A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E O CURSO DE GUIA DE TURISMO: UMA REAPROXIMAÇÃO DOS SUJEITOS AOS BENS HISTÓRICOS, ARTÍSTICOS E CULTURAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10909201


Maria Helena de Assis Laranjeira Gomes1


Resumo

O presente artigo trata do fazer pedagógico de um Curso Técnico em Guia de Turismo do Colégio Estadual Monsenhor Turibio Vilanova em Bom Jesus da Lapa-Bahia e suas interfaces entre a Educação Patrimonial, a história local e o Turismo como pontos fundamentais na reaproximação dos sujeitos aos bens históricos, artísticos e culturais, junto a estudantes e professores do referido curso, aproximando as práticas pedagógicas à realidade dos estudantes primado pela valorização do patrimônio cultural e desenvolvimento da cidadania, compreendendo a construção da memória e identidades coletivas e a educação como prática sociocultural mediada a partir de uma construção coletiva e dialógica, reconhecendo o outro e a si mesmo como produtor e protagonista de sua própria história. Para elucidar esse esforço de compreensão do campo da Educação Patrimonial fez-se um levantamento do documento orientador do curso, questionário  e entrevista com alunos das 03 (três) séries (1º, 2º e 3º ano) e 03 (três) professores que ministram disciplinas do campo da Educação Patrimonial no referido curso, onde percebe a importância da Educação Patrimonial como elemento fundante no processo de possibilidades de valorização, de pertencimento e de apropriação da cultural local, enquanto elemento de construção de identidades e memórias  coletivas no fazer histórico entre os diversos agentes sociais.

Palavras-chave:  Educação Patrimonial. Identidade. Patrimônio Cultural. Prática Pedagógica.  Turismo.

Abstract

This article deals with the pedagogical practice of a Technical Course in Tourist Guide at Colégio Estadual Monsenhor Turibio Vilanova in Bom Jesus da Lapa-Bahia and its interfaces among Heritage Education, local history and Tourism as fundamental points for bringing individuals closer to historical, artistic and cultural assets, together with students and teachers of the mentioned course, bringing pedagogical practices closer to the students reality, focused on valuing cultural heritage and developing citizenship, understanding the construction of memory and collective identities and education as a sociocultural practice mediated from a collective and dialogical construction, recognizing the other and oneself as producer and protagonist of their own history. To elucidate this effort to understand the field of Heritage Education, it was carried out a survey of the course’s guiding document,  questionnaire and interview with students from the 03 (three) grades (1st, 2nd and 3rd years) and 03 (three) teachers who teach subjects  related to the field of Heritage Education in the mentioned course, where  the importance of Heritage Education is perceived as a founding element in the process of valorization possibilities, belonging and appropriation of local culture as an element in the construction of collective identities and memories in the historical work among the various social agents.

Keywords: Heritage Education. Identity.  Cultural Heritage. Pedagogical Practice. Tourism.

Introdução

O curso de Guia de Turismo do Colégio Estadual Monsenhor Turíbio Vilanova instituído por portaria em Diário Oficial pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia de acordo o Catálogo de cursos do MEC (Ministério de Educação) do Brasil tem o intuito de preparar os alunos que cumprem uma carga horária diurna de 06/h/a em 03 (três) anos de curso com uma formação voltada para o turismo em uma cidade de 70 mil habitantes e que recebe atualmente mais de 2 milhões de visitantes entre peregrinos, romeiros e turistas constituindo a terceira maior Romaria do Brasil com culminância no dia 06 de agosto data em que celebra o dia do Bom Jesus ou o dia da transfiguração no Monte Tabor. O Santuário fica localizado em uma gruta de pedra com mais de 300 anos de romaria à margem do Rio São Francisco. 

Bom Jesus da Lapa é uma cidade com diversas histórias, tradições, quilombos, ribeirinhos, assentados e várias romarias em uma ebulição cultural. Possui um museu, um santuário dentro de várias grutas de pedra calcária que é adornado por uma esplanada com imagens católicas e estações da via sacra até o cume do morro. A Barrinha que é um local de gastronomia com espécies de peixes do rio São Francisco, catedral, várias igrejas, praças públicas, cadeia pública (prédio tombado), casarões antigos, teatro de arena, festa do divino com cavalhada, marujada, carretagem, folia de reis, cavalgadas, festa do vaqueiro, festejos de São João e São Pedro, pré-carnaval, entre outros.

Portanto, analisar como o curso é constituído, suas práticas pedagógicas e a imersão desses sujeitos no contexto patrimonial que a cidade oferece não só no que é visto, mas, também nos relatos orais e festas populares é imprescindível para a compreensão do como a unidade escolar valoriza e insere a educação patrimonial em suas práticas pedagógicas no Curso de Guia de Turismo e se essas práticas  reaproxima os sujeitos aos bens históricos, artísticos e culturais enriquecendo o capital humano e cultural favorecendo o desenvolvimento do turismo.

É por meio desta imersão no mundo, amparado por sua cultura, que o homem significa sua existência, como afirma Farias (2022), “cabe à educação patrimonial proceder à escuta e à mediação dos sujeitos sociais portadores de tradições, de saberes e fazeres”.

De acordo com a Organização Mundial do Turismo, o Turismo Cultural seria caracterizado pela procura por estudos, cultura, artes cênicas, festivais, monumentos, sítios históricos ou arqueológicos, manifestações folclóricas ou peregrinações” (BARRETO, 2000). 

O Turismo Cultural trata de uma área chave de desenvolvimento local em que a comunidade é conduzida a resgatar sua história, cultura, hábitos e costumes a fim de poder transmiti-los para o turista.

Assim, a Educação Patrimonial é um elemento capaz de ajudar a recuperar a memória e a identidade local, de sensibilizar a comunidade para seus valores culturais, despertando sua identidade, conservando e valorizando o Patrimônio Cultural, para promover o desenvolvimento do Turismo Cultural, bem como, ações de empreendedorismo e sustentabilidade como geração de renda e de vida.

No plano nacional, o órgão público encarregado de preservar os bens culturais de interesse nacional é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). No entanto, os estados e muitos municípios do país têm órgãos públicos destinados a definir, patrimonializar e preservar o que se considera patrimônio cultural.

No plano internacional, existe uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) chamada Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), destinada a definir os lugares e as práticas culturais considerados de relevância mundial, portanto, passível de preservação e visibilidade definidos como patrimônio natural ou cultural da humanidade. 

O Patrimônio Cultural pode ser dividido em duas categorias. De um lado está o material: construções, monumentos, sítios arqueológicos, coleções de museus, arquivos de documentos, cinematecas, coleções de artes, bibliotecas etc. De outro lado, o imaterial: uma herança transmitida de geração a geração, recriada por comunidades e grupos em sua realidade ambiental, social e cultural, gerando um sentimento de identidade e continuidade. Podem ser considerados patrimônio imaterial: hábitos, rituais, comidas, vestimentas, danças, festas, tradições orais, etc.

Assim, o patrimônio passou a constituir uma coleção simbólica de ampla representação da identidade coletiva que envolve ainda o patrimônio ambiental, sendo este compreendido como produto da ação dos homens, portanto, da cultura.

Desde tempos imemoriais o ser humano pratica o hábito de viajar seja para conquistas, passeios, estudos, intercâmbios, peregrinações etc. No entanto, foi em meados do século XIX que as viagens passaram a ser organizadas por pessoal especializado, tornando-se aos poucos, uma forma de negócio denominado turismo, gerador de lucros, empregos e divisas para numerosos países. O pioneiro no ramo foi Thomas Cook2 que constituiu na Inglaterra uma empresa inicialmente dedicada às excursões ferroviárias de recreação, uma vez que os trens eram o mais moderno e rápido meio de locomoção conhecido. No mesmo período surgiram os guias de viagem, primeiro produzido na Alemanha, por uma família de editores, a Baedeker3.

A atividade turística é, portanto, produto da sociedade capitalista industrial e se desenvolveu sob o impulso de motivações diversas, que incluem o consumo de bens culturais. O turismo cultural, tal qual o concebemos atualmente, implica não apenas a oferta de espetáculos ou eventos, mas, também, a existência e preservação de um patrimônio cultural representado por museus, monumentos e locais históricos e naturais.

Segundo Franco (2019, p.12), no viés antropológico, “a cultura é considerada como um campo de estudos que busca identificar as sociedades em suas formas de viver, sentir, pensar e fazer as coisas de um determinado grupo social, presentes na diversidade de seus símbolos, práticas, costumes etc., que os indivíduos utilizam em sua vida pessoal e coletiva”.

É por meio desta imersão no mundo, amparado por sua cultura, que o homem significa a sua existência. Laraia (2013), destaca que o homem se vê no mundo a partir de sua cultura, suas apreciações de ordem moral, os valores, as formas de se comunicar e de se comportar no meio social. 

Desta maneira, trabalhar com o patrimônio cultural na educação formal e na educação não formal é essencial para uma formação cidadã, no intuito de aprofundar o conhecimento e a reflexão do indivíduo, que permita emergir posturas, atitudes e comportamentos voltados para sua preservação, pelo desenvolvimento do sentimento de pertencimento perante o território e o lugar que ocupa, e que sofre desvalorização em várias instâncias na sociedade, bem como, compreender o processo histórico de construção desses bens culturais e os diversos atores envolvidos e suas dinâmicas sociais como afirma, (FRANCO, 2019, p.35).

“[…] conhecer seu patrimônio cultural, lutar pela sua identidade cultural é um direito, é cidadania, é se apropriar de sua rua, seu bairro, sua cidade, e que, para se instituir, precisa de processos educacionais consistentes para uma prática emancipadora, crítica, que promova o sentir e amplie o conhecimento dos patrimônios culturais materiais e imateriais dos territórios em que as pessoas vivem, para que sejam objetos de reflexão e apropriação com os elementos culturais que permeiam o espaço em que moram e transitam, em um processo de convivência, que seja orientada por uma consciência crítica de sua relevância e que sejam reconhecidos como exemplares de sua identidade cultural.”

Refletir sobre a tessitura social no campo do patrimônio é extremamente importante em termos de capital cultural porque tem a vantagem de não o representar como um conjunto de bens estáveis e neutros tendo a educação o processo de mediação que favorece a compreensão de que o patrimônio é uma construção coletiva dotado de significados e sentidos associados às memórias dos lugares e das pessoas. “Essa perspectiva é diferente daquela que entende a educação como reprodutora de informações e as comunidades como meras consumidoras e “público-alvo” das ações educativas” (FLORÊNCIO et al, 2014, p. 27).

Isso implica que as práticas educativas devem levar em conta a sua dimensão política, considerando que a memória e o esquecimento são produtos sociais. Segundo Florêncio (2014),

 “[…] ao assumir funções de mediação, as instituições públicas devem, mais do que propriamente determinar valores a priori, criar espaços de aprendizagem e interação que facultem a mobilização e reflexão dos grupos sociais em relação ao seu próprio patrimônio” (FlORÊNCIO et al, 2014, p. 23).

Portanto, a educação patrimonial, deve ter o compromisso com a diversidade cultural e valorizar suas referências no tempo e na história. “A comunidade é a melhor guardiã do patrimônio. […] Só se protege o que se ama, só se ama o que se conhece.” (Magalhães, 1997, p. 190) e como aponta Cecília Londres (2001), “o conhecer é o primeiro passo para proteger as nossas referências culturais, mas a dimensão simbólica do espaço costuma ser mais vivida do que conhecida e é necessário compreender o patrimônio de uma forma crítica e não apenas contemplativa”.

Procedimentos metodológicos, resultados e discussão

A pesquisa tem como público alvo alunos do Ensino Médio do Curso Técnico em Guia de Turismo e professores das ementas relacionadas a Educação Patrimonial e Turismo. Esses sujeitos serão de fundamental importância para compreender se as práticas de ensino adotados pelos educadores, planos de curso e documento orientador fazem interface com a realidade dos alunos e se propicia o sentido de pertencimento aos elementos constitutivos dos diversos patrimônios existentes, sendo também, esses sujeitos, produtores e consumidores do Patrimônio Cultural. As metodologias que serão utilizadas para estudar as questões relacionadas com a temática da Educação Patrimonial segue o viés da abordagem metodológica qualitativo, haja vista que o estudo busca analisar a relação entre educação e identidade, pertencimento, valorização e preservação. Segundo Esteban (2010, p.130), “a pesquisa qualitativa abrange basicamente aqueles estudos que desenvolvem os objetivos de compreensão dos fenômenos socioeducativos e a transformação da realidade”.

As técnicas utilizadas neste estudo têm o intuito de investigar o contexto escolar do lócus da pesquisa, procurando analisar e refletir sobre as práticas de ensino utilizadas em sala de aula e fora dela e objetivando o acesso ao maior número de informações sobre as questões norteadoras dessa pesquisa é utilizada também a observação participante como uma das técnicas para coleta de dados. Além da observação participante, foram realizadas entrevistas com os sujeitos da pesquisa com o objetivo de coletar dados que possibilite ter uma melhor percepção do objeto que fora estudado. Dessa maneira, serão elaboradas questões sobre aspectos relacionados à Educação patrimonial e Cultural, sendo organizadas de forma semiestruturada, uma vez que esse modelo se torna mais apropriado para a pesquisa realizada. 

Na concepção de Ludke e André (1986, p. 34) “a grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”. 

A análise documental foi outro procedimento adotado para coleta de dados. Nessa etapa foi selecionado e analisado o documento orientador do curso e o seu ementário para obter informações que venham acrescentar valor à pesquisa do ponto de vista de organização e direcionamento do curso.

Na primeira etapa foi realizado um diagnóstico acerca da existência ou ausência do diálogo entre as práticas educativas e a cultura local e quais as dificuldades enfrentadas pelo educador na realização da mesma, bem como, a utilização e aplicação de questionários e entrevista semiestruturada sobre as questões relacionadas à temática da pesquisa.

“Este é um momento de reflexão sobre a realidade e a necessidade da construção de conhecimento e comprometimento com o processo de mudança. É o momento de mexer com os sentimentos e vontades de cada um, confirmando que o indivíduo precisa, pode e quer mudar” (KUMMER, 2007, p.86).

Essa etapa é bastante pertinente, pois visa incluir no âmbito escolar condições para que a diversidade cultural esteja presente nas práticas pedagógicas adotadas em sala de aula, criando assim “uma escola que reconheça e dialogue com a diversidade” (ARRUTI, 2011, p.165).

Segundo Penin (2001, p. 83.), 

“[…]para cumprir sua função social, portanto, a escola necessita estar em ligação permanente com o seu entorno, caso contrário acabará por transformar numa instituição isolada, perdendo o poder de atração sobre a criança, jovens e suas famílias”.

Assim, observa-se que a história local possibilita um ensino que represente no espaço escolar a voz da comunidade e de seu patrimônio histórico-cultural, despertando o sentimento de pertencimento dos estudantes e contribuindo para sua permanência e seu sucesso escolar. 

Essa pesquisa foi realizada com a participação de três professores que lecionam a disciplina Patrimônio Turístico e com alunos distribuídos nas 03 séries (de 1º ao 3º ano) do Curso Técnico de Guia de Turismo do Colégio Estadual Monsenhor Turibio Vilanova em Bom Jesus da Lapa-Bahia no período de novembro de 2023 e fevereiro de 2024.

O documento orientador ou plano de curso aprovado pela Superintendência de Educação Profissional do Estado da Bahia em 2014, está de acordo com o catálogo de cursos do MEC (Ministério da Educação disponível no site http://catalogonct.mec.gov.br/ e na regulamentação da Profissão de Guia de Turismo. Segundo o mesmo, os concluintes do Curso Técnico em Guia de Turismo estarão habilitados a orientar, assistir e conduzir pessoas ou grupos durante traslados, passeios, visitas, viagens, com ética profissional e respeito ao ambiente, à cultura e à legislação. Informa sobre aspectos socioculturais, históricos, ambientais, geográficos e outros de interesse do turista. Apresenta ao visitante, opções de roteiros e itinerários turísticos disponíveis e, quando for o caso, concebe-os considerando as expectativas ou necessidades do visitante. Utiliza instrumentos de comunicação, localização, técnicas de condução, de interpretação ambiental e cultural. A Matriz Curricular do Curso contempla 80h/a semanais em Educação Patrimonial.

Os professores entrevistados são 03 mulheres com idades entre 40 e 57 anos e possuem formação condizente com a demanda curricular do curso sendo um com graduação em turismo, um com formação em sociologia e mestranda em educação e outro com formação em humanas doutoranda em Geografia, dois são professores efetivos e um possui contrato temporário. 

Em um universo de 87 alunos, sendo 49.4% do sexo masculino, 50.6% do feminino com idade entre 14 e 19 anos. Referente a escolarização no Ensino Fundamental da Educação Básica, 3.5% oriundos de escola privada e 96.5% de escola pública em sua grande maioria constituídas de pardos e pretos.  Sobre a orientação religiosa, 62% afirmam serem católicos, 23% são evangélicos e 15% de outras religiões.

Referente ao conhecimento sobre patrimônio, a maioria considera razoável e os mesmos consideram relevante os patrimônios existentes na cidade para o desenvolvimento do turismo destacando os diversos espaços que fomentam o turismo religioso como o Santuário, o Cruzeiro, a Praça da Fé, entre outros.

Em relação ao poder público local os entrevistados consideram razoável a atuação referente ao cuidado, preservação e divulgação dos patrimônios no sentido de promover o turismo e o desenvolvimento da cidade e que poderiam fazer muito mais, embora, percebam que os patrimônios presentes na cidade contribuem muito para o desenvolvimento do turismo local.

Sobre os conteúdos curriculares do Curso de Guia de Turismo eles consideram razoável para a formação de Guia de Turismo e afirmam serem necessários um maior número de visitas aos patrimônios na cidade e em outros locais turísticos como super importante, no entanto, a maioria não quer exercer a profissão de guia e fizeram a matrícula no curso por não ter vaga em outro e nem veem a possibilidade de trabalho na área. 

Quando questionados se eles já tinham consciência ou percepção da riqueza patrimonial e cultural da cidade antes do componente curricular sobre patrimônio turístico eles afirmaram que não e sobre como a educação patrimonial foi importante para mostrar o potencial histórico, cultural e turístico da cidade, destaca-se as seguintes falas:

“Importante para conhecer melhor a cidade”. (Yasmin)
“Ser um Guia com mais conhecimento para ajudar o turista a conhecer melhor a cidade”. (Pedro)
“É importante para ajudar no desenvolvimento da cidade, aprender sobre a história da cidade”. (Kleiton)
“Importante porque sem a educação patrimonial seria impossível mostrar o potencial histórico da cidade”. (Roane)
“Importante conhecer a cultura local e o seu potencial”. (Arthur)
“Importante para melhorar a qualidade no atendimento ao turista”. (Priscila)
“Para desenvolver ações que defendam os valores históricos e artísticos”. (Luciano)
“Compreender a importância da história e da cultura”. (Querem)
“Despertou para a valorização dos bens culturais e históricos da cidade”. (Alailza).

Sobre como eles enxergam a cidade a partir do contato com a educação patrimonial é muito interessante porque descortinou a cidade para eles, como afirmam:

“Mudou bastante a minha visão sobre patrimônio. Enxergo isso como algo muito importante para o Curso de Guia de Turismo”. (Lucas)
“Eu não tinha muito interesse a respeito de Bom Jesus da Lapa, porém agora, vejo com outros olhos’. (Amanda)
“Antes eu não sabia que o turismo contribuía para a nossa cidade, hoje eu sei de várias coisas com o conhecimento que adquiri no Curso”. (Tainá)
“Agora vejo a real importância das questões históricas e sociais”. (Carolina)
“Ficou mais claro saber quais partes importam em questão de preservação” (Pedro).
“Antes eu não tinha plena consciência da riqueza histórica e cultural da cidade de Bom Jesus da Lapa. Após esse contato com a Educação Patrimonial mudou a minha percepção passando a valorizar mais os elementos históricos e culturais presentes na cidade”. (Alailza)
“Eu via romeiros vindos para a Lapa e nunca soube que além de romeiros vinham turistas conhecer lugares históricos e hoje eu já entendo um pouco sobre isso”. (Eduardo)
“Eu enxergo com outros olhos, pois depois de estudar sobre percebi a riqueza da cidade já que antes não prestava atenção”. (Querem)
“Percebi que os romeiros vêm visitar o Santuário e usufruir da cultura” (Leticia)
“Agora enxergo não só como um trabalho. Agora eu vejo que é uma forma de conhecimento necessário até porque é isso que roda a economia da cidade”. (Kleyton)
“Agora eu tenho uma visão maior dos patrimônios da cidade e entendo melhor sobre a sua importância”. (Júlia).

Quanto a fala dos professores eles afirmam que o Curso de Guia de Turismo capacita profissionais para atuarem como facilitadores na conexão das pessoas com o patrimônio histórico, cultural e artístico enriquecendo as experiências turísticas e que o curso deveria promover mais visitas guiadas, técnicas de storytelling, estágios, contato com as comunidades tradicionais, mais escuta, valorização da oralidade e do Patrimônio Cultural dos diversos grupos que compõe a teia social da cidade, como quilombolas, ribeirinhos, assentados e os diversos peregrinos que fazem romaria todos os anos, etc., para que possa aproximar os sujeitos aos bens históricos, artísticos e culturais desenvolvendo um olhar mais crítico, sensível e o sentimento de pertencimento ao local, de valorização e preservação do patrimônio material e imaterial da cidade.

Os mesmos consideram que o poder público local deveria ser mais atuante no cuidado, preservação e divulgação na promoção do turismo e o desenvolvimento da cidade. O turismo ainda prevalece a peregrinação religiosa centrada no Santuário, suas grutas e entorno do morro como esplanada, cruzeiro, etc. Deveria ter um olhar mais aguçado para outros espaços e zelo pelo bem público. A educação patrimonial e cultural através de suas práticas faz esse trabalho com os alunos do Curso de Guia de Turismo, mas, é preciso que toda a cidade seja educada e conscientizada nesse sentido ampliando o olhar e o sentimento de pertencimento ao bojo cultural da cidade.

Considerações Finais

A Educação é uma prática sociocultural e não tem como pensá-la fora da Educação Patrimonial enquanto prática pedagógica e é de vital importância em uma sociedade marcada pelos traços do turismo e suas implicações na vida dos cidadãos pensar a escola e seus desdobramentos na vida dentro e fora da escola não só como metodologia, mas, como processo de construção e apropriação social, com seus consensos e conflitos.

O Curso possui avanços no processo de imersão dos sujeitos aos bens culturais, mas, ainda é muito restrito a atividades em sala seja pela logística e ou por demandas de outras disciplinas, haja vista que os alunos defendem a ideia de o curso oferecer mais visitas, escutas, produção de   documentários, etc. Um Curso em Guia de Turismo precisa privilegiar esse contato com o mundo externo para que possa inserir os sujeitos seja como projeto de vida, mundo do trabalho ou conhecimento do seu entorno compreendendo melhor a sua realidade, história e identidade para que imersa nele e partícipe do seu processo perceba-se parte integrante do mesmo. A Educação vai além do acesso aos conhecimentos historicamente construído ela é a própria vida, o seu mundo, suas memórias, seu fazer, suas lutas, resistências e todas as contradições de uma sociedade que sendo plural e multiétnica é também, economicamente injusta e isso reflete na compreensão e usufruto do Patrimônio seja econômico, cultural, ambiental e social.

Assim, fica evidente que muito ainda precisa ser feito, pensado e analisado referente a Educação Patrimonial e Cultural no contexto da Educação Básica, em especial, no Curso de Guia de Turismo que possibilite uma reaproximação dos sujeitos aos bens históricos, artísticos e culturais para que se vendo nele e encantado ou crítico a ele possa também desenvolver esse olhar e encantamento ao turista e visitante.

Outro ponto a destacar é o fato de os alunos estarem cursando um Curso Técnico em Guia de Turismo não como opção de estudo ou trabalho, mas, por não ter vaga em outro e isto ficou evidente nas 03 (três) turmas entrevistadas. Esse fato reforça a ausência de políticas públicas educacionais que atendam aos anseios dos alunos e da sociedade. Escolher o curso, a escola e o local onde deseja estudar é um direito. A Educação precisa ser acessível não só no acesso, mas, principalmente que também esteja aliada aos interesses e necessidades dos cidadãos detentores desse direito que são os alunos.

Em vista disso observa-se o quanto é importante atender aos interesses dos estudantes e a força que a Educação Patrimonial possui no processo de leitura da cidade, mas, em um contexto de diversas manifestações culturais e diversos patrimônios a Escola ainda fica presa aos elementos voltados para o Turismo religioso e os seus espaços sem dar muita visibilidade aos fazeres simbólicos das comunidades tradicionais e outros patrimônios imateriais existentes na cidade. A Educação Patrimonial como prática pedagógica é muito importante na formação do sujeito e sua reaproximação aos bens culturais, históricos e artísticos, mas, não é um fim em si mesmo. Nessa perspectiva o patrimônio é um traço do real, regido por quatro princípios: conexão física, singularidade, designação, testemunho de memórias, histórias e testemunho da existência que dão sentido às singularidades das sociedades humanas impressas no tempo e nas memórias individuais e coletivas

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1Professora da Educação Básica do Estado da Bahia com formação em Sociologia, Pedagogia, Administração e Gestão. Mestranda em Ciencias de la Educación – Universidad Autónoma de Asunción (2022-2024) Asunción (Paraguay). E-mail: biofemea@gmail.com
ORCID iD: 0009-0002-5728-2048