THE REASONABLE DURATION OF PROCESS AND THE ARTIFICIAL INTELLIGENCE: A JOINT ANALYSIS FOR CELERITY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10059465
Bruno Chemin Borsoi1
Resumo: O presente labor possui como principal objetivo a análise do princípio processual constitucional da duração razoável do processo e a contribuição da Inteligência Artificial no âmbito do Poder Judiciário, sob uma ótica fundada especialmente na celeridade. Através da utilização da pesquisa bibliográfica e documental, buscou-se apresentar um conceito e se perquirir acerca da grande importância de tal axioma, incluído no ordenamento jurídico pátrio através de Emenda Constitucional. A partir de então, o foco de estudo direciona-se para a Inteligência Artificial associada ao direito em uma análise dos principais avanços e contribuições no Brasil, e sua regulamentação legal, a fim de que o processo nacional, caracterizado pela morosidade e lentidão, seja mais célere e eficaz, sem se descuidar, no entanto, da proteção aos jurisdicionados e, principalmente, à obediência aos direitos e garantias fundamentais.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Duração Razoável do Processo. Celeridade.
Abstract: The present work has as main objective the analysis of the constitutional procedural principle of the reasonable duration of the process and the contribution of Artificial Intelligence within the scope of the Judiciary, under an optics founded especially on speed. Through the use of bibliographic and documentary research, we tried to present a concept and investigate the great importance of such axiom, included in the national legal system through Constitutional Amendment. From then on, the focus of the study is directed towards Artificial Intelligence associated with the law in an analysis of the main advances and contributions in Brazil, and its legal regulation, so that the national process, characterized by slowness and slowness, is faster and effective, without neglecting, however, the protection of the jurisdicted and, above all, the obedience to fundamental rights and guarantees.
Keywords: Artificial intelligence. Reasonable Duration of the Process. Celerity.
INTRODUÇÃO
A duração razoável do processo, princípio constitucional de tão caro alcance ao direito pátrio contemporâneo, necessitou ser positivado efetivamente no texto constitucional com o intuito de “obrigar” o Judiciário, em toda sua estrutura, inclusive administrativa, a trabalhar para diminuir o tempo de tramitação dos feitos, apontado por muitos como o fulcral entrave para a realização do acesso à justiça.
A presente pesquisa, através de uma análise do aventado princípio, busca pontuar o alcance e amplitude do campo da Inteligência Artificial como meio de atuação transformadora de constante evolução no Judiciário para concretização da celeridade.
De mais a mais, se verificará o quão essencial, atualmente, é o uso consciente da IA no Judiciário, e os ganhos de desempenho e tempo de andamento dos processos no Brasil, através de apoio e incentivo de órgãos de cúpula, sobretudo nos últimos cinco anos.
Do mesmo modo, haverá o estudo de vários exemplos de programas desenvolvidos ao redor do Brasil que utilizam, precipuamente, a Inteligência Artificial e algoritmos para permitir a dedicação humana a serviços que, de fato, devem ter sua participação.
A Inteligência Artificial, o robô, os softwares e demais programas afins devem ser vistos sob a visão de auxílio, contribuição e ajuda à própria estrutura do Judiciário, materializando princípios como a duração razoável do processo e celeridade – e nunca como substitutos dos humanos, muito menos dos magistrados e seu poder decisório singular.
As Resoluções, Portarias e demais disposições do Poder Judiciário denotam a importância conferida à IA e seu vasto campo de expansão para contribuir, de modo definitivo, a fim de que o jurisdicionado concretize seu direito fundamental à duração razoável do processo e, em última análise, à celeridade processual e na materialização do acesso à justiça.
Portanto, haverá a indicação do caminho de que a IA na ajuda ao Poder Judiciário trata-se de algo perene, que poderá ser imprescindível a curto prazo, sob a batuta de incentivos legislativos e auxílio recíproco aos usuários dos sistemas e jurisdicionados, sem qualquer ofensa aos demais princípios do macrossistema.
1. A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E A CELERIDADE
A duração razoável do processo, princípio de enorme valia no ordenamento constitucional, foi introduzido no sistema através por meio da Emenda nº 45, de 30 de dezembro de 2.004, e inseriu o inciso LXXVIII ao artigo 5º do Texto Magno, ao prescrever que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, o que confirma a perspectiva do legislador em atender aos anseios urgentes do Poder Judiciário, que, naquela época, já clamava por um dinamismo maior no atendimento à celeridade em uma duração compatível com a demanda.
Nessa toada, vale elucidar que este princípio encontrava-se inserto desde antes na Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário desde 1.992, que prevê, em seu artigo 8º, item 1, que “toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável…” de modo que, em atenção ao devido processo legal, consubstanciado expressamente nos artigos 4º2 e 139, inciso II3, ambos do Código de Processo Civil vigente, verifica-se a enorme relevância a fim de satisfação do direito subjetivo autônomo do postulante em tempo necessário.
A inserção posterior deste princípio, sobretudo no rol de sobre relevância do artigo 5º da Constituição Federal, se justifica pelo principal e crônico problema da justiça brasileira: a excessiva demora na tramitação e julgamento dos processos. É o que se verifica nas várias tentativas do legislador no que tange à inserções e alterações dirigidas ao intento de se buscar um rápido desfecho aos feitos processuais.
Não se olvida de que se trata de um problema estrutural, de ordem macroeconômica e social, e distinto em um país tão desigual e de dimensões continentais, cujo Poder Judiciário – um dos três poderes clássicos da República e tão visado hodiernamente – vez ou outra encontra-se abarrotado de processos e com baixíssimo quadro de servidores e auxiliares da Justiça, inclusive de magistrados, com o fito de cumprimento do axioma ora ventilado neste trabalho, mormente em relação às peculiaridades de cada caso, que demandam prazos diferentes para o seu epílogo.
A seu turno, a Corte Europeia de Direitos do Homem menciona que, observados os detalhes e nuances do caso concreto, em regra, três parâmetros podem ser analisados a fim de se verificar se o processo tem duração razoável: i) a diversidade do assunto; ii) a conduta das partes e de seus advogados, ou da acusação e defesa em processo penal; e iii) o desempenho do Poder Judiciário.
A partir desse pressuposto, deve-se reconhecer que não há sobreposição ou hierarquia de um indicador em relação ao outro, mas sim deve se verificar, em qualquer situação, o seu conjunto e unidade, em uma perspectiva finalística com o intuito de se alcançar a tramitação do processo em tempo razoável.
A propósito, leciona Rios Gonçalves4:
Esse princípio é dirigido, em primeiro lugar, ao legislador, que deve cuidar de editar leis que aceleram e não atravancam o andamento dos processos. Em segundo lugar, ao administrador, que deverá zelar pela manutenção dos órgãos judiciários, aparelhando-os de sorte a dar efetividade à norma constitucional. E, por fim, aos juízes, que, no exercício de suas atividades, devem diligenciar para que o processo caminhe para uma solução rápida. A busca deve ser a da obtenção dos melhores resultados possíveis, com a máxima economia de esforços, despesas e tempo. O princípio se imbrica com o da efetividade do processo: afinal, a duração razoável é necessária para que o processo seja eficiente.
Ocorre que o aumento exponencial da litigiosidade, agravado pela ineficaz estrutura do Poder Judiciário, fez com que corpo legislativo tivesse por obrigação inserir um comando de calibre constitucional, dentro do rol de garantias fundamentais, sob a batuta de conferir salvaguarda e tutelar algo, que em verdade, é um direito inerente a qualquer legitimado que espera uma solução rápida e justa por parte do órgão jurisdicional.
É incontroverso que o princípio da duração razoável do processo não implica, necessariamente, em que toda e qualquer espécie de ação tramite em tempo tão exíguo, a ponto de destituí-la da roupagem dos demais axiomas infraconstitucionais e constitucionais propriamente ditos, tais como, por seu alcance, o devido processo legal.
Destarte, a chamada “celeridade” não se caracterizaria de modo uniforme em toda a jurisdição, mas cada processo tem seu rito específico e suas particularidades, o que demanda análise unitária por parte do magistrado.
Por essa linha, elucida Didier Junior5:
Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional. Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao devido processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do caso deve cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo desse direito. A exigência do contraditório, os direitos à produção de provas e aos recursos certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas
É que a hodierna tendência de judicialização da sociedade contemporânea – ainda que os meios alternativos de resolução de conflitos tenham evoluído – tem como consequência imediata o Judiciário como gargalo único de todas as espécies de lide, ainda que ínfimas e de fácil solução. Os cidadãos esperam e confiam em uma decisão do Estado-juiz, em contrapartida ao Executivo e Legislativo, extremamente desgastados por cotidianos escândalos de corrupção.
2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O PODER JUDICIÁRIO
Nessa linha, após vários anos de percalços e incontáveis processos em tramitação na justiça brasileira, o que é factível através da chamada “Justiça em Números”6, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, órgão de regulação e fiscalização do Poder Judiciário brasileiro, observa-se, principalmente nos últimos cinco anos, a gradual inserção da Inteligência Artificial em seu constante auxílio.
Com o fito de possibilitar a continuidade das decisões judiciais em tempo justo, o que é monopólio estatal, o Poder Judiciário, sedento por mudanças que mantivessem a sua hiperprodução, tem passado por um lento, porém notável processo evolutivo, seja no que tange aos meios de solução de conflito, seja no uso dos variados ramos da Inteligência Artificial.
2.1 Conceitos, definições e benefícios
Por esse quadrante, assim dispõe a recente Resolução 332/2.0207, do Conselho Nacional de Justiça:
Art. 2º A Inteligência Artificial, no âmbito do Poder Judiciário, visa promover o bem-estar dos jurisdicionados e a prestação equitativa da jurisdição, bem como descobrir métodos e práticas que possibilitem a consecução desses objetivos.
Neste cenário, o parâmetro de entendimento dos princípios constitucionais de um modo geral foi alterado, haja vista que a base do sistema agora também tem a contribuição da IA com relação aos seguintes aspectos: i) acuidade e eficácia do comando judicial; ii) redução do tempo de análise de jurisprudência e doutrina; iii) segurança informacional em armazenamento em nuvem; iv) análise instantânea e coleta de dados; v) ferramentas de indexação; vi) reconhecimento facial; vii) filtro de recategorização de documentos e petições; viii) reconhecimento de litigantes assíduos; e ix) identificação de atos constritivos. Estes e vários outros exemplos mostram que as mudanças proporcionadas pela IA serão permanentes.
A simbiose relacional entre o direito e inteligência artificial é comumente inserida como um dos fatores da chamada “Revolução 4.0”, presente também no Judiciário, expressão cuja alcunha rememora à chamada quarta revolução industrial, em que há preponderância da sociedade da informação, com o surgimento de computadores e ferramentas digitais e massificação dos dados e relações instantâneas.
O ser humano passa a ser o produtor de informações, mormente através do computador e suas tecnologias, o que se verifica, por sua vez, na automação robótica, big data, computação em nuvem, simulação virtual e realidade aumentada. A base de dados armazenada na máquina é eficaz na realização daquilo para que fora inicialmente programada.
A inteligência artificial, de modo simples e objetivo, pode ser definida como a capacidade de um computador e/ou robô, devidamente programado através de algoritmos, passe a realizar funções de aprendizagem, raciocínio e compreensão antes restritas somente aos seres humanos.
A vagueza do conceito e de uma definição estanque na doutrina internacional, assim, colaboraram para que a Inteligência Artificial pudesse se desenvolver de maneira plena, livre de amarras e irrestrita à determinada área do conhecimento, e fosse explorada por diversos campos de atuação.
Trata-se, pois, de uma modalidade inteligente, que aprende através de sua própria experiência (machine learning8), e passa a se desenvolver conforme os seus algoritmos pré-concebidos.
O professor Fabiano Hartmann Peixoto, especialista sobre o tema no Brasil, aduz que “Um algoritmo pode ser definido, de modo simplificado, como um conjunto de regras que define precisamente uma sequência de operações, para várias finalidades, tais como modelos de previsão, classificação, especializações9”.
As características intelectuais humanas seriam inseridas em um robô, a fim de que o mesmo aprenda, identifique e reproduza o padrão, mormente em atividades meramente repetitivas, e que demandem elevado grau de concentração e resgate de memória.
A esse respeito, eis o escólio de Fabiano Hartmann e Roberta Zumblick10:
A IA permite, a partir da tecnologia, em considerável medida, alterar a relação entre pessoas, potencializando suas capacidades criativas e habilidades. Tem, assim, uma função disruptiva e está diretamente associada à produtividade de ações e conhecimentos. A IA associa-se à engenhosidade humana, contribuindo com velocidade e precisão, especialmente em tarefas que demandam muito tempo, repetição de esforços e fidelidade de parâmetros.
A Inteligência Artificial, assim, tem sido paulatinamente aprimorada com o intento de contribuição ao Poder Judiciário, uma vez que a experiência no direito alienígena tem se revelado igualmente ou mais satisfatória, sobretudo nos continentes europeu e norte-americano, sem se imiscuir da responsabilidade, ética e transparência.
2.2 Exemplos e aplicabilidade da IA
Nessa esteira, a contribuição da IA para o direito em geral perpassa por uma tendência de reinvenção de uma área tão engessada e apegada ao formalismo, inclusive na linguagem técnica e restrita aos seus operadores.
Verifica-se, pois, que estão havendo profundas mudanças no que concerne às estratégias ora utilizadas, seja em âmbito privado, manifestada através dos escritórios e grandes corporações de advogados, seja para a administração da justiça e controle pelo Estado, cujos alicerces clássicos de se fazer e pensar o direito como processo tradicional foram impactados.
E a IA relaciona-se diretamente à redução de gastos, ao próprio dispêndio no tempo na análise de feitos repetitivos e/ou tarefas que poderiam ser realizadas diretamente por robôs, reservando aos seres humanos espaço para o aprofundamento em casos realmente importantes e que devem ser realizados pelo homem, tal como se encaixa, inclusive, a função precípua do magistrado: julgar.
O marco inicial do ingresso, ainda que tímido, da inteligência artificial no Poder Judiciário, pode ser considerado o processo eletrônico, atualmente inserido em todos os tribunais do país. Por seu intermédio, buscou-se atender à celeridade e duração razoável do processo, pois o mesmo tem uma média de tramitação cinco vezes mais rápida ao feito convencional, de papel.
E as benesses trazidas pela IA não se resumem ao processo digital, que pode ser considerado um embrião desse revolucionário arcabouço permanente, mas possuem vários campos de atuação, assim exemplificados: reclassificação e direcionamento de processos; enquadramento automático em temas de repercussão geral; meios alternativos de composição digital; extensa base de dados e compilado de jurisprudência pertinente ao caso concreto; bloqueios judiciais e comandos de restrição; indicação do próximo movimento processual compatível à espécie processual, dentre tantos outros sistemas e robôs apoiados em IA que estão em pleno desenvolvimento no Brasil.
A Inteligência Artificial contribui para a advocacia de modo disruptivo e totalmente ágil. A acurácia assertiva é sobremaneira maior, e verifica-se um abismo colossal no tempo de análise e revisão de “cases” jurídicos, bem assim do compilado de jurisprudência e probabilidade de sucumbência nas demandas, o que indica extrema agilidade e análise detalhada de planejamento jurídico11, a fim de que o advogado se dedique exclusivamente a tarefas intrincadas, que não podem ser trabalhadas pela IA.
Noutra linha, no que concerne à Administração da Justiça, a IA verifica-se presente “para definir uma série de medidas estratégicas tanto para a execução da própria atividade fim quanto (mais fortemente) para decisões estratégicas do ponto de vista da gestão e fluxo de trâmite12”.
Ademais, a administração da justiça alberga tudo o que não se encontra inserto em uma decisão estritamente judicial, ou seja, o que é necessário para o magistrado proferir uma decisão de modo imparcial e eficaz, em tempo razoável.
Nesse ponto, trata-se da atuação da IA no influxo de informações e afazeres, tal como lecionam Hartmann e Zumblick13:
frequentemente, as tarefas passam por necessidade de tratamento, leitura e compreensão de dados, classificação e comparação com parâmetros pré-existentes ou indicação de novo possível padrão (…) as atividades, habitualmente, passam por um (reconhecimento ótico ou outra forma sensorial) dos dados, uma estruturação desses dados (uma forma de armazenamento, organização), uma otimização de marcação de informações relevantes para alguma forma de classificação e decisão do caminho para seguimento no fluxo ou, eventualmente, alteração do fluxo.
Destarte, vislumbra-se o domínio paulatino das variadas técnicas de IA na ajuda da Administração da Justiça, pois um trâmite processual diferenciado, como resultado final ao cidadão, deve ser visto sob a ótica da melhor eficiência e gestão de recursos públicos.
Na contribuição ao magistrado, a Inteligência Artificial possui papel fundamental, especialmente no subsídio de apoio à decisão judicial. Desta forma, deve-se analisar a IA com relevante destaque nas funções acessórias ao julgamento realizado pelo juiz perante o caso posto, e o robô não irá ocupar o papel exclusivo e indelegável da figura humana do julgador.
2.3 O (pseudo)receio da substituição dos humanos por robôs
A propósito, vale mencionar que um dos principais entraves para a franca expansão da IA no país, aliada à falta de incentivo político, também é o receio – presente nas mais variadas profissões – de que haverá a substituição do homem pela máquina, o que, consequentemente, iria acarretar nefastas consequências aos empregos.
No entanto, esta concepção parte de uma premissa equivocada. Nesse sentido, aduz Sussekind14:
a tecnologia não destrói profissões inteiras de uma vez. Advogados, contadores ou médicos não vão chegar ao trabalho e encontrar um robô sentado na cadeira deles. O que ela faz é mudar as tarefas e atividades que as pessoas realizam. E, em médio prazo, não achamos que haverá desemprego em massa, e sim redistribuição. É uma história na qual as tarefas e atividades que precisam ser realizadas para resolver os problemas que tradicionalmente só um médico, um advogado ou um contador resolveria são bem diferentes e provavelmente serão feitas por pessoas diferentes.
Desse modo, vislumbra-se, em regra, que a falta de conhecimento acerca do potencial benéfico da Inteligência Artificial na relação de mutualismo com as mais diversas profissões leva ao erro capital de que os algoritmos configurados na máquina teriam o condão de ser moeda de troca com os humanos.
Todavia, a palavra que melhor traduz o enorme reforço da IA no que concerne às profissões em geral é a seguinte: auxílio. As políticas públicas devem se pautar nas benesses trazidas pelos algoritmos a todas as carreiras, haja vista se tratar de um instrumento permanentemente modificador e duradouro, que ocupa posição de destaque neste século de exponenciais avanços tecnológicos.
Felizmente, tal como mencionado alhures, a cúpula administrativa do Judiciário, sobretudo, através do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, alicerçada pela experiência bem sucedida no direito estrangeiro, iniciou a transição e franco desenvolvimento da IA na justiça brasileira, o que, em última análise, repercute no tempo de tramitação do processo, que se torna mais célere e com duração razoável e compatível à complexidade da causa.
3. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO: rumos legislativos e softwares em contribuição para a duração razoável do processo
Em âmbito federal, o Pretório Excelso, a partir do ano de 2.017, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), desenvolveu uma plataforma de alcunha “Victor”15, que utiliza a chamada machine learning, ou aprendizado de máquina e, por intermédio de um software, tem o condão de identificar determinados e específicos padrões de ação, e partir daí, separar os processos semelhantes para julgamento com o mesmo desfecho – o que ocorre pela repercussão geral -, bem como através da conversão de imagens em texto, localização de documentos e separação de peças processuais.
No que tange à celeridade, que impacta na duração razoável do processo, Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal, assim ponderou, em entrevista16:
O trabalho que custaria ao servidor de um tribunal entre 40 minutos e uma hora para fazer, o software faz em cinco segundos. Nossa ideia é replicar junto aos Tribunais Regionais Federais (TRFs), aos Tribunais de Justiça, aos Tribunais Regionais do Trabalho, enfim, trata-se de uma ferramenta para toda a magistratura.
Deste modo, tem-se que a inserção da IA através do “Victor” tem o condão de gerar uma melhora significativamente absurda no tempo dispendido para análise processual, assim como todos os demais exemplos espalhados pelo país, seja em âmbito federal, regional, ou estadual.
Com o escopo de regulamentação e incentivo do uso da IA no Poder Judiciário, o CNJ, por meio da Portaria nº 25, de 19 de fevereiro de 2.019, criou o “Laboratório de Inovação para o Processo Judicial em meio Eletrônico – Inova PJe”17, a fim de dar guarida à livre expansão da IA, e justificando-se na duração razoável do processo e na celeridade processual, obrigações do soberano da jurisdição.
E os arquétipos, seja em fase experimental ou em plena aplicação, encontram-se presentes na grande maioria dos tribunais de cada Estado. No TJDFT, três sistemas autônomos têm otimizado e muito o tempo de prestação jurisdicional.
O projeto “Horus” foi implantado nas Varas de Execução Fiscal e apresentou, de maneira rápida e eficaz, resultados concernentes aos processos digitalizados, além de integrá-los de maneira automática e simultânea ao PJe, e permitiu a classificação de documentos para distribuição de 274 mil processos.
Por sua vez, o “Amon” é utilizado no contexto do reconhecimento facial e segurança institucional do próprio tribunal, pois tem a capacidade, através de imagens e vídeos, de identificar pessoas, e auxilia ainda na apresentação de presos que encontram-se em regime aberto.
A tríade do tribunal se completa com o “Toth”. O software é programado para a análise automática e robotizada das petições iniciais distribuídas, e indica a classe e o assunto processual mais adequado a serem cadastrados durante a sua autuação, ou seja, desacumula o serviço de vários servidores, que podem contribuir noutras esferas de uma vara judicial18.
Além disso, há um sistema precursor da IA no judiciário tupiniquim. O “Sinapses”19, de desenvolvimento pioneiro no Tribunal de Justiça de Rondônia, tem o condão de conferir muito mais agilidade ao movimento dos processos, através do que se denomina de predição. O sistema, que tem como base o próprio cérebro humano, utiliza-se de sofisticadas redes neurais e tem como função precípua identificar e padronizar casos semelhantes, pois pesquisa no seu próprio banco de dados os feitos similares que já foram objeto de decisão jurisdicional. A ferramenta tem fácil ajuste a variados tipos de processo e rotinas cartorárias.
Os estímulos e incentivos ofertados pelo Conselho Nacional de Justiça ao progresso da Inteligência Artificial no Judiciário careciam de uma efetiva regulamentação com o intuito de promover segurança ao desenvolvimento dos sistemas.
Neste sentido, após alguns anos da entrada da IA no Poder Judiciário, e o rápido progresso do sistema, especialmente na automatização e coleta de dados, pesquisa automática de jurisprudência e precedentes, indexação de processos semelhantes para julgamento, reconhecimento facial de usuários, dentre outros exemplos em praticamente todos os tribunais do país, foi editada a Resolução nº 33220, de 21 de agosto de 2020, do Conselho Nacional de Justiça.
Ademais, por este mesmo campo, a posterior Resolução nº 33521 teve por missão, principalmente, buscar padronizar o compartilhamento de programas, softwares e demais requisitos imprescindíveis à ascensão da IA através da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br, com o fito de atender aos indicadores e metas delineados no artigo treze do ventilado diploma, dentre estes a “agilidade na tramitação dos processos judiciais e administrativos”, bem como a “duração razoável do processo”.
Desta forma, pode-se constatar que não faltam modelos para a franca expansão da Inteligência Artificial no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça, em um intenso trabalho conjunto com o Supremo Tribunal Federal, tem possibilitado ao menos o seu livre desenvolvimento no que concerne a experimentos variados de programas e modelos.
Assim, resta claro que as disposições normativas encontram-se em louvável movimento em direção ao crescimento da IA no país, em reforço ao Judiciário local, e quiçá, através dos robôs se encontrará o desfecho para a morosidade processual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como principal proposta a análise positiva dos rumos da Inteligência Artificial e as inúmeras contribuições da mesma para o Poder Judiciário brasileiro, principalmente no ganho da velocidade de tramitação e o rápido implemento de tarefas acessórias.
Permeou-se de maneira pontual e direcionada o princípio da duração razoável do processo, e sua positivação no rol do artigo 5º, que ocorreu por intermédio de Emenda Constitucional, bem como se trabalhou, inicialmente, acerca da dificuldade em concretizá-lo, uma vez a lentidão e morosidade parecem ser características inerentes ao Poder Judiciário.
Entretanto, com o escopo de desconstrução desta teoria arraigada de maneira intrínseca, buscou-se uma análise vertical da Inteligência Artificial direcionada ao Judiciário.
Seu conceito, definição e variados benefícios foram elucidados e necessários para o avanço em direção ao tratamento dos programas em sua fulcral tarefa: contribuição e ajuda permanentes aos servidores da justiça e ao magistrado, o qual detém a soberania do julgamento, tarefa puramente intelectual e humana.
Além disso, destacou-se a presença da IA em relação aos advogados, à administração da justiça, aos ofícios judiciais e se tentou desconstruir o essencial equívoco de que a IA irá substituir os homens.
Posteriormente, foram trazidos à baila alguns modelos de robôs e softwares em aplicação e desenvolvimento ao redor do país, tais como “Horus”, “Amon”, “Toth”, e “Sinapses”, haja vista o estímulo por parte do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que conferem maior segurança jurídica e campo de expansão aos tribunais por meio de resoluções e portarias.
Em arremate, foi possível verificar, indene de dúvidas, que as benesses da Inteligência Artificial ao Poder Judiciário nacional são caracterizam uma ruptura à burocracia excessiva, processos intermináveis e jurisdicionados desprotegidos. Através da IA, vislumbra-se um promissor horizonte, onde poderá ser possível concretizar a duração razoável do processo e a celeridade, com o intuito de aperfeiçoar o acesso à justiça e os demais direitos e princípios fundamentais, e pôr fim à lentidão e à morosidade.
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1 Advogado; Pós Graduado em Processo Civil pela Universidade Anhanguera – Possui graduação em Direito pela Associação Educacional do Vale da Jurumirim – Faculdade Eduvale de Avaré/SP. E-mail: brunoborsoi@borsoiadvogados.com.br
2 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
3Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)
II – velar pela duração razoável do processo;
4 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral, v. 1, Ed. Saraiva, 2020, p. 80.
5 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, v. 1, Ed. Juspodivm, 2019, p. 125.
6 “Principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números divulga a realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade, além dos indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira”. Texto retirado da página https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/, acesso em 22/01/2021.
7 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução nº 332, de 21 de agosto de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429, acesso em: 26.01.2.021, p.1, Preâmbulo
8 A machine learning é uma subárea da IA que tem por escopo a permissão para que os computadores aprendam por conta própria, a partir de algoritmos de identificação de padrões em determinados dados que lhes são ofertados.
9PEIXOTO, Fabiano Hartmann; SILVA, Roberta Zumblick Martins da. Inteligência artificial e direito, v. 1, Ed. Alteridade, 2019, p. 71.
10 Ibid, p. 21.
11 Um experimento realizado por pesquisadores de renomadas universidades norte-americanas confrontou um programa de inteligência artificial chamado “Law Geex” e vinte advogados, os quais tinham por objetivo identificar problemas em cinco tipos de acordo, de maneira precisa e no menor tempo possível. O nível de acerto do robô foi de 94%, em detrimento de 85% dos advogados; enquanto a média de tempo para equacionar os problemas foi de 26 segundos à máquina, e 92 minutos para os vinte advogados. PEIXOTO, Fabiano Hartmann; SILVA, Roberta Zumblick Martins da. Inteligência artificial e direito, v. 1, Ed. Alteridade, 2019, p. 110 e ss
12 Ibid, p. 120
13 Ibid, p. 121
14 SUSSEKIND, Daniel. A tecnologia não destrói profissões inteiras, o que ela faz é mudar tarefas. 2018. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/a-tecnologia-naodestroi-profissoes-inteiras-o-que-ela-faz-e-mudar-tarefas/, acesso em 28.01.2021.
15 Em homenagem ao Ministro Victor Nunes Leal, que integrou a Suprema Corte na década de sessenta, e foi o responsável pela criação dos sistema de súmulas, a fim de facilitar o julgamento dos recursos.
16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteligência artificial: Trabalho judicial de 40 minutos pode ser feito em 5 segundos. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=393522, acesso em 28.01.2021
17Art. 1º Fica instituído o Laboratório de Inovação para o Processo Judicial em meio Eletrônico – Inova PJe, que funcionará em contexto eminentemente digital e terá como principal objetivo pesquisar, produzir e atuar na incorporação de inovações tecnológicas na plataforma PJe, responsável pela gestão do processo judicial em meios eletrônicos do Poder Judiciário, e o Centro de Inteligência Artificial aplicada ao PJe, com os objetivos de pesquisa, de desenvolvimento e de produção dos modelos de inteligência artificial para utilização na plataforma PJe. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/portaria/portaria_25_19022019_25022019103736.pdf, acesso em 29.01.2021
18 Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2020/inteligencia-artificial#:~:text=A%20IA%20%C3%A9%20um%20ramo,ou%20seja%2C%20de%20ser%20inteligente, acesso em 29.01.2021
19 Disponível em: https://tjro.jus.br/noticias/item/13357-primeiro-lugar-sinapses-sistema-criado-pelo-tjro-e-vencedor-do-premio-inovacao-judiciario-exponencial, acesso em 29.01.2021.
20 “Dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário e dá outras providências”. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/original191707202008255f4563b35f8e8.pdf, acesso em 29.01.2021.
21 “Institui política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico. Integra os tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br. Mantém o sistema PJe como sistema de Processo Eletrônico prioritário do Conselho Nacional de Justiça”. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/original193745202009305f74de891a3ae.pdf, acesso em 29.01.2021.