REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12627065
Daniel dos Santos Lopes;
Jonnathan Ferreira Pereira;
Silvia Pereira da Silva Santos
RESUMO
O planejamento das compras públicas recebeu um destaque inédito na Lei nº 14.133, de 2021, que estabelece normas gerais de licitação e contratação. Um dos fatos que evidenciam a importância do planejamento sob o atual diploma é o seu explícito reconhecimento como princípio da licitação no artigo 5º. Em conformidade com a intenção de ratificar o status do planejamento, o legislador dedicou um capítulo inteiro para descrever a fase preparatória, bem como os documentos que a caracterizam. Nesse contexto mais recente, o Estudo Técnico Preliminar (ETP) também foi alvo de destaque e detalhamento. Apesar de sua importância abstrata para a instrução da fase preparatória, há casos em que a elaboração desse documento é facultativa ou diretamente dispensada a partir de regulamentos específicos ou normas suplementares. Considerando as diferentes hipóteses de exceção ao ETP, este artigo tem o objetivo de estabelecer com base na legislação vigente a diferença entre os atributos da facultatividade e dispensa direta do documento. Além disso, aponta para os eventuais impactos ou precauções em relação à instrução processual. Na parte final, o artigo destaca os resultados da investigação quanto ao regime do ETP, bem como sugere o caráter positivo do poder conferido ao agente público para decidir sobre a necessidade ou não desse instrumento e os cuidados que cercam a sua dispensa no caso concreto.
PALAVRAS-CHAVE: Compras Públicas. Estudo Técnico Preliminar. Hipóteses de Exceção. Princípio do Planejamento.
ABSTRACT
The planning of public purchases received unprecedented emphasis in Law Nº 14,133/2021, which establishes general bidding and contracting rules. One of the facts that highlight the importance of planning under current law is its explicit recognition as a bidding principle in article 5. In accordance with the intention to ratify the status of planning, the legislator dedicated an entire chapter to describing the preparatory phase, as well as the documents that characterize it. In this more recent context, the Preliminary Technical Study (PTS) was also the subject of highlighting and detailing. Despite its abstract importance for the steps of the preparatory phase, there are cases in which the preparation of this document is optional or directly exempted based specific regulations or supplementary norms. Considering the different hypotheses of exception to the PTS, this article aims to establish, based on current legislation, the difference between the attributes of optionality and direct exemption from the document. Furthermore, it points to possible impacts or precautions in relation to procedural instruction. In the final part, the article highlights the results of the investigation regarding the PTS rules, as well as suggests the positive character of the power granted to the public agent to decide on the need or not for this instrument and the precautions surrounding its dispensation in the specific case.
KEYWORDS: Public Purchases. Preliminary Technical Study. Hypotheses of Exception. Principle of Planning.
1 INTRODUÇÃO
No dia 1º de abril de 2021 foi publicada a Lei nº 14.133, que estabelece as normas gerais de licitações e contratos administrativos no Brasil. De início, o novo estatuto não revogou totalmente a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, mas apenas a parte que tratava dos delitos e sanções (artigo 193). Em paralelo, a lei de licitações acrescentou ao Decreto Lei 2.848, 7 de dezembro de 1940, um novo capítulo sobre os crimes em licitações e contratos administrativos (artigos 337-E a 337-P), conforme dispõe o artigo 178 do diploma legal de 2021.
No rol de estatutos expressamente revogados pela nova lei de licitações públicas encontra-se, ainda, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a modalidade licitatória pregão, e os artigos 1º a 47 da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que disciplinou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).
Embora o planejamento não figurasse como um princípio explícito na Lei nº 8.666, de 1993, a norma revogada estabelecia a exigência de que as contratações públicas, em especial de obras e serviços, fossem antecedidas por projetos básicos e Estudos Técnicos Preliminares (ETP) (artigos 6º, inciso IX, 7º, inciso I, e 46, todos da Lei nº 8.666, de 1993).
Com a nova lei de licitações, o planejamento das contratações alcançou maior destaque. Conforme o caput do artigo 18, o planejamento caracteriza a fase preparatória do processo licitatório, que deve ser compatível com as leis orçamentárias, o Plano de Contratações Anual (PCA) elaborado pelo órgão ou entidade, bem como outros instrumentos de planejamento previstos na normatização.
O planejamento de que trata a lei de licitações em vigor compreende a elaboração de diversos documentos, a exemplo do ETP, do Termo de Referência (TR), do anteprojeto, dos projetos básico e executivo e da análise de riscos (artigo 18, incisos I, II e X, da Lei nº 14.133, de 2021).
Em que pese a importância dos estudos técnicos preliminares para a efetiva contratação, em determinadas hipóteses a sua elaboração é dispensada ou facultada. Além disso, é possível que a Administração utilize uma versão simplificada do ETP, desde que constem do documento todos os elementos obrigatórios (art. 18, § 2º, da Lei nº 14.133, de 2021).
A dispensa absoluta do ETP, em especial, não pode ser interpretada como um permissivo total para a ausência de um planejamento minimamente razoável. Desse modo, urge a necessidade de esclarecer por meio deste artigo não apenas a distinção entre a facultatividade do ETP e a sua dispensa ex vi lege ou por força de regulamento próprio, mas também abordar as regras específicas que disciplinam as exceções à elaboração do ETP e os eventuais impactos e precauções em relação à instrução processual.
Tendo em vista a realização desses objetivos, efetuou-se no período de 19 a 23 de junho de 2024 o levantamento a partir dos sítios eletrônicos oficiais das normas legais e infralegais que disciplinam os estudos técnicos preliminares para aquisição de bens e contratação de serviços e obras.
Concluído o levantamento da legislação utilizada no âmbito da Administração Pública federal, direta, autárquica e fundacional, realizou-se a análise qualitativa das disposições em vigor acerca do ETP. Considerando-se os propósitos deste estudo, o objeto da análise contempla as hipóteses em que a Administração está desobrigada de realizar o estudo técnico preliminar.
1 O ADVENTO DA LEI Nº 14.133 DE 2021 E O SEU ÂMBITO DE APLICAÇÃO
A revogação do antigo estatuto geral de licitações e contratos e a sua substituição por um diploma legal em dia com as transformações da era digital e do mundo globalizado tornou-se por um longo período a expectativa de uma parte relevante dos agentes públicos da área de compras governamentais e da sociedade brasileira de uma forma ampla. Durante o tempo em que esteve em vigor, a Lei nº 8.666, de 1993, bem como as suas atualizações, foram alvos de reiterados debates e críticas doutrinárias. À jurisprudência também coube a tarefa de analisar criticamente e de extrair do texto legal interpretações em acordo com as normas constitucionais e os objetivos da licitação. Entre debates e críticas, o anúncio de um projeto de lei com vistas à instituição de um novo diploma de licitações reacendeu para alguns a esperança de que o formato das contratações públicas no Brasil passaria por uma intensa e positiva mudança. Apesar disso, a conversão da então proposta na Lei nº 14.133, de 2021, não foi capaz de atender as expectativas de que o legislador romperia de vez com o passado. Em verdade, não se pode afirmar que a Lei nº 14.133, de 2021 representa uma ruptura drástica em relação ao diploma legal revogado e a jurisprudência dos órgãos de controle externo, em especial do Tribunal de Contas da União (TCU). Nada obstante, é forçoso admitir que a lei atual incorporou inovações importantes para o cenário das contratações públicas, sendo indispensável a adequada capacitação dos agentes públicos responsáveis por sua execução.
Entre as novidades trazidas pela Lei nº 14.133, de 2021, estão, por exemplo: a) as contratações integrada e semi-integrada (artigos 6º, incisos XXXII e XXXIII); b) o orçamento sigiloso (artigo 24); c) o diálogo competitivo (artigo 32); d) a possibilidade de cláusula de retomada (artigo 102); e e) a remuneração variável (artigo 144).
A nova lei de licitações e contratos abrange um conjunto amplo de órgãos e entidades. No entanto, o legislador excluiu expressamente do âmbito desse diploma de caráter geral algumas contratações cuja disciplina já é prevista em outras normas ou que deverão ser regidas por atos normativos próprios tendo em vista o que determina o estatuto de licitações.
Subordinam-se à Lei nº 14.133, de 2021, licitações e contratos realizados pelas Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 1º). De acordo com os incisos I e II do caput do artigo 1º, as normas estabelecidas pela Lei nº 14.133, de 2021, abrangem também: a) os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal; b) os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; e c) os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública (CAMPOS, 2021; TORRES, 2023).
Ao contrário da norma anterior, a Lei nº 14.133, de 2021, excluiu expressamente do seu alcance as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, exceto no que diz respeito ao artigo 178, sobre crimes e respectivas penas (artigo 1º, § 1º). No âmbito das estatais, por seu turno, as licitações são regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, conhecida como a Lei das Estatais.
No tocante às repartições públicas sediadas no exterior, as suas contratações devem observar as especificidades do local em que se situam. Embora, nesse caso, não exista o dever de aplicação estrita das regras constantes da Lei nº 14.133, de 2021, as contratações realizadas pelas repartições públicas no estrangeiro sujeitam-se aos princípios basilares instituídos pelo novo estatuto de licitações. Conforme o § 2º do artigo 1º, a obediência às peculiaridades locais e aos princípios básicos da respectiva lei de licitações dar-se-á na forma do disposto em regulamento editado por ministro de Estado.
A lei de licitações vigente prevê ainda a possibilidade de estabelecimento de condições especiais nas hipóteses em que os recursos a serem utilizados tenham como origem empréstimos e doações de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro do qual o Brasil participe. Entre as condições passíveis de serem admitidas estão aquelas decorrentes de acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República (artigo 1º, § 3º, inciso I, da Lei nº 14.133, de 2021).
Outras condições possíveis de serem admitidas são aquelas próprias da seleção e da contratação e que estejam previstas em normas e procedimentos das agências ou dos organismos de que tratam o § 3º. Nesta última hipótese, a lei traça requisitos específicos inerentes às condições: a) devem ser imprescindíveis para a obtenção do empréstimo ou da doação; b) devem ser compatíveis com os princípios constitucionais em vigor; c) devem constar do contrato de empréstimo ou da doação; e d) devem receber parecer positivo do órgão jurídico do contratante do financiamento, previamente à celebração do negócio (artigo 1º, § 3º, inciso II).
Em relação aos empréstimos, em particular, a Lei nº 14.133, de 2021, impõe a necessidade de autorização pelo Senado Federal, a quem deve ser encaminhada a documentação prevista no § 3º do artigo 1º, com expressa referência às condições contratuais estabelecidas para o empréstimo.
Ainda segundo as regras constantes da nova lei a respeito do seu âmbito de aplicação, cumpre, por outro lado, ao Banco Central do Brasil, e não ao estatuto de 2021, a disciplina concernente à gestão, direta e indireta, das reservas internacionais do País (art. 1º, § 5º, da Lei nº 14.133, de 2021). As normas aplicáveis a essas contratações serão veiculadas por meio de ato normativo próprio do Banco Central, sendo indispensável a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988).
Além das contratações mencionadas anteriormente, a atual lei de licitações excluiu de sua abrangência outros contratos sujeitos à legislação própria, bem como as operações de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública. Incluem-se nessa categoria as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos (artigo 3º, inciso I e II, da Lei nº 14.133, de 2021).
O artigo 3º da Lei nº 14.133, de 2021, portanto, não exaure as hipóteses em que as regras do estatuto de licitações são inaplicáveis. A licitação e a contratação pela administração pública de serviços de publicidade, por exemplo, seguem as normas gerais previstas na Lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010.
2 O PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO NA LEI Nº 14.133 DE 2021
O artigo 5º da Lei nº 14.133, de 2021 enumera diversos princípios a serem observados em sua aplicação. Em comparação à lei anterior, o novo estatuto apresenta um longo rol de princípios, embora de natureza exemplificativa. Alguns princípios aparecem com exclusividade no estatuto mais recente, tais como o da segregação de funções, da celeridade, da razoabilidade, da proporcionalidade e do planejamento.
Ao longo do texto legal, entretanto, outros princípios podem ser identificados. É o caso dos princípios da padronização, do parcelamento e da responsabilidade fiscal (artigo 40, inciso V, alíneas a, b e ‘c’, respectivamente, da Lei nº 14.133, de 2021). A leitura da norma também permite o reconhecimento de princípios não nomeados expressamente. Um dos princípios implícitos extraídos da nova lei é o do formalismo moderado, cuja aplicação já era reconhecida pela jurisprudência1 (artigo 64, § 1º, da Lei nº 14.133, de 2021).
Ao comentar os princípios a serem observados na aplicação da nova lei de licitações, Torres (2023) assinala a provável intenção do legislador ao citar expressamente o princípio do planejamento, bem como os potenciais benefícios relacionados à sua efetivação, entres os quais estão a economia de recursos e a adequada definição das soluções. Conforme leciona Ronny Charles:
A Lei de licitações fez questão de incluir o planejamento como um princípio da licitação. A inclusão do legislador do Planejamento como princípio, provavelmente, derivou da intenção de reforçar a ênfase que o diploma busca dar a essa fase, anterior ao procedimento de disputa. É cediço que o bom planejamento pode evitar desperdícios e configurações equivocadas do objeto da licitação. O que não se deve é prestigiar um planejamento meramente formal, que amplia custos transacionais, sem produzir resultados significados no aperfeiçoamento da pretensão contratual ou definição do objeto da licitação (TORRES, 2023, p. 89-90).
Apesar de a importância do planejamento ter sido reafirmada por ocasião da nova lei de licitações, critica-se a propagação de um planejamento simplesmente formal, que em vez de contribuir para o alcance de resultados vantajosos, serve apenas para encarecer desnecessariamente os valores dos contratos. Ao contrário disso, Corrêa (2023, p. 21) explica que o princípio do planejamento “visa assegurar maior eficiência aos procedimentos internos da licitação”. Nessa toada, a autora pontua a necessidade da atuação da equipe de planejamento ainda na fase interna do processo licitatório, a fim de afastar as chances de contratações temerárias:
Na fase interna, o gestor primeiro planeja o que vai contratar, como, qual a necessidade, formaliza a contratação, dentro (sic) outros procedimentos, visando contratação específica, e com isso refuta procedimentos aventureiros, sem planejamento (CORRÊA, 2023, p. 51).
Desse modo, é positiva a decisão do legislador de incluir o princípio do planejamento entre as normas a serem observadas no processo licitatório, mais especificamente em sua fase preparatória. Em que pese o fato de o planejamento das compras públicas não ter surgido com a Lei nº 14.133, de 2021, há clara sinalização para a importância desse princípio, que passa a ser explícito. Nesse sentido, há na doutrina o entendimento de que o princípio do planejamento representa uma das inovações da atual lei de licitações, porquanto o estatuto anterior não o previu como uma norma jurídica (CORRÊA, 2023; LIMA, 2024).
De acordo com o artigo 17 da Lei nº 14.133, de 2021, o processo licitatório divide se em 7 (sete) fases, sendo a primeira a fase preparatória. As demais fases que constam do estatuto aprovado são, nesta ordem, a de divulgação do edital de licitação, de apresentação de propostas e lances, quando for o caso, de julgamento, de habilitação, de recursos e de homologação. Conquanto seja essa a regra, a lei ressalva a possibilidade de a fase de habilitação anteceder às fases de apresentação de propostas, lances e julgamento, desde que a inversão seja benéfica para os objetivos da licitação e esteja prevista no edital.
A disciplina legal da fase preparatória tem início no artigo 18 da Lei nº 14.133, de 2021. Segundo estabelece o caput desse dispositivo, a referida fase é caracterizada pelo planejamento e deve ser compatível com o plano de contratações anual e as leis orçamentárias. O artigo 18 enumera os documentos que devem integrar a fase preparatória, sendo indispensável o seu conhecimento pelos setores técnico e requisitante, bem como pela equipe de planejamento do órgão ou entidade responsável pela licitação. Entre documentos de que tratam a nova lei estão o ETP, o termo de referência, o anteprojeto, os projetos básico e executivo e, ainda, a análise de riscos. Veja-se:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido; II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso; […] X – a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual; […] (BRASIL, 2021).
Na subseção referente às compras subordinadas ao estatuto de licitações, o legislador reitera a necessidade do planejamento e sua relação direta com o plano de contratações anual, uma vez que é neste último documento que a Administração consolida as demandas que pretende contratar no exercício seguinte ao de sua elaboração (artigo 2º, inciso V, do Decreto nº 10.947, de 25 de janeiro de 2022). Não bastasse a exigência imposta pelo legislador quanto ao alinhamento entre a fase preparatória e o PCA do exercício previsto para ocorrer a aquisição2, o diploma de 2021 atribui à Administração outros deveres relacionados à boa administração dos recursos públicos. Confira-se:
Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte: I – condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado; II – processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente; III – determinação de unidades e quantidades a serem adquiridas em função de consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas, admitido o fornecimento contínuo; IV – condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material; (BRASIL, 2021).
Desse modo, além de alçar o planejamento ao status de princípio explícito, a nova lei de licitações estabelece os instrumentos que permitem a sua realização. Entre os documentos de planejamento citados expressamente pela Lei nº 14.133, de 2021, estão o PCA e ETP. Ambos os instrumentos já existiam antes da lei de licitações atual, mas as referências a esses documentos no corpo do diploma e o esforço do legislador para destacar a sua importância no contexto das compras públicas enfatizam a necessidade de os gestores atentarem para o adequado planejamento das contratações.
3 O ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR COMO INSTRUMENTO LEGAL DE PLANEJAMENTO
O ETP integra a etapa inicial do planejamento da contratação, servindo de base para outros documentos, tais como o anteprojeto e o termo de referência. Estes últimos, entretanto, serão elaborados apenas nas situações em que os estudos técnicos preliminares indicarem a viabilidade da contratação dos pontos de vista técnico, socioeconômico e ambiental (artigo 6º da IN SEGES/ME nº 58, de 2022).
Silva e Araújo (2023), entretanto, observam que a conclusão sobre a viabilidade ou não da compra deve se apoiar nos demais elementos descritivos do ETP. Assim, é necessário atentar para a elaboração do documento em conformidade com as diretrizes legais, a fim de que os agentes responsáveis não sejam induzidos a erro na tomada de decisões. Nos dizeres desses autores:
É importante observar, contudo, que a declaração atestando se a compra pública é ou não viável, é justificada com base em elementos colhidos durante o estudo preliminar. Nesse sentido, é imprescindível que os demais campos do ETP sejam elaborados adequadamente, pois são eles que vão investigar a fundo os requisitos técnicos e as funcionalidades subsidiarão a decisão (SILVA; ARAÚJO, 2023, p. 76).
Ao contrário da Lei nº 8.666, de 1993, o novo diploma de licitações e contratos administrativos traz a definição do ETP no inciso XX do artigo 6º, conforme segue:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: […] XX – estudo técnico preliminar: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação; (BRASIL, 2021).
Além de estabelecer a definição do ETP no âmbito das licitações públicas, o legislador também se encarregou de dispor sobre os elementos que compõem a estrutura desse documento. A partir do que consta do inciso XX do artigo 6º mencionado anteriormente, o ETP não apenas deve evidenciar o problema enfrentado pela Administração, mas também deve descrever a melhor solução identificada pelos setores requisitantes e/ou técnicos.
No caso da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, o artigo 12 da IN SEGES/ME nº 58, de 2022, impõe ainda a tarefa de realizar buscas ativas no Sistema ETP Digital a fim de localizar estudos técnicos preliminares que descrevam soluções similares, possíveis de serem ajustadas à necessidade do respectivo órgão ou entidade.
O § 1º, do artigo 18, da Lei nº 14.133, de 2021, detalha, por seu turno, a estrutura do ETP. Os demais parágrafos do artigo em referência também estabelecem normas relacionadas ao ETP, o que indica a posição de relevo que esse documento ocupa na fase preparatória da licitação. O trecho a seguir contém a transcrição parcial do artigo 18, em que o legislador elenca todos os elementos do ETP:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido; § 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração; III – requisitos da contratação; IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação; VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso; VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação; IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis; X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual; XI – contratações correlatas e/ou interdependentes; XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável; XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina (BRASIL, 2021).
A lei de licitações faz distinção entre os elementos do ETP que são ou não obrigatórios. A identificação dos elementos mínimos que devem constar de qualquer ETP consta do § 2º do artigo 18. Quanto aos elementos não obrigatórios, a sua ausência deve ser justificada pelos agentes responsáveis. A respeito da obrigatoriedade ou não de certos elementos do ETP, é oportuna a explicação transcrita a seguir:
Dentre os elementos do ETP, são obrigatórios: a descrição da necessidade da contratação, considerando o problema a ser resolvido; as estimativas de quantidades e do valor da contratação, esta acompanhada de preços unitários, de memórias de cálculo e documentos de suporte; a justificativa para o parcelamento ou não da contratação e o posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para a necessidade a que se destina. […] Outros elementos do ETP, apesar de não obrigatórios, caso não contemplados devem ter seu descarte justificado […]. São eles, em síntese: a demonstração da previsão da contratação no Plano de Contratações Anual; os requisitos da contratação; levantamentos de mercado acerca das alternativas possíveis, e justificativa da solução escolhida; a descrição da solução como um todo; demonstrativo dos resultados pretendidos; providências prévias ao contrato a serem adotadas; a existência de contratações correlatas ou interdependentes e a descrição de possíveis impactos ambientais e de medidas mitigadoras desses impactos (SANTOS, 2023, p. 92).
Um dos efeitos eventuais relacionados ao desenvolvimento do ETP nos moldes do que estipula a legislação atual é a redução da quantidade de documentos da fase preparatória das contratações de obras e serviços de engenharia. Segundo o que consta do § 3º, do artigo 18, da Lei nº 14.133, de 2021, caso se avalie a ausência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade desejados, o objeto será especificado por meio do termo de referência ou em projeto básico, restando dispensada a confecção de outros projetos, tal como o chamado projeto executivo.
Ainda sob a égide da Lei nº 8.666, de 1993, Fenili (2016, p. 190) esquematizou o processo de compras públicas no Brasil, composto por 12 atividades principais. No tocante à justificativa da necessidade da contratação, ele explica que essa atividade consiste na “[…] exposição de motivos, em termos de mérito, capaz de embasar o pleito da unidade administrativa solicitante (cliente)”. De acordo com Fenili, a justificativa que inaugura o processo de compra “[…] está atrelada às próprias incumbências institucionais do cliente”.
Quanto à especificação do material ou do serviço, Fenili (2016, p. 190) esclarece na sequência que a atividade corresponde à “[d]escrição pormenorizada do material a ser adquirido ou do serviço a ser contratado, contemplando as características necessárias e suficientes para a compreensão pelo mercado”.
Na esteira dos comentários em relação ao esquema da figura 1, Fenili (2016, p. 190-191) aduz que o cliente ou o especificador podem complementar o processo inserindo outras informações pertinentes com “[…] respeito à previsão orçamentária da despesa e a demais dados sobre o objeto pleiteado (local de entrega, justificativas para indicação de marca, requisitos de sustentabilidade etc.)”.
Figura 1 – Processo de compra/contratação no setor público brasileiro (Lei nº 8.666, de 1993)
Fonte: FENILI (2016, p. 190).
Na constância da Lei nº 14.133, de 2021, algumas informações dispersas ao longo da instrução processual foram realocadas na estrutura do ETP, o que, mais uma vez, corrobora a sua proeminência, mas, por outro lado, desmistifica a impressão de que se trata de um documento totalmente inédito do ponto de vista do conteúdo.
3.1 Referências ao Estudo Técnico Preliminar na Legislação Brasileira
Conforme mencionado na introdução deste artigo, a alusão aos estudos técnicos preliminares não é recente. Em fato, o estatuto de 1993 já estabelecia a exigência de que as contratações públicas, em especial de obras e serviços, fossem antecedidas por projetos básicos e estudos técnicos preliminares (artigos 6º, inciso IX, 7º, inciso I, e 46, todos da Lei nº 8.666, de 1993).
Ao tratar do planejamento das compras de bens e serviços comuns, a antiga lei do pregão referiu-se indiretamente aos estudos técnicos preliminares, utilizados para fundamentar os autos do procedimento na fase preparatória do certame (artigo 3º, inciso III, da Lei nº 10.520, de 2002).
Em relação aos procedimentos de contratação de serviços sob o regime de execução indireta, o artigo 24 da IN SEGES/MPDG nº 5, de 26 de maio de 20173, atribui à equipe de planejamento da contratação o dever de realizar os chamados estudos preliminares, conforme ato específico. A redação do artigo 24 foi dada IN SEGES/ME nº 49, de 30 de junho de 2020, que entre outras alterações revogou os parágrafos do artigo 24 com respeito ao conteúdo dos estudos preliminares.
Conforme apontam Silva e Araújo (2023), o dever de elaboração do ETP não configura uma exigência nova. Em verdade, o ETP é mencionado em outras normas anteriores ao diploma de licitações publicado em 2021. É o caso da Lei nº 12.462, de 2011, que dispõe sobre o RDC (artigo 2º, inciso IV, alínea a). Silva e Araújo (2023) citam ainda a IN SLTI nº 4, de 2010 (artigo 12)4e a IN SEGES/ME n° 40, de 2020, sobre o ETP para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Contudo, esses autores pontuam que embora algumas normas legais já se referissem aos estudos técnicos preliminares, somente a partir do diploma de 2021 é que a estrutura do ETP foi detalhada por uma lei federal. Senão, veja-se:
Embora essas leis já demonstrassem a preocupação com o planejamento prévio às compras, elas não apresentavam uma descrição clara do conteúdo que deveria figurar no ETP. Em um primeiro momento, coube aos normativos infralegais o papel de orientar os gestores públicos. Foi apenas em abril de 2021, com a publicação da Lei nº 14.133/2021, que os conteúdos do ETP foram detalhados em uma lei federal […] Dentre os principais normativos infralegais que ajudaram a delinear o ETP, merece destaque a Instrução Normativa nº 04/2010, que especificou conteúdos para a formalização de Estudos Técnicos Preliminares nos processos de contratação de Soluções de Tecnologia da Informação; a Instrução Normativa nº 05/2017, que tornou obrigatório o ETP na fase de planejamento para as contratações de serviços terceirizados; a Instrução Normativa nº 40/2020, que regulamentou o ETP não apenas para contratação de serviços, como também para aquisição de bens, estabelecendo o uso obrigatório do Sistema ETP digital [..] para os órgãos e as entidades integrantes do SISG, que é composto pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e facultativo para os demais órgãos e entidades não integrantes do SISG; e a Instrução Normativa nº 58/2022, que rege o ETP sob a égide da Lei nº 14.133/2021 […] (SANTOS; ARAÚJO, 2023, p. 43).
No mesmo sentido da doutrina pátria, a jurisprudência do TCU certifica a referência direta ou indireta da legislação aos estudos técnicos preliminares, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133, de 2021. Veja-se, por exemplo, o que consta de um trecho do Acórdão nº 1.225/2018-TCU-Plenário sobre o dever de realização dos estudos técnicos preliminares:
[…] a exigência dos estudos técnicos preliminares está prevista nos arts. 6º, IX, e 7º da Lei 8.666/1993, ao estabelecer que o projeto básico para contratação de obras e serviços sejam elaborados com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares. No mesmo sentido é o art. 3º, III, da Lei 10.520/2002, ao deixar expresso que na fase preparatória do pregão deverá constar nos autos os “indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiveram apoiados”. A IN MPDG 5/2017, por sua vez, em seu art. 24, trouxe com mais precisão* o conteúdo dos estudos técnicos preliminares. (BRASIL, 2018, p. 12).
O quadro 1 é exemplificativo das normas federais, legais e infralegais, em que há referência aos estudos técnicos preliminares e/ou à descrição do seu conteúdo com níveis variados de detalhamento. O marco de divisão das normas contidas no quadro é a data de publicação da nova lei de licitações, em 1º de abril de 2021.
e os custos utilizados na análise, com vistas a permitir a verificação da origem dos dados; IV – estimativa do custo total da contratação; e V – declaração da viabilidade da contratação, contendo a justificativa da solução escolhida, que deverá abranger a identificação dos benefícios a serem alcançados em termos de eficácia, eficiência, efetividade e economicidade” (BRASIL, 2022c).
No âmbito das compras realizadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, a Lei nº 13.303, de 2016, menciona os estudos técnicos preliminares no artigo 42, incisos VII, alínea ‘f’, e VIII. Apesar disso, o diploma legal de 2016 não aparece no quadro 1, visto se tratar de norma própria das empresas estatais, em regra, não subordinadas ao regime geral do estatuto de licitações em vigor.
Com exceção da IN SEGES/MPDG nº 05, de 2017, e da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, as normas anteriores ao diploma de 2021 não se aplicam às contratações realizadas com fundamento na nova lei de licitações.
Quadro 1 – Normas federais legais e infralegais com referência aos estudos técnicos preliminares
Antes de 1º de abril de 2021 | A partir de 1º de abril de 2021 |
Normas legais | Normas legais |
Lei nº 8.666, de 1993 – artigos 6º, inciso IX, 7º, inciso I, e 46. | Lei nº 14.133, de 2021 – artigo 18. |
Lei nº 10.520, de 2002 – artigo 3º, inciso III. | Medida Provisória (MPv) nº 1.221, de 2024 – artigo 3º, inciso I. |
Lei nº 12.462, de 2011 – artigo 2º, inciso IV, alínea a. | – |
Lei nº 13.979, de 2020 – artigo 4º-C. | – |
Normas infralegais | Normas infralegais |
IN SLTI nº 4, de 2010 – artigo 12. | IN SEGES nº 67, de 08 de julho de 2021 – artigo 5º, inciso I. |
IN SEGES/MPDG nº 5, de 2017 – artigo 24. | IN SEGES nº 58, de 2022 – artigo 9º. |
IN SEGES/ME n° 40, de 2020 – artigo 7º. | IN SGD/ME nº 94, de 2022 – artigo 11. |
Fonte: elaborado pelo autor.
A Lei nº 13.979, de 2020, apresenta uma particularidade, pois dispõe especificamente acerca das medidas para enfrentamento à pandemia da Covid-19.
Considerada a urgência das contratações públicas para o atendimento das demandas relacionadas à emergência sanitária de que trata a referida norma, o legislador decidiu dispensar a elaboração do ETP na hipótese de bens e serviços comuns, conforme a dicção do seu artigo 4º-C. Tratando-se de hipóteses de calamidade pública, tal como a provocada pelas enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, a dispensa do ETP é autorizada pelo artigo 3º, inciso I, da MPv nº 1.221, de 2024.
3.2 Hipóteses de Exceção à Elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares
No âmbito da Administração pública federal direta, autárquica e fundacional, a elaboração do ETP será facultada ou dispensada em determinadas situações. De acordo com o artigo 14 da IN SEGES/ME nº 58, de 2022, o ETP é facultativo nas hipóteses dos incisos I, II, VII e VIII, do artigo 75, e do § 7º, do artigo 90, ambos da Lei nº 14.133, de 2021. Ainda segundo o referido dispositivo da instrução federal, a elaboração do ETP é dispensada na hipótese do inciso III, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021, e nos casos de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.
Com efeito, a realização de estudos técnicos preliminares em toda e qualquer situação pode se tornar um fardo desnecessário, inclusive diante da contratação de soluções rotineiras, evidentes ou de riscos ínfimos. Assim, a reconhecida importância conferida ao ETP na nova lei de licitações é contrabalançada pelas hipóteses excepcionais em que esse documento não se mostra conveniente ou sequer necessário.
No rol das normas com força de lei editadas nos últimos anos, os diplomas que tratam do enfrentamento de emergência sanitária provocada por pandemia ou de calamidade pública em geral também dispensam a elaboração dos estudos técnicos preliminares. É o caso, por exemplo, da Lei nº 13.979, de 2020, que dispõe sobre as ações de combate à pandemia de Covid-19, e da MPv 1.221, de 2024, a respeito das medidas de caráter excepcional para viabilizar as compras governamentais em face dos impactos decorrentes do estado de calamidade pública.
Cumpre salientar que a nova lei de licitações, de alcance nacional, impôs para órgãos e entidades de todos os Poderes e esferas governamentais o dever de elaboração de estudos técnicos preliminares para fins de aquisição de bens e contratação de obras e serviços com recursos da máquina pública. Em consequência do seu viés generalizante, as normas da Lei nº 14.133, de 2021, estendem-se também ao Ministério Público, quando no exercício da função administrativa. Em linha com a visão instituída pela atual lei de licitações e contratos, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Resolução nº 283, de 5 de fevereiro de 2024, que disciplina os procedimentos relativos à contratação de soluções de TI.
De acordo com o artigo 6º da norma aplicável ao Ministério Público, as contratações de soluções de TI apresentam 3 (três) etapas principais, sendo a primeira identificada pelo planejamento, a segunda pela seleção do fornecedor e a última pela gestão do respectivo contrato. Acerca da etapa de planejamento da solução, o artigo 8º estabelece a necessidade de 3 (três) tarefas prioritárias, quais sejam: i) a instituição da Equipe de Planejamento da Solução; ii) a elaboração do ETP; e iii) a elaboração do TR.
A exemplo da IN SGD/ME nº 94, de 2022, a Resolução CNMP nº 283, de 2024, descreve os elementos que compreendem o ETP. Com respeito aos elementos mínimos que devem constar do ETP para soluções de TI, a norma do CNMP cita aqueles informados no § 1º, do artigo 18, e no artigo 44, ambos da Lei nº 14.133, de 20215.
Nos artigos 11 e 12, a resolução do CNMP excepciona a elaboração do ETP, desde que preenchidos os requisitos previstos pelo órgão. O artigo 11 trata das hipóteses de dispensa do ETP. O artigo 12, por seu turno, elenca as hipóteses em que a elaboração do ETP é facultativa.
A IN SEGES/ME nº 58, de 2022, por exemplo, reflete bem essa dicotomia à medida que faculta a elaboração do ETP, nas hipóteses do inciso I do artigo 14; porém dispensa a elaboração desse documento diante das hipóteses mencionadas no inciso II daquele dispositivo. A instrução normativa em comento ressalva a elaboração do ETP em situações de licitação dispensável, contratação de remanescente ou em caso de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.
A Resolução CNMP nº 283, de 2024, por seu turno, dispensa a elaboração do ETP, quando a IN SEGES/ME nº 58, de 2022, optou por facultar, exceto na hipótese de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos. Todavia, a resolução do CNMP não admite a dispensa do ETP para contratação direta que envolva valores inferiores a R$ 119.812,02, no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores (artigo 75, inciso I, da Lei nº 14.133, de 2021, c/c Anexo do Decreto nº 11.871, de 29 de dezembro de 2023).
Apesar da restrição no tocante aos objetos previstos no inciso I, do artigo 75, da lei de licitações, a Resolução CNMP nº 283, de 2024, prevê a dispensa do ETP também em caso de licitação, mas somente de bens ou serviços cujo valor estimado se enquadre nos limites da contratação direta a que se refere o inciso II, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021. Com relação ainda à dispensa do ETP em caso de licitação, a norma do CNMP acrescenta mais uma hipótese: as licitações para soluções padronizadas, conforme artigo 43, da Lei nº 14.133, de 2021.
O artigo 12 da Resolução CNMP nº 283, de 2024, estabelece duas hipóteses em que o ETP é facultado, a saber: i) existência de soluções plúrimas no mercado, conhecidas e não modificadas; ii) solução única possível, desde que motivada. Nessas situações, porém, incumbe ao agente responsável justificar a sua escolha. Em que pese, porém, o fato de a resolução facultar a elaboração do ETP nas hipóteses em questão, o § 2º do artigo 12 exige que o planejamento da contratação contemple dos elementos mínimos a que se refere o § 2º, do artigo 18, da Lei nº 14.133, de 2021. Ou seja, ainda que a norma confira ao agente responsável a opção de não realizar o ETP, o planejamento da solução deve contar com alguns elementos próprios desse documento, quais sejam:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento […] compreendidos: […] § 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; […] IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; […] VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação; […] VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação; […] XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina (BRASIL, 2021).
Pode-se inferir, portanto, que em todas as hipóteses do artigo 12 da resolução do CNMP haverá, no mínimo, um ETP simplificado, contendo alguns elementos indispensáveis ao planejamento; em nenhuma hipótese, porém, a ausência total do ETP. Diferentemente, quando for o caso de dispensa do ETP, adota-se apenas o TR.
O quadro 2 compara as regras de exceção ao ETP previstas na IN SEGES/ME nº 58, de 2022, na IN SGD/ME nº 94, de 2022, e na Resolução CNMP nº 283, de 2024.
Quadro 2 – Hipóteses de exceção à elaboração do Estudo Técnico Preliminar (continua)
Norma | Hipóteses de ETP facultativo | Hipóteses de ETP dispensado |
IN SEGES/ME nº 58, de 2022 (ETP digital) | – Contratação direta por dispensa de licitação, nos casos previstos nos incisos I, II, VII e VIII do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; e – Contratação de licitante remanescente, nos termos do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133, de 2021. | – Contratação direta do inciso III, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; e – Prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos. |
IN SGD/ME nº 94, de 2022 (soluções de TI) | – Contratações direta cuja estimativa de preços seja inferior ao disposto no inciso II, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; – Casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou de grave perturbação da ordem; – Casos de emergência ou de calamidade pública, nos termos do inciso VIII, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; e – Contratação de licitante remanescente, nos termos do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133, de 2021. | – Contratação direta do inciso III, do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021. |
Quadro 2 – Hipóteses de exceção à elaboração do Estudo Técnico Preliminar (conclusão)
Norma | Hipóteses de ETP facultativo | Hipóteses de ETP dispensado |
Resolução CNMP nº 283, de 2024 (soluções de TI) | – Pluralidade de soluções existentes no mercado não sofra alteração e seja possível a utilização do ETP de procedimentos anteriores (hipótese condicionada à demonstração de vantajosidade da opção); e – Existência de somente uma única solução passível de contratação, demandando ato devidamente motivado. | – Contratação direta por dispensa de licitação, nos casos previstos nos incisos II, III, VII e VIII, do artigo 75. da Lei nº 14.133, de 2021; – Contratação de licitante remanescente, nos termos do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133, de 2021; – Licitação para: a) compra cujo valor se enquadre no limite do inciso II do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; b) contratação de serviços cujo valor se enquadre nos limites do inciso II do artigo 75, da Lei nº 14.133, de 2021; e c) soluções submetidas a processos de padronização de que trata o artigo 43 da Lei nº 14.133, de 2021; e – Prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos. |
Fonte: elaborado pelo autor.
3.3 A Dicotomia e a Validação das Hipóteses de Exceção pelo Controle Externo
Da comparação entre as normas é possível extrair alguns apontamentos. O primeiro é de que a legislação sobre o ETP não é uniforme, visto que existem pontos de diferenças e semelhanças. No que tange às diferenças, nota-se que existe dissenso ou mesmo conflito entre os efeitos produzidos diante de determinadas hipóteses, pois, em situações idênticas, ora o ETP será facultativo, ora dispensado.
O segundo apontamento decorre do anterior, no sentido de que as hipóteses que excepcionam a elaboração do ETP não se enquadram na competência privativa da União (artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal 1988), permitindo aos demais entes federativos estabelecerem regras próprias de forma autônoma.
Com relação ao uso dos termos “facultada” e “dispensada”, bem como de suas respectivas variações, observa-se que algumas normas adotam uma ou outra expressão, a depender das hipóteses envolvidas, ou adotam eventualmente uma das opções terminológicas de maneira isolada, a exemplo dos diplomas sobre emergência sanitária e calamidade pública.
Embora se possa sustentar do ponto de vista linguístico que os termos “facultada” e “dispensada” são utilizados de forma intercambiável, não parece ter sido essa a linha seguida pelo legislador. Com efeito, percebe-se que os autores das normas atribuíram tratamento distinto às hipóteses, demarcando aquelas em que o ETP é facultado e outras em que o mesmo documento é dispensado.
Sendo facultativa a elaboração do ETP, sustenta-se neste artigo que o agente público terá a liberdade de optar pela simplificação da fase preparatória, desde que a ausência dos estudos preliminares não interfira na escolha da melhor solução. De outro lado, nas hipóteses em que o ETP é dispensado diretamente, entende-se que não estaria mais no campo da discricionariedade do administrador decidir sobre a confecção ou não do documento. Restaria apenas ao agente público, neste último caso, acatar a opção da norma aplicável, no sentido de excluir o ETP da etapa de planejamento.
Superadas as discussões sobre serem ou não equivalentes os termos, as razões genéricas para facultar ou dispensar o ETP podem apresentar um quê de obviedade para a maioria. Há quem possa defender, por exemplo, que o fato de o ETP não ser obrigatório contribui para a realização de contratações mais céleres e eficientes. Não à toa, o regulamento de 2022 facultou a elaboração do ETP no caso de contratações que envolvam montantes considerados de baixo valor, presumidamente menos arriscadas ou de complexidade diminuta.
Recentes decisões do controle externo avivam a consciência de que o ETP não representa um documento sem o qual a Administração restará impedida de contratar, mesmo diante de situações gravíssimas ou tão simples que demandem agilidade ou esforços proporcionais. Acerca do tema, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) posicionou-se a favor da possibilidade de facultar ou dispensar o ETP em algumas circunstâncias, com base nas características do objeto licitatório e na modalidade de licitação adotada, entre outros. Em todas as hipóteses de exceção ao ETP, o órgão entende pela necessidade de justificativa do agente público responsável pela decisão de não se realizar os estudos preliminares da fase preparatória. Confira-se:
O estudo técnico preliminar ETP é, em regra, obrigatório nas modalidades de licitação previstas na Lei 14.133/2021, porquanto constitui importante instrumento de planejamento das contratações públicas nos termos do inciso XX, do art. 6º desse mesmo diploma legal. Contudo, dependendo das particularidades do objeto licitado, das condições da contratação e da modalidade licitatória, a elaboração do ETP poderá ser facultada ou dispensada, devendo o agente público responsável justificar expressamente em cada caso nos autos do Processo Administrativo as razões e os fundamentos da decisão de não elaboração do ETP (MINAS GERAIS, 2023, p. 1).
De igual maneira, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) entende pela possibilidade de dispensa do ETP em caráter excepcional. Entre as hipóteses em que o órgão admite a não elaboração do ETP estão aquelas em que o legislador previu a contratação direta, cujo rito processual é o do artigo 72 da Lei nº 14.133, de 2021. Nestas situações, a dispensa do ETP é admitida quando as informações do documento de formalização da demanda (DFD) forem suficientes para avaliar a viabilidade da contratação, bem como conhecer a demanda e o objeto (artigo 3°, § 2º, da Resolução TC N. TC-0237, de 31 de agosto de 2023). De acordo com o tribunal, o ETP será dispensável quando, por exemplo, a melhor solução já houver sido identificada em virtude de processo de padronização ou pré-qualificação, além de outros similares (artigo 3º, § 1º, inciso III, da Resolução N. TC-0237, de 2023).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei nº 14.133, de 2021, representa um marco no ordenamento jurídico brasileiro, após décadas de vigência da vetusta lei de licitações e contratos, revogada definitivamente no final do ano de 2023. Apesar de não se tratar de uma lei completamente disruptiva em relação ao passado, o estatuto de licitações apresenta novidades importantes, a exemplo do enfoque conferido ao planejamento das compras públicas.
Entre os documentos previstos para a fase preparatória da licitação este artigo destacou o chamado Estudo Técnico Preliminar, de cuja definição e estrutura se ocupou o legislador ordinário. Embora a legislação pátria já mencionasse o ETP antes do novel diploma de licitações, é imperioso salientar que por ocasião deste último o documento alcançou maior notoriedade, sobretudo porque os seus elementos descritivos passaram a constar de uma lei federal.
A importância do ETP para o planejamento não é absoluta. Há casos em que os estudos preliminares à licitação ou à contratação direta serão desnecessários. A previsão de hipóteses em que o ETP será facultativo ou mesmo dispensado demonstram que o documento por si só não carrega um fim desvinculado dos objetivos almejados pelo legislador.
Em fato, o caminho para eleger a melhor solução nem sempre passará pelo ETP. O atalho gerado pelas circunstâncias, todavia, não deve corresponder a um desvio do interesse público ou uma brecha para a aplicação irresponsável dos recursos orçamentários. A saída para a qual se deve encaminhar a Administração, em primeiro lugar, aponta para a obediência as regras gerais e especiais a que se encontra subordinada.
Conforme revelou o estudo, a disciplina do ETP apresenta variações de acordo com o ente federativo ou o órgão responsável por sua edição. A comparação de normas que regulamentam o ETP permite concluir que a definição das exceções à elaboração desse estudo integra a autonomia dos entes federativos, enquanto à lei geral de licitações coube demarcar os elementos que lhe são indispensáveis.
Em regra, portanto, Munícipios, Estados e o Distrito Federal não estariam obrigados a reproduzir a normatização federal a respeito das hipóteses de exceção ao ETP. As consequências disso significam que duas situações idênticas podem impactar o planejamento de maneira distinta. De acordo com a legislação comparada, a convocação de licitante remanescente, às vezes, facultará a elaboração do ETP, ao passo que em outras situações será o caso de dispensa do instrumento.
Ainda com relação às hipóteses de exceção ao ETP, este artigo salientou a diferença entre as ideias de ETP facultativo e ETP dispensado. Enquanto no primeiro caso a elaboração do ETP seria discricionária, no segundo caso o legislador impõe previamente a não realização do ETP, sem que o agente público tenha o poder de decidir o contrário.
A análise da legislação também revelou que o fato de o ETP ser facultativo não significa que o agente público estará sempre desobrigado de justificar a sua supressão, caso seja essa a alternativa adotada. Inclusive, o mesmo fato pode não representar a ausência real do ETP, já que se apurou normatização exigindo no lugar do estudo completo uma versão simplificada do documento. Verificou-se, ainda, no ordenamento,
regra que condiciona a dispensa do ETP à existência nos autos de um DFD completo o bastante para garantir a decisão livre e informada do agente responsável pela contratação. No âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, as hipóteses para a não realização do ETP abrangem essencialmente a contratação direta. Não foram observadas, entretanto, imposição de requisitos ou condições especiais para a dispensa do ETP, exigências de justificativas por parte do gestor que opte pela não elaboração do documento ou de regras que, no final das contas, resultem apenas na substituição do ETP completo por sua versão simplificada.
A taxatividade das hipóteses em que o ETP poderá ou não ser realizado, bem como naquelas em que o referido documento é incabível para onde quer que se olhe, impede o agente público de decidir por si próprio quando a realização desses estudos representa um inconveniente. Apesar de sua importância abstrata para o planejamento das compras, há situações em que a obrigatoriedade do ETP não se justifica sob a ótica da eficiência e da economicidade. Nesses casos, é ideal que o gestor com a devida competência tenha a liberdade de dispensar o ETP em razão das características do caso concreto, tendo em vista a melhor solução em tempo ótimo.
Embora se pretenda evitar com essa política o uso indiscriminado do ETP, o cuidado com o planejamento ainda precisa ser garantido. Em fato, o menor rigor burocrático do processo de compra ou a simplificação das rotinas das áreas envolvidas na fase preparatória não podem servir de pretexto para condutas oportunistas, cujo objetivo real tem a ver com interesses meramente particulares.
A fim de evitar que a dispensa do ETP no caso concreto prejudique o conhecimento e a escolha da solução mais indicada para o contexto, é importante atentar para a autenticidade e transparência das informações. Para tanto, deve-se atestar que o DFD, o TR e outros documentos porventura necessários na fase interna definem com clareza a solução almejada, além das condições e critérios para a seleção, contrato e pagamento dos fornecedores.
Devido ao escopo deste artigo, não se teve o propósito de esgotar todo o assunto. Com vistas ao aprofundamento das discussões em sede doutrinária, sugere-se a realização de estudos empíricos acerca da efetividade do ETP para o planejamento das contratações públicas, assim como dos limites e riscos do tratamento desigual do ETP pelos entes federativos.
1 Vide, por exemplo, Acórdãos nº 1.209/2024-TCU-Plenário, nº 1.217/2023-TCU-Plenário, nº 3.340/2015-TCU-Plenário e nº 1.170/l2013-TCU-Plenário.
2 Corrêa (2023, p. 51-52) defende que, em situações excepcionais, a Administração poderá realizar a contratação do objeto, a despeito do que consta do planejamento anual, quando elaborado. Com relação ao que prevê o caput, do artigo 18, da Lei nº 14.133, de 2021, a referida autora traz a seguinte explicação: “Tal artigo prossegue ainda afirmando que este planejamento deve ser compatível com o disposto no Plano de Contratações Anual (PCA). Dessa forma, exemplifica-se o fato de que se determinado projeto não consta no planejamento orçamentário do PCA, ele não poderá ser executado. Apenas em situações extraordinárias isso pode ser flexibilizado, como, por exemplo, quando um vendaval destrói o teto da Prefeitura; mesmo não estando previsto no PCA, o projeto será executado, por força até mesmo do princípio da primazia da realidade, previsto na LINDB (art. 22 da LINDB).”
3 Apesar do advento da Lei nº 14.133, de 2021, a IN SEGES/MPDG nº 05, de 2017, permanece sendo utilizada, no que couber, para a realização dos processos licitatórios e de contratação direta de serviços de que dispõe a nova lei de licitações (artigo 1º, da IN SEGES/ME nº 98, de 26 de dezembro 2022). Cumpre assinalar que as regras de que tratam a IN SEGES/MPDG nº 05, de 2017, alcançam os órgãos e entidades que integram a Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
4 Na vigência da atual lei de licitações e contratos administrativos, aplica-se ao ETP do processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) o artigo 11 da IN SGD/ME nº 94, de 23 de dezembro de 2022. O conteúdo do ETP específico para soluções de TIC apresenta semelhanças e diferenças em relação ao ETP descrito no § 1º, do artigo 18, da Lei nº 14.133, de 2021. De acordo com o artigo 11 da instrução de 2022, o ETP compreende as seguintes tarefas: “I – definição e especificação das necessidades de negócio e tecnológicas, e dos requisitos necessários e suficientes à escolha da solução de TIC, contendo de forma detalhada, motivada e justificada, inclusive quanto à forma de cálculo, o quantitativo de bens e serviços necessários para a sua composição; II – análise comparativa de soluções, que deve considerar, além do aspecto econômico, os aspectos qualitativos em termos de benefícios para o alcance dos objetivos da contratação, observando: a) necessidades similares em outros órgãos ou entidades da Administração Pública e as soluções adotadas; b) as alternativas do mercado; c) a existência de softwares disponíveis conforme descrito na Portaria STI/MP nº 46, de 28 de setembro de 2016, e suas atualizações; d) as políticas, os modelos e os padrões de governo, a exemplo dos Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico – ePing, Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico – eMag, Padrões Web em Governo Eletrônico – ePwg, padrões de Design System de governo, Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil e Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil, quando aplicáveis; e) as necessidades de adequação do ambiente do órgão ou entidade para viabilizar a execução contratual; f) os diferentes modelos de prestação do serviço; g) os diferentes tipos de soluções em termos de especificação, composição ou características dos bens e serviços integrantes; h) a possibilidade de aquisição na forma de bens ou contratação como serviço; i) a ampliação ou substituição da solução implantada; e j) as diferentes métricas de prestação do serviço e de pagamento; III – análise comparativa de custos, que deverá considerar apenas as soluções técnica e funcionalmente viáveis, incluindo: a) cálculo dos custos totais de propriedade (Total Cost Ownership – TCO) por meio da obtenção dos custos inerentes ao ciclo de vida dos bens e serviços de cada solução, a exemplo dos valores de aquisição dos ativos, insumos, garantia técnica estendida, manutenção, migração e treinamento; e b) memória de cálculo que referencie os preços.
5 Conforme estabelece o artigo 44, da Lei nº 14.133, de 2021: “Art. 44. Quando houver a possibilidade de compra ou de locação de bens, o estudo técnico preliminar deverá considerar os custos e os benefícios de cada opção, com indicação da alternativa mais vantajosa.” (BRASIL, 2021).
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