma participação desigual entre os segmentos representados no conselho. Embora o segmento de usuários tenha registrado elevada frequência de manifestações, a condução das reuniões foi majoritariamente orientada pela gestão. Essa centralização limita o equilíbrio entre as vozes e impacta negativamente na diversidade do debate deliberativo. Apesar de formalmente todos os membros possuírem direito à fala e voto, a prática revelou assimetrias, principalmente na proposição de pautas e condução de temas técnicos e financeiros.

Esse resultado reforça o achado de Tatagiba (2005), que apontou a dificuldade de consolidação de um espaço igualitário de deliberação nos conselhos municipais, sobretudo diante das desigualdades de formação e acesso à informação entre os conselheiros.

4.2 Tipo de Decisão Tomada

Quanto ao tipo de decisão, predominou o caráter operacional das deliberações, com foco no acompanhamento de metas, aprovação formal de relatórios e validação de propostas oriundas da gestão. Observou-se baixa incidência de proposições transformadoras ou inovadoras oriundas dos conselheiros da sociedade civil.

A reatividade das decisões evidencia uma limitação do conselho em exercer sua função propositiva. Esse dado dialoga com os estudos de Avritzer (2010), que alertam para o risco de esvaziamento político das instâncias participativas quando estas apenas ratificam propostas da burocracia estatal.

4.3 Função Exercida

Na dimensão da função exercida, o CMS se mostrou mais atuante em atividades de fiscalização e acompanhamento. Houve monitoramento dos Relatórios Detalhados do Quadrimestre Anterior (RDQA) e avaliação técnica do conteúdo do Plano Municipal de Saúde. A atuação das comissões internas contribuiu para o exercício da função fiscalizadora, embora com limitações na capacidade de influenciar etapas iniciais do planejamento.

Essa função, ainda que parcialmente cumprida, destaca a importância do CMS como instância de vigilância cidadã, corroborando a proposta normativa da Lei nº 8.142/1990.

4.4 Publicização das Decisões

A publicização das decisões mostrou-se insatisfatória. Apenas cerca de 60% das deliberações foram registradas em canais oficiais de comunicação, como o Diário Oficial do Município. Muitas das decisões relevantes permaneceram restritas às atas internas, sem ampla divulgação para a sociedade civil.

Essa deficiência compromete os princípios de transparência e accountability institucional. Conforme Barddal & Torres (2020), a ausência de mecanismos sistemáticos de divulgação compromete a legitimidade da participação social e dificulta a avaliação pública da atuação dos conselhos.

Quadro 1 – Grau de efetividade deliberativa no CMS – Campo Grande em 2022

Fonte: Elaboração própria a partir das atas dos encontros para elaboração do plano.

Conforme trabalhos evidenciados anteriormente de Yin (2010), em que os estudos de caso podem ser um caminho metodológico rigoroso a ser traçado, sendo que sua qualidade envolve desde a revisão aprofundada da literatura, até a observância dos critérios de qualidade relatados nesta subseção. Nesta linha, Yanow (2006) estabeleceu que embora não sejam objetivas, pesquisas interpretativas são rigorosas, na medida em que constroem seus argumentos logicamente apoiadas por evidências que convencem a audiência. Assim, a presente pesquisa de tese procurou cumprir as exigências metodológicas cabíveis, a fim de reduzir ao máximo possíveis distorções no decorrer do estudo, seguindo desta forma, procedimentos sistemáticos de análise.

Há limitação quanto a quantidade e a qualidade dos documentos no reflexo e descrição dos fatos ocorridos com integralidade, visto a descrição resumida dos documentos que envolvem os trabalhos do Conselho (memórias das reuniões e ata de reunião), pois descrevem de forma sintetizada os fatos ocorridos. Isso reduz a realidade das ocorrências a descrições minimalistas dos fatos e acontecimentos.

Nas análises separadas das dimensões e graus extraídos observados no item 3 (Revisão da Literatura) deste trabalho e comparados ao Quadro 1 – Graus de efetividade deliberativa foi possível formar o quadro conclusivo da Efetividade Deliberativa do Conselho Municipal.

O Quadro 1 – Grau de efetividade deliberativa no CMS – Campo Grande em 2022 demonstra que o Conselho Municipal de Saúde alcançou um alto grau de Efetividade Deliberativa em três das quatro dimensões analisadas. A Igualdade Deliberativa destacou-se pelo equilíbrio na participação dos membros do conselho, com predominância da vocalização dos usuários. O Tipo de Decisão Tomada revelou uma significativa interferência do conselho nas políticas públicas de saúde, evidenciando sua capacidade de influenciar decisões relevantes. A Publicização de Decisões foi ampla e consistente, com todas as deliberações publicadas de forma oficial.

Entretanto, a Função Exercida apresentou um grau médio, o que indica que, embora o conselho exerça um papel relevante de controle e acompanhamento, ainda há espaço para ampliar a atuação em propostas e intervenções mais efetivas.

No geral, de acordo com o Quadro 1 conclui-se que o Conselho Municipal de Saúde desempenhou seu papel com elevada efetividade em relação à elaboração do Plano Municipal de Saúde, destacando-se como uma instância deliberativa fundamental para garantir a participação social e a transparência no processo de planejamento em saúde pública. 

Os resultados deste estudo oferecem implicações relevantes para gestores e formuladores de políticas públicas, pois evidenciam a importância de um CMS ativo e participativo para garantir maior transparência e qualidade nas decisões sobre saúde pública.

Especificamente, este estudo sugere que:

  • A autonomia e estrutura dos conselhos devem ser fortalecidas para ampliar a igualdade deliberativa e a pluralidade de vozes no processo decisório;
  • Os resultados das deliberações precisam ser amplamente publicizados para garantir maior controle social e participação cidadã;
  • Os gestores públicos devem reconhecer e incorporar as recomendações dos CMS nos planos de saúde, garantindo maior alinhamento entre decisões participativas e políticas implementadas.

Em conclusão, este estudo reforça o papel dos conselhos municipais de saúde como espaços de deliberação essenciais para o fortalecimento da governança democrática e para a construção de políticas públicas mais inclusivas e eficazes.

Como parte integrante desta dissertação, foi desenvolvido um Produto Técnico-Tecnológico (PTT) com o propósito de contribuir de forma prática para o aprimoramento do controle social na área da saúde. Trata-se de um curso de capacitação para conselheiros de saúde, com foco na participação qualificada durante a elaboração do Plano Municipal de Saúde (PMS).

A proposta do curso, intitulada “Capacitação para Conselheiros: Elaboração do Plano Municipal de Saúde”, tem como objetivo geral fortalecer a atuação dos conselheiros municipais como agentes de controle social, promovendo o engajamento efetivo e consciente no processo de planejamento do PMS. O curso foi estruturado com base nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), visando garantir que os conselheiros compreendam os marcos legais, dominem as etapas metodológicas do planejamento e se apropriem dos instrumentos de gestão.

O conteúdo do curso contempla: a contextualização do papel dos conselhos de saúde no controle social, a apresentação dos fundamentos legais do SUS, a explicação detalhada das etapas do planejamento em saúde, a discussão das atribuições e responsabilidades dos conselheiros no processo deliberativo, o estímulo à leitura crítica de dados e indicadores de saúde e recomendações práticas para participação ativa nas reuniões e formulações de propostas.

O curso foi proposto no formato de ensino a distância (EAD), com carga horária estimada de dois dias, e é voltado prioritariamente para os conselheiros do Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande, embora possa ser replicado para outras instâncias municipais. Sua elaboração partiu da constatação, durante a pesquisa, de lacunas significativas na formação técnica e na compreensão do processo de planejamento por parte dos conselheiros, o que compromete a efetividade deliberativa identificada em algumas dimensões analisadas neste trabalho.

Ao final do curso, espera-se que os conselheiros estejam mais aptos a exercer seu papel de forma autônoma, crítica e fundamentada, contribuindo com qualidade para a construção de políticas públicas em saúde mais equânimes, participativas e baseadas nas reais necessidades da população.

Este PTT entregue formalmente ao Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande, acompanhado de um protocolo de recebimento, e está disponível para aplicação imediata com vistas ao ciclo de planejamento

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os objetivos propostos na pesquisa foram atingidos. Foi possível descrever e compreender a efetividade deliberativa do Conselho Municipal de Saúde de Campo Grande no processo de elaboração do Plano Municipal de Saúde 2022-2025. As análises realizadas evidenciam que o conselho desempenhou papel relevante em diversas dimensões avaliadas, com destaque para a participação ativa dos conselheiros e o acompanhamento sistemático das etapas do planejamento.

A investigação demonstrou que há um compromisso institucional com o controle social, traduzido na condução democrática das reuniões, na paridade de representatividade entre os segmentos e na produção de decisões com impacto técnico e político. A atuação do conselho contribuiu para qualificar o processo de planejamento e ampliar a legitimidade das ações em saúde pública no município.

Entretanto, foram identificadas lacunas relacionadas à formação técnica dos conselheiros, especialmente no domínio da legislação aplicada ao planejamento do SUS. Essa limitação compromete a capacidade propositiva do colegiado e indica a necessidade de estratégias de capacitação específicas. Nesse sentido, a pesquisa propôs, como produto técnico, a implementação de um curso de formação voltado à atuação qualificada dos conselheiros de saúde.

A principal contribuição deste estudo está na oferta de um referencial empírico e teórico que reforça a importância da efetividade deliberativa como instrumento para o fortalecimento da gestão democrática da saúde. A pesquisa também contribui com recomendações práticas para gestores públicos e conselheiros, visando aprimorar o controle social e qualificar os espaços participativos. 

5.1 Propostas para Novos Estudos

Com base nos achados desta pesquisa, identificam-se oportunidades relevantes para aprofundamento do tema em estudos futuros. Recomenda-se investigar o impacto concreto das decisões dos Conselhos Municipais de Saúde (CMS) na implementação das políticas públicas ao longo dos anos, buscando evidenciar como essas instâncias participativas influenciam a efetividade das ações em saúde.

Outra vertente promissora está na realização de estudos comparativos entre diferentes municípios e estados, com o objetivo de analisar como a estrutura institucional e a configuração da governança influenciam os níveis de efetividade deliberativa. Investigações longitudinais também se mostram pertinentes, especialmente para acompanhar a permanência da participação social e suas repercussões na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Sugere-se, ainda, o emprego de metodologias quantitativas para mensurar de forma mais precisa o grau de influência dos conselhos sobre decisões orçamentárias e a alocação de recursos públicos. Essa abordagem poderá contribuir para validar, sob outras perspectivas, as análises interpretativas realizadas neste estudo.

Por fim, diante da lacuna observada no conhecimento técnico dos conselheiros — especialmente no que diz respeito à legislação e ao planejamento em saúde — propõe-se como ação prática a implantação de programas de capacitação. Essa proposta se materializa no curso desenvolvido como Produto Técnico Tecnológico (PTT), que visa qualificar a atuação dos conselheiros e fortalecer sua capacidade de intervenção nas decisões do CMS.

Essa pesquisa, portanto, não apenas oferece um diagnóstico situacional, mas também contribui com um novo referencial empírico e teórico para pesquisadores interessados na interface entre gestão pública, participação cidadã e formulação de políticas de saúde.

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¹Discente do Curso Superior de Programa de Pós-Graduação Em Administração Pública Em Rede Nacional – PROFIAP da Escola de Administração e Negócios/ESAN da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campus Campo Grande e-mail: luciano.mandetta@tce.ms.gov.br 
²Docente do Curso Superior de Programa de Pós-Graduação Em Administração Pública Em Rede Nacional – PROFIAP da Escola de Administração e Negócios/ESAN da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campus Campo Grande e-mail: luciane.carvalho@ufms.br