Angela Cristina Ferreira da Silva, Daiane Braibante Flores, Lionara Paim Marinho, Luciana Cezimbra Weis, Patrícia Oliveira Roveda
A amputação constitui um processo agressivo tanto no âmbito físico-funcional quanto no psíquico-emocional e social, o que gera uma situação de grande impotência e estresse para o enfrentamento da situação tendo em vista as sensações de mutilação, incapacidade e limitação. Assim, a amputação é temida por todos, por significar a retirada parcial ou total de um membro, ou seja, a perda do segmento corporal que, a partir daquele momento, inexistirá. A população que mais sofre as conseqüências de uma amputação são os indivíduos jovens porque, muitas vezes já se encontram no mercado de trabalho e possuem perspectivas de um futuro que poderá não ser gozado em toda sua plenitude (LOPES, 2006).
As maiores intercorrências de uma amputação estão relacionadas à alteração da imagem corporal e personalidade, resultando em sérias e marcantes reações psicológicas relacionadas ao meio onde o sujeito vive e dele para consigo mesmo (CARVALHO, 2003). Entretanto, vários autores corroboram, e a prática fisioterapêutica vem ao longo dos anos demonstrando que a fase imediata do pós-operatório deve ser tratada com muito apoio, franqueza e transparência. Para se propiciar uma reabilitação integral faz-se necessário a intervenção de uma equipe multiprofissional que envolva os aspectos clínicos, funcionais, sociais, psicológicos e emocionais, transformando essa situação em uma fase menos traumática, uma fase onde a maior vitória é não ter perdido a vida. Lopes (2006) comenta que, se de um lado houve mutilação da imagem, de outro se eliminou o perigo de perder a vida ou se conseguiu o alívio de um sofrimento intolerável causado pela dor.
As amputações são advindas de várias causas. Dentre as perdas, existem as que são imprescindíveis porque colocam a vida da pessoa em risco (diabetes, tumores, necroses, vasculares); outras são fatalidades da vida moderna (acidentes automobilísticos ou de qualquer outra natureza) e ainda existem aquelas por malformações congênitas (BOCOLINI, 2000; CARVALHO, 2003).
A dor e a sensação fantasma são sinais e sintomas que podem ocorrer no período pós-operatório prejudicando a reabilitação funcional do amputado; ambas são percebidas na região distal do coto . Existem diferenças entre esses dois sintomas os quais podem ser visualizados no Quadro 1, porém as discussões de suas causas ainda geram polêmica e controvérsias (LOPES, 2006).
Quadro 1 – Diferenças entre Sensação Fantasma e Dor Fantasma
Guedes (2003 e 2004) aborda a dor fantasma do seguinte modo:
A dor fantasma é um evento comum na fase pós-operatória imediata e pode persistir por algum tempo. Seu tratamento deve começar com analgésicos comuns e ser mais agressivo se persistir após administração do medicamento inicialmente escolhido.
A sensação do membro fantasma é um fenômeno extremamente freqüente que não deve ser encarado como patologia, mas como um sintoma. A reorganização do amputado com seu membro residual são apontados pelo autor como processos de facilitação à aceitação e conseqüentemente a satisfatória protetização.
Em relação à permanência da sensação fantasma, Guedes (2003-2004), refere que isso depende, entre outros fatores, do relacionamento do paciente com essa sensação, o que vai ser mediado pela equipe terapêutica. No ponto de vista do referido autor, trabalhar essa sensação com o intuito de aproximar o paciente do seu membro residual é mais benéfico do que tentar aboli-la com medicamentos.
Porém, para outros autores, quando a dor configura impossibilidades para a realização de determinadas atividades, alguns medicamentos contribuem para a minimização desses sintomas e são inseridos de forma constante no tratamento medicamentoso valorizando muito mais essa abordagem terapêutica do que o cuidado de forma integrada em equipe multiprofissional.
A experiência com amputados de diferentes faixas etárias e com amputações de variadas etiologias tem demonstrado que há necessidade de contemplar o projeto terapêutico orientado pela integralidade das ações e com o acompanhamento dos diferentes profissionais: fisioterapeuta, psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, entre outros. Essa rede de profissionais tem por objetivo acolher, responsabilizar-se pelo processo de cura e pelo desenvolvimento da autoconfiança configurando, dessa maneira, um bom atendimento/assistência.
A Fisioterapia, como ciência do movimento e da funcionalidade, vem contribuir de forma relevante na recuperação física/funcional e conseqüentemente na reabilitação integral do amputado. Nesse sentido, os principais objetivos fisioterapêuticos estão relacionados à promoção da função e da independência funcional e pessoal, à manutenção e/ou aumento da mobilidade articular, à coneificação, à maturação e à dessenssibilização do coto, à prevenção de posturas viciosas, ao cuidado com membro contra-lateral à amputação (quando esta for de um membro), ao reequilíbrio da musculatura de sustentação esquelética, à prevenção de úlceras e lesões de pele; à deambulação, quando possível, andadores ou muletas, primeiramente, visando à protetização, resgate e nova configuração da imagem corporal (SILVA, 2006, CARVALHO,2003; BOCCOLIN, 2000, SULLIVAN 2006).
Para Lopes (2006), as técnicas e os recursos fisioterápicos contribuem de forma significativa para a dessensibilização do coto. Dentre os recursos pode-se citar a cinesioterapia, massoterapia, a eletrotermofototerapia e a hidroterapia. Já as técnicas, dentro de cada recurso são as mais diversas e podem ser adaptadas conforme as necessidades de cada caso.
Para Silva (2006), o enfaixamento correto e adequado está diretamente relacionado à situação clínica de cada indivíduo amputado. Ele é importante porque dá sustentação à estrutura externa e interna, modela o coto, reduz o edema, protege a cicatriz e, como conseqüência desses indicadores, diminui e sensação e dor fantasma. As características de um bom enfaixamento estão descritas abaixo:
Com pressão regular e uniforme, fazendo a máxima pressão suportável e adequada a cada ocasião da posição distal para proximal; uso de faixa elástica adequada para esse procedimento; segurança no enfaixamento, trocas e higiene do coto, especialmente no coxim terminal.
Carvalho (2003), também aponta o enfaixamento como um mecanismo excelente para minimizar ou abolir a dor e sensação fantasma, mas acrescenta vários recursos e técnicas fisioterápicas para completar esse projeto terapêutico. O autor cita a eletroterapia através do ultra-som (1MHz e 3MHz) e TENS; a massoterapia pelas técnicas de compressão, deslizamentos superficiais, profundos e amassamento; a cinesioterapia com todas as possibilidades de exercícios e posicionamentos; a hidroterapia pela ação das propriedades físicas da água, temperatura aquecida e os diferentes artefatos utilizados para a dessensibilização e propriocepção.
A eletroterapia, através do TENS (Neuroestimulação elétrica transcutânea), que ameniza a sintomatologia dolorosa, e do Ultra-Som (1MHz e 3MHz) na ativação circulatória, bem como na prevenção de espículas ósseas pelo processo de cavitação que esse equipamento quando utilizando na forma contínua poderá provocar (SILVA, 2006).
Hoje, vê-se a importância de um bom trabalho de fortalecimento da musculatura restante presente nesse coto. Essa constatação está embasada nos trabalhos como os de Borges (2006), que relatam o benefício da corrente russa no fortalecimento de músculos do quadríceps com resultados bem importantes.
A massoterapia, por meio de suas diferentes maneiras de execução, entre as quais pode-se citar a compressão, o deslizamento superficial, o deslizamento profundo e o amassamento, mostra-se eficiente na redução da dor e sensação fantasma porque, além de promover a estimulação cutânea potencializa a circulação periférica o que vem a contribuir em todo processo de reabilitação. Não se pode desconsiderar também a cicatrização do coxim terminal, e nesse aspecto a técnica de Cyriax é muito eficiente por evitar as aderências cicatriciais e por melhorar o processo de cicatrização como um todo (CARVALHO, 2003).
O fisioterapeuta utiliza a sensação fantasma para mobilizar a musculatura remanescente do coto de amputação através dos exercícios do membro fantasma. Isso permite que a pessoa se concentre na realização do trabalho muscular, o que a aproxima do membro residual motivando-a a cuidá-lo e a considerá-lo como parte importante de sua reabilitação.
O objetivo desse trabalho cinesioterápico é a melhora do trofismo muscular, o incremento na amplitude de movimento das articulações adjacentes e também a prevenção de possíveis desvios posturais decorrentes das alterações musculares e de posições viciosas adotadas pela maioria dos amputados (CARVALHO, 2003). A musculatura trabalhada se beneficia pela melhora do trofismo, da vascularização e da amplitude de movimento o que permite a maturação do coto com melhor propriocepção, vislumbrando a protetização.
O processo de amputação por ser extremamente radical apresenta reflexos em todos os sistemas orgânicos. O trato cardiorrespiratório deve ter atenção especial porque é ele que vai possibilitar um bom condicionamento respiratório e vascular.
Para melhorar a capacidade respiratória, Sampol (2007), preconiza alguns procedimentos que devem fazer parte do projeto terapêutico na fase pós-amputação de maneira eficiente:
“conscientização diafragmática com respiração profunda e lenta ;realizar terapia de relaxamento para aumentar a capacidade vital e diminuir a tensão ; realizar movimentos auto-passivos de flexão , extensão e circundunção coordenando a respiração;terapia expiratoria manual passiva; padrões respiratórios em tempos inspiratórios e expiratórios; utilização de incentivadores respiratórios”.
A hidroterapia atreves do elemento água apresenta propriedades físicas hidrostáticas e hidrodinâmicas, que se apresentam como um excelente recurso a ser utilizado logo após a cicatrização da incisão cirúrgica do coto. Dentre estas propriedades cita-se primeiramente as forças adesivas que promovem um bombardeio de estímulos táteis (SKINNER e THOMSON, 1985). Ressalta-se que, quanto mais turbulência houver na água, maiores serão os estímulos para dessensibilizar o coto e propiciar analgesia.
AGNE et al. (2002), comentam que os impulsos sensoriais gerados pela água aquecida competem com os impulsos dolorosos reduzindo os níveis de dor, eles constataram a diminuição gradativa e o alívio total da sintomatologia dolorosa de um menino amputado, com dez anos de idade após vinte sessões de hidroterapia. GEIGLE et al. apud CUNHA E CAROMANO, s/d, relatam que a imersão por si só reduz a sensibilidade das terminações nervosas, há redução de estímulo cinestésico e também dos estímulos proprioceptivos, e isto se deve ao fato do empuxo diminuir o input dos receptores articulares.
Zornoff (2007), ainda comenta que termorreceptores, mecanorreceptores e receptores do tato e pressão agem em conjunto estimulando o aparelho sensorial de modo intenso, eles competem com os impulsos de dor, quebrando o ciclo da dor.
A flutuação, que promove o alívio do peso corporal, facilita os movimentos e aumenta a circulação sangüínea, o retorno venoso e linfático (RUOTI, MORRIS E COLE, 2000; BECKER E COLE, 2000, FREITAS JUNIOR, 2005; BATES E HANSON, 1998; CANDELORO, CAROMANO e THEMUDO FILHO, 2003); a pressão hidrostática da água também promove este aumento do retorno venoso pela ação de bombeamento, além de também funcionar como estímulo tátil pelo efeito compressivo sobre a superfície corpórea imersa. Este efeito compressivo também atua sobre o tórax, aprimorando a função respiratória através da resistência à inspiração e assistência a expiração (PEREIRA e CUBERO, 2000; BECKER E COLE, 2000).
A hidroterapia pode ainda auxiliar no trabalho de equilíbrio, força, propriocepção e outros, porém, estes itens não são foco neste momento.
Embora a Fisioterapia disponha de inúmeros recursos, exemplo o meio aquático comentado e técnicas surgem como alternativa de materiais a serem utilizados na dessensibilização do coto e em alterações sensitivas e proprioceptivas as diferentes texturas. Esses materiais proporcionam sensações cinestésicas e proprioceptivas diferentes. Para Fischer (2006) o material alternativo ou sucata terapêutica é considerado todo o material e/ou objeto de diferentes composições em termos de textura, peso, tamanho, cor e forma, e, nesse sentido, destaca o seguinte:
“Quando fizemos uso da sucata estamos diante de um leque de opções criativas para a relação terapêutica, estando sob responsabilidade do terapeuta utilizar os recursos que dispõe com vistas a garantir resultados favoráveis para a pessoa que procurou por ajuda” (Fischer, 2005, p. 53).
Os materiais bastante utilizados na prática são: algodão, pincel, escova; esponja vegetal, bombril e gelo; trazendo bons resultados na minimização da sensação e dor fantasma.
Conclusão
Conclui-se Por maiores que sejam as dificuldades e limitações físicas advindas de um processo de amputação a fisioterapia e toda a equipe de saúde dispõe de variados recursos que contribuir significativamente para um bom quadro de redução da dor e diminuição da sensação fantasma neste seguimento, quanto mais cedo forem seus trabalhos preventivos e reabilitadores.
A criatividade do fisioterapeuta, a face de reabilitação, as condições do coto assim como a aceitação e bom desempenho do amputado frente ao seu processo de recuperação são itens importantes e determinantes para um retorno mais cedo ás atividades cotidianas de trabalho, lazer e da vida diária como higiene e alimentação.
O fisioterapeuta exerce importante papel, também quando estimula o paciente e o cuidador a serem participantes ativos neste ato de cuidar da saúde física e mental dos amputados.
Por fim, ressaltamos a necessidade de um trabalho interdisciplinar integrado entre os diferentes profissionais que atuam na recuperação funcional e psicológica do amputado.
REFERÊNCIAS
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CANDELORO, J.; CAROMANO, F.; THEMUDO FILHO, M.F. Efeitos Fisiológicos da Imersão e do Exercício na Água. Revista Fisioterapia Brasil. ano 4, nº 1, Jan. 2003.
CUNHA, Márcia Gouveia da, CAROMANO, Fátima Aparecida. Efeitos fisiológicos da imersão e sua relação com a privação sensorial e o relaxamento em hidroterapia. Revista terapia Ocupacional da USP, São Paulo (s/d). Disponível em:
FIORELLI, A.; ARCA, E. A. Hidrocinesioterapia: Princípios e Técnicas Terapêuticas. São Paulo: EDUSC, 2002.
FISCHER; F. C. Assistência Domiciliar Fisioterapêutica a Paciente Amputado de Membro Inferior. Trabalho de conclusão Curso de Fisioterapia. 2005, UNISC.
FONSECA, F. B. Abordagem fisioterapêutica do paciente amputado transtibial: um estudo de caso. 2004. 138f. Monografia. Curso de Fisioterapia – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2003.
FREITAS JUNIOR, G. C. A Cura pela Água. Hidrocinesioterapia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2005.
GUEDES, M. A. A dor fantasma e a sensação fantasma. Centro Marian Weiss – © Direitos Reservados 2003 – 2004
LOPES, F. M. A atuação da fisioterapia na redução da dor e sensação fantasma no pós-operatório imediato de amputação – um estudo de caso-2006. Monografia. Curso de Fisioterapia – Universidade de Santa Cruz do Sul, 2006.
SAMPOL, A.V. O Tratamento Fisioterápico e a Qualidade de Vida do Amputado se Membro Inferior após Protetização: acesso em: 12 set. 2007.
SILVA, Angela C F. Apostila e slides da disciplina de órtese e prótese. UNISC, 2006.
SULLIVAN, S.B; SCHMITZ, T.J. Fisioterapia: avaliação e Tratamento. 4ed. Manole.2006.
SKINNER A. T. & THOMSON, A. M. Duffield: Exercícios na água. 3d. São Paulo: Manole, 1985.
RUOTI, R.; MORRIS, D.; COLE, A. Reabilitação Aquática. São Paulo: Manole, 2000.
ZORNOFF, F.Watsu In SACHELLI, T.; ACCACIO, L.M.; RADL, A. L. M. : Manuais de Fisioterapia Aquática. São Paulo: Manole. 2007.
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