A CRIANÇA AUTISTA E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA ESCOLA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12773734


Jamile Vecchi dos Santos


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou simplesmente autismo, caracteriza-se por um conjunto de dificuldades que compromete a comunicação, a interação social e as atividades restrito-repetitivas dos sujeitos acometidos. Com causas ainda desconhecidas e de diagnóstico difícil, é uma das pautas que fazem o dia a dia da escola regular que se preocupa com as questões da inclusão. Assim sendo, este trabalho, de cunho bibliográfico, possui o objetivo de investigar como se acontece o desenvolvimento da linguagem, na escola, para crianças diagnosticadas autistas. Nessa direção, a pesquisa bibliográfica ocorreu a partir da busca de artigos no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-se dos descritores “autismo” and “linguagem”. Refinando-se a busca por artigos, escritos em português, no período temporal de 2014 a 2018, na área de educação, perscrutou-se seis artigos (BRITO, 2017; CAMPOS; FERNANDES, 2016; MORI, 2016; SANTANA et al., 2016; REIS; PEREIRA; ALMEIDA, 2016; FAVORETTO; LAMÔNICA, 2014) que serviram de base de dados à pesquisa. Assim, os resultados permitem inferir que desenvolver a habilidade da linguagem (ler/escrever) do aluno autista incluído em escola regular requer o aprimoramento das questões de interação social (do aluno e do professor), o melhor aproveitamento do tempo escolar desse aluno, a melhor capacitação do corpo docente e dos envolvidos no contexto educativo e, por fim, o desenvolvimento de atividades lúdicas para promover o ato de ler e de escrever.

Palavras-chave: Autismo.Inclusão. TEA. Ler. Escrever.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com Cunha (2015), o autismo ou o Transtorno do Espectro Autista (TEA) refere-se a uma gama de comportamentos que, juntos, interferem em uma tríade de comprometimentos – de ordem comunicacional, de interação social e de atividades restrito-repetitivas.  Por assim ser, é considerado um transtorno global do desenvolvimento que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem sua Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) considerado como CID10 F84 (OMS, 1998).

Com uma gama de dificuldades, apesar de muitas potencialidades, os autistas enfrentam na atualidade muitos desafios. Dentre esses estão as próprias dificuldades em proceder ao diagnóstico e compreender as verdadeiras causas do transtorno (GONON, 2015); JERUSALINSKY, 2015a; JERUSALINSKY, 2015b; LOURETO; MORENO, 2016), passando pela aceitação da família e da sociedade como um todo (PRADO; BRESSAN, 2016). Ainda, não se pode deixar de citar as dificuldades de incluir a criança com TEA na escola, apesar de ser um direito garantido por Lei (especialmente a Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional[1]). Segundo o presidente da Associação Brasileira para Ação dos Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça), Alexandre Mapurunga (2014, s/p), “a inclusão começa com a chegada desse aluno à escola, mas é preciso também garantir sua permanência e aprendizagem”. Em continuidade, afirma que

Até agora, os sistemas de ensino têm lidado com a questão por meio de medidas facilitadoras, como cuidadores, professoras de reforço e salas de aceleração, que não resolvem, muito menos atendem o desafio da inclusão. Pois qualificar uma escola para receber todas as crianças implica medidas de outra natureza, que visam reestruturar o ensino e suas práticas usuais e excludentes. Na inclusão, não é a criança que se adapta à escola, mas a escola que para recebê-la deve se transformar (MAPURUNGA, 2014, s/p).

Considerando que a escola é o campo por excelência do aprender “ler e escrever”, e que fazê-lo pressupõe o desenvolvimento da habilidade da aquisição da linguagem, recorre-se a um conceito posto pela OMS, que revela as dificuldades que o autista tem no desenvolvimento dessa, para pontuar a problemática que se busca desenvolver neste estudo:

uma síndrome presente desde o nascimento ou que começa quase sempre durante os trinta primeiros meses. Caracterizando-se por respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais, e por problemas graves quanto à compreensão da linguagem falada. A fala custa aparecer e, quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical, uma incapacidade na utilização social, tanto da linguagem verbal quanto corpórea (OMS, 1998, s/p).

É justamente essas últimas características – que representam uma dificuldade na aquisição das habilidades de uso da linguagem – que motivam a realização deste estudo, especialmente pela formação da pesquisadora em Letras agora voltando seu olhar e escuta para as questões da educação especial. Assim, conformam-se interrogações: como a criança autista, incluída na escola, adquire as habilidades de linguagem? De modo mais simples, como aprende a Língua Portuguesa? Como aprendem, crianças com tal transtorno, a ler e a escrever? Na direção de aproximar respostas a essas interrogações, desenvolve-se o presente trabalho de revisão bibliográfica com o objetivo de investigar como se dá o desenvolvimento da linguagem, na escola, para crianças diagnosticadas autistas.

Dessa forma, a pesquisa bibliográfica ocorreu a partir da busca de artigos consistentes em uma base de dados renomada e abrangente – o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para tanto utilizou-se dos descritores “autismo” and “linguagem”, refinando-se a busca por artigos, escritos em português, no período temporal de 2014 a 2018 (garantindo-se a atualidade das informações), na área de educação, que revelassem casos de (in) sucesso na busca pelo desenvolvimento da habilidade da linguagem (oral e/ou escrita) em alunos incluídos em escolas de caráter regular, ou não. Tal busca resultou em seis artigos, que são indicados na Tabela 1, caracterizando-os em termos de ano de produção, título, autor (es) e o periódico onde foram publicados.

Tabela 1: Amostra de artigos analisados

Ano de produçãoTítuloAutoresPeriódico
2017Transtornos do espectro do autismo e educação inclusiva: análise de atitudes sociais de professores e alunos frente à inclusãoMaria Cláudia BritoRevista Educação Especial
2016Perfil escolar e as habilidades cognitivas e de linguagem de crianças e adolescentes do espectro do autismoLarriane Karen de  Campos e Fernanda Dreux Miranda FernandesCoDAS
2016Psicologia e educação inclusiva: ensino, aprendizagem e desenvolvimento de alunos com transtornosNerli Nonato Ribeiro MoriActa Scientiarum
2016O brincar como elemento de inclusão escolar de crianças caracterizadas com transtornos do espectro autista (TEA)Maria Luzia da Silva Santana et al.Interfaces da Educação
2016Características e especificidades da comunicação social na perturbação do espectro do autismoHelena Isabel da Silva Reis, Ana Paula da Silva Pereira e Leandro da Silva AlmeidaRevista Brasileira de Educação Especial
2014Conhecimentos e necessidades dos professores em relação aos transtornos do espectro autísticoNatalia Caroline Favoretto e Dionísia Aparecida Cusin LamônicaRevista Brasileira de Educação Especial

 Fonte: Autora, 2018.

            Com a referida base de dados formada, apresenta-se este artigo de revisão organizado em cinco partes principais. Esta primeira, contextualiza e apresenta o assunto, revelando a questão problema, os objetivos e a metodologia de estudo. Na sequência faz-se uma breve descrição de considerações gerais sobre o autismo (causas, diagnóstico, sintomas, tratamento, prognóstico), para, depois apresentar, efetivamente, os resultados da busca alicerçada no objetivo, ou seja, as estratégias, ações, atividades e perspectivas consideradas para desenvolver no aluno autista, no ambiente escolar, a habilidade de aquisição e ampliação da linguagem (ler/escrever). Por fim, tecem-se as considerações finais, de acordo com o objetivo proposto e apresenta-se as referências que embasaram teoricamente esta construção.

2 AUTISMO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As causas do autismo são, desde há muito tempo e até os dias de hoje, motivo de intensa busca e pesquisa por serem, ainda, desconhecidas. Autores experientes como Gonon (2015), Jerusalinsky (2015a), Jerusalinsky (2015b) e Loureto e Moreno (2016), considerando o que já se sabe sobre a etiologia desse transtorno, afirmam que as evidências indicam que as causas do autismo são de ordem ambiental (ambiente familiar, especialmente a relação com a mãe, medicação e drogadição materna, mecônio no líquido amniótico, entre outros), genética (determinados arranjos gênicos) e epigenética[2] (ação do estresse, drogas e afetividade, por exemplo, sobre a expressão dos genes), e não são únicas (ou sejam as causas são heterogêneas). Para Cunha (2015, p.87),

Algumas pesquisas apontam um caso em 150 ou 100 nascimentos, sendo mais comum entre meninos. Em razão disso, existe uma grande preocupação com a toxidade dos metais pesados e a sua influência nos processos biológicos […]  Durante muitos anos acreditou-se que o autismo estaca ligado a problemas na relação da mãe com a criança. Hoje, sabe-se que o autismo é um transtorno invasivo, e as pesquisas científicas creditam o comprometimento a alterações biológicas, hereditárias ou não.

Se as causas ainda são desconhecidas e merecem a atenção dos pesquisadores, o mesmo ocorre com o diagnósticodo autismo. Estima-se que hoje no mundo ocorre uma superestimação do número de autistas (JERUSALINSKY, 2015a; JERUSALINSKY, 2015b; CASTRO; GIFFONI, 2017), ou seja, as pesquisas indicam mais autistas do que realmente existem, em função de práticas diagnósticas inconsistentes (falsos diagnósticos), caracterizando a “epidemia do autismo”. De acordo com Castro e Giffoni (2017), apesar de o autismo poder ser diagnosticado por volta dos 18 meses de idade cronológica (faixa etária em que bom número de crianças já frequentam a educação infantil/creche), a maioria das crianças não tem esse diagnóstico até a idade escolar (período de aquisição de leitura e escrita). Acrescentam os autores que “não há marcadores biológicos para esta patologia” (2017, p.99).

Diante das dificuldades e dessas diretrizes básicas para o diagnóstico do autismo, passa-se a abordar seus sintomas, considerando, desde já, que podem ser transitórios se precocemente diagnosticado e tratado (SIBEMBERG, 2015). Ainda em relação aos sintomas do autismo, eles podem variar de acordo com a intensidade da tríade de dificuldades sociais, de comunicação e de interesses restritos (APA, 2014; SIBEMBERG, 2015; CASTRO; GIFFONI, 2017) revelando os níveis de autismo (Nível 1 ou leve, Nível 2 ou moderado e Nível 3 ou severo).

Para Cunha (2015), no educando, alguns sinais externos podem ajudar no reconhecimento do transtorno: retrair-se e isolar-se de outras pessoas, não manter contato visual, resistir ao contato físico, resistir ao aprendizado, não demonstrar medo diante dos perigos reais, agir como se fosse surdo, fazer birras, não aceitar mudanças de rotina, usar as pessoas para pegar objetos, hiperatividade física, agitação desordenada, calma excessiva, apego e manuseio não apropriado de objetos, movimentos circulares no corpo, sensibilidade a barulhos, estereotipias, ecolalias e dificuldades  para simbolizar e compreender subjetividades, entre outros. No entanto, ressaltam tais autores, que todos esses sintomas podem ser revertidos se o autismo for diagnosticado precocemente e houver uma intervenção adequada e a tempo.

Em função de tais sintomas, o tratamento estabelece-se, girando em torno, especialmente, do atendimento psicológico e da psicanálise e da atuação de outros profissionais, dentre esses o da educação. Conforme Cunha (2015, p.87), “o tratamento especializado e a educação adequada melhorar a qualidade de vida em qualquer nível de comprometimento”. De acordo com a Associação de Amigos do Autista (2018), são caminhos que contribuem com a terapeuta do autista: intervenções psicoeducacionais, orientação familiar, desenvolvimento da linguagem e/ou comunicação com profissionais especializados como psicopedagogos e fonoaudiólogos, recomendando a atuação, sempre que possível, de uma equipe multidisciplinar que avalie e desenvolva um programa de intervenção orientado a satisfazer as necessidades particulares a cada indivíduo.

De acordo com o nível de autismo e seus sintomas, a forma e o tempo do diagnóstico, bem como as ações terapêuticas, se dará o prognóstico da síndrome. De acordo com Mandal (2017), esse é variável, algumas crianças com autismo podem melhorar, especialmente aquelas com autismo suave que foram tratadas numa idade precoce, enquanto outras podem revelar maior dificuldade, especialmente, se for acompanhado de outras desordens genéticas ou patologias diversas (como atraso mental, por exemplo).

Em função das características básicas do autismo relacionadas à sua etiologia, sintomatologia, diagnóstico, tratamento e prognóstico, parte-se agora a investigar como se dá para o aluno autista incluído na escola, o desenvolvimento dos processos de aquisição e desenvolvimento da habilidade da linguagem (ler/escrever). Isso, por meio da análise de artigos escritos a partir de estudos de casos envolvendo as particularidades desses sujeitos especiais.

3 AUTISMO: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA ESCOLA

De acordo com Nunes (2007), o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem e da comunicação nos primeiros anos de vida do ser humano – incluindo a idade escolar –  tem sido estudado há muitas décadas por um grande número de pesquisadores, dentre os quais destaca-se Jerome Bruner. Para o autor (1983), para que ocorra a aquisição linguagem pela criança é importante que ela domine três aspectos inseparáveis: a sintaxe, a semântica e a pragmática. A sintaxe diz respeito aos aspectos gramaticais da linguagem enquanto a semântica diz respeito ao sentido da fala. Já a pragmática, essa destacada pelo autor como principal componente, tem relação com o motivo, a função para a qual o indivíduo se utiliza da linguagem.

Não se tendo o objetivo de centrar-se nessas definições, enfatiza-se que faz parte do processo cognitivo de desenvolvimento da linguagem o ler e o escrever. Assim, compreendendo-se que são habilidades desenvolvidas pela criança a partir da interação de processos biológicos com processos sociais, como afirma Bruner, questiona-se: como o autista, que tem muitas de suas capacidades biológicas e sociais comprometidas, aprende a ler e a escrever na escola?

Para responder a esse questionamento, recorre-se aos autores que já o investigaram, a partir do referencial teórico levantado (Tabela 1). Assim, tem-se Brito (2017) que realizou uma pesquisa com 73 educadores e 116 alunos, de quatro escolas públicas, sendo duas sem experiência de educação inclusiva e duas com a inclusão de crianças com transtornos do espectro do autismo, com o objetivo de descrever as atitudes sociais de professores e alunos que compõem o ambiente escolar de crianças com transtornos do espectro do autismo, acerca da inclusão. Com as crianças autistas foram realizadas provas de avaliação de linguagem e de comportamentos e, para verificar as atitudes sociais dos professores e colegas, a pesquisadora empregou a Escala Likert de atitudes sociais em relação à inclusão e dos alunos a escala infantil de atitudes sociais.

Os resultados apontaram que não houve diferenças nas atitudes sociais dos professores das escolas com e sem alunos autistas. Ainda, que tais atitudes expressas pelos colegas da criança com transtornos do espectro do autismo de quadro clínico menos severo (maior experiência de contato) foram mais positivas do que aquelas com autistas com maior sintomatologia, que revelavam, por exemplo, problemas de comportamento associados à agressividade.

A pesquisa, embora não tenha se centrado efetivamente no desenvolvimento da linguagem pelos autistas, fez uso desse, para perceber as questões sociais da inclusão. Tal direcionamento revelou o importante papel de interação social do professor – seja de línguas ou de outras disciplinas quaisquer – para o sucesso da aprendizagem do aluno com TEA. De acordo com Brito (2017), crianças adequadamente assistidas por seus professores, tiveram prognósticos positivos, com bons resultados para a aprendizagem escolar, sendo consideradas, portanto, fundamentais para o desenvolvimento de potencialidades das crianças com e sem deficiências.

Nessa mesma direção, Bruner (1983) destaca o papel do adulto para que a criança tenha um desenvolvimento adequado da linguagem, ou seja, salienta que a interação é uma das bases do desenvolvimento da linguagem, na qual o adulto tem um papel fundamental. Conforme Cunha (2015, p.87), “em consequência do convívio, podemos dizer que todos nós possuímos uma mente social, que nos possibilita fazer associações apropriadas com o mundo ao redor. Nossa razão consulta constantemente nossa memória social para direcionar o comportamento”.

Sendo assim, para a aquisição da habilidade da leitura e escrita destaca-se como fundamentala atuação/interação social do professor, buscando a interação e o bom convívio com o aluno autista. 

A interação social também foi o aspecto salientado por Reis, Pereira e Almeida (2016) em uma pesquisa que descreve e problematiza as características da comunicação social na Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), tendo por base os critérios de diagnóstico do DSM 5. Assim, as autoras reforçam a importância de uma intervenção o mais precoce possível, realizada nos contextos naturais, da criança e da sua família, que objetive a potencialização de níveis de envolvimento e participação da criança, promotores de oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento das suas competências comunicativas e sociais.

A intervenção pedagógica com crianças com TEA deve ser focada na funcionalidade, isto é, deve-se considerar o funcionamento da criança promovendo-lhe envolvimento, independência, relações sociais nos seus contextos naturais – o que inclui a família, a escola, a sala de aula. Na mesma direção, Cunha (2015, p.91) pontua que se transforma “as necessidades do autista em amor pelo movimento de aprender e de construir, concedendo-lhe autonomia e identidade”. Assim, compreende-se que a interação social é marco para que a criança aprenda a ler e escrever.

O estudo de Campos e Fernandes (2016), objetivou verificar a correlação entre tempo de permanência semanal na escola, e o desempenho de crianças com TEA em teste de inteligência não verbal e em habilidades comunicativas e de comportamento. Para tanto, pesquisaram 44 crianças e adolescentes, com idade entre 6 e 12 anos, de ambos os gêneros, matriculados em escolas regulares, diagnosticadas com TEA segundo os critérios do DSM-IV-tr, e que frequentam terapia fonoaudiológica uma vez por semana, há pelo menos seis meses e cujos pais concordaram com a participação no estudo.

Os dados foram coletados por meio de Questionário de Escolaridade, desenvolvido pela pesquisadora para o levantamento das informações relatadas pelos pais a respeito da escola de seus filhos com TEA. Ainda, pelo uso dos testes Functional Communication Profile – reduzido (FCP-Rr), para a verificação de variáveis gerais de comunicação (comportamento, atenção/concentração, linguagem receptiva, linguagem expressiva, pragmática/social) e o Teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial, para a avaliação da inteligência não verbal.

Campos e Fernandes (2016) relataram, como resultados do estudo, que os coeficientes de correlação encontrados para as relações entre frequência escolar e as habilidades investigadas foram negativos, o que indica que quanto maior o tempo que as crianças passam na escola, menor o grau de severidade nas habilidades apontadas. De modo geral, concluíram os autores que as crianças com melhores resultados em inteligência não verbal e melhores habilidades de comunicação e comportamento tendem a permanecer mais tempo na escola por semana.

No entanto, esses autores revelaram outras questões para além da permanência na escola que são imprescindíveis e lacunares. Dentre essas, a consciência dos pais dos participantes da pesquisa de que o tempo que a criança permanece na escola não é aproveitado para as estimulações necessárias para o desenvolvimento de habilidades importantes, como estimulação cognitiva, de linguagem, e de aprendizado pedagógico.

Nessa direção, Campos e Fernandes (2016) salientam que a escola tradicional brasileira ainda precisa fazer muito para verdadeiramente incluir – e isso passa pela maior capacitação de seus professores: “o sistema educacional ainda não oferece o serviço adequado, e que o despreparo dos profissionais, para educar e ensinar as crianças com TEA, tem relação com a formação insuficiente” (CAMPOS; FERNANDES, 2016, p.238).

Sobre a formação de professores foi a pesquisa conduzida por Favoretto e Lamônica (2014), com o objetivo de investigar as experiências dos professores em relação aos TEA e necessidades de conteúdos sobre a temática. Aplicando e analisando um questionário voltado a 38 professores de ensino infantil da rede pública municipal de Bauru, São Paulo, as pesquisadoras concluíram que a inclusão escolar está em processo de crescimento, porém com professores carentes por informações e formação (inicial e continuada). A amostra pesquisada indicou, o interesse e a necessidade de aprender sobre “socialização e comunicação no indivíduo com TEA, desenvolvimento normal de linguagem e desenvolvimento de linguagem nos TEA e, principalmente de estratégias educacionais que favoreçam o aprendizado do aluno” (FAVORETTO; LAMÔNICA, 2014, p.115).

“O aluno com transtornos aprende, o aprendizado transforma o seu desenvolvimento e o seu lugar é na escola comum” (MORI, 2016, p.58). Convergindo com os resultados da pesquisa anteriormente apontada, está o estudo teórico realizado por Mori (2016), com o objetivo de apontar e refletir sobre alguns limites e possibilidades da educação inclusiva de alunos com transtornos (incluindo TEA) com base em fundamentos da psicologia. Assim, o autor concluir que ocorreram avanços quanto aos aspectos normativos que garantem o acesso dos alunos com transtornos às classes comuns do ensino regular, mas há um longo caminho para a construção de uma escola realmente inclusiva, com práticas educativas voltadas para o máximo desenvolvimento do potencial desses alunos – inclusive para o desenvolvimento das habilidades de linguagem. Em complemento,

O aluno com transtornos aprende, o aprendizado transforma o seu desenvolvimento e o seu lugar é na escola comum. O horizonte de expectativa agora é compreender as nuances do seu aprendizado e determinar e dispor os recursos necessários para a efetivação do processo (MORI, 2016, p.58).

No mesmo sentido posiciona-se Cunha (2015, p.89), ao dizer que “a escola que possui sala de recursos terá condições de desenvolver habilidades específicas. Todavia, a educação precisa ser vivenciada igualmente na sala comum, com os demais alunos”. Isso é um desafio a ser enfrentado, inclusive, para que bem se ensine crianças autistas a ler e escrever.

Um aspecto salientado na pesquisa de Mori (2016) para que o aluno com TEA aprenda (inclusive as habilidades de linguagem), está relacionado à afetividade, especialmente na relação aluno/professor, aluno/escola. O autor (op. cit., p.58) aponta a “necessidade de um trabalho educativo humanizador, que ensine a pensar, sentir, querer, avaliar e agir”. Salienta, ainda, que uma prática educativa transformadora exige uma crença incondicional na capacidade do ser humano, que exige que educadores também tenham educação humanizadora, pautada em leis gerais do desenvolvimento, mas reconhecendo as singularidades na organização psicológica das crianças especiais.

É nessa mesma lógica o posicionamento de Cunha (2015, p.89), quando refere que o grande foco da educação escolar deve estar no processo de aprendizagem e não nos resultados, mais ainda, deve estar no ser humano que aprende e na carga afetiva envolvida. Para o autor, “é fundamental que a educação seja centrada prioritariamente no ser humano e não na patologia, tornando indispensável um currículo que transcenda as concepções de déficit e torne a prática pedagógica rica em experiências educativas” (2015, p.91).

Santana et al. (2016), realizaram sua pesquisa com crianças autistas com o propósito de (re) visitar o ato de brincar como um dos recursos de inclusão escolar. Enfatizam, assim, que a prática pedagógica direcionada às crianças com TEA, quando utiliza o brincar, torna-se mais eficaz, favorecendo a interação infantil com os pares e sua inclusão no contexto educativo. Nessa direção retoma-se os apontamentos de Cunha (2015, p.87), quando diz que o autista “tem um distúrbio multifatorial onde a capacidade para pensamentos abstratos, jogos imaginativos e simbolização fica severamente prejudicada”. Assim, trabalhar a função simbólica por meio do lúdico, incluindo livros, contação de histórias, música, artes e outros canais sensoriais, torna-se essencial como uma possibilidade, também, para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

Em termos de finalização, Cunha (2015) indica ações fundamentais para a aprendizagem do autista, que se considera serem pertinentes, também, para o ensino das habilidades de ler e escrever na escola para o aluno autista. São elas: a educação individualizada, a busca do professor pelo olhar do aluno – que constantemente procurará desviá-lo, o desenvolvimento e ampliação de tarefas de rotina (imitação/condicionamento), tornando-as um hábito agradável, programação de um currículo funcional, desenvolvimento da capacidade de concentração no aprendente autista, tornar o aprendizado algo agradável e afetivo, sempre enriquecer a comunicação, mostrar a cada palavra uma ação e a cada ação uma palavra, fazer tudo com serenidade, com voz clara e firme, executar uma atividade de cada vez.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

           

Retomando-se o objetivo geral deste estudo, que foi o de investigar como se dá o desenvolvimento da linguagem, na escola, para crianças diagnosticadas autistas, pode-se dizer que esse foi atingido na medida em que revelou alguns aspectos essenciais. Dentre esses, a necessidade de que o professor se predisponha à interação social, ou seja, que o educador interaja com o aluno autista, considerando as limitações do transtorno, mas acima de tudo, as suas potencialidades. Em acréscimo, revelou-se que a promoção da interação social da criança com TEA em seus contextos de convívio é fator essencial para que essa desenvolva-se e ao fazê-lo adquira também as habilidades de linguagem.

De igual modo, destacou-se como importante que o tempo de permanência do aluno autista na escola seja mais qualificado, fortalecendo-se os princípios da verdadeira inclusão. Nessa direção, emergiu a necessidade de maior formação e capacitação dos professores – não somente os de línguas – mas de todos os envolvidos no processo de escolarização, desde a gestão, passando pela família e a comunidade como um todo. É necessário que todos aprendam a socializar e a comunicar-se com os autistas, considerando, especialmente questões relacionadas à humanização e afetividade na relação. Outra questão que despontou como essencial refere-se ao ato de brincar, como estratégia acertada para auxiliar o indivíduo com TEA a socializar e a compreender o conteúdo simbólico que leva ao desenvolvimento da linguagem.

Por fim, salienta-se que uma das dificuldades da pesquisa foi a identificação de estudos (acadêmicos/científicos) que abordassem mais precisamente, ou mais diretamente, a questão do ato de ler e escrever do aluno autista incluído em escola normal. Tal fato permite sugerir que se fomente estudos e produções com tal direcionamento, partindo da pesquisa empírica. Em conclusão, infere-se, ainda, que os sistemas de ensino se engajem em promover o debate dessas questões com a sociedade e invistam fortemente na capacitação dos profissionais da educação. Isso, de modo a fazer a inclusão de alunos autistas na escola regular uma realidade que transforme esses sujeitos em protagonistas de suas histórias de vida. Especialmente por compreenderem os códigos da linguagem escrita e falada e, assim, lerem e compreenderem o mundo que os cerca.

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SIBEMBERG, N. Atenção com o diagnóstico: a suspeita de autismo nem sempre se confirma. In: JERUSALINZKI, Alfredo (Org.). Dossiê autismo. São Paulo. Instituto Langage, 2015.


[1] Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: […] III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996).

[2] A epigenética é compreendida como variações da sequência de DNA e de mecanismos moleculares que decorrem de fatores ambientais, por exemplo, maus tratos severos na infância, que possam acarretar modificações profundas, duráveis, e às vezes transmissíveis à geração seguinte na atividade gênica, como no caso, o autismo (GONON, 2015).