A CERTEZA DO NADA: O CETICISMO RADICAL NA FILOSOFIA DE EMIL CIORAN

THE CERTAINTY OF NOTHINGNESS: RADICAL SKEPTICISM IN THE PHILOSOPHY OF EMIL CIORAN 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12753066


Jose Gilardo Carvalho1


 Resumo

Este artigo explora o ceticismo radical na obra de Emil Cioran, analisando seus argumentos que negam a realidade existencial e afirmam a vida apenas como uma impressão dos sentidos humanos. Influenciado por filósofos céticos e pessimistas, Cioran desenvolve uma visão que questiona a possibilidade de se afirmar qualquer certeza sobre a existência. A mortalidade e o sofrimento, inevitáveis na condição humana, são centrais para Cioran ao desmontar os fundamentos de qualquer afirmativa absoluta sobre a realidade. Além disso, a análise considera as contribuições de filósofos que exploram a condição humana frente ao vazio existencial. O estudo conclui que, embora o ceticismo de Cioran não possa estabelecer a inexistência absoluta de tudo, seus argumentos desafiam as bases do conhecimento racional e as ilusões da existência.

Palavras-chave: Ceticismo radical. Emil Cioran. Existencialismo. Realidade existencial.

Summary

This article explores the radical skepticism in Emil Cioran’s work, analyzing his arguments that deny existential reality and affirm life only as an impression of the human senses. Influenced by skeptical and pessimistic philosophers, Cioran develops a view that questions the possibility of asserting any certainty about existence. Mortality and suffering, inevitable in the human condition, are central to Cioran in dismantling the foundations of any absolute statement about reality. In addition, the analysis considers the contributions of philosophers who explore the human condition in the face of existential emptiness. The study concludes that while Cioran’s skepticism cannot establish the absolute nonexistence of everything, his arguments challenge the foundations of rational knowledge and the illusions of existence.

Keywords: Radical skepticism. Emil Cioran. Existentialism. Existential reality

Introdução

Este trabalho parte de uma reflexão sobre o ceticismo na obra de Emil Cioran, considerando este o tema central e mais controversos em seu pensamento filosófico. Cioran é conhecido por sua perspectiva radicalmente crítica e existencialista que estabelece uma visão que desafia as noções convencionais de realidade e certeza. Em sua filosofia, que se vê permeada por influências de filósofos céticos como Schopenhauer e Pirro, entre outros, questionando centre de maneira incisiva a possibilidade de se afirmar qualquer certeza sobre a existência. Assim, o presente artigo se propõe a explorar de forma assertiva os argumentos de Cioran que negam a realidade existencial, restringindo-a apenas à uma impressão fugaz dos sentidos humanos. Neste enfoque partimos da premissa de que nenhum ser vivo, seja pensante ou não, pode garantir com certeza sua própria existência. A mortalidade humana, inevitável e inescapável, assim como o sofrimento físico e psíquico, são os elementos centrais que Cioran utiliza para desmontar os fundamentos de qualquer afirmativa absoluta sobre a realidade. As contribuições de outros filósofos que também se estabelecem em uma linha de pensamento cética são utilizadas fundamentar as contribuições de Cioran sobre as nuances da condição humana frente à sua própria finitude e ao vazio existencial. Nesse contexto, o presente artigo se estabelece como uma revisão bibliográfica que tem nas obras de Cioran seu material de pesquisa principal, sendo complementado por outros autores. Evidentemente que este estudo não pretende estabelecer uma certeza definitiva sobre a validade absoluta do ceticismo cioraniano. Pelo contrário, busca-se aqui discutir que suas teses não devem ser simplesmente ignoradas no campo do saber e do conhecimento filosófico. Mesmo que o ceticismo não possa afirmar com certeza a inexistência absoluta de tudo, seus argumentos desafiam as bases sobre as quais construímos nossa compreensão racional do mundo, o que é particularmente relevante na busca por uma explicação plausível para o real racional, na tradição filosófica que remonta a Hegel. Assim como Sartre argumentou que tudo é possibilidade, e a própria ideia de ser real e racional contém sua negação intrínseca, as reflexões de Cioran realizam uma análise sobre a natureza da verdade e da realidade. Da mesma forma, a incerteza angustiante do ser racional se aproxima de uma verdade fugidia, que se revela cada vez mais elusiva quanto mais tentamos apreendê-la. Portanto, este artigo visa explorar o ceticismo radical de Cioran, e situá-lo como um ponto crucial no universo do pensamento filosófico contemporâneo, desafiando a repensar certezas e convicções sobre a realidade e o conhecimento humano. As particularidades do ceticismo cioraniano As particularidades do “ceticismo cioraniano” estão presentes desde sua juventude. Pode-se destacar como o tema foi introduzido na sua obra pela via da análise histórica, começando por seus primeiros escritos. Por meio da “crise” que a assim chamada cultura ocidental vivia entre os séculos XIX e XX, cujo arauto na história foi Oswald Spengler e seu Der Untergang des Abendlandes (1922), a ideia de ceticismo em Cioran se desenvolveu primeiro como sinônimo de relativismo, de enfraquecimento dos valores tradicionais e da própria vitalidade do homem moderno. Este ponto de vista, bastante difundido na Europa à época, por um lado relacionado ao pensamento conservador-religioso e por outro ao romantismo e mais ainda às filosofias da vida, efetivamente compôs a visão filosófica de Cioran como expressão de seu pertencimento ao “século do irracionalismo, intuição, voluntarismo e existencialismo” (PRATES, 2022, p.168). Dessa forma, Cioran, ao desenvolver sua perspectiva cética, se inspira em uma tradição filosófica que remonta a Pirro de Élis, um dos primeiros filósofos a sistematizar o ceticismo. Pirro indicava que a busca pela verdade leva inevitavelmente à suspensão do juízo (epoché), pois qualquer afirmação pode ser contraposta por outra igualmente válida. Em Cioran, encontramos uma ampliação dessa ideia, onde s as verdades epistemológicas são suspensas, mas mais do que isso, a própria validade da existência é posta em questão. “O ceticismo é o assombro da genialidade diante do vazio das interrogações e, certamente, também diante do vazio da realidade” (CIORAN, 2017, p. 68). Para Cioran, a realidade não passa de uma construção frágil dos sentidos mortais, uma ilusão que se desintegra diante da dúvida radical. Em sentido semelhante, Schopenhauer (2005), descreve a vida como uma contínua luta contra o sofrimento e a vontade como uma força cega e irracional. Cioran aprofunda essa visão pessimista ao considerar o ceticismo como uma espécie de doença que corrói a vitalidade humana. Ele vê no ceticismo não apenas uma postura intelectual, mas uma condição existencial que enfraquece os instintos e a vontade de viver. “As deficiências atuais do povo romeno não são o produto de sua história; é sua história que é o produto de deficiências psicológicas estruturais” (CIORAN, 2012, p. 142). O relativismo histórico e o ceticismo moral são para Cioran manifestações de uma fraqueza psicossomática do homem moderno, incapaz de sustentar qualquer forma de heroísmo ou afirmação vital. Outro que fomenta essa concepção é Heráclito, com a filosofia do fluxo e da impermanência. Para Heráclito, a realidade está em constante mudança, e qualquer tentativa de fixar a verdade é ilusória. Cioran adota essa perspectiva quando enfatiza a incerteza e a transitoriedade da existência. Ele esclarece que a vida é uma série de aparências enganosas, e que a busca por certezas é uma tarefa fadada ao fracasso. Um ponto de vista exacerbado pelo ceticismo radical de Cioran, que vê na mudança constante não apenas uma característica da realidade, mas uma prova da sua inexistência substancial. Também Nietzsche (2019), embora não se identifique diretamente como um cético, também exerce uma influência sobre Cioran. Nietzsche critica a metafísica e a moralidade tradicionais, propondo a transvaloração de todos os valores. Cioran, no entanto, vai além ao rejeitar não apenas os valores estabelecidos, mas a própria possibilidade de valores objetivos. Para ele, todas as certezas e verdades são construções temporárias, destinadas a serem destruídas pelo fluxo incessante da dúvida.

Repreendo esta nação por não ter ido além de um ceticismo   vulgar, por ter aceitado tudo com imbecil resignação, com uma inconsciente passividade, por não ter tido a coragem absurda de uma heroica afirmação, por não ter tido, em definitivo, recurso algum de heroísmo (CIORAN, 2012, p. 184). 

Cioran considera o ceticismo além de uma postura filosófica, algo como uma manifestação histórica e cultural. Ele vê o ceticismo como um fenômeno que emerge em tempos de decadência, quando os valores tradicionais perdem sua força e a vitalidade humana é corroída. “O ceticismo é extremamente interessante como uma pausa cultural, como uma recreação do espírito após épocas construtivas” (CIORAN, 2009, p. 149). Essa visão é exemplificada na história da cultura ocidental, onde períodos de grande criatividade são seguidos por fases de ceticismo e dúvida. Outra influência em seu pensamento é a de Pirro, particularmente na maneira como Cioran concebe o ceticismo como uma forma de vida. Para Pirro, o ceticismo não é apenas uma teoria, mas um modo de existir que envolve a suspensão do juízo e a busca pela ataraxia (tranquilidade). Cioran, por sua vez, radicaliza essa postura ao ver o ceticismo como uma forma de abulia, uma incapacidade de agir que resulta da consciência da futilidade de todas as ações.

A dúvida não atravessa o Rubicão, ela nunca atravessa nada; seu resultado lógico é a inação absoluta — extremidade concebível no pensamento, inacessível de fato. De todos os céticos, apenas Pirro se aproximou disso verdadeiramente; os outros tentaram com mais ou menos felicidade (CIORAN, 1995, p. 1101). 

Nesse sentido, quando relacionamos Cioran com Schopenhauer, vemos que ambos compartilham uma visão pessimista da existência. Schopenhauer descreve a vida como uma série de sofrimentos, interrompidos apenas por momentos efêmeros de prazer. Cioran adota e amplia essa perspectiva, discutindo que a vida é uma ilusão dolorosa e que a busca por sentido é uma tentativa desesperada de escapar do vazio existencial. Aqui fica evidente: Nós não adotamos uma crença porque ela é verdadeira (todas elas são), mas porque precisamos dela e porque há uma força obscura que nos empurra a ela. Se esta força nos falta — O ceticismo está aí. O ceticismo radical, ‘doloroso’, por assim dizer, dificilmente é concebível sem um refluxo da vitalidade que é responsável pelas nossas dúvidas. Ou ainda: não há ceticismo sem uma vitalidade refluxante (CIORAN, 2012, p. 112-113).

De outro modo, Heráclito, com ênfase na impermanência e na constante mudança, também influencia a visão de Cioran. Para Heráclito, tudo está em fluxo, e qualquer tentativa de apreender a verdade é fadada ao fracasso, uma forma de enxergar que Cioran incorpora a sua filosofia para destacar que a realidade é uma série de aparências enganosas, e que a busca por certezas é uma ilusão, fator central para o ceticismo de Cioran, que vê na dúvida e na incerteza a essência da existência humana. Nietzsche, embora não seja um cético no sentido estrito, também contribui para o pensamento de Cioran ao desafiar as bases da metafísica e da moralidade tradicionais, quando ele propõe a transvaloração de todos os valores, um projeto que Cioran leva ao extremo ao negar a possibilidade de qualquer valor objetivo, Cioran estabelece que todas as certezas e verdades são construções temporárias, destinadas a serem destruídas pelo fluxo incessante da dúvida. Assim esclarece: 

O trabalho contínuo e ininterrupto idiotiza, trivializa e impersonaliza. Ele desloca o centro de preocupação e de interesse da zona subjetiva para uma zona objetiva das coisas, para um plano insípido de objetividade. […] É sintomático que no mundo moderno o trabalho indique uma atividade exclusivamente exterior. Por isso, através dele o homem realiza em vez de se realizar (CIORAN, 2012, p. 123). 

Cioran vê o ceticismo não apenas como uma posição teórica, mas como uma forma de vida que envolve a suspensão do juízo e a aceitação da incerteza. Esta perspectiva radicalmente cética questiona a possibilidade de qualquer certeza ou valor objetivo, colocando em vez disso uma visão da existência como fundamentalmente ilusória e transitória. Para Cioran, a vida é uma série de aparências enganosas, e a busca por certezas é uma tarefa fadada ao fracasso. A realidade existencial e a certeza do nada em Cioran Conforme destacado, a filosofia de Cioran é marcada por um ceticismo radical que questiona a própria realidade existencial, afirmando-a apenas como uma impressão dos sentidos mortais. Para Cioran, a vida e a existência são ilusões enganosas, e a verdadeira natureza do ser é o nada absoluto. Este ceticismo não é meramente teórico, mas visceral, manifestando-se como uma resposta intensa e desesperada à experiência da existência. Cioran mesmo descreve seu ceticismo como “violento”, uma forma de pensamento que mistura febre e raciocínio, com prevalência da primeira. Nessa combinação peculiar se destaca a natureza intensa e quase desesperada de seu ceticismo, que vai além de uma postura filosófica, é mais como uma reação à experiência da existência. “Refleti ontem à noite que se alguma vez tive algum mérito, foi o de dar expressão a uma forma incomum de ceticismo: o ceticismo violento” (CIORAN, 1997, p. 384). Para Cioran, a dúvida radical não é um meio para um fim, mas um estado existencial permanente. Esta dúvida leva à negação da realidade como algo sólido ou tangível, indicando que a realidade é uma construção frágil dos sentidos, uma ilusão que se desintegra diante da dúvida cética. Ele vê a vida como uma série de aparências enganosas, e a busca por certezas como uma ilusão. A mortalidade e o sofrimento físico e psíquico são, para Cioran, aspectos inescapáveis da condição humana. A morte, como o fim inevitável de todas as coisas vivas, representa a certeza última do nada. Este reconhecimento da mortalidade leva Cioran a questionar a validade de qualquer esforço para encontrar sentido ou propósito na vida. “O ceticismo é o assombro da genialidade diante do vazio das interrogações e, certamente, também diante do vazio da realidade” (CIORAN, 2017, p. 68). Cioran esclarece que os seres humanos inventam uma infinidade de argumentos carentes de sentido para evitar enfrentar o não ser eterno. Esta invenção de significados e valores é uma forma de autoengano que impede de encarar a realidade do nada. Ele vê a vida como uma série de ilusões confortáveis que mascaram a verdade do vazio existencial. A crença no progresso, para Cioran, é vista como mais uma ilusão que nos distrai da verdade do nada. Ele vê o progresso como uma busca fútil diante da inevitabilidade do sofrimento e da morte. Para Cioran, a “certeza do nada” é um reconhecimento de que a única certeza na vida é o vazio e a ausência de sentido. Esta certeza é vista como algo palpável, no sentido de que nenhum ser vivo, pensante ou não, pode garantir sua real existência. A mortalidade e o sofrimento são provas constantes da fragilidade e da impermanência da vida. A dúvida metódica ‘não impede nossos filósofos de ter a digestão fácil e o sono leve’, além disso, ‘podemos duvidar de qualquer coisa, podemos lançar um sorriso depreciativo para o mundo, mas isso não nos impede de comer, de ter um sono tranquilo ou de nos casar. No desespero, de cuja profundidade não podemos nos convencer a não ser vivenciando-o, tais gestos só são possíveis por meio de esforço e sofrimento (CIORAN, 2012, p. 52). 

O ceticismo de Cioran também serve como uma crítica à noção de progresso e à busca por melhorias e avanços. Para ele, essas buscas são fúteis diante da inevitabilidade do sofrimento e da morte. A crença no progresso é vista como mais uma ilusão que nos distrai da verdade do nada. Outra importante questão em Cioran é a negatividade, que segundo ele, é contraposta à idealidade racional, que ele descreve como o “paraíso do saber”, enquanto a negatividade representa o “lado sombrio do inferno”, o “não saber”. Esta negatividade, ao contrário da idealidade racional, é vista como a verdadeira afirmação, pois só através do negativo é possível ao sujeito uma percepção autêntica. “Tudo o que é realmente intenso participa do paraíso e do inferno, com a diferença de que o primeiro só podemos entrevê-lo, enquanto o segundo temos a sorte de percebê-lo e, mais ainda, de senti-lo” (CIORAN, 2000, p. 124). Nesta visão, o negativo é do plano do sensível, o que confere à negatividade uma inversão afirmativa. O negativo é o oposto da razão, o outro lado do conhecimento e do saber — a ausência de luz. Quando a claridade é isolada, subtraem-se os sentidos e desestabiliza-se a percepção racional. O racional é o positivo por excelência, dependente da claridade, enquanto o interior é capaz de perceber na ausência de luz, iluminando seus espectros. Esta perspectiva destaca a ideia de que a verdadeira percepção só é possível na ausência da luz, na escuridão do negativo. Além disso, Cioran também relaciona a negatividade à imagem da “doença”. Para ele, a doença autêntica transcende a ética, a ideologia e os discursos, situando-se na profundidade do ser. A doença, assim como o amor, habita a interioridade do sujeito, estando fora da linguagem e da exterioridade. A doença e a dor, como homólogos, são líricas na medida em que representam a presença no ritmo da vida, a autêntica experiência do ser. “A doença se põe, nesse sentido, na mesma dimensão em que se põe o amor: habitam ambos a profundidade do ser, são da ordem da (in)fância, dos primevos da humanidade e do humano” (CIORAN, 2000, p. 124). Nesta perspectiva, a doença e a dor são formas de negatividade que permitem ao sujeito uma percepção mais profunda da existência. Elas representam a experiência direta e visceral da vida, que a linguagem não pode captar plenamente. O modelo agônico sugerido por Cioran destaca a dor como uma presença no ritmo da vida, uma experiência que transcende a racionalidade e a linguagem. A dor é vista como uma expressão lírica da negatividade, uma manifestação autêntica da existência que desafia as construções racionais e discursivas. Nesse sentido, a negatividade, para Cioran, tem a morte como referência primeira e a melancolia como a consciência da impossibilidade de expressão dessa percepção primeira. A linguagem, nesse contexto, é insuficiente para captar a profundidade da experiência negativa, pois não coabita o sujeito, sendo apenas um dejeto, o que resta da voz. A linguagem é vista como o assassino da experiência, uma transformação que impede a expressão plena da subjetividade. A literatura, como oficina da linguagem, inscreve-se nessa íntima relação com o negativo e com a morte. Ela duplica em si a morte, pois ao recriar a linguagem, imanta o seu caráter de finitude, a insuficiência do “dizer”. Dessa maneira, o literário traz já em si o desencanto da razão e o oposto positivo: a (des)ilusão do sentido. Para Cioran, a negatividade é uma força que permite a percepção autêntica, desvelando as ilusões construídas pela razão e pela linguagem. O negativo, ao contrário da luz racional, ilumina os aspectos mais profundos e sombrios da existência, permitindo ao sujeito uma visão mais completa da realidade. A morte e a melancolia, como expressões da negatividade, são fundamentais para essa percepção, pois revelam a fragilidade e a transitoriedade da vida. 

Considerações Finais

A investigação sobre o ceticismo radical na obra de Emil Cioran revela uma perspectiva filosófica que desafia as bases sobre as quais construímos nossa compreensão da realidade e da existência. Cioran, influenciado por uma tradição de pensadores céticos e pessimistas, desenvolveu uma visão que nega a solidez da realidade existencial, afirmando-a apenas como uma impressão fugaz dos sentidos humanos. Este ceticismo não é meramente teórico, mas visceral, manifestando-se como uma resposta intensa e desesperada à experiência da vida. Cioran propõe que a vida e a existência são ilusões enganosas, construídas para evitar enfrentar a verdade do nada absoluto. Ele esclarece que a única certeza é o vazio e a ausência de sentido, uma perspectiva que se alinha com a mortalidade inevitável e o sofrimento constante que caracterizam a condição humana. Para Cioran, a crença no progresso e em valores absolutos são apenas distrações que nos afastam da verdade fundamental do vazio existencial. Esta visão radical do ceticismo desafia a validade de qualquer certeza sobre a existência, e questiona a própria possibilidade de se encontrar sentido ou propósito na vida. A reflexão cioraniana estabelece que todos os esforços humanos para construir significados são, em última análise, fúteis diante da inevitabilidade da morte e do sofrimento. A contribuição de Cioran para a filosofia contemporânea é inegável, especialmente no que diz respeito à crítica das ilusões confortáveis que sustentam nossa visão de mundo. Sua obra propõe abandonar as certezas absolutas e a aceitar a fragilidade e a impermanência da vida. Mesmo que suas conclusões possam parecer desoladoras, elas oferecem uma forma de libertação ao nos afastar das ilusões e nos aproximar da verdade do nada. Em última análise, o ceticismo de Cioran não busca estabelecer uma nova verdade ou sistema filosófico, mas sim questionar a validade de todos os sistemas. Suas reflexões constroem uma análise sobre a natureza da verdade e da realidade, incentivando a repensar as certezas e convicções. 

Referências

CIORAN, Emil. Do Inconveniente de ter nascido. Tradução de Manuel de Freitas. Lisboa: Letra Livre, 2009.

CIORAN, Emil. Breviário de Decomposição. Trad. José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, v. 2, p. 11-100, 1995.

CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. Tradução de Fernando Klabin. São Paulo: Editora Hedra, 2012.

CIORAN, Emil M. Exercícios de admiração: ensaios e perfis. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. CIORAN, Emil. Lágrimas e Santos. Tradução de Christian Santacroce. Madrid: Hermida Editores, 2017.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Edipro, 2019. PRATES, Rui. Cioran e o Ceticismo. Cuadernos de Pesimismo, v. 1, n. 1, p. 164-183, 2022.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Unesp, 2005


1Jose Gilardo Carvalho: Professor de Filosofia na Educação Básica  do Estado do Ceará e na Secretaria Municipal de Fortaleza onde leciona História. Licenciatura Plena e Mestrado em Filosofia, possui ainda seis pós graduações Lato Sensu nas áreas da Educação e da Filosofia. Possui 3 livros publicados com comissão editorial dois na área de Educação e um na área de Filosofia, além de capítulos em livros e 3 artigos científicos em revistas de circulação nacional e com qualis 1B