A CAPRINOVINOCULTURA NO NORDESTE: OPORTUNIDADES, POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8271232


Brunna Ribeiro da Silva Guabiraba1
Hellen Santiago Pereira2
Riany Dias Pinheiro Cordeiro3
Acácio Figueiredo Neto4


RESUMO

A criação de caprinos e ovinos constitui-se numa das atividades econômicas e de subsistência mais comuns do sertão nordestino. A região abriga a maior porcentagem de cabeças dos dois rebanhos. O principal produto comercializado é a carne, entretanto, podem ser comercializados também o leite e a pele. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi identificar as principais oportunidades no segmento de comercialização da carne caprina e ovina na região do semiárido brasileiro, analisar as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento desse setor e como essa atividade pode contribuir para o desenvolvimento sustentável da região. Para isso, realizou-se uma revisão de literatura, a pesquisa foi feita no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na biblioteca da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), onde foi possível destacar as principais oportunidades no segmento da caprinovinocultura, bem como analisar as políticas criadas pelo poder público visando impulsionar o desenvolvimento dessa atividade, e analisar a importância dessa atividade para o desenvolvimento sustentável da região semiárida nordestina.

Palavras-chave: caprinos; ovinos; comercialização; semiárido; sustentabilidade. 

ABSTRACT

The raising of goats and sheep is one of the most common economic and subsistence activities in the northeastern hinterland. The region is home to the highest percentage of heads of both herds. The main product sold is meat, however, milk and skin can also be sold. Therefore, the objective of this work was to identify the main opportunities in the commercialization of goat and sheep meat in the Brazilian semi-arid region, to analyze public policies aimed at the development of this sector and how this activity can contribute to the sustainable development of the region. For this, a literature review was carried out, the research was carried out in the journal portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES) and in the library of the Brazilian Agricultural Research Corporation (EMBRAPA), where it was possible to highlight the main opportunities in the goat and sheep farming segment, as well as analyzing the policies created by the government to boost the development of this activity, and analyze the importance of this activity for the sustainable development of the northeastern semi-arid region.

Keywords: goats; sheep; commercialization; semiarid; sustainability.

1. INTRODUÇÃO

A criação de rebanhos de caprinos e ovinos configura-se de grande relevância do ponto de vista econômico, pois é fonte de renda para os pequenos produtores da agricultura familiar, tornando-se importante também no contexto sociocultural por se apresentar como atividade fomentadora de permanência do produtor rural no semiárido brasileiro (BATISTA; SOUSA, 2015).

A caprinovinocultura expõe desafios e oportunidades para aqueles que desejam investir economicamente nessa atividade. Entre os desafios tem-se como exemplo o déficit de produção nos meses de estiagem, a ausência de organização pelos produtores, o abate informal, a falta de certificados de origem, entre outros. Já, no que tange às oportunidades, tem-se o baixo custo de alimentação (pois os animais alimentam-se quase que exclusivamente da vegetação da caatinga), a adaptação dos rebanhos ao clima semiárido e o bom valor nutritivo da carne.

A caprinovinocultura pode se despontar como atividade promotora do desenvolvimento social e econômico da região, pois auxilia os pecuaristas na esperança de melhorias de vida. Contudo, é necessário investir em políticas públicas que beneficiem o pequeno produtor, pois essa atividade é praticada, em grande parte, por essa parcela da população. Além disso, atualmente ela é praticada de forma extensiva, sem preocupação com a conservação dos recursos naturais, logo, é necessária a adoção de práticas de manejo adequadas com a integração de homem, animal e meio  ambiente. Promovendo assim, ao mesmo tempo, desenvolvimento econômico, social e a preservação ambiental.

Diante da já mencionada relevância da caprinocultura, objetivou-se, através de uma revisão de literatura, identificar as principais oportunidades no segmento de comercialização da carne caprina e ovina no semiárido brasileiro, as políticas públicas destinadas a este segmento é de que forma essa atividade pode contribuir para o desenvolvimento sustentável da região. A pesquisa bibliográfica foi realizada no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na biblioteca da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Para isso, na seção 2 são discutidos aspectos relacionados à caprinovinocultura por meio da fundamentação teórica, na seção 3 apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados, na seção 4 é realizada a discussão dos dados bibliográficos coletados, e na seção 5 relatam-se as considerações finais.   

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O referencial teórico deste trabalho será constituído por autores que discutem questões envolvendo a caprinovinocultura, tais como: seu potencial comercial, as políticas públicas voltadas para esse segmento e a sua relevância para o desenvolvimento sustentável no semiárido nordestino. Diante disso, para dar sustentação teórica a esse trabalho, é necessário compartilhar a visão de diferentes autores sobre tais temáticas.

A caprinovinocultura é uma atividade econômica e de subsistência voltada para a criação e comercialização de caprinos e ovinos. De acordo com Sidersky (2017), essa atividade é antiga, pois foi introduzida no país com os colonizadores portugueses. Ainda, segundo o autor, esses animais adquiriram enorme capacidade de adaptação aos fatores naturais da região. Lucena et. al. (2018, p. 05) comentam que “a rusticidade dos caprinos e dos ovinos frente às adversidades climáticas é secular, pelo processo de adaptação, seleção natural e também por influência do homem”.

Riet-Correa et. al. (2013, p. 346) explanam que devido a sua capacidade de adaptação à seca, a criação de caprinos e ovinos torna-se uma das principais atividades do agronegócio no semiárido, e “tem se constituído num dos principais fatores para a garantia da segurança alimentar das famílias rurais e geração de emprego e renda”.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Riet-Correa et. al. (2013), Batista e Souza (2015) inferem que a caprinovinocultura na região nordeste configura-se como uma atividade de extrema relevância, seja na questão econômica, pois gera renda para a população, seja no quesito sociocultural, pois contribui para a estabilização do homem no campo.

Em relação ao seu potencial comercial, Lucena et. al. (2018) entendem que a caprinocultura e a ovinocultura possuem enorme capacidade para o aumento da produção de carne, leite e seus derivados. Nesse sentido, Monteiro, Brisola e Vieira Filho (2021, p. 12 apud EMBRAPA, 2016) enfatizam que:

a criação desses ruminantes domésticos de médio porte no Brasil tem um elevado potencial, pois, […] as condições ambientais na maioria das vezes propícias, aliadas à disponibilidade de terras, principalmente aquelas localizadas nas fronteiras em expansão – no semiárido, principalmente – podem favorecer custos produtivos mais baixos, tornando o mercado de animais e produtos derivados mais propício e favorável.

Quanto ao aproveitamento dos produtos da caprinovinocultura, Sidersky (2017, p. 26) aponta que dos ovinos “pode-se aproveitar a carne, o couro a lã e o leite”, […] em relação aos caprinos, também são aproveitados o leite, a carne, o couro “e os derivados da carne e do leite (linguiças, carnes salgadas e secas, queijos, iogurte, etc.)”. Nesse sentido, Monteiro, Brisola e Vieira Filho (2021, p. 07 apud CODEVASF, 2011) informam que o Brasil possui inúmeras raças com capacidades produtivas, que são destinadas à “produção de carne, leite, lã e pele de qualidade”.

No que se refere aos pontos fortes na produção da caprinovinocultura, Felisberto destaca “a demanda crescente por produtos de ovinos e caprinos, além da valorização de produtos regionais”. Seguindo esse mesmo ponto de vista, Silva et. al. (2020, p. 25) apontam que:

[…] atualmente cresce a demanda por produtos derivados das espécies, caprina e ovina, sejam produtos cárneos ou lácteos, e por essa razão existem pontos de maior desenvolvimento e especialização, a exemplo de produção e engorda de cordeiros ou produção de leite e derivados em determinadas regiões do Nordeste do Brasil.

Ademais, Sidersky (2017) aponta que a qualidade nutricional da carne caprina e ovina também se configura como um fator positivo neste segmento, pois segundo ele, a carne desses animais tem boa textura e alto valor nutritivo, além disso, a carne caprina apresenta baixo teor de colesterol, fato que agrada aos consumidores que buscam uma alimentação mais saudável.  

Outro fator que pode ser apontado como favorável ao desenvolvimento da caprinovinocultura é o tipo de alimentação utilizado. Antônio (2016) aponta que 70% da alimentação dos animais vêm da vegetação da caatinga, que possui valor nutricional considerado alto, assim, em boa parte do ano, o criador não gasta dinheiro com ração animal. 

Atualmente existe uma grande preocupação em pesquisar e estudar métodos que favoreçam o desenvolvimento de modo sustentável para as diversas atividades existentes. O desenvolvimento sustentável é o que “satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer as possibilidades das futuras gerações em satisfazer as suas necessidades” (PEREIRA; PINHEIRO, 2013, p. 02). Pereira e Pinheiro (2013), em seus estudos apresentam alternativas sustentáveis para produção de ovinos de fácil aplicação e baixo custo para os produtores.

Ainda nas perspectivas de integração social, econômico e ambiental, para a atividade de caprinovinocultura, Araújo et. al. (2015) consideram expressivos os impactos causados a diversidade da flora, devido ao sistema de criação amplamente utilizado pelos pecuaristas do semiárido nordestino que é o modo extensivo, onde os animais são soltos na vegetação natural e que faz necessário ajustar práticas de manejo com a caatinga, entre elas:  o rebaixamento, o raleamento e o enriquecimento do vegetal.

No que tange às políticas públicas, entende-se que são ações ou programas desenvolvidos pelo poder público para beneficiar a população. Para Tude (2010, p. 11) políticas públicas:

compreendem  o  conjunto  das decisões e ações propostas geralmente por um  ente  estatal,  em  uma  determinada  área  (saúde,  educação,  transporte, reforma  agrária,  etc.), de maneira discricionária  ou  pela  combinação  de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil.

Magalhães, Costa e Mariano (2021, p. 8) inferem que a região Nordeste “é foco de programas que visam o desenvolvimento de produtores agropecuários em função do contingente de pessoas envolvidas nessas atividades e em situação de vulnerabilidade”. Entretanto, é necessário que esses programas alcancem a todos, principalmente o pequeno agricultor que sofre inúmeras perdas durante os períodos de estiagem.

3. METODOLOGIA

O presente trabalho adotou como estratégia metodológica uma revisão de literatura de natureza básica e de abordagem qualitativa. Para alcançar os objetivos propostos utilizou-se a pesquisa bibliográfica, que de acordo com Freitas e Prodanov (2013, p. 54) é feita a partir de materiais que já foram publicados e tem o “objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto da pesquisa”.

Foram analisados três pontos: oportunidades no segmento de comercialização dos produtos da caprinovinocultura; a criação de políticas públicas para o desenvolvimento dessa atividade na região Nordeste; e a contribuição desse segmento para o desenvolvimento sustentável da região Nordeste.

A pesquisa bibliográfica foi realizada nas seguintes bases de dados: portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na biblioteca da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), utilizando as seguintes palavras-chave: Caprinovinocultura OU Carne caprina OU Comercialização OU Mercado Ovino OU Políticas Públicas e Desenvolvimento sustentável no Semiárido, considerando o período limite da pesquisa  de 2013 a 2022.

No Capes a busca retornou 24.064 trabalhos, entretanto foram analisados apenas 50 (das cinco primeiras páginas). Além do período de 10 anos, utilizaram-se os filtros periódicos revisados por pares e idioma português. Na biblioteca da Embrapa 1.945 resultados foram obtidos com o filtro de idioma português e data limite, também foram analisadas apenas 50 (das cinco primeiras páginas). Foram selecionadas as publicações que mais se aproximaram da temática proposta – conforme o quadro 1 de Matriz de Referência logo abaixo (onde estão incluídos os principais trabalhos que contribuíram com o desenvolvimento deste artigo). Assim, primeiramente optou-se pelas publicações que tinham o título alinhado ao tema da pesquisa, em seguida analisou-se o resumo ou a introdução de cada um deles e excluíram-se aqueles que não apresentavam relação direta com o objeto de estudo.  

Quadro 1 – Matriz de Referência

TÍTULO DO TRABALHOAUTOR (S)ANO DE PUBLICAÇÃOTEMÁTICA
01Sobre a cadeia produtiva da caprinovinocultura no sertão do Piauí: um estudo centrado no Território da Chapada do Vale do Itaim (região de Paulistana). Sidersky.2017Cadeira produtiva da caprinovinocultura.
02Produtos de origem caprina e ovina: mercado e potencialidades na região do semiárido brasileiro.Lucena et. al.2018Produtos de origem caprina e ovina.
03Diagnóstico da cadeia produtiva de caprinos e ovinos no Brasil.Monteiro, Brisola e Vieira Filho.2021Limitações e avanços evidenciados nas cadeias produtivas da caprinovinocultura no Brasil.
04Produtos de origem caprina e ovina.Silva et. al.2020 Comercialização dos produtos ovinos e caprinos.
05Efeitos da criação de caprinos e ovinos no Semiárido.Araújo et. al.2015Criação de Caprinos e ovinos na região semiárida.
06Bases metodológicas para avaliação de impacto no escopo do Programa AgroNordeste.Magalhães, Costa e Mariano.2020Programa AgroNordeste.
07Comercialização de caprinos e ovinos no município de Pocinhos – região do Agreste Paraibano.Oliveira Neto.2016Comercialização de caprinos e ovinos.
08Tecnologias para o uso pastoril sustentável da caatingaCavalcante et. al.2013Uso sustentável da caatinga.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 OPORTUNIDADES NA COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DA CAPRINOVINOCULTURA

A região nordeste se destaca por possuir o maior número de cabeças de caprinos e ovinos, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017, o nordeste possuía 7.667.319 cabeças de caprinos e 9.037.800 cabeças de ovinos (IBGE, 2017). 

Entretanto, em 2017 a região sul (segunda maior produtora de ovinos e terceira de caprinos) obteve maior valor de produção – ficando com mais de R$ 2,59 milhões de reais – enquanto o nordeste arrecadou aproximadamente R$ 977 mil reais (IBGE, 2017 apud MONTEIRO; BRISOLA; VIEIRA FILHO, 2021). De acordo com Monteiro, Brisola e Vieira Filho (2021, p. 14) o desempenho econômico da região sul perante a região nordeste:

[…] coincide com maiores avanços técnicos identificados naquela região, especialmente com a introdução de raças de caprinos e ovinos melhoradas geneticamente e com a inovação de técnicas de manejo específicas, que propiciaram o ganho em produtividade na criação, proporcionando em consequência um melhor desempenho das cadeias produtivas de carnes e couros, especialmente.   

Uma vez implantados estes tipos de inovação, a produção no Nordeste também poderia alcançar melhores números, pois a caprinovinocultura apresenta enorme potencial para expandir o mercado de carne, leite e pele, e assim aumentar o seu valor de produção nacional. Nesse sentido, Lucena et. al. (2018, p. 05) afirmam que:

A caprinocultura e a ovinocultura possuem um grande potencial para ampliação da produção de carne, leite e de seus derivados, além de incremento na participação do setor industrial no segmento de calçados e vestuários que valorizam produtos regionalizados, com matéria-prima oriundas das peles dos animais. Todos esses produtos podem ser disponibilizados de forma a suprir as demandas do mercado interno e, dependendo do grau de organização da produção, gerar excedentes exportáveis para mercados mais exigentes em padronização dos produtos disponíveis nas prateleiras dos supermercados. 

Desse modo, este segmento apresenta grandes oportunidades, e para aqueles que desejam investir na caprinovinocultura, alguns aspectos positivos, quanto à criação, podem ser levados em consideração. Dentre eles podem ser citados: a adaptação ao clima semiárido, a alimentação baseada na vegetação da caatinga (diminuindo os gastos com ração), e a qualidade nutricional da carne.

A criação de caprinos e ovinos foi introduzida no Brasil durante o período colonial e esses animais adquiriram forte adaptação ao clima semiárido (que predomina na região nordeste), muitos conseguem sobreviver a longos meses de estiagem com pouca alimentação. 

De maneira geral, caprinos e ovinos são animais que podem apresentar características como a rusticidade, a capacidade de enfrentar climas adversos, a boa adaptabilidade a diferentes ambientes, dentre outras, sem desfavorecer a viabilidade econômica da criação, embora isso não seja uma regra (GOMES et. al., 2014 apud MONTEIRO; BRISOLA; VIEIRA FILHO, 2021, p. 12).

Outro ponto importante, diz respeito à alimentação de caprinos e ovinos, pois cerca de 70% dela vem da vegetação da caatinga (ANTÔNIO, 2016). Esse fator é relevante para a questão econômica porque diminui os custos com a ração animal. A caatinga é rica em espécies forrageiras, que segundo pesquisas da Embrapa Semiárido apresentam boa qualidade nutricional para alimentar os rebanhos, além disso, ela consegue se adaptar à seca e a altas temperaturas (ANTÔNIO, 2016). 

A qualidade nutricional da carne caprina e ovina apresenta-se como mais um fator positivo para o desenvolvimento dessa atividade. Para Sidersky (2017) a carne de caprinos e ovinos possui um alto valor nutricional, boa textura e fácil digestibilidade. Porém, a carne ovina apresenta um pouco mais de calorias que a de outros animais, como suínos, bovinos e aves (JESUS JR. et. al., 2010 apud SIDERSKY, 2017). Já a carne caprina é magra e tem um baixo teor de colesterol, o que poderia atender consumidores que buscam alimentos mais saudáveis, entretanto, o gosto forte e característico de caprinos mais velhos desagrada o paladar de muitos consumidores (SIDERSKY, 2017). De acordo com Jesus Jr. et. al. (2010 apud SIDERSKY, 2017), a idade na qual o animal é abatido é um fator importante que pode determinar a aceitação do produto. A idade correta de abate seria em torno de seis meses, isso diminuiu o sabor forte da carne caprina.

Apesar de a carne ser o produto de maior relevância na caprinovinocultura, outros dois também se sobressaem: o leite e a pele. Monteiro, Brisola e Vieira Filho (2021, p. 22) destacam que o primeiro, apesar das suas características diferenciadas e o elevado potencial de consumo, é utilizado especialmente na alimentação de suas crias e de outros animais. O segundo, mesmo sendo considerado um subproduto, sua utilização deverá crescer em relação aos materiais sintéticos, contribuindo com a valorização desse segmento.  

O mercado da caprinovinocultura é promissor, os investimentos iniciais são baixos e podem ser bastante lucrativos. As oportunidades giram em torno da comercialização da carne, do leite, da pele e de seus derivados. Mas, esse mercado ainda é restrito às regiões Nordeste e Sul. Dessa forma, é necessário investimentos nesse setor, como cortes padronizados da carne, certificação geográfica dos produtos, produção de queijos, uso de tecnologias, entre outras coisas, que potencializam o consumo dessas mercadorias em todo território nacional.  

A Embrapa desenvolve e disponibiliza aos produtores uma série de tecnologias que podem ajudar a ampliar o consumo de carnes e leite caprinas/ovinas e seus produtos derivados tais como: cortes padronizados, aproveitamento das carnes de descarte,  fabricação  de  mortadela,  produção  de  linguiças frescal  e  defumadas, dentre outros alimentos. Outra alternativa bastante  promissora, mas que depende  fundamentalmente  da  organização  dos  produtores  e  de  outros elos  da cadeia produtiva, é a certificação de produtos com indicação geográfica e com selo de origem como estratégia de agregação de valor ao produto e conquista de novos mercados consumidores (LUCENA et. al., 2018, p. 08).

Portanto, a criação de caprinos e ovinos configura-se como uma boa alternativa para a geração de renda das famílias nordestinas, fomentando no desenvolvimento econômico regional, e também para pequenos investidores que buscam uma atividade de baixo valor inicial, mas que pode gerar bons lucros.  

4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CAPRINOVINOCULTURA

A criação de caprinos e ovinos é de extrema relevância para o desenvolvimento socioeconômico da região Nordeste, entretanto é necessário investir em políticas públicas que beneficiem os pequenos pecuaristas que fazem parte da agricultura familiar, pois é nesse contexto que a caprinovinocultura ganha papel de destaque.  

Apesar da importância dessa atividade para a região, percebe-se que as políticas públicas voltadas para este setor ainda não conseguem alcançar todo público alvo, pois existe uma grande quantidade de pequenas cidades nordestinas em que os pecuaristas não recebem assistência por parte dos governos para ajudar na criação dos seus rebanhos, principalmente em épocas de estiagem. 

Diante desse contexto, serão apresentados a seguir o Plano AgroNordeste e a Lei Federal nº 13.854, ambos criados em 2019 e que objetivam incentivar o desenvolvimento social e econômico da região, bem como da atividade caprina e ovina.

Em 2019 foi criado, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Plano AgroNordeste com o intuito de “impulsionar, por meio da integração de ações e políticas públicas, o desenvolvimento econômico, social e sustentável da Região Nordeste e do norte de Minas Gerais e Espírito Santo” (BRASIL, 2022). 

A caprinocultura e a ovinocultura ocupam um lugar de destaque no Plano AgroNordeste, pois essa atividade está presente em toda região Nordeste, portanto, “se vislumbra promover melhoria das condições socioeconômicas de uma significativa parcela da população de produtores da área rural da região” (MAGALHÃES; COSTA; MARIANO, 2020, p. 9).

O Plano AgroNordeste está presente em 16 territórios do Nordeste (figura 1) e objetiva alcançar 230 municípios e cerca de 1,7 milhões de pessoas (MAGALHÃES; COSTA; MARIANO, 2020):

Figura 1: Territórios do Nordeste Geopolítico

Fonte: BRASIL, 2022.

O Plano AgroNordeste foi criado com o “objetivo aumentar a competitividade da agricultura e da pecuária regional, mediante a implementação de ações interconectadas, visando à realização de melhorias nas competências individuais e organizacionais dos beneficiários” (BRASIL, 2022). Para que esse objetivo seja alcançado, ele sugere estratégias de enfrentamento aos desafios identificados nos territórios que possam:

Apontar as oportunidades de desenvolvimento para as cadeias produtivas identificadas; Incorporar inovações tecnológicas em cadeias produtivas identificadas; Potencializar a cooperação e a participação dos agentes institucionais e econômicos no processo de desenvolvimento territorial; Promover a articulação de políticas públicas para o desenvolvimento; territorial Promover financiamento integrado e orientado das atividades econômicas que integram as cadeias produtivas identificadas (BRASIL, 2022).

A atuação do AgroNordeste está inserida em todas as partes da cadeia produtiva das atividades agropecuárias, e envolve políticas públicas e ações que possam:

Aumentar a cobertura de assistência técnica e extensão rural; Criar oportunidades para as mulheres e para a juventude rural; Viabilizar econômica e formalização de unidades de beneficiamento e processamento da produção; Ampliar o acesso e diversificação de mercados; Promover o fortalecimento da organização dos produtores (associações e cooperativas); Ampliar a proporção de propriedades tituladas (assentados e não assentados); Estruturar as cadeias produtivas identificadas nos territórios. Prover segurança hídrica na propriedade: captação, uso e reuso de água; Desenvolver produtos com qualidade e valor agregado: produtos de origem animal (laticínios, peles, carnes), mel e produtos de origem vegetal (frutas, fibras); Proteger o bioma Caatinga e conservar e manejo de solos, em especial em zonas sujeitas a desertificação; Estimular a manutenção de reserva alimentar animal (convivência com a seca, uso sustentável da caatinga, manejo e recuperação de pastagens, oferta e diversidade de rações); Melhorar a gestão e eficiência dos sistemas produtivos (produtividade e qualidade, redução do impacto ambiental, rentabilidade da propriedade, convivência com a seca, sanidade de rebanhos e lavouras); Expandir a energia alternativa no campo, notadamente energia solar; Incorporar novas tecnologias de gestão, produção e monitoramento nas atividades produtivas (BRASIL, 2022). 

Alguns dos resultados alcançados pelo programa, com a última atualização em 28/06/2022, foram: o envolvimento de mais de 6,5 milhões de pessoas; um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 73.562.415,58; a geração de 609.062 empregos formais; e a participação de 487.150 estabelecimentos agropecuários (BRASIL, 2022).

Também no ano de 2019 foi sancionada a Lei federal nº 13.854 que institui a Política Nacional de Incentivo à Ovinocaprinocultura e que tem como objetivos:

I – o aumento da escala da produção da ovinocaprinocultura;  II – a intensificação do manejo, com a eficiência da produtividade e da rentabilidade; III – a regularidade do fornecimento e a padronização da produção da ovinocaprinocultura; IV – a melhora da qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor, a segurança alimentar e o combate ao abigeato, por meio da regularização do abate e do comércio de produtos da ovinocaprinocultura; V – o estímulo ao processamento industrial, familiar e artesanal dos produtos oriundos de ovinos e caprinos; VI – a pesquisa e a assistência técnica e extensão rural, para a modernização tecnológica e de gestão das cadeias produtivas de ovinos e caprinos; VII – o melhoramento genético dos animais, com o desenvolvimento de raças mais produtivas, adaptadas e capazes de gerar produtos de melhor padrão de qualidade para o consumidor; VIII – a organização da produção; IX – os investimentos produtivos direcionados ao atendimento das demandas do mercado de ovinos e caprinos; e X – a articulação setorial, com o desenvolvimento de redes de cooperação econômica e tecnológica (BRASIL, ART. 1º, § I a X, 2019).

Esta lei torna-se de grande relevância para o crescimento do setor da caprinovinocultura, pois através dela podem ser criadas políticas importantes para apoiar a atividade no seu reposicionamento e fortalecimento.

Além disso, a ações destinadas ao incremento da caprinovinocultura devem ser formuladas em conjunto, sobre isso o artigo 4º da Lei 13.854 infere que:

Os planos e os programas da Política Nacional de Incentivo à Ovinocaprinocultura deverão ser formulados e implementados em articulação com as entidades representativas dos setores de produção de ovinos e caprinos, da indústria de processamento, das empresas e instituições federais, estaduais e municipais.

Diante do que foi exposto, constata-se que a formulação e inclusão de políticas públicas que visam beneficiar os criadores de caprinos e ovinos na região Nordeste é imprescindível para o crescimento socioeconômico local.

4.3 A IMPORTÂNCIA DA CAPRINOVINOCULTURA NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

No Brasil, segundo dados do IBGE, em 2020, o  rebanho caprino cresceu em 4,0% e o ovino em 3,3%. Destaque para a  Bahia que apareceu como líder nacional nos dois rebanhos. Na projeção do rebanho caprino, os cinco municípios na liderança eram Casa Nova – BA, Floresta – PE, Juazeiro – BA, Curaçá – BA e Petrolina – PE. E o rebanho ovino estava em Casa Nova – BA, Remanso – BA, Juazeiro – BA, Sant’ana do Livramento – RS e Dormentes – PE. Os números demonstram que a caprinovinocultura está em curva de crescimento e perspectivas de expansão, contudo há a necessidade de organização da cadeia produtiva (IBGE, 2020).

Apesar do número elevado de animais nessas regiões os rebanhos, apresentam índices zootécnicos acentuadamente reduzidos, devido à falta de apoio técnico e econômico para produzir produtos (carne, leite e pele) de boa qualidade. Assim, os criadores enfrentam o duplo desafio de produzir com qualidade para satisfazer uma demanda crescente e promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, de forma a prevenir, conter e até mesmo reverter a tendência à erosão da diversidade (FAO, 2008 apud SILVA, 2016, p. 18 -19).

A caprinovinocultura é uma atividade agropecuária praticada em todo o território nacional, mas é no semiárido nordestino que se encontram os maiores rebanhos. Pode-se dizer que exista quase um animal para cada habitante nesta região. A grande maioria dos criadores faz uso do sistema de criação extensivo, sem planejamento e com manejo inadequado, pois os caprinos e ovinos são criados soltos na caatinga, livres para ir e vir forrageando inclusive no interior das poucas unidades de conservação existentes no bioma (ARAÚJO et. al., 2015). 

Os efeitos causados por caprinos e ovinos sobre a vegetação da caatinga são bastante acentuados e facilmente visualizados. Em cerca de um ano, esses animais eliminam parte significativa das ervas e provocam alta mortalidade nos arbustos e árvores do bioma. Isso se deve não só ao consumo da vegetação, mas também à habilidade de caprinos de se apoiar nas plantas com as patas dianteiras, o que acaba quebrando seus galhos e caules, causando-lhes danos severos, até a morte. Entre as espécies que tendem a desaparecer devido ao pastejo desses animais, estão plantas endêmicas, raras e de grande importância para a fauna e a população da região, como o umbu, a umburana, o juazeiro, a aroeira, o angico, as catingueiras, o mororó, o cascudo e as juremas (ARAÚJO et. al., 2015 p. 21).

A sustentabilidade tem sido a preocupação essencial ao manejo de pastagens nativas em regiões semiáridas, ou seja, promover pesquisas em que as atividades pastoris possam suprir as necessidades atuais, sem comprometer o suprimento das demandas futuras. Nesse contexto, a Embrapa Caprinos e Ovinos “desenvolveu em parceria com diversas instituições governamentais e não governamentais, um conjunto de estratégias para permitir o uso pastoril da Caatinga de forma sustentável” (CAVALCANTE, 2013, p. 95). 

A manipulação da Caatinga para fins pastoris consiste em uma série de práticas que alteraram a arquitetura da vegetação, sem, contudo afetar sua biodiversidade, de  modo  a  favorecer  o  aparecimento e ou o  acesso  da forragem para uso pelos ruminantes. As  principais  técnicas  são:  raleamento,  rebaixamento  e enriquecimento, sendo ainda possível combinações entre elas (CAVALCANTE, 2013, p. 95-96). 

Na região do semiárido, além das condições climáticas e vegetais, é preciso se voltar também para a questão ambiental como fator de preocupação no que tange às consequências que o desenvolvimento pode trazer, como desmatamentos, queimadas, poluição, crescimento populacional – que consome os recursos naturais e compromete a qualidade de vida humana -, desequilíbrio ambiental, entre outros. Ademais, ocasionando o êxodo rural da região nordeste, uma vez que a população em busca de melhoria na qualidade econômica migra para outras regiões do país. (SILVA; SÁ; BRITO, 2014).

A criação de caprinos e ovinos desponta como importante ferramenta para promover o desenvolvimento econômico dos pequenos produtores nordestinos. No entanto, fazem-se necessárias políticas públicas financeiras e de extensão rural para que esses pecuaristas possuam conhecimento de genética e manejo dos animais,  em equilíbrio com a preservação dos recursos naturais da região, assim promovendo-se uma perspectiva de melhoria econômica  para os agricultores em equilíbrio com o ambiente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação de caprinos e ovinos faz parte da vida dos moradores do semiárido nordestino desde o período colonial. Ela se configura como uma das principais atividades da agricultura familiar, servindo como base econômica e de subsistência. 

Verificou-se que essa atividade apresenta pontos favoráveis para o seu desenvolvimento, como a adaptação ao clima semiárido; o uso da vegetação da caatinga como alimento (diminui o custo com ração) e o bom valor nutritivo da carne.

Diante do que foi exposto, pode-se afirmar que as técnicas de manejo sustentáveis na criação de caprinos e ovinos podem corroborar com o desenvolvimento sustentável e econômico da região semiárida, gerando empregos e fomentando a permanência do homem no campo.

Por fim, pode-se afirmar que o desenvolvimento de políticas públicas regionalizadas, que visam atender a diversidade dos desafios locais, são essenciais para a ancoragem da caprinovinocultura como uma oportunidade do agronegócio pecuarista e não apenas uma atividade de subsistência familiar. 

6. REFERÊNCIAS

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TUDE, João Martins. “Conceitos gerais de políticas públicas”. In: TUDE, João Martins, FERRO, Daniel e SANTANA, Fabio Pablo (Orgs.). “Políticas Públicas”; IESDE Brasil S. A.; 2010.


1Mestranda em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF. E-mail: brunnaguabiraba@gmail.com.
2Mestranda em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF. E-mail: hellen.santiagopereira@gmail.com
3Mestranda em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF. E-mail: rianydiaspc@gmail.com.
4Doutor em Engenharia Agrícola e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF. E-mail: acacio.figueiredo@univasf.edu.br