A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A PARTIR DA TAXA DE ANALFABETISMO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7699666


Helena M. de Oliveira Martins1
João José dos Santos2
Núbia Aparecida Pinto Coelho3


RESUMO

O estudo enquadra-se em artigo de pesquisa e tem como objetivo refletir sobre os efeitos na educação da Carta de 1988, a partir da taxa de analfabetismo, conforme dados do IBGE (1970-2010) e PNAD (1996, 2001 e 2010). Fez-se breve estudo das diretrizes dos artigos 205 a 214 da Constituição de 1988, optando-se por pesquisa qualitativa. Fundamenta-se a análise na teoria da concretização dos direitos fundamentais, entendendo que o direito não deve ser apenas posto em lei, mas efetivado na vida do cidadão. Partiu-se do pressuposto que o direito à educação no Brasil ainda não foi concretizado. Os resultados revelam que a educação avançou, reduzindo-se as taxas de analfabetismo e a diferença entre homem e mulher. Porém, indica desigualdade regional e entre área urbana e rural, de modo que a concretização do direito à educação ainda é falha, em especial, quanto à universalização. Indica-se a necessidade de políticas públicas específicas para aproximar o fato e o direito.

Palavras-chaves: Educação, Constituição Cidadã, Analfabetismo.

ABSTRACT 

The study is part of a research article and aims to reflect on the education effects of the 1988 charter, based on the illiteracy rate, according to IBGE (1970-2010) and PNAD (1996, 2001 and 2010). A brief study of the guidelines of articles 205 to 214 of the 1988 Constitution was made, opting for qualitative-quantitative research. It is based on analysis in the theory of the realization of fundamental rights, understanding that the law should not only be put into law, but effective in the life of the citizen. It was assumed that the right to education in Brazil has not yet been realized. The results show that education has advanced, reducing illiteracy rates and the difference between men and women. However, it indicates regional inequality and between urban and rural areas, so that the realization of the right to education is still flawed, especially as regards universalization. It indicated the need for specific public policies to approximate the facts and the right.

Keywords: Education, Citizen Constitution, Illiteracy.

INTRODUÇÃO

A promoção da educação é um direito do homem que faz parte da segunda dimensão dos direitos fundamentais, bem como está previsto na Declaração de Direitos Humanos (ONU, 1948), à medida que dá condições de igualdade. Conforme entendimento de Amartya Sem (2000), capacita o indivíduo para que possa usufruir de demais liberdades em sociedade. Nesse sentido, a Constituição Federal Brasileira (1988) prevê a educação como um direito social (artigo 6º) e, pela primeira vez, estabeleceu ser um direito de todos, bem como previu medidas para erradicação do analfabetismo. Isto porque até então a educação era tratada como direito, mas sem a expressa universalização ou medidas que viabilizassem esse acesso.

A segunda dimensão dos direitos fundamentais, que tem como marco a Revolução Industrial, visando ser resposta às desigualdades sociais intensificadas à época, como nos ensina Novelino (2009), prevê direitos ligados à igualdade, isto é, são os direitos sociais, econômicos e culturais, sendo de titularidade coletiva e positiva, pois exigem atuação do Estado. Assim, Marmelstein (2008, p. 50) afirma que os direitos fundamentais de segunda geração “funcionam como uma alavanca ou uma catapulta capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser humano, fornecendo-lhe as condições básicas para gozar, de forma efetiva, a tão necessária liberdade.”.

Por conta disso, a Declaração de Direitos Humanos (1948), reafirmando os direitos fundamentais do ser humano e visando promover o progresso social e melhores condições de vida do homem, em seu artigo 26, previu o direito à educação de forma universal e gratuita, ao menos nos graus elementares e fundamentais. Inclusive, em seus objetivos, previu a educação como instrumento para promover o respeito aos direitos e liberdades previstos em seu corpo. 

A referida Declaração, então, materializa documentalmente o que Amartya Sem (2000) diz ser a capacitação do homem para demais liberdades. Isto porque ele entende que é preciso dar oportunidades ao indivíduo moldar seu destino, cabendo ao Estado, através de políticas públicas, o fortalecimento e a proteção das capacidades humanas para que o homem seja agente ativo na sociedade. Por conta disso, a educação seria essencial ao aproveitamento e formação das capacidades humanas, pois traz capacidade ao homem de se desenvolver e desenvolver a sociedade. 

A Constituição Federal de 1988, visando estabelecer um Estado Democrático de Direito, trouxe diversos direitos estabelecidos na Declaração de Direitos Humanos, dentre eles a educação como um direito social universal. Até então, apesar do direito à educação estar previsto nos textos constitucionais, desde o Império, não havia expressado direito a todos e por isso, o acesso, ao longo da história, foi elitista e seletivo, o que já não cabia à Constituição, que foi denominada Cidadã. Por conta disso, nas Disposições Transitórias, estabeleceu como meta à União e Estado percentuais mínimos de repasse à educação, visando diminuir a taxa de analfabetismo no Brasil, nos dez anos seguintes.

Em que pese à valorização da educação pela Constituição de 1988, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Unesco (2014), o Brasil está entre os dez países que concentram a maior parte do número de analfabetos adultos do mundo, ao lado da Índia, China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Etiópia e Egito. Ainda, de acordo com a Unesco (2016), o Brasil era o país sul americano com maior taxa de analfabetismo. Em 2016, o país tinha 8,3% de analfabetos (PNAD, 2016), apesar da meta do PNE – Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, de redução para a taxa de 6,5%, até 2015, que também não foi atingida em 2017, quando a taxa foi de 7% (PNAD, 2016). 

Por conta disso, levanta-se a questão sobre a concretização do direito fundamental à educação após a Constituição Federal, à medida que o indicador de analfabetismo ainda não é satisfatório. Entendendo que a segunda geração de direitos, em que a educação está inserida, exige do Estado uma posição positiva, de ações para minorar as desigualdades, os dados referidos nos levantam a questão se o direito posto no texto constitucional se concretiza no plano fático. Isto porque não basta está garantido em lei, pois, como explica Xerez (2014) a concretização de direito fundamental consiste na transposição do direito fundamental enquanto “dever ser” para condição de “ser”.

Dessa forma, o presente artigo pretendeu refletir sobre a concretização do direito à educação após a Constituição de 1988, através do indicador analfabetismo. Para tanto, fez-se análise das principais diretrizes da educação na Constituição Cidadã, bem como avaliou-se os dados secundários dos Censos IBGE de 1970 a 2010, bem como dados PNAD de 1996, 2001 e 2010, visto a mudança de paradigma que se observa no referido texto constitucional, em especial, quanto ao cuidado com o homem e seus direitos humanos.  Isto porque, pressupõe-se que a concretização do direito à educação, mesmo após expressos dispositivos e diretrizes visando atender seu fim, ainda é falha no país. 

A intenção foi refletir sobre as mudanças ocorridas com base em dados estatísticos, sem que se aprofunde em questões atinentes ao ramo da pedagogia e áreas afins, mas, se faça uma reflexão sobre até onde ocorreu a concretização do direito à educação, enquanto instrumento para outros direitos individuais e coletivos. A pretensão foi relacionar a leitura do texto legal aos dados estatísticos, sob o enfoque de entender em que proporção os preceitos constitucionais foram materializados socialmente.

Dessa forma, além desta introdução e considerações finais, o presente artigo traz quatro seções: I) faz-se breve explicação sobre o aspecto metodológico, II) aborda-se a fundamentação teórica da concretização dos direitos fundamentais, III) indica as diretrizes para educação da Constituição Federal de 1988, e IV) faz-se a análise das taxas de analfabetismo no país.

ASPECTO METODOLÓGICO 

Tendo em vista o presente trabalho ter a intenção de analisar a concretização do direito à educação no Brasil, após a Constituição Federal de 1988, fez-se necessário análise bibliográfica, com breve relato do entendimento doutrinário acerca da teoria da concretização dos direitos fundamentais. Ainda, foi necessária a análise do texto constitucional, bem como estudos relacionados à sua interpretação, de modo a relatar as inovações desta legislação quanto à educação.

Por conseguinte, visando relacionar a parte teórica com dados estatísticos oficiais, fez-se análise dos dados secundários dos Censos IBGE de 1970 a 2010, conforme disponibilidade decenal, utilizando-se do indicador analfabetismo, bem como dados PNAD (1996, 2001, 2010),visando verificar as especificidades dos dados gerais do indicador escolhido. Isto é, verificou-se a “porcentagem da população com idade de 15 anos e mais que não sabe ler nem escrever” (UNESCO).  A escolha deste indicador se deu porque a alfabetização é a porta de entrada para demais caminhos da educação e instrução, bem como demais necessidades básicas do indivíduo. 

Conforme a Unesco: “A alfabetização é o primeiro passo para a liberdade, para a libertação das restrições sociais e econômicas. É o pré-requisito para o desenvolvimento, individual e coletivo. Ela reduz a pobreza e a desigualdade, promove a prosperidade e ajuda a erradicar problemas de nutrição e de saúde pública.”Ademais, Sen (2000) indica que o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade, bem como a participação política pode ser tolhida pela incapacidade de ler jornais ou de capacidade de comunicar-se por escrito com outros indivíduos envolvidos em atividades políticas. 

No caso, da faixa etária, a indicada atende à faixa estudada pela Unesco, que prefere enfatizar o analfabetismo de jovens e adultos, à medida que a falta deste instrumento reflete na questão de oportunidades e qualidade de vida. No mais, a série histórica escolhida se deu visando abranger os anos logo após a Constituição de 1967, que antecedeu a atual Carta, datada de 1988, bem como o período mais atual disponível nos dados utilizados, mas com limitação quanto aos dados PNAD ao último censo disponível, qual seja, 2010. A abrangência temporal permite analisar a situação da educação antes da Constituição atual, bem como o resultado das políticas públicas nos anos seguintes às diretrizes cidadãs, considerando que a educação necessita de uma construção a longo prazo.

Assim, a análise se baseou em aspectos teóricos, mas também dados estatísticos, classificando-se numa pesquisa quali-quantitativa.

A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É incontestável a importância de garantir os direitos humanos e fundamentais em documentos oficiais, como ocorreu na Declaração Universal dos Direitos Humanos e também na Constituição Federal de 1988. Contudo, é mais contundente que esses direitos sejam efetivados, ou seja, haja a concretização dos direitos, pois como explica Bobbio (2004): “ Uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente.”. Isto porque uma norma posta e não colocada em prática torna-se “letra morta”.

Daí surge a discussão acerca da concretização dos direitos fundamentais, em especial, por se tratarem de direitos primordiais e essenciais ao homem. Como explica Ribeiro e Campo (2012) em decorrência da importância dos direitos fundamentais, no Estado Constitucional, a teoria constitucionalista contemporânea afirma a necessidade de concretização dos direitos fundamentais, como se pretende discutir nesse estudo, já que não basta se garantir formalmente o direito, mas é essencial possibilitar formas de usufruir destes direitos. 

Isto porque, como preceitua Kelsen (2000), o direito, enquanto conjunto de normas, pertence ao dever ser, mas o estudo do direito, de modo geral, é uma distinção entre o ser e o dever ser. Por conta disso, Xerez (2014) indica que a concretização do direito fundamental consiste na transposição do direito fundamental enquanto “dever ser” para a condição de “ser”. Logo, concretizar direito fundamental significa, portanto, transformá-lo em realidade. Ou mais, é a atribuição de máxima eficácia às normas de direito fundamental, com a finalidade de efetivação destes direitos.

Nesse sentido, Xerez (2014) indica que existem quatro dimensões na concretização do direito, quais sejam: a teórica, a metódica, a fática e a estética. Daí diz que a dimensão fática pode ser compreendida como as condutas humanas efetivamente praticadas que materializam posições subjetivas de vantagem abstratamente previstas em normas de direito fundamental. Então, defende que a concretização dos direitos fundamentais tem como objetivo a efetivação dos direitos fundamentais e a dimensão fática está, então, relacionada à eficácia das normas de direito fundamental.

Dessa forma, o presente trabalho está justamente interessado em refletir sobre a concretização do direito fundamental à educação, no Brasil, após a Constituição Federal de 1988, pois é indiscutível que é uma Carta comprometida com os ideais de direitos humanos, ao menos no aspecto formal. Porém, é preciso discutir se há eficácia do direito à educação no plano fático, de modo a concretizá-lo a todos, como preceitua, como se observa na seção seguinte.

DIRETRIZES PARA EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 tem como maior importância estabelecer um estado Democrático de Direito e trazer um elenco de direitos individuais e coletivos que refletem a Declaração de Direitos Humanos da ONU, de 1948. Nesta Carta, há ainda retratado os direitos fundamentais em suas três principais dimensões, refletindo o mote “igualdade, liberdade e fraternidade” da Revolução Francesa. Mais que isso, amplia o rol de direitos a todos, sem discriminação. Nesse clima, a educação é declarada como primeiro direito social (artigo 6º, CF, 1988). Por conseguinte, reservou os artigos 205 a 214 para tratar detalhadamente do plano para educação, representando um avanço na universalização, visto a previsão de gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, bem como de previsão de formas de se alcançar esse acesso igualitário.

Nos artigos específicos que trata de educação, a Constituição Federal de 1988 (art. 205 a 214), entre outros pontos, inclui a educação infantil no sistema de ensino, antes incluída na questão de assistência social, prevê a oferta de ensino noturno, bem como atendimento a condições de acesso à educação, como fornecimento de material didático, transporte e alimentação, em ensino fundamental. Além disso, traz diretrizes de acesso, mas também que a educação seja de qualidade. Mais que isso, o texto constitucional traz a possibilidade de responsabilização do poder público em caso de omissão (§ 2º do art. 208). Ou seja, há previsão de medidas positivas do Estado e em caso de omissão, punição, refletindo uma mudança na importância do cidadão e seus direitos. 

O reflexo da postura da obrigação do Estado para com o cidadão é refletido, desde o primeiro artigo (205) da seção dedicada à educação, quando indica que a educação é direito de todos e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No artigo seguinte (206), estabelece princípios sólidos para promover a educação, com destaque ao respeito à igualdade de acesso, liberdade de aprendizado, ensino, pesquisa e divulgação de pensamento, arte e saber, bem como garantia de qualidade e a previsão de valorização dos profissionais da educação.

Em resposta ao período de exceção, vivido anteriormente a promulgação da Constituição de 1988, com intensa perseguição em universidades, a legislação dá, ainda, autonomia às universidades, como se observa do artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” Traz um incentivo, então, ao desenvolvimento de pesquisa e extensão, importantes ao exercício de liberdade de expressão, bem como desenvolvimento do país. 

No artigo 208, então, prevê meios de efetivação do direito à educação, como educação obrigatória e gratuita, progressiva universalização do ensino médio gratuito, educação infantil em creche e pré-escola, acesso aos níveis elevados de ensino e oferta noturna. No artigo 212, ainda, é prevista receita mínima a ser aplicada à educação, visando justamente a implementação efetiva dos princípios e diretrizes então estabelecidas. 

É importante destacar ainda que se vê no texto constitucional, a partir do artigo 214, a preocupação com planejamento estratégico, visando articular o sistema nacional de educação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas. Por conta disso, estabelece metas gerais, quais sejam: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do ensino; formação para o trabalho; promoção humanística, científica e tecnológica do País; estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.

Ainda em contraponto aos anos anteriores ao texto promulgado, cujo ensino público tinha caminhado na tendência de sua privatização, a Carta Magna de 1988, como ensina Cury (2005), indica a coexistência do ensino público e privado, mas ressalta que sendo privatizada, não deixa de ser um serviço público. Ou seja, demonstra a importância à qual é dada a educação, enquanto direito social. Ainda, traz cuidado com as diferenças quanto à raça, cor e necessidades especiais, bem como atendimento às diversas faixas, indicando alargamento da cidadania e dos direitos humanos (CURY, 2005).

Visto as importantes diretrizes e inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, é importante refletir, passados trinta anos, se efetivamente esse direito foi garantido aos cidadãos. No caso do presente trabalho, como se vê na próxima seção, optou-se por um recorte apenas até os vinte anos que seguiram a Constituição nova, visto que o último Censo, no Brasil, ocorreu em 2010. Assim, na seção seguinte será observada em que termos se deram a concretização do direito à educação após a Carta de 1988.

TAXAS DE ANALFABETISMO DO BRASIL APÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988 

A taxa de analfabetismo, no Brasil, como se observa da tabela 1, de 1970 para 2010, teve considerável melhora, à medida que passou do percentual de 33,7 para 9,4, com destaque para redução significativa entre os anos de 1991 a 2000, quando saiu da taxa de 20,1% para 13,6%, demonstrando melhora significativa após a Constituição de 1988. Inclusive, no que tange a diferença de analfabetismo entre homens e mulheres, observa-se expressiva melhora, já que se, em 1970, a taxa de analfabetismo do homem era 29,8% enquanto da mulher 36%, em 2010, a taxa de analfabetismo do homem é de 13,8% e da mulher 13,5%. Ou seja, ainda que haja diferença, pendendo negativamente para a mulher, verifica-se que a diferença entre um e outro reduziu, sendo apenas de 0,3%, quando em 1970 essa diferença era de 6,2%.

Tabela 1 – Taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais no período de 1970 a 2017

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960-2010. Em porcentagem.

Entretanto, se considerarmos os anos de 2000 e 2010, ainda na tabela 1, a redução da taxa de analfabetismo é bem mais baixa, já que reduziu apenas de 13,6% para 9,4%, indicando desaceleração da superação do problema com a alfabetização. Ainda, se for levado em conta que a Carta Magna tem como meta a erradicação, observando-se que entre 1988 e 2010, houve lapso temporal de 22 anos, o índice é bem alto. Conforme o IBGE, analisando o Censo 2010, a faixa etária com menor redução nas taxas de analfabetismo é justamente a faixa analisada, de certo retrato da disputa da educação com outras atividades da pessoa para manutenção da sobrevivência, já que retrata a população em idade de início da vida laboral e já inserida no mercado de trabalho. Inclusive, observando essa evolução das taxas de analfabetismo, o Brasil assumiu como meta junto a ONU, reduzir essa taxa a 6,7% até 2015, o que também não ocorreu, já que neste ano, a taxa de analfabetismo no país foi de 8%, conforme o PNAD.

Considerando a taxa de analfabetismo nas regiões brasileiras, como posto na tabela 2, verifica-se que houve redução de 1996 a 2010 em todas as regiões, reforçando que a nova Constituição trouxe avanços para educação, em pese a redução não ser tão significativa como de 1970 para 1991, bem como de 1991 a 1996, conforme cruzamento dos dados das tabelas 1 e 2. Contudo, observando-se a evolução das taxas do Nordeste, fica clara a diferença regional, de modo que a taxa de 2010, 18,6%, nessa região, é semelhante à taxa brasileira de 1991, que foi de 20,1%. Ou seja, é como se o Nordeste tivesse 20 anos atrasado em relação às taxas de analfabetismo do país, fato que precisa ter destaque nos próximos planejamentos educacionais para o Brasil.

Isto posto, como explica Ferraro e Kreidlow (2004), é reflexo da desigualdade histórica do país e da ideologia de que a educação era oposta a cultura agrícola brasileira. Desigualdade essa que perpassa por questões como o Rio de Janeiro ter sido capital do país, a influência de imigrantes europeus no Rio Grande do Sul, no Império, bem como a construção de Brasília, ciclo migratório, e ainda, a questão da industrialização direcionada ao Sul e Sudeste do país, em especial, no período de 1920 a 1960. Porém, não pode ser desculpa no avanço da redução dessas desigualdades, até porque a França, por exemplo, também teve obstáculos históricos, como ficou retratado na Revolução Francesa, mas, tem a taxa de analfabetismo em 0,6%, conforme dados da ONU (2010). Ademais, contextualizando para a realidade da América do Sul, a Argentina, em 2010, tinha apenas 1,6% de taxa de analfabetismo (PNAD, 2010). 

Tabela 2 – Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais por região de 1996, 2001 e 2010.

Fonte: IBGE, Pnads de 1996, 2001 e 2010. Em porcentagem.

Analisando as taxas de analfabetismo por gênero, de acordo com a tabela 3, constata-se que a tendência de menor diferença entre homem e mulher vem se mantendo entre os anos de 1996 e 2010, de modo que se, em 1996, a taxa do homem era de 14,5% e da mulher de 14,8%; em 2010, a taxa do homem é de 9,8% e da mulher 9,1%. Na verdade, há até mesmo inversão do quadro, de forma que a taxa de analfabetismo feminino passa a ser menor que a masculina. Inclusive, as taxas entre gêneros são semelhantes às taxas gerais, sendo que a da mulher chega a ser menor em 2001 e 2010, respectivamente, 12,3% e 9,1%, enquanto, as nacionais eram de 12,4% e 9,4%. Ainda que pequena a melhor taxa feminina do que a nacional, não se pode deixar de destacar que a inversão atende aos anseios sociais de revalorização feminina, após a previsão de isonomia entre homem e mulher da Carta Magna em questão. 

Tabela 3 – Taxa de analfabetismo em pessoas com 15 anos ou mais por região e gênero. 

Fonte: IBGE, Pnads de 1996, 2001 e 2010. Em porcentagem.

Contudo, essa tendência de melhor taxa de analfabetismo feminina em relação à masculina não é observada quanto às regiões Sul e Sudeste, como ainda se observa na tabela 3. Apesar de terem taxas menores que a nacional, chegando a ser quase apenas 50% da taxa geral, evidencia-se a diferença entre homem e mulher, pois em todos os anos analisados a taxa feminina é maior que a masculina. Em 1991, no Sudeste, a taxa do homem era de 7,5%, enquanto a da mulher, 9,9%, e, em 2010, a taxa do homem foi de 5% e da mulher 5,7%. No Sul do país, assemelhando-se ao Sul, em 1991, a taxa do homem era de 7,8% e da mulher de 9,9%; já, em 2010, as taxas do homem e da mulher eram, respectivamente, de 4,6% e de 5,4%. Dado bastante relevante à medida que a mulher ainda recebe menos que o homem, no Brasil, isto é, cerca de 80% do salário masculino, conforme dados do PNAD, o que reflete discriminação entre gêneros que deve também ser refletida e pensada como política de intercalação de direitos fundamentais do cidadão. 

Quando se passa a observar a relação da taxa de analfabetismo entre zona urbana e rural, como posto na tabela 4, a diferença é muito grande. Apesar de ter sido reduzida na série histórica em questão, ainda é bem alta, o que se retrata em todas as regiões do país. Em 1996, a taxa de analfabetismo na zona urbana era de 10,7%, já a da zona rural era de 31,2; em 2001, as taxas foram, respectivamente, de 9,5% e 28,7%; já, em 2010, foi de 7,3% e de 23,2%. Ou seja, reflete o processo histórico de industrialização e urbanização do país, a partir de 1960, que deu ensejo a migração da população para as cidades, deixando a zona rural em segundo plano, já que não tinha mais importância econômica (STEINBERGER; BRUNA, 2001). 

Porém, a polaridade campo e cidade, visto maior importância econômica de uma ou outra está em desuso, em especial, após a Revolução Verde. Passa a ser a denominação muito mais relacionada a localização espacial do que importância econômica. Até porque as atividades econômicas são cada uma parte de um conjunto que não coexiste sem qualquer delas.  Ademais, é descabida essa diferenciação ainda existente entre o acesso à educação nas zonas rurais e urbanas, pois este direito é quem capacita o indivíduo para melhor qualidade de vida e também para melhor ser social, à medida que pode contribuir para o desenvolvimento do país. Seja qual for a atividade o acesso à informação, através da educação, traz melhoria na produção e prestação de serviço. Logo, a questão histórica, assim como no caso da desigualdade do Nordeste, não pode justificar a desigualdade zona rural-urbana e deve ser repensada.

Tabela 4 – Taxa de analfabetismo em pessoas com 15 anos ou mais por região e áreas urbanas e rurais.

Fonte: IBGE, Pnads de 1996, 2001 e 2010. Em porcentagem. * Sem dado. 

Do exposto, o que se observou foi que as diretrizes para educação, trazidas pela Constituição de 1988, não foram suficientes para romper com o processo histórico enviesado do Brasil, à medida que ainda que a taxa de analfabetismo tenha reduzido, demonstrando avanços no acesso à educação, ainda persiste desigualdade regional, de gênero e entre zonas rurais e urbanas. Os ditames constitucionais não possibilitaram a concretização do direito à educação de forma satisfatória, de modo que ainda há distancia significativa entre o “dever ser” e o “ser”. Ou seja, enquanto existirem as diferenças constatadas se estará longe de erradicar o analfabetismo e universalizar educação de qualidade, o que deve ser revisto pelas políticas públicas do país nos próximos anos.

CONCLUSÃO

Partindo do pressuposto de que a educação é direito humano fundamental à promoção da cidadania às pessoas, visto ser instrumento de liberdade para demais direitos, a Constituição Federal de 1988 cumpriu seu papel institucional de trazer diretrizes a garantir sua efetivação. Tanto universalizou, como traçou projeto, que passou, inclusive, em pensar seu financiamento, bem como criar meios de punição em caso de omissão do Estado em agir conforme a Carta Magna, promovendo a educação a todos e de qualidade, como preceitua. 

Ao analisarmos os dados estatísticos de 1970 a 2010, verifica-se que a redução ocorreu, porém na última década houve desaceleração dessa redução, indicando taxa alta e longe do ideal, inclusive, frente a compromissos assumidos com a ONU. Mas é importante ressaltar que ao menos na questão de gênero, de forma geral, houve significativa melhora entre as taxas da mulher e do homem, apesar da taxa feminina ainda ser maior que a masculina, nas regiões Sul e Sudeste.

Porém, ao considerarmos as taxas de analfabetismo regionais, observa-se grande desigualdade, em especial, em relação à região Nordeste quanto às regiões Sul e Sudeste. Do mesmo modo se levarmos em consideração a relação entre as taxas da área rural e urbana, cuja desigualdade é ainda mais aparente. Sem contar que ainda persiste a desigualdade de gênero, em especial, nas regiões Sul e Sudeste, como dito. Ou seja, a educação está longe de ser erradicada e mais ainda universalizada. 

Considerando que um direito só é concretizado com melhoria de vida das pessoas, não bastando estar posta na lei, da análise feita, verifica-se que o Brasil ainda precisa avançar bastante na concretização do direito à educação. Há grandes disparidades entre o posto na lei e o que se observa na prática, em especial, quanto à universalização do acesso e erradicação do analfabetismo. O problema consiste justamente no declínio lento do analfabetismo e desigualdades regionais e entre área urbana e rural, retratando a dificuldade em reparar os problemas históricos de desigualdade tanto no Nordeste do país, retomando a integração do desenvolvimento do país, como a questão da polarização urbana-rural, já em desuso na maioria dos países europeus. 

A questão da aceleração na redução da taxa de analfabetismo pode perpassar pela valorização da educação, enquanto bem para melhoria das condições de vida das pessoas, de modo que todos entendam ser realmente necessário manter seu filho na escola, mesmo após os primeiros anos, mas também por proporcionar condições de vida digna às famílias, de modo que seja possível manter a educação dos filhos, e, ainda, buscar a sua própria educação. A mescla de políticas públicas de investimento em educador e educando, de forma mais personalizada à suas necessidades, enquanto ser social e individual, é fundamental para superarmos a erradicação do analfabetismo, meta bem tímida no que tange a complexidade trazida pelo termo educação, já que é apenas ponto de partida para demais caminhos deste direito.  

Por conta disso, observa-se a necessidade de políticas públicas específicas, que permitam o país tornar a alfabetização realidade, de fato, para todos, de modo que se possa avançar nos demais degraus da educação, em especial, na formação de pensamento para desenvolvimento do país. É preciso a erradicação do analfabetismo em todas as regiões e zonas do país, com planejamento e aplicação fática de métodos que tornem a educação isonômica, mas não somente em termos quantitativos, mas, principalmente, de forma qualitativa. A educação enquanto direito humano só é concretizada quando a mudança pessoal do indivíduo, que permita entender a complexidade social em que está envolvida, contribuindo para o desenvolvimento do país.  

Assim, espera-se que, a partir dessa análise, desperte à sociedade e entidades públicas a reflexão para políticas públicas, de forma mais personalizada, que possibilite a concretização do direito à educação a todos, em curto/médio prazo. A intenção é que sirva, esta breve reflexão, como subsídio para ampliar a reflexão sobre o avanço na erradicação do analfabetismo e acesso amplo e universal à educação, como posto na Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS

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1Mestre em Economia Regional e Políticas Públicas – UESC
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
e-mail: helenammartins@yahoo.com.br

2Licenciado em Ciências Sociais (UESC), Mestre em Educação (PPGE-UESC), Pós Graduado em Planejamento de Cidades(UESC), Gestão Municipal(UAB) e História do Brasil(UESC). Membro do Grupo de Pesquisa em Política e História da Educação-GRUPPHED/UESC. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7047-8443,
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
e-mail: jjsantos@uesc.br

3Professora do DCAC/UESC
Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
e-mail: napcoelho@uesc.br