REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10063820
Dabel Cristina Maria Salviano1
Resumo
Nos escritos a seguir buscamos problematizar questões presentes nas escolas e Universidades com relação à formação de professores e quais eventuais exclusões estes apresentam em sua trajetória escolar até chegar ao Ensino Superior, onde este deve e ou deveria ser um campo de resistência. No entanto por meios de currículos e políticas públicas e documentos normativos e deliberativos vêm à tona representar a política neoliberal/liberal atualmente presente em nossos governos e que desencadeiam a invisibilidade do público maiorias (minorias) como os deficientes, negros, pobres, LGBTQIA+, mulheres, indígenas entre outros. Diante deste panorama, recorremos nesta narrativa a filósofos e estudiosos: como Deleuze, Guattari, Pedro Pagni, entre outros. Para assim possibilitar discussões e permitir apresentar uma perspectiva de resistência dentro do campo da educação na formação de futuros profissionais críticos e emancipados. Com o objetivo de buscar entender o que a invisibilidade destes indivíduos causa em seus deveres na busca de sua emancipação de capacidade de desenvolvimento social e intelectual, que lhes são tolhidos, nessa trajetória educacional. Pois se percebe que em certos momentos “eles desaparecem” voltando à formação e acesso ao mercado formal de trabalho para apenas os indivíduos “ditos normais”. Assim vai à contramão do que os Direitos Humanos enraizados nos princípios básicos da Constituição Federal de 1988 garantem com relação à Igualdade. De modo que, percebe-se, um total descaso de direitos e garantias que são fundamentais aos indivíduos e cidadãos de acesso e permanência destes dentro do mercado de trabalho e possibilidades de ascensão pessoal, intelectual e profissional.
Palavras-Chave: Resistência. Direitos Humanos. Educação. Invisibilidade.
INTRODUÇÃO
É notável que sobre discussões a discriminação de gênero, negros, Público LGBTQA+, mulheres, indígenas, entre outros públicos (Maioria/Minoria) vem ensejando a adoção de políticas públicas que atendam à nova realidade social. A crise da sociedade moderna, que ora sofre com a omissão do Estado, ora pela edição de leis que não atendem, de forma rigorosa, a exclusão e discriminação de uma parcela da sociedade cada vez mais crescente.
Buscar-se-á, dessa maneira, a ampliação das pesquisas em torno da verificação da formação docente, vislumbrando a garantia de acesso e possibilidades de maior inclusão de sujeitos “marginalizados e invisibilizados”, uma vez que não se justifica que em um Estado Democrático de Direito, onde a primazia das liberdades deve preponderar, com respeito à dignidade do cidadão, tenha por natural uma marginalização do mercado formal de trabalho de indivíduos punidos por tais questões, como as apresentadas acima.
Concentra-se, ainda, a justificativa da presente necessidade de se demonstrar de que forma os profissionais da educação podem e devem assumir uma postura política e coerente com princípios a proteção dos Direitos Humanos, garantindo a esses indivíduos “marginalizados e invisibilizados” as mesmas oportunidades de acesso a uma educação pautada em aprendizagens e conhecimentos calcados nas diferenças e na diversidade e respeito às diferentes manifestações culturais e sociais, já que hoje nos deparamos com uma afronta aos direitos de igualdade formais constitucionalmente previstos. Assim, na esfera educacional, a violação de tal direito insere-se na descaracterização de princípio social basilar, garantido na Constituição Federal de 1988.
Com base no exposto e seguindo os ensinamentos deixados por Deleuze, a educação, assim como nossos próprios pensamentos são instáveis, indefinidas, que vão e voltam, pois sempre voltamos às questões e indagações, haja vista que precisamos constantemente buscar respostas para nossas inquietações e devires. Já que vivemos em um ciclo que sempre está em um movimento de mudanças. Estes pensamentos surgiram durante as aulas expostas pelo Prof Dr Pedro Pagni, em que nos remete a refletir sobre como a sociedade atual e os pensamentos descritos pelo filósofo Deleuze contribuem para tais indagações e algumas questões políticas, já que a política está em tudo que nos cerca.
E em meios a pensamentos perguntas surgiram: Como suscitar acontecimentos que escapem ao controle?
Como resistir, sem que desistamos das diferenças? Tais questões são de cunho político e exigem de nós, enquanto pesquisadores, respostas. Porém quando erguemos a bandeira de luta, nos vemos em minoria e acabamos engolidos pelos políticos e suas políticas esdrúxulas e excludentes reforçadas por seus “cães de guardas”, ou seja, àqueles tantos que defendem e reafirmam tais políticas excludentes. E assim, retomamos as contribuições de Deleuze, ao afirmar sobre o vai e volta de nossos pensamentos em busca de respostas para nossas indagações.
QUESTÕES DE GÊNERO, O PAPEL DA ESCOLA FRENTE AO DESAFIOS
Ao longo de toda a trajetória da humanidade, tivemos vários processos de exclusão, por variados motivos: negros e indígenas foram excluídos por questões raciais; muçulmanos e hindus pelo teor religioso; plebeus e operários sofreram processos de exclusão em função da questão social; mais hodiernamente enfrentamos a exclusão das pessoas com deficiências, públicos LGBTQIA+ e tantas outras.
Contemporaneamente, os indivíduos que não obtêm educação não são considerados “completos”, pois deixam de se educar para obtenção de uma futura carreira e cargos, os transformam em indivíduos subalternos, incompletos para o exercício das atividades, incluindo o trabalho, sociais. Essa postura em uma sociedade capitalista como a nossa, coloca o homem como indivíduo inferior, incapaz de obter condições materiais dignas da própria sobrevivência. E um indivíduo tido como inferior, poderá ser uma mão de obra livremente explorada pelo mercado capitalista do trabalho.
O futuro professor dentro da visão acima compreendida, não poderá ser aquele que apenas concluir sua formação acadêmica. Ele terá que ir além, deverá ser um sujeito/indivíduo que deverá interagir com o pensamento dos indivíduos a sua volta, pela devolutiva do trabalho dos seus alunos e respeito ao esboço de suas ideias, deverá proporcionar e colaborar com os diálogos e não simplesmente explanar conhecimento, enfim, deverá se colocar junto a seus alunos e colegas, proporcionando boa convivência e que venha a produzir frutos criativos a seu trabalho.
Diante disso, a pergunta que nos cerca é: qual o papel que será dado às instituições escolares para o desenvolvimento dos indivíduos para o mercado de trabalho?
Vemos diversos fracassos de políticas públicas e reformas educacionais, sobre esse assunto, neste sentido Deleuze (1992a, p. 220) afirma: “Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se trata de uma liquidação”.
Mas qual o sentido dessa liquidação? É possível atender realmente a uma educação de valor em que o ensino se pauta na construção de indivíduos críticos, politizados, pronto para participar da estrutura social democrática em que “vivemos”? Ou para compor números educacionais, onde participamos de estatísticas a fim de saber que obteremos ou não recursos de fomento a uma educação que prepare indivíduos como massa de trabalho?
Muitas perguntas sem respostas, acrescidas de inúmeras políticas educacionais fracassadas, acrescidas de pensamentos em que a educação deve/ou pode servir para salvar o mundo, mas ela advém de um discurso, que muda a cada troca de ente político que venha a ocupar o cargo executivo. A educação luta com suas dificuldades e contradições, e esse poder salvador que lhe é embutido, cada vez mais a sucumbe aos processos produtivos, com a tentativa efêmera de uma resistência, já exposta neste texto, que tenta lutar por sua verdadeira reestruturação.
Outras questões pertinentes são a desigualdade entre os sexos é visível, ainda hoje, tanto na esfera pública como na esfera privada, e aumenta ainda mais de acordo com a classe social que ocupam, a raça a que pertencem e outras tantas condições diferenciadoras. Tais questões se evidenciam pelas diferenças salariais ainda existentes, em alguns setores, entre homens e mulheres, quando inseridas no mercado de trabalho e há ainda que se considerar o fato de muitas mulheres serem relegadas a papéis domésticos em suas vidas pessoais, peculiaridade pouco comum ao universo masculino.
Historicamente, a condição de desigualdade era sedimentada e justificada pelas religiões com seus setores conservadores, por políticas discriminatórias e teorias biológicas que enfatizavam ainda mais a diferença entre homens e o chamado “sexo frágil” (Simone de Beauvoir), de tal forma que tal desigualdade, muitas vezes, é/foi justificada por princípios religiosos, biológicos, sociais, entre outros.
Pelo tratamento sofrido e pelo desempenho social a que foi relegada, a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, da sua promulgação, através do Decreto-Lei 5.452/1943, traz em seu Capítulo III, no Título III “Da Proteção do Trabalho da Mulher”, o intuito de garantir princípios de igualdade.
Portanto o que vale ressaltar para a compreensão é que a partir do diálogo proposto neste texto a partir das aulas do Prof Dr Pedro Pagni embasado em filósofos como Deleuze é que o fato de aprender está no fluir do movimento do pensar, e que ao tomarmos consciência desse aprender deveríamos transcender a esses pensamentos. Como nos ensina Kohan (2002.p. 129) ao transcrever as palavras de Deleuze:- “Aprender é uma velocidade, um movimento infinito e ilimitado. Mas não é o discurso da enormidade do saber humano nem a dualidade socrática que nos autoriza a descrevê-lo assim, pois não há deuses que saibam mais do que os seres humanos nem há nada que saber”.
De tal maneira que este movimento significa aprender. Talvez seja a hora de terminar este texto, de cessar um movimento que não para por aqui, pois outras indagações surgiram, outras lutas e resistências terão que ser travadas e todo este movimento de ir e voltar em busca das melhores respostas.
E como fica a educação, com relação às diversidades, principalmente a de gênero na contemporaneidade? Vemos que os danos, o desrespeito ocasionado à população LGBTQIAP+, chegam a números alarmantes. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), constata que a expectativa de vida de pessoas transexuais (Trans) no Brasil é de 35 anos, ao mesmo tempo em que os brasileiros são os que mais consomem pornografias trans.
Especialistas alegam que a população LGBTQIAP+ têm mais transtornos mentais, depressão, ansiedade, suicídio, automutilação e autolesão por conta de dificuldades na escola., vale lembrar que o preconceito, a discriminação, o estigma e a violência são impostos desde cedo ao dia a dia da sociedade. ( https://www.fundobrasil.org.br/)
Referências do que é de menino e de menina, ou azul é de menino e rosa de menina, são passadas para as crianças, inclusive na escola, e é preciso desconstruir isso.
Questões de gênero devem ser trabalhadas na escola, desde as séries iniciais, o esforço é crescente dentro do movimento LGBTQIAP+, para que o entendimento e respeito à diversidade, sejam difundidos nessa fase em que as crianças começam a distinguir nariz grande de nariz pequeno, orelha grande de orelha pequena, cabelos diferentes, pele negra de pela branca, dando início aos preconceitos pelo outro ser diferente. Então, trabalhar uma cultura de que a diferença é normal e bonita melhorará a vida de todos (as) que sofrem discriminação.
Para Cardial (2021)
“É na escola que acontecem as piores situações”, registra Ciasca (2021), ao falar com um adolescente, é comum o autor insistir que ele sobreviva a essa escola: “Aguenta firme porque isso vai passar, é uma fase”. A experiência na escola é terrível, espaço de discriminação e preconceito, onde a desinformação toma conta. É fundamental entender como é que se desenvolve a orientação sexual e a identidade de gênero, diz Ciasca (2021).
Educadores (as) devem oferecer as condições para o indivíduo ter liberdade e se sentir bem, para poder ser quem é. E ser quem é não significa fazer o que quiser, significa ter limites. Há limites, pois se vive em sociedade. “Mas por que a pessoa tem que ter limites em quem ela vai ser? ”, desafia Ciasca (2021), de acordo com Cardial (2021).
A autora complementa o pensamento ao relatar os dizeres de Ciasca (2021)
Ao receber uma criança que está há mais de um ano deprimida, triste, irritada, sem querer ir à escola, sem se relacionar, fechada no quarto, apresentando choros constantes, a orientação que o médico dá é: “Vocês já tentaram escutar e respeitar a vivência dela? Deixá-la se expressar nesse gênero que ela diz ser, para ver como é? ”
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,9 milhões de pessoas se declararam homossexuais ou bissexuais, no país, em 2019, o que corresponde a 1,8% da população adulta, maior de 18 anos. Já 1,7 milhão não sabia sua orientação sexual e 3,6 milhões não quiseram responder. Os dados divulgados hoje (25) pelo IBGE, são da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) – Quesito Orientação Sexual, que investigou, pela primeira vez, e em caráter experimental, essa característica da população brasileira. Sendo assim, dentro das escolas crianças e adolescentes têm orientação sexual ou identidade de gênero diversa, registra Marcelo Limão, especialista em diversidade sexual e de gênero e saúde mental no trabalho pelo IPq-USP, além de conselheiro da ONG Mães pela Diversidade.
O papel da escola em reconhecer que estatisticamente há alunos (as) com questões de diversidade de gênero, sexual e/ou de corpos é extremamente importante, pois tais indivíduos “fogem” dos padrões impostos para a adolescência, vindo a sofrer diversos tipos de preconceitos.
Cardial (2021) citando Ciasca relata que
Na sua função de ensinar a escola deve mostrar que existem pessoas diferentes, por exemplo, em uma aula de Biologia, deveria ser ensinado que existem corpos diferentes. Imaginemos a criança intersexo nunca ouvir falar da possibilidade de ela existir? Ou aquela que tem dois pais e a escola fica o tempo todo falando de pai e mãe? Assim como existe a diversidade racial, diversidade intelectual, física, isso também deve ser mostrado.
Cardial (2021) ainda ressalta a fala de Marcelo Limão
“[…]é muito claro o papel fundamental da escola na saúde dessas pessoas. O processo primário de socialização da criança é em casa. O momento de ir para a escola é o segundo processo de socialização. Em geral, na nossa cultura, as famílias não vão aceitar essa ideia de ter uma criança LGBTQIAP+ e já terá uma negativa em casa. A possibilidade de reverter isso é na escola”
Sem mais delongas concluo este texto sem deverás conclusões, pois ainda estou em busca de respostas que possam contribuir futuramente com uma sociedade mais igualitária e equitaria tendo a educação como pilar de formação inclusiva e participativa das pluralidades existentes em nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf>. Acesso em: 21. set. 2020.
______. Decreto-lei nº. 5.452, de 1º. de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 09 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >. Acesso em: 21. set. 2020.
______. Decreto-lei nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=122009>. Acesso em: 21. set.2020.
CAMARGO, I. C. A ocupação de Paranaíba no século XIX e a gênese do latifúndio na região. Revista Trilhas da História, v.1, n. 1, p. 52-63, 2011.
CARDIAL, Karen. Orientação sexual e identidade de gênero: escola precisa saber incluir. https://revistaeducacao.com.br/2021/10/01/identidade-de-genero-orientacao-escola/<Acesso em 29/09/2023>
DELEUZE, G. Controle e devir (Entrevista a Antonio Negri). Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992a.
KOHAN. W. O. Entre Deleuze e a Educação: notas para uma política do pensamento. Educação & Realidade. Cidade, vol. 2, n.27, p.123-130, jul./dez. 2002.
Nota de esclarecimento
Quem é Ciasca? Saulo Vito Ciasca, médico psiquiatra pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador titular da área da saúde da Aliança Nacional LGBTIAP+
1 UNESP – Dabel_salviano@hotmail.com