A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AS INFORMAÇÕES DOS CADASTROS NEGATIVOS E POSITIVOS COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA CIDADANIA

THE DEMOCRATIZATION OF ACCESS TO THE INFORMATION OF THE NEGATIVE AND POSITIVE REGISTERS AS A FUNDAMENTAL CITIZENS RIGHT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8285061


¹Cloves Barbosa Siqueira


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre a democratização do acesso do consumidor às informações constantes nos bancos de dados e o exercício da cidadania. Para isso, são delineados os modos de operacionalização dos cadastros negativos e positivos e seu amparo legal, bem assim as formas de restrição do acesso à informação realizadas pelos bancos de proteção ao crédito. Em seguida, definida a amplitude abrangente do direito ao acesso à informação e quais os efeitos que sua violação implica nos direitos da personalidade. Posteriormente, vislumbrada de que forma o acesso à informação está relacionada com a cidadania. A base teórica utilizada é de pesquisa bibliográfica; o método científico é o dedutivo; e a pesquisa tem natureza exploratória de abordagem qualitativa. Foi possível evidenciar que para o cidadão participar da sociedade é necessário ter conhecimentos de seus direitos e obrigações, e isso somente ocorrerá plenamente se for efetivada a democratização do acesso às informações dos cadastros pelo consumidor. Na ausência dessa garantia, os direitos fundamentais e a dignidade mínima do cidadão restarão violados.

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Informação de dados; Cadastros Negativos e Positivos; Cidadania.

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the relationship between the democratization of consumer access to the information contained in the databases and the exercise of citizenship. For this, are outlined the ways in which negative and positive registrations are operationalized and their legal protection, as well as the forms of restriction of acess to information made by credit protection databases. Then define the broad scope of the right to access to information and what effects its violation implies on the rights of the personality. Later on, we can see how access to information is related to citizenship. The theoretical basis used is bibliographic research; the scientific method is the deductive; and the research has an exploratory nature of qualitative approach. It was possible to show that for the citizen to participate in society it is necessary to have knowledge of their rights and obligations, and this will only occur fully if the democratization of the access to the information of the registers by the consumer becomes effective. In the absence of such a guarantee, the fundamental rights and the minimum dignity of the citizen will be violated.

KEYWORDS: Access to Data Information; Negative and Positive Registrations; Citizenship.

introdução

A cidadania pauta-se no conhecimento do indivíduo acerca dos seus direitos e obrigações, e seu exercício pleno é garantido pelo cumprimento dos direitos fundamentais inerentes a uma vida digna.

Para uma categoria de pessoas, os consumidores, o exercício da cidadania só será pleno se lhe for dado o livre acesso aos seus dados armazenados nos cadastros negativos e positivos, e para a concretude desse exercício há necessidade do estabelecimento de mecanismos que o assegure. Caso contrário, na ausência do acesso democrático aos próprios dados, os direitos básicos restarão violados.

Em decorrência das tecnologias de informação, oriundos da sociedade capitalista e consumista, os bancos de proteção ao crédito, também conhecidos como cadastros negativos e positivos, dotaram de grande valor econômico os dados do consumidor. Entretanto, por vezes os interesses do consumidor estão em contradição com os do fornecedor e operadores dos cadastros gestores de informações coletivas.

As informações pessoais, embora necessárias para o desenvolvimento econômico e para avaliação adequada do crédito, são próprias do consumidor de modo as restrições ao acesso podem prejudicar a honra e a imagem do cidadão, porquanto tais podem estar incorretos ou ser despiciendos para o mercado de crédito. Por tal motivo o referido tema é relevante. Além disso, com os novos rumos atribuídos ao conceito de cidadania, bem como a democracia perpetrada pela carta constitucional, é importante vislumbrar até que ponto o acesso à informação afirma o indivíduo como cidadão ativo na sociedade.

Assim, a problemática da pesquisa está embasada na seguinte questão: a restrição ao acesso das informações do consumidor nos cadastros negativos e positivos prejudica o pleno exercício da cidadania? O objetivo é analisar a relação entre a democratização do acesso das informações pelo consumidor nos bancos de dados e a cidadania. Trata-se de pesquisa bibliográfica, auxiliada pelos métodos histórico e comparativo, o método científico é dedutivo e a natureza da pesquisa é exploratória de abordagem qualitativa.

Primeiramente, serão delineados os modos de operacionalização dos cadastros negativos e positivos, bem como o amparo no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida será descrito os modos com que esses bancos de proteção ao crédito restringem o acesso do consumidor aos seus dados. Posteriormente, tratar-se-á sobre o direito do acesso às informações do consumidor e de que forma sua violação implica nos direitos da personalidade humana. Por fim, será abordada a relação entre o exercício da cidadania e a democratização do acesso das informações do consumidor.

1. o problema da restrição do acesso às informações contidas nos cadastros negativos e positivos

Os cadastros negativos e positivos, também denominados de bancos de dados, têm por função coletar e armazenar as informações dos consumidores para avaliar a concessão do crédito. Embora seja um direito do fornecedor a disposição de dados que contribuam para o desenvolvimento sadio do seu negócio, é imperiosa a essa função possibilitar aos consumidores o acesso democrático a suas informações, que compõem a sua individualidade. No entanto, nem sempre os gestores das informações possibilitam o livre acesso da própria pessoa a seus dados coletados e armazenados, por vezes, à sua revelia.

O cadastro negativo foi regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, especificamente no §1º, do art. 43, do referido diploma legal, o qual preconiza que as informações negativas contidas nos cadastros e dados dos consumidores não poderão ser armazenadas em prazo superior a 5 anos. Nesse tipo de serviço de proteção ao crédito, “a inclusão do nome de alguém se dá pelo fato de essa pessoa estar inadimplente em relação ao pagamento de uma dívida” (NUNES, 2018, p. 652).

Inovando na interpretação do citado dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP nº 1.630.659 decidiu que aquele prazo, o de 05 anos, é máximo e que devem ser observados os prazos prescricionais dos títulos inadimplidos que deram origem à negativação para se proceder à exclusão dos cadastros restritivos de crédito. No afã de proteger o consumidor, esqueceu-se a corte superior dos mecanismos legais de interrupção ou suspensão do prazo prescricional, de modo que um título de crédito pode ainda estar com sua executividade plena e não mais gerar restrição ao consumidor inadimplente.

Como regra geral, pode-se afirmar que os requisitos para a negativação do consumidor pautam-se em três premissas: a existência de dívida; o seu não pagamento no prazo do vencimento; e o valor estipulado líquido e certo, ou seja, para a anotação restritiva a dívida há de ser líquida, certa e exigível. De forma que o nome do devedor somente será inscrito quando houver a clareza da existência e do valor da dívida, e a data ultrapassada de seu vencimento (NUNES, 2018, p. 652).

O cadastro positivo, por sua vez, passou a existir no ordenamento jurídico brasileiro pela promulgação da Lei nº 12.414, de 09 de junho de 2011. E nos termos do art. 3º dessa norma, os bancos de dados poderão armazenar informações de adimplemento do consumidor cadastrado com o propósito de formar o seu histórico de crédito. Salienta-se que, diferente do cadastro negativo, o novo mecanismo de armazenamento de informações do consumidor busca formular um conjunto de dados relacionados às operações de crédito e obrigações de pagamento adimplidas ou em andamento das pessoas jurídicas, físicas ou entes despersonalizados (NUNES, 2018, p. 667).

Os bureau de crédito, ou banco de dados de proteção ao crédito, têm ampla relevância para o crescimento econômico da sociedade, de forma que foi em decorrência da massificação da relação de consumo e da necessidade de avaliar a confiabilidade e a capacidade creditícia do tomador do crédito, que surgiram os cadastros negativos e positivos, os quais hoje tomaram um viés bastante informatizado pelo caráter virtual que alcançaram as relações consumeristas (CARVALHO, p. 2003, p. 6). Como exemplo disso, verifica-se que se tornou comum a realização de compras ou fechamento de negócios comerciais via internet e aparelhos eletrônicos, a rapidez na transmissão de dados exigiu um avanço na avaliação do crédito e consequentemente na colheita e armazenamento das informações do consumidor.

Os bancos de dados no Brasil podem ser tanto de caráter privado quanto público. Com relação ao primeiro, existem aqueles organizados e mantidos pelas associações de fornecedores – a exemplo do Serviço de Proteção ao Crédito pertencente à Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CDL); pelas empresas privadas como SERASA e Boa Vista, que apresentam produtos e serviços distintos; ou por órgãos públicos, como o Cadastro de Cheques Sem Fundos, mantido pelo Banco Central do Brasil (MIRAGEM, 2018, p. 361) e o CADIN – Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal operado pelo governo central.

Donde se evidencia que, diferentemente do serviço público que se pauta na estrita legalidade e no cumprimento dos vetores principiológicos consubstanciado no interesse coletivo, as empresas privadas, com base na livre concorrência e no lucro, em tese, podem fazer tudo que a lei não proíbe. Desta feita, no caso dos bancos de dados privados, as informações dos consumidores passaram a ter um enorme valor econômico, e a disputa pela obtenção e apropriação desses dados tem causado diversas violações dos direitos do cidadão.

É importante assinalar, que os cadastros negativos e positivos possuem não somente o condão de avaliar o risco creditício para o fornecedor do crédito, como conduzem os consumidores à aceitação pelo mercado, e consequentemente, o alcance dos produtos e serviços desejados, e também a variação dos juros na cobrança do empréstimo tomado conforme o perfil do consumidor. Embora úteis e necessários, os bancos de dados precisam disponibilizar aos consumidores cadastrados o adequado acesso à informação de seus próprios dados, a fim de possibilitar aos cidadãos a autonomia na administração e o controle na disponibilização de suas informações.

Nesse sentido, afirma Bessa (2014, p. 3) que tanto as informações de caráter negativo quanto positivo controladas pelas entidades de proteção ao crédito podem produzir danos aos direitos da personalidade do consumidor. E continua: “embora relevantes para o mercado e para o consumidor, as entidades de proteção ao crédito devem observar rigorosamente os limites e requisitos estabelecidos pela lei, sob pena de ofensa a direitos da personalidade”.

Os direitos da personalidade são inerentes ao homem, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e protegê-los por meio de normas positivas. E ainda que esse reconhecimento não fosse feito, esses direitos continuariam existindo como reflexo da natureza transcendente que possuem (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 190). O que denota a importância na preservação desses direitos e o cuidado que os bancos de dados devem ter para com eles.

“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 186). Como desdobramentos desses direitos estão os direitos à intimidade e vida privada. Desta feita, as informações dos consumidores, ainda que diretamente relacionadas à concessão do crédito pertencem à esfera extrapatrimonial do indivíduo, logo são valores intrínsecos à identidade do cidadão, e por isso merecem estar dispostos de forma transparente na relação entre fornecedor e consumidor.

Para isso, torna-se necessário além de comunicar previamente o consumidor do armazenamento de seus dados, possibilitar gratuitamente a ele, e inclusive, rotineiramente o acesso às informações presentes nesses cadastros para assegurar atualização e manutenção constante desses dados.

Os prejuízos que as entidades de proteção ao crédito podem causar à imagem e patrimônio das pessoas são tão recorrentes e graves, que, conforme entendimento jurisprudencial, a mera ausência da comunicação ao devedor da inscrição de seu nome em cadastro negativo, faz surgir o dano moral, e consequentemente a responsabilidade para o pagamento da indenização.

Segundo Badin, Santos e Damaso (2011, p. 7) os bancos de dados geram diversos danos ao consumidor, como a coleta e propagação de informações não vinculadas à avaliação do crédito, bem como a presença de erros e omissões que estipulam incorretamente a verdadeira situação econômica do cidadão, além da distribuição de informações com objetivos diversos daqueles atrelados às operações comerciais e de crédito.

No âmbito do acesso aos dados, Petry e Costa (2011, p. 59) relatam que em determinado período, a Serasa vendia um serviço de acesso pelo valor de R$ 19,90, com o qual o consumidor, mediante o prévio pagamento, poderia consultar seus dados, e com isso, saberia a destinação de suas próprias informações, tais como, as empresas que consultam seu nome, se a dívida foi quitada, os telefones que estão a sim atribuídos, dentre outros. Esse caso demonstra violação clara ao direito de acesso as informações do consumidor, uma vez que nos termos do art. 43 do CDC, esse serviço deve ser disponibilizado de forma gratuita.

Ademais, por intermédio das redes de computadores, o perfil profissional do consumidor coletado, organizado, pesquisado e armazenados pelos fornecedores é utilizado para a realização do marketing direto ou marketing individualizado, que ocorre quando o fornecedor, na posse das informações presentes nos cadastros, oferece produtos e serviços de acordo com os dados específicos do consumidor (MIRAGEM, 2018, p. 354).

Neste sentido, “não raro, determinadas empresas obtêm os dados pessoais do usuário (profissão, renda mensal, hobbies), com o propósito de ofertar os seus produtos, veiculando a sua publicidade por meio dos indesejáveis spams” (p. GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 221). Por certo essa rede não contém só informações restritivas de crédito, mas um leque bem vasto de dados sobre o comportamento do consumidor nas suas relações negociais.

Vê-se que há um problema em torno do limite da utilização dos próprios cadastros e do conhecimento pelo consumidor das informações inscritas nestes bancos de dados. Como aduz Miragem (2018, p. 362), os dados pessoais fornecidos pelo consumidor poderão ser acrescidos por outras informações advindas de outras bases, que juntos formarão um perfil, e mediante este, o consumidor poderá vir a receber em seu domicílio, sem ter tido vontade ou ciência, a publicidade de serviços ou produtos, ou receber ofertas e propostas via telefone sem conseguir se dar conta de como foi escolhido para destinatário daquela campanha publicitária promocional.

Proporcionar acesso democrático dos consumidores a seus dados constantes dos cadastros não se contenta em disponibilizar termo de adesão para a permissão do uso dos dados, que muitas vezes é tecnicamente incompreensível pelo cidadão médio, e pode conter cláusulas abusivas do seu direito, mas é imperioso um acesso técnico e material, de forma que ele saiba das informações colhidas, tenha conhecimento gratuito e prévio disso, bem assim lhe seja permitido fazer as exclusões ou correções necessárias e saiba com clareza quais as empresas detêm as informações de seu perfil econômico.

2. o direito dO acesso às informações dos cadastros negativos e positivos

Como visto anteriormente, o acesso adequado às informações dos consumidores presentes nos cadastros negativos e positivos de proteção ao crédito relaciona-se diretamente com a proteção ao direito da personalidade do cidadão. Dessa forma, serão elencadas as normas do ordenamento jurídico pátrio e internacional que elevam o direito ao acesso das informações como direito fundamental inerente à condição humana.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a respeito do direito à informação, aduz em seu artigo 19, “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentes de fronteiras”.

A Carta Republicana do Brasil de 1988 estabeleceu como direitos fundamentais, em seu art. 5º, inciso XIV, a garantia a todos do acesso à informação e sigilo da fonte, se necessário ao exercício profissional. Assim como estipulou, no inciso XXXIII do mesmo artigo, o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, respeitado os prazos estabelecidos em lei.

Como mecanismo para assegurar o conhecimento de informações e a retificação de dados, o art. 5º, inciso LXXII, previu o remédio constitucional denominado habeas data para o acesso às informações presentes nos bancos de dados.

O Código de Defesa do Consumidor preconiza no art. 43, caput, a garantia do consumidor ao acesso de suas informações em cadastros, registros e dados pessoais de consumo. Além disso, o §6º, do art. 43, determina que todas as informações referidas no corpo da norma devam ser disponibilizadas em formatos acessíveis, como no caso das pessoas com deficiência.

A Lei do Cadastro Positivo nº 12.414/2011, no rol dos direitos do cadastrado, aduz no art. 5º, dentre outros, a garantia do consumidor à gratuidade do acesso de suas informações presentes em banco de dados; o direito de conhecer os principais elementos utilizados como critérios para a avaliação do risco na concessão do crédito; de ser comunicado previamente sobre o armazenamento de seus dados, bem como ter conhecimento do gestor de suas informações, assim como do objetivo a ser realizado com a coleta de seus dados e dos destinatários cujas suas informações poderão ser compartilhadas; além disso, tem a garantia de que seus dados pessoais sejam utilizados apenas para a finalidade proposta inicialmente na coleta.

São inúmeros os diplomas legais e os preceitos normativos que asseguram o direito à informação, bem como seu acesso, para o consumidor. Mesmo assim, talvez pela cultura positivista que ainda impera – em decorrência da ausência de norma clara e objetiva que exemplifique os meios pelos quais o acesso às informações seja garantido –, ou mesmo pelo descaso dos fornecedores, há grande dificuldade em ter conhecimento de forma segura das exatas informações registradas nos bancos de dados. O que corrobora para a ineficácia prática do direito, e não somente do direito ao conteúdo das informações, mas também a uma série de proteções relacionadas a ele. Sem a garantia do acesso livre de dados, não há conhecimento dos mesmos, e, por conseguinte, surge a possibilidade de violação da privacidade, intimidade, honra, que em conjunto, acarretarão danos profundos a própria essência do ser humano.

Para a eficácia do direito à informação, afirma MIRAGEM (2018, p. 225), é necessário que os dados e os demais elementos que os compõem não sejam apenas transmitidos de maneira formal, mas de modo que haja um cuidado e preocupação para que o consumidor entenda devidamente aquela informação e suas consequências.

O dever de informar do fornecedor comporta também outros deveres anexos, como o de colaboração e o de respeito, os quais em conjunto refletem em um dever de informar com veracidade. Ademais, implicam no impedimento do fornecedor em criar obstáculos que dificultem o acesso à informação, quais sejam burocratizar procedimentos, cobrar taxas pelo uso do serviço de informação, essenciais para a execução contratual, dentre outros (MIRAGEM, 2018, p.225).

Nesse diapasão, é importante tanto informar quanto disponibilizar acessivelmente essa informação. Destaca-se que o direito de acesso à informação consiste em proporcionar ao cidadão o controle de seus dados constantes dos cadastros de proteção ao crédito. Mas, “só são passíveis de controle aquelas informações que podem ser acessadas pelo titular, para examinar sua correção e pertinência” (MIRAGEM, 2018, p. 366).

Mediante a necessidade de mostrar ao consumidor todo o percurso de suas informações, foi construído pelo BVerfG (Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, Bundesverfassungsgericht) o direito à autodeterminação informacional (PETRY; COSTA, 2013, p. 38). A base desse direito é que “deve o cidadão ter controle das informações que lhe digam respeito, autorizando ou não a coleta, o tratamento e a troca ou cessão dos dados entre bancos de dados” (LAEBER, 2007, p.10).

Na proteção das informações pessoais, o cerne do bem jurídico protegido continua sendo a privacidade – que, por sua vez, compõe os direitos da personalidade –, e por isso não deve ser cobrada a criação de lei própria, uma vez que a proteção destinada ao direito à privacidade abarca os diversos aspectos para sua plena efetivação, ainda que sejam propagadas por meio tecnológicos (LAEBER, 2007, p.12).

É possível evidenciar a clara relação entre privacidade e acesso às informações, afinal, essas fazem parte daquela. Neste sentido, afirma Pupp (2018, p. 10), que para o indivíduo resolver se exibirá ou não as suas informações pessoais, precisa entender os fins e interesses que serão atingidos. Por isso, o direito de acesso tem como base, o princípio do conhecimento acerca do armazenamento de dados.

Acrescenta-se também o princípio da transparência, que “em decorrência dele, busca-se a adoção de mecanismos de fiscalização, permitindo que o cadastro seja um reflexo condizente à expressão da autodeterminação informativa” (PUPP, 2018, p. 12). Assim, com a transparência na circulação de dados, tornar-se-á possível verificar desde a origem até o destino das informações, resguardando ao titular, na prática, a autonomia e liberdade na transmissão de seus dados, que ainda que comercializados pelos bancos de dados, não saem da pessoalidade do cidadão.

Diferentemente dos bens patrimoniais, os extrapatrimoniais não se separam do indivíduo, no caso em questão, do consumidor. Logo, conforme abordado, ainda que contidos em cadastros, as informações do consumidor lhe pertencem, e por isso a ele deve ser proporcionado todos os meios que de fato contribuam para o efetivo acesso de seus dados.

3. o exercício da cidadania efetuado pela democratização do acesso à informação

Tratando da democracia política e outras democracias, Giovanni Sartori na sua obra “A teoria da democracia revisitada – volume I” esclarece que o conceito de democracia há muito perdeu o viés originário único de democracia política, chamando a atenção para as outras formas de manifestação democrática.

Diz o autor: “Hoje em dia, porém, também falamos de democracia num sentido apolítico ou subpolítico, como ao falarmos de democracia social, democracia industrial e democracia econômica” (SARTORI, 1994, p.24), para acrescentar que são termos inteiramente legítimos, mas com caracterizam o que chamou de democracia.

Essa busca na teoria da democracia do que significa o termo foi necessário para contextualizar que a ausência do acesso do consumidor aos seus próprios dados impede o exercício pleno da cidadania que é uma pura manifestação da própria democracia. Sem essa aquela não nasce ou desaparece.

Em artigo com o título Estado brasileiro e “modernidade periférica”: limites e possibilidades da democracia na era da globalização, o professor doutorNewton de Menezes Albuquerque, bem delineou os contornos democráticos nas sociedades periféricas, especialmente no quer concerne à modernidade das novas tecnologias:

Democracia no Brasil, que deve se fundamentar em um processo virtuoso de socialização do poder nas suas mais diferentes expressões, política, econômica e jurídica. Uma democracia política meramente formal, procedimental, sem incidência nos “fatores reais de poder”de Lassale, não traduzir-se-á em uma materialização dos princípios da liberdade e da igualdade, pois sem distribuição das riquezas, dos bens substantivos e simbólicos da cultura entre todos os cidadãos indistintamente, não haverá meios de viabilização de uma participação consciente dos homens em sua universalidade nos processos decisórios institucionais (ALBUQUERQUE, 2010, p.539).

Entretanto, o que se percebe é a restrição crescente dos direitos fundamentais sob a alegação da impossibilidade fática do estabelecimento de mecanismos democráticos de controle sobre o poder econômico e a ameaça de se retirarem, levando para outros países os recursos atinentes ao investimento industrial e na gestação de emprego e renda. A universalidade, portanto, do projeto iluminista da democracia e da busca dialógica da verdade entre individualidades livres é vedado, ou bastante relativizado em nome da soberania invisível dos mercados e de suas “razões” imponderáveis (ALBUQUERQUE, 2010, p. 548).

Em aparente, mas só aparente contradição com tal quadro, observa-se uma tribalização dos processos identitários da nação, decorrentes da pulverização promovida pelas agregações políticas e sociais microscópicas, subjacentes às classes, e agravadas pela descentralização do Estado e de suas estruturas atreladas às decisões econômicas, emanadas das estratégias empresariais (ALBUQUERQUE, 2010, p. 548).

O artigo acima mencionado reforça a ideia de que a democracia plena deve vir alicerçada em elementos que assegurem o pleno exercício da cidadania, sem o qual a pessoa deixa de ser o centro irradiante de sua própria vontade e passa a submeter-se à manobra de outrem.

O acesso às informações constantes nos cadastros negativos e positivos não pode ser apenas norma resguardada pelos diplomas legais, mas sim a manifestação de um e direito fundamental inerente à natureza humana individual e coletiva, o qual tem por objetivo instrumentalizar o exercício da cidadania, sendo esse pilar da democracia conforme preceito constitucional.

Nos termos do art. 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, a cidadania é fundamento do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil. Compondo, dessa forma, a democracia participativa, pautada na premissa de que o poder emana do povo que o exerce diretamente ou por meio dos seus representantes, consoante o parágrafo único do art. 1º da excelsa carta republicana.

Nota-se que o termo democrático, o qual adjetiva o Estado, tem como propósito difundir que todos os elementos originários do Estado e da ordem jurídica devem se pautar pelos pressupostos estabelecidos nos valores da democracia. Assim, o Direito inundado por esses valores nutre-se do anseio popular para trabalhar em prol do interesse coletivo (SILVA, 2013, p. 121). Fomentando a máxima do poder do povo, para o povo e pelo povo.

Por intermédio deste Estado Democrático, a constituição republicana pugna a justiça social como fruto do exercício dos direitos sociais e dos mecanismos que proporcionam a prática da cidadania, tendo por base o princípio da dignidade humana (SILVA, 2013, p. 122).

Dessa forma, para que os direitos fundamentais do homem sejam efetivados, é importante destacar a democracia não como um conceito fechado, mas como um instrumento utilizado em prol de outros valores inerentes a convivência humana. Nesse sentido aduz Silva (2013, p. 128), “a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história” (grifos do autor).

Assim, a democracia é o elemento primordial para a concretude de direitos, de modo que “aponta para a realização dos direitos econômicos e sociais, que garantem a realização dos direitos individuais, de que a liberdade é a expressão mais importante” (SILVA, 2013, p.134).

Esse processo democrático implica numa maior participação do povo nos mecanismos políticos do Estado, buscando nesse sentido, a ampliação do significado de cidadania. Para que o povo exerça o papel de cidadão, deve ter consciência dos seus direitos e obrigações, mas especialmente, precisa ter oportunidade para uma vida digna, com plena efetivação dos seus direitos fundamentais, que na verdade, são a condição ímpar para o exercício da cidadania. (MAIA, 2016, p. 176).

Por muito tempo, ser cidadão estava atrelado aos direitos políticos. Assim, a pessoa que estivesse gozando de seus direitos políticos, e pudesse votar e ser votado, ou seja, fosse eleitor, seria considerado cidadão. Entretanto, a compreensão de cidadania ganhou um enfoque voltado especificamente para as condições de vida digna (MAIA, 2016, p. 172).

”[…] O conceito de cidadão na nova ordem constitucional possui um sentido mais amplo que o tradicional conceito associado ao eleitor, indicando-os como participantes da vida do Estado, reconhecendo-os como pessoas integradas na sociedade estatal” (MAIA, 2016, p.173).

A cidadania não pode ser vivenciada em desconformidade com as condições econômicas, políticas, sociais e culturais que impliquem na segurança de uma vida minimamente digna. Por esse motivo que é preciso discutir e buscar garantias aos direitos fundamentais que estabelecem as condições dignas para o exercício pleno da cidadania (FURTADO, 2016, p. 153).

“Nessa esteira, a nova ideia de cidadania caminha pari passu à ideia de enriquecimento progressivo dos direitos fundamentais, conclamando o cidadão (e não apenas o eleitor) a participar da vida do Estado, reconhecendo-o como pessoa integrada na sociedade estatal” (FURTADO, 2016, p.153).

O direito ao acesso à informação, que detém proteção constitucional e infraconstitucional, compõe fundamento para a vida digna, e para que o cidadão possa ter conhecimento da destinação de suas informações, e com isso gozar de participação ativa na sociedade.

Nesse sentido, afirma Feijó (2016, p. 102) que “se a democracia estabelece um governo titularizado pelo povo e concomitantemente voltado para si mesmo, é essencial que esse povo tome conhecimento a respeito do que está ocorrendo no âmbito da gestão pública”. Não somente no âmbito público, como também no privado. Uma vez que com a constitucionalização dos direitos civis, e especialmente do consumerista, os preceitos insculpidos na constituição devem ser estabelecido tanto na relação estado e particular, quanto na relação horizontal, entre particulares.

Com a garantia do acesso à informação, o ser humano pode ser formado como agente transformador do seu meio social, para propagar a mudança desde relações políticas, econômicas e sociais, o que exige uma maior propagação do fluxo de informações (FEIJÓ, 2016, p.101).

Para que esse acesso seja realizado de forma livre, é imperioso ao fornecedor do crédito, na pessoa de seus bancos de dados, que formulem mecanismos capazes de proporcionar melhor alcance das informações pelo consumidor. Desde a criação de sítios eletrônicos com clareza e objetividade nos anúncios, até atendentes que tenham a instrução adequada para tornar transparente a comunicação e transmissão de dados para o cidadão.

Pequenos ajustes podem tornar a relação consumerista mais harmônica, assim como garantir na prática o acesso à informação do consumidor, para que como cidadão sinta-se apto a desempenhar plenamente seu papel na sociedade, sendo esta a mais elementar manifestação da democracia.

conclusão

Ao longo da pesquisa foi possível evidenciar que democracia não pode mais ser compreendida apenas no seu viés político, podendo-se falar em democracia social, industrial e econômica para assegurar inclusão das pessoas na formação de uma sociedade mais justa e solidária.

Restou claro também que há ligação entre o exercício da cidadania e a democratização do acesso à informação dos consumidores a seus dados em cadastros negativos e positivos. De forma que a violação de um inibe a plena efetivação do outro. Além disso, cidadania há muito tempo deixou de estar atrelada àquele conceito simplório de eleitor, e por isso denota o exercício dos indivíduos na sociedade desde que seus direitos fundamentais sejam plenamente assegurados.

O acesso à informação no que tange aos bancos de dados de proteção ao crédito é de extrema importância, primeiramente, porque a informação do consumidor é garantia constitucional e infraconstitucional e reflete na própria privacidade e intimidade do cidadão. Em segundo lugar, o direito à informação permite que outros direitos sejam cumpridos. Quando é garantido ao consumidor verificar onde se encontram seus dados e que informações foram colhidas a seu respeito, ele poderá apagar dados antigos, corrigir e até mesmo acrescentar outros que julgue necessário. Como foi constatado, o direito ao acesso à informação tem um viés multifacetado. E mais, ter conhecimento de todo o mecanismo que envolve a disposição de seus dados, permite-lhe melhor administração e autonomia para com suas informações.

Com o acesso aos dados, o cidadão poderá ter um desempenho e uma participação melhor na sociedade. E com isso exercer a cidadania de forma ativa. Porém, essas informações e seu acesso precisam ocorrer de forma adequada, gratuita, com mecanismos que ofereçam melhor entendimento para o consumidor acerca da situação a qual estará se submetendo. É por isso que esse acesso deve estar embasado democraticamente, e quando se fala nesse termo, busca usá-lo para refletir um processo utilizado para o alcance e efetivação de direitos. Democratizar o acesso é torná-lo próximo do cidadão para que exista uma real compreensão do percurso que seus dados, patrimônios intrínsecos, estarão realizando.

referências

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¹Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (1996). Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas(2009). Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Estácio de Sá (2014). Especialista em Direito de Família pela Universidade Estácio de Sá (2014). E-mail:. clovesiqueira@yahoo.com.br. Currículo http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do