REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10201570
Camila Virgínia Rocha Pacheco
RESUMO
O regime democrático brasileiro, ainda incipiente, apresenta difícil consolidação em vias de fato, pelo menos na definição liberal que a ele se atribuiu. Em verdade, como conceituação insuficiente à problemática do campo jurídico, a democracia pós-88 precisa, para sua inteira compreensão e afirmação em relação aos sujeitos de direitos humanos (também como objetos dela), de contornos mais preciso. Discutem-se determinadas peculiaridades da democracia brasileira frente ao papel do direito e dos sujeitos na transformação desejada do quadro de exclusão, passando, também, pelas nuances da modernidade e de seu estágio ulterior (pós ou hipermodernidade).
Palavras-chave: democracia, sujeito, direitos humanos.
ABSTRACT
The Brazilian democracy, still incipient, presents difficult consolidation in reality, at least in the liberal definition that was set to it. In fact, as insufficient conceptualization to the problems of the legal field, the post-88 democracy needs, for its entire understanding and affirmation regarding the subjects of human rights (as well as its objects), more precise contours. It discusses certain peculiarities of Brazilian democracy against the role of law and subjects towards the desired transformation of the frame of exclusion, passing, also, at the nuances of modernity and its subsequent stage (post or hypermodernity).
INTRODUÇÃO
A despeito de o regime democrático brasileiro que se iniciou após o período de ditadura militar ser o mais longo vivenciado pelo País até o momento, seu desenvolvimento ainda caminha dentro de uma fase embrionária. As diversas heranças do colonialismo (que originam, por exemplo, a naturalização do racismo e a aceitação tácita de que há “superiores” e “inferiores”), do paternalismo (que conduz à personalização das relações público-privadas) e do patriarcado (donde vêm as opressões de gênero e sexualidade) delineiam a forma de governo que aqui se desenvolve de modo bastante peculiar.
Nesse âmbito, o sujeito de direitos humanos, enquanto categoria que instrumentaliza e é instrumentalizada pela democracia, ocupa um lugar bastante preciso, mas de difícil colocação dentro de um ambiente marcado por disparidades. O objetivo inicial deste ensaio, sem a pretensão de vincular-se a uma corrente ou de esgotar o tema, é apontar os traçados do sujeito de direitos humanos dentro da democracia pós-88, apresentando o papel do Direito na discussão (especialmente no que toca ao projeto dos direitos humanos).
Que não se olvide, ainda, do estágio em que se crava o conceito de modernidade (dado, atualmente, como pós-modernidade ou hipermodernidade – a depender da crença do esgotamento do primeiro ou do seu completo arremate) e suas possíveis consequências tanto para a democracia quanto para os lugares que os sujeitos ocupam dentro dela.
A importância do tema surge, sobretudo, dentro do modelo de educação jurídica e de expectativas sociais criadas em torno do Direito como campo de estudo per si. Por outras palavras, significa dizer que existe a necessidade do embate com relação à pretensa neutralidade que se exige, dentro e fora do campo ou sistema do Direito, com relação aos seus próprios resultados. Deve-se levar em conta que a sociedade brasileira, estruturada ampla e historicamente com base na criação e na reprodução de privilégios, precisa rever sua ótica de sujeito de direitos humanos.
A ideia é caminhar no sentido de retirar, paulatinamente, a concepção iluminista do século XVIII, que estrutura de modo conjugado a vida civil e o regime político como meio de hierarquizar a qualificar as práticas humanas. Desse modo, não é possível “importar” um modelo desejável por aqueles que se nomeiam “centrais”. As nuances e particularidades do Brasil, dentro da sua própria característica – apontada pelo centro como “periférica” – demandam um olhar único e singular.
Em um primeiro momento, é importante conceituar a democracia e situá-la teoricamente. Posteriormente, para a compreensão do olhar em direção ao sujeito, urge apontar o papel do próprio Direito dentro da sociedade, especialmente no que concerne aos direitos humanos enquanto projeto da pós-modernidade. Por fim, apresentar o sujeito que protagoniza esses momentos como sujeito que olha para o mundo e como alguém para quem o mundo olha ajuda a entender em que aspectos residem as dificuldades de concretizar o papel universalista do Direito e a legitimidade democrática.
A DEMOCRACIA PÓS-88
Dentre os inúmeros arranjos que estabelecem parâmetros na realidade global, existe a ordem humana como “a ordem simbólica, isto é, da capacidade humana para relacionar-se com o ausente e com o possível por meio da linguagem e do trabalho” (CHAUÍ, 2008, p. 56). Ao contrário, por exemplo, das ordens física (regida por leis com base no princípio causa-e-efeito) e biológica (baseada na adaptação do ser humano com relação ao meio em que vive), a ordem humana estabelece uma estrutura relacional.
A impossibilidade de tratar de modo isolado os partícipes dessa ordem, contudo, esbarra na mudança de concepção a respeito do que é cultura, especialmente vivenciada no século XX (quer dizer, da afirmação do capitalismo como sustentáculo econômico global). Nesse sentido, a ordem humana passa a ser vista como individualidade própria ou estrutura própria (CHAUÍ, 2008). A visão, portanto, de organização unitária e diretamente relacionada à conformação de vínculos comunitários resta destituída de utilidade em prol da noção de sociedade e da existência do indivíduo.
Os indivíduos, resultantes da fragmentação moderna da sociedade, devem ser, cada um e de modo próprio, “indivisíveis”. Seria dizer que os pequenos componentes de um núcleo atuam de modo ordenado sem depender necessariamente do outro – inclusive, tentando desprender-se desse alter. O que importa, portanto, é a pulsão de interesses em detrimento de uma visão mais geral, especialmente porque se caminha em direção à ideia de que todos teriam acesso a tipos de bens semelhantes – onde residiria um dos poucos pontos de convergência entre as pequenas particularidades.
Questiona-se, no entanto: de que modo, dentro de uma sociedade, os indivíduos (na concepção moderna) podem colaborar uns com os outros para a manutenção da sua organicidade? Para responder a esse questionamento, diversas ficções foram criadas, e duas delas são especialmente importantes para o objetivo deste ensaio. A primeira diz respeito a um “pacto social” engendrado para a manutenção do liame entre as pessoas de modo democrático (já ultrapassando as visões com tendência hobbesiana, que não apresentam grande utilidade dentro deste escorço).
A segunda, que nasce concomitantemente à primeira – e, até certo ponto, pode-se dizer que é resultado dela -, diz respeito à delimitação e aceitação do Direito, enquanto resultado de um “contrato”, como meio para ilidir e resolver querelas, e também como forma de proteção a direitos que se nomeiam básicos e essenciais.
Para Chauí (2008), ao adentrar na condição pós-moderna, a existência cultural e social passa a subordinar-se ao neoliberalismo. Significa dizer que uma forma ainda mais aprimorada do capitalismo estrutura a sociedade, de modo que a democracia passa a ser vista enquanto “regime da lei e da ordem para a garantia de liberdades individuais”. Essa concepção, no entanto, apresenta inúmeros problemas quando trazida ao caso brasileiro.
O Estado, por exemplo, seja na produção de cultura ou na garantia das liberdades individuais, apresenta-se aqui com uma postura antidemocrática. Há o que se falar, ainda, dentro de uma democracia que sequencia um regime ditatorial sem transição eficaz (por diversos motivos, mas especialmente pelo silenciamento da história e pelo medo de trazer à tona o que houve de obscuro na ditadura militar) que diversas heranças do famigerado momento histórico são diuturnamente perceptíveis.
Esse Estado, que no modelo ideal-central ajuda a desenvolver as potencialidades de cada um, e assim por todos, falha em uma sociedade marcada por desigualdades, justamente no que concerne ao sentido de um dos princípios básicos da democracia: a participação ativa. O distanciamento do lugar onde se efetivam as decisões por parte da sociedade cria determinado reducionismo, e distancia cada vez mais o conceito da realidade. Em Chauí (2008, p. 67):
A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na ideia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
A radicalização da modernidade faz pensar que a estrutura de governo, da forma como tem se dado no Brasil, não consegue se conciliar de pronto ao protagonismo do sujeito. A política que se baseia no sujeito como centro, sem visão holística, está fadada a uma constante incompletude: apesar de ideal e conceitualmente crescer em dignidade, autonomia, democracia, informação, perde o seu caráter orgânico, sua institucionalidade, sua justiça e sua igualdade (NOGUEIRA, 2007).
Essas consequências aumentam, gradativamente, a crença na democracia como sistema incapaz de alcançar seus objetivos. Olvida-se, no entanto, que existem sujeitos que fazem parte da construção da democracia e que são seus objetos diretos – podendo, por conseguinte, transformá-la. A análise da estrutura social brasileira e dos diversos direitos, privilégios e carências dos grupos que a compõem faz com que a condução diferenciada, a depender da efetiva demanda distintiva, reforce a democracia paulatinamente.
A compreensão das contradições, de conflitos e da formação dos consensos dentro da democracia relaciona-se diretamente ao papel que o Direito desempenha socialmente. No Brasil, ocorre que Contradições e conflitos não são ignorados e sim recebem uma significação precisa: são considerados sinônimo de perigo, crise, desordem e a eles se oferece uma única resposta: a repressão policial e militar, para as camadas populares, e o desprezo condescendente, para os opositores em geral. (…) Em outras palavras, a sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. (CHAUÍ, 2008, p. 73)
Destarte, abre-se o questionamento: por que parece inconciliável a efetivação do projeto democrático em relação aos sujeitos que compõem a sociedade? Que posição assume Direito e os direitos humanos nessa perspectiva?
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS DIREITOS HUMANOS
O campo jurídico como espaço cuja finalidade precípua é dizer o direito, para Bordieu (1989), apresenta distribuição desigual de capital social. Significa dizer que antes de apontar o papel do Direito dentro da efetivação democrática a partir da noção de sujeito de direitos humanos, é importante retirar a pretensa neutralidade e objetividade, legado da postura exegética, da ótica de análise da problemática.
Em Santos (1989), uma das principais promessas e objetivos do projeto da modernidade é a efetivação da ideia de direitos humanos, de modo inclusive consensual. O custo desse consenso, no entanto, é questionável: a despeito de enormes avanços quanto ao aparato jurídico para formalizar garantias fundamentais, o estabelecimento de parâmetros geracionais (ou melhor, dimensionais), no Brasil, não foi uma construção social de luta dos sujeitos que por eles seriam alcançados.
Dentro do projeto de modernidade, a partir da conformação capitalista, dois pilares são notórios, cada um com seus respectivos princípios consequentes: a regulação e a emancipação (SANTOS, 1989). Da regulação, surgem os princípios do Estado, do mercado e da comunidade. Da emancipação, surgem as racionalidades estético-expressivas (arte e literatura), cognitiva-instrumental (ciência e técnica) e moral-prática (direito e moral), e esta é especialmente importante para a problemática dos direitos humanos.
No caminho da modernidade em direção à pós-modernidade, inúmeras questões em aberto são consequência propriamente do que Santos (1989) chama de racionalidade moral-prática. A relação das concepções que não fazem parte do habitus[1] jurídico passa por constantes reformulações e o indicativo de uma abordagem diferente aponta justamente à saída de fato da modernidade, realidade de difícil acabamento quando se trata da abordagem periférica, vez que, em muitos aspectos, ainda parece existir uma postura “pré-moderna” (a criminalização da pobreza, se levada à exaustão, pode ser resultado da visão de que as distinções sociais, resultado do colonialismo, ainda não foram extirpadas – muito longe disso).
De fato, existem vários dilemas (SANTOS, 1989) da transição moderna:
- A despeito de valores como a autonomia e a subjetividade serem de importante valor para o projeto moderno, cada vez mais parece difícil a conciliação entre a sua existência e a realidade, em especial pela complexidade aparente de um sem-número de possibilidades de escolha individual;
- Dentro do próprio campo do Direito – e eis porque é importante refletir sobre o seu papel na consolidação de direitos aos sujeitos -, o indivíduo se vê cada vez mais desarmado de noções que a ele concernem, justamente no que respeita à retirada do poder interpretativo (e, portanto, participativo) de cada um;
- Na modernidade, houve o estabelecimento hermético da ética individualista em que todos e nenhum podem ser responsabilizados por aquilo que acontece no mundo; e
- Houve, ainda, a consolidação de certa lógica exclusivista que nega os próprios valores e acontecimentos da modernidade, retirando de si própria os juízos que acredita ser negativos.
Sob cada um desses problemas há consequências inimagináveis ao projeto dos direitos humanos, que agora passam a ser tratados em uma concepção pós-moderna. Com efeito, a simples indicação da existência dos fatores supracitados faz pensar em um ambiente de crise. A existência do sujeito que vive por desigualdades; que não consegue participar de fato – e até se distancia disso – da construção do ambiente em que vive; que individualiza, mas não busca responsabilizar e que não aceita os próprios valores faz pensar que é necessário, no embate pelos direitos humanos, que exista uma nova leitura da democracia desejada.
Havendo formas específicas – e sim, simultâneas – de dominação, exploração e alienação, especialmente em razão da maneira como as relações capitalistas estão presentes na sociedade, é necessário olhar para as particularidades de cada uma delas dentro do País, no sentindo de efetivar um direito englobante a partir das distinções sociais existentes. Ou seja,
Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia. (CHAUÍ, 2008, p. 74)
A causa do impacto democrático dos direitos humanos nas relações sociais decorre da visão de que o lugar de onde provém o Direito é ligado diretamente ao Estado. Significa dizer, por estatal, que existe a pretensão universalizante, barrada, no entanto, pelo momento de promulgação e de aplicação normativas. Por assim dizer, mesmo que existam determinados direitos no Brasil, o estranhamento em olhar para o outro cria sujeitos formalmente cidadãos, mas materialmente desamparados.
A modernização, pois, e o excesso das suas consequências desencanta pela bifrontalidade que fragmenta e diferencia, sem aprimorar as devidas adaptações ou acentuar os reconhecimentos essenciais: a tragédia anda em conjunto com a possibilidade, a criatividade abraça a alienação e a emancipação tem como espelho a desigualdade (NOGUEIRA, 2007).
No caso do Brasil, a problemática do sujeito de direitos humanos é ainda mais grave pela ausência de representatividade. Dentro uma sociedade em que “O 0,1% mas rico da população brasileira fica com 13% da renda, mais do que os 11% que chegam aos 40% mais pobres”[2], é necessário observar os porquês da reprodução desse quadro. Dados do site Agência Pública[3] evidenciam com clareza que, pela composição das bancadas com mais membros dentro da Câmara dos Deputados (responsável pela criação e introdução das leis no campo jurídico), a tendência não é mudar.
Entre três das quatro bancadas mais poderosas da Casa estão: empreiteiras e construtoras (226 deputados), empresarial (208) e agropecuária (207). Em contraponto, a bancada dos direitos humanos apresenta apenas 23 deputados. Além da dificuldade de compreender como o sujeito de direitos humanos participa da essencialidade da democracia, é igualmente urgente observar quem tem construído possibilidades para garantir direitos a esses sujeitos, bem como a aquiescência social em manter os quadros desiguais, distanciando a aplicação das leis da prática.
O SUJEITO DE DIREITOS HUMANOS
Para Carbonari (2007), dentro de uma perspectiva ético-filosófica, a noção de sujeito e indivíduo como base da subjetividade está em crise, sendo necessária, portanto, a construção de uma nova visão que viabilize a atuação desse sujeito. Como critério de validação e aceitação do saber e do agir, portanto, a consciência média contemporânea observa o sujeito como mero indivíduo. Conforme exposto até aqui, essa acepção não é mais satisfatória, especialmente pela insuficiência do “indiviso” para a compreensão da sociedade brasileira e das disparidades que ela carrega. Desse modo, negar a alteridade é negar a dignidade e a realização de diversos direitos, justamente porque um olhar pelo outro demanda não o isolamento que a modernidade preceitua, mas as relações que se estabelecem na ordem humana.
No Brasil, a modernização periférica naturaliza a desigualdade e traz a perda da potência das características emancipadoras. São necessárias, portanto, novas postulações de identidade e de reconhecimento que alarguem a compreensão de sujeito de direitos humanos para além da individualização frente ao coletivo. Nogueira (2007, p. 51), ao tratar da radicalização dessa realidade, afirma:
Houve cooptação, não democratização, do mesmo modo que no chão da vida cotidiana haveria (como até hoje) “assimilação” dos melhores ou mais competentes indivíduos das classes subalternas, em vez de reconhecimento de sua dignidade como pessoa e como sujeito de direito ou da institucionalização dos subalternos como classe efetivamente política.
A própria pós-modernidade demanda a superação da noção de indivíduo indivisível, na medida mesma em que a singularidade é de extrema importância para o desenvolvimento dentro de uma sociedade, mas ela deve se dar de modo divisível: quer dizer, a partir do outro. Ao contrário da negação de valores de grupo, o desenvolvimento do sujeito de direitos humanos passa pela socialização de problemas, no que toca, em certo sentido, à responsabilização coletiva – não necessariamente difusa – das questões sociais.
O sujeito de direitos, em Carbonari (2007), não é uma abstração formal, pois é bem mais amplo que o sujeito do Direito, cujo local de atuação é dentro do estrito espaço normativo de regulamentação, como “operador”. A disputa no campo jurídico pelo dizer o direito precisa, portanto, de um prisma em que a emancipação, a autonomia, não sejam conceitos dados por si mesmo, a exemplo de uma consideração finalística pessoal.
A tensão produtiva (e não a negação de contradições e conflitos) de necessidades dentro do espaço democrático no Brasil precisa de uma abordagem frontal e plural. Dessa forma, existe a necessidade de uma perspectiva universal (própria do Direito) que carregue em seu âmago a alteridade. “A tarefa de justificação da ética e, em consequência, da dignidade humana como centralidade dos direitos humanos é desafio aberto e que, para ser assumido, precisa enfrentar certo modelo de racionalidade” (CARBONARI, 2007, p. 173).
A racionalidade a que o autor se refere é a instrumental-estratégica, que precisa ser não só material (no sentido de incluir, por exemplo, o alter), mas também processualmente reformulada (a ideia própria de quem cria as leis no Brasil reflete a ausência de representatividade social, fato que dificulta cada vez mais a consolidação democrática). O fim da trilha conduz a um olhar ético e singular, que permite não só uma nova compreensão dentro das possibilidades, mas também os diversos aspectos do sujeito de direitos humanos: suas singularidades, particularidades, universalidade e relativismos.
PARA NÃO CONCLUIR
Abordar o impacto do sujeito de direitos humanos na reformulação (ou simplesmente na efetivação) da democracia brasileira é buscar conhecer as inseguranças sócio-estruturais e os dilemas institucionais que verticalizam as relações sociais, ao invés de horizontalizá-las. Uma gestão democrática, a considerar as necessidades daqueles que não conseguem realizar a gama de direitos que possuem formalmente, encontra na transição da modernidade para o seu estágio imediatamente posterior, determinadas dificuldades.
Compreender, pois, os processos sociais de modo crítico e abrangente, é um exercício constante e importante em dois polos: primeiro, no sentido de lutar pela participação da sociedade civil como protagonista de suas demandas; segundo, na direção mesma de reformular as constantes verdades “dadas” àqueles que têm a pretensão de construir o Direito como realidade que consegue alcançar os recortes sociais – especialmente no Brasil – que machucam e dificultam a efetivação da própria subjetividade.
Não concluir este ensaio significa dizer que é necessário combater a estrutura da representação política atual, justamente porque ela tende a legitimar diversas formas de exclusão (seja na participação da criação de leis, seja no resultado destas) sem que isso seja dado como ilegítimo (pois é dessa forma que atua o sistema eleitoral do País), mas, sobretudo, insatisfatório.
A revolução democrática, pois, é inconclusa: é necessário levar à exaustão as dicotomias estruturais entre carência e privilégio, consenso e conflito, o patrimônio pessoal frente à gestão do público, a oligarquia versus a consolidação de políticas sócio-econômicas de afirmação. Os obstáculos a serem enfrentados não são poucos, mas também não são tudo: ainda há quem deseje transmutar o seu espaço de vivência para além dos próprios interesses e desejos.
REFERÊNCIAS
BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
CARBONARI, Paulo César. Sujeito de direitos humanos: questões abertas e em construção. In.: SILVEIRA, Rosa Maria G. et al (Orgs.) Educação em direitos humanos: fundamentos teórico‐metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Crítica y Emancipación, (1): 53-76, junio 2008.
EL PAÍS. Brasil lidera a redução da pobreza extrema, segundo o Banco Mundial. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429790575_591974.html. Acesso em 18 de fevereiro de 2016.
MEDEIROS, E. FONSECA, B. As bancadas da Câmara. Agencia Publica. 18 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://apublica.org/2016/02/truco-as-bancadas-da-camara/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2016.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Bemmais que pós-moderno: poder, sociedade civil e democracia na modernidade periférica radicalizada. Ciências Sociais UNISINOS. 43(1): 46-57, jan/abr, 2007.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os direitos humanos na pós-modernidade. Coimbra: CES, n. 10, 1989.
[1] Para Bordieu (1989), o habitus é o “sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”.
[2] EL PAÍS (Brasil). Brasil lidera a redução da extrema pobreza, segundo o Banco Mundial. 2015. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429790575_591974.html. Acesso em: 18 fev. 2016.
[3] MEDEIROS, Étore; FONSECA, Bruno. APÚBLICA. As bancadas da Câmara. 2016. Disponível em: https://apublica.org/2016/02/truco-as-bancadas-da-camara/. Acesso em: 18 fev. 2016.