A ARTE-EDUCAÇÃO, QUE NO TEATRO, FALA DE SUSTENTABILIDADE NA ESCOLA BOSQUE – ILHA DE CARATATEUA

ART-EDUCATION, WHICH IN THE THEATRE, TALKS ABOUT SUSTAINABILITY AT ESCOLA BOSQUE – ILHA DE CARATATEUA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202312151327


Misleny Araújo da Silva1,
Raisinery Macêdo da Silva2,
Kátya Cecília de Melo3


RESUMO

O presente artigo visa mostrar como a arte-educação movimenta, pelo teatro, o discurso sustentável da escola Bosque, cuja performance cênica fala de Meio Ambiente na Ilha de Caratateua. Dialoga com estudos de Silva, Foucault, Deleuze, Corazza, Costa, Meyer, Setenta, Certeau, Paraiso, Louro na perspectiva pós-estruturalista e dos estudos sobre performatividade o que permite problematizar as noções fixas e deterministas da arte-educação. Sua abordagem metodológica aproxima-se da pesquisa qualitativa com características etnográficas que envolve o contato direto do pesquisador no ambiente pesquisado, observação participante e interação com os sujeitos integrantes, alunos e alunas, registros fotográficos e sistematização dos resultados da pesquisa. Nesse processo, intenciona investigar de que forma a arte-educação, mobilizada pelo teatro, subverte a consciência negacionista de que o Meio Ambiente se “salva sozinho”, como foi defendido recentemente pelo Secretário de Mudanças Climáticas de São Paulo em evento da OAB, onde foi rechaçado, tendo que pedir exoneração, dada a repercussão negativa do fato. Direciono aqui meu olhar para a relação entre o currículo da FUNBOSQUE e a performance teatral, tendo como foco da pesquisa os alunos, o que dá ao artigo um viés inclusivo, já que educandos com necessidades educacionais especiais (AEE), participam das atividades performáticas que ocorrem em toda a extensão dos 12 hectares de mata nativa que compõe o cenário natural da Escola Bosque na Ilha de Caratateua, o que intensifica a perspectiva de um currículo em sua vertente artística, educacional, cultural, performática, sustentável, entrelaçado pelos movimentos teatrais que falam de conscientização ambiental através da arte.

Palavras-chave: Arte-Educação. Currículo. Meio Ambiente. Teatro

ABSTRACT

This article aims to show how art-education moves, through theater, the sustainable discourse of the Bosque school, whose scenic performance speaks of the Environment on the Island of Caratateua. It dialogues with studies by Silva, Foucault, Deleuze, Corazza, Costa, Meyer, Setenta, Certeau, Paraiso, Louro in the post-structuralist perspective and studies on performativity, which allows problematizing the fixed and deterministic notions of art education. Its methodological approach is close to qualitative research with ethnographic characteristics that involves direct contact by the researcher in the researched environment, participant observation and interaction with the participating subjects, male and female students, photographic records and systematization of the research results. In this process, it intends to investigate how art-education, mobilized by theater, subverts the denialist awareness that the Environment is “saved by itself”, as was recently defended by the Secretary of Climate Change of São Paulo at an OAB event, where he was rejected, having to ask for exoneration, given the negative repercussion of the fact. I direct my gaze here to the relationship between FUNBOSQUE’s curriculum and theatrical performance, focusing on students, which gives the article an inclusive bias, since students with special educational needs (AEE) participate in the performing activities that take place throughout the 12 hectares of native forest that make up the natural setting of Escola Bosque on Ilha de Caratateua, which intensifies the perspective of a curriculum in its artistic, educational, cultural, performative, sustainable aspects, intertwined by theatrical movements that speak of environmental awareness through art.

Keywords: Art-Education. Curriculum. Environment. Theater

1. NAS TRILHAS DA ESCOLA BOSQUE: UM PERCURSO EDUCACIONAL

O presente artigo debruça-se sobre a arte-educação e sua performatividade teatral que fala de sustentabilidade na Escola Bosque – Ilha de Caratateua, figura 1, através da arte cênica, influenciada pelas performatividades do discurso sustentável e meio ambiente, são manifestações artísticas, performáticas e expressivas, que problematizam questões educacionais voltadas, em uma escola ecológica, à conscientização ambiental, um currículo que, não deixando de ser contemporâneo, por meio da arte teatral, desconstrói conceitos fixos e disciplinadores que devastam o meio ambiente, matam e/ou condenam à morte povos tradicionais e nossas riquezas naturais, “historicamente constituídos pelas relações de poder que operam simultaneamente sobre corpos híbridos” (SILVA, 2008, p. 87). Essa linguagem artística e performática da arte, movimenta de um currículo que expressa, em sua singularidade, processos coletivos de produção de subjetividades e protestos.

O Centro de Referência em Educação Ambiental foi instituído pela Lei municipal nº. 7.747, de 02.01.1995, reordenado pelas Leis nº. 002 de 20.11.1995 e nº. 003 de 28.12.1995, regulamentado pelo decreto municipal nº. 28837/96 de 13.06.1996, com sede no Município de Belém, localizada na Av. Nossa Senhora da Conceição, s/n, Distrito de Outeiro. É uma Fundação de direito público, identificada como FUNBOSQUE, sem fins lucrativos, com prazo de duração indeterminado, regida por seu Estatuto, gozando de autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de pessoal, vinculada ao gabinete do prefeito. Na década de 90 acontecia a distritalização de Belém, a partir da Lei municipal nº/680, com isso, se criou o distrito de Caratateua e o de Mosqueiro, constituído respectivamente com 26 e 13 Ilhas. A ideia inicial era gerar um zoneamento econômico e ecológico através do Plano Diretor de cada localidade determinando assim, as suas específicas funções Essa perspectiva projeta na atualidade um contexto de discussão do teatro, figura 2, impregnado pelas discursividades que permitem romper paradoxos equivocados quanto aos saberes negacionista de toda ordem. Essas possíveis e potentes movimentações artísticas e educacionais estão ligadas às questões sociais e culturais que passam pelo viés da arte, elemento teatral que contribui para com a construção de uma didática que ofereça aos educandos metodologias diferenciadas que os liberte de aprendizados ineficientes e que tanto desqualificam outras linguagens, outros saberes.

Envolvido por essa perspectiva, a pesquisa faz uma discussão em torno da arte educação e sua relação com a arte teatral que fala de sustentabilidade na Escola Bosque situada na Ilha de Caratateua, figura 3, ao desenvolverem suas atividades artísticas. Diante disso o que acontece quando o teatro se põe a encenar? Que novos contornos ele adquire através da arte? O que ele é capaz de potencializar na educação ambiental?

Antes de mais nada convém saber um pouco sobre a Ilha de Caratateua, atualmente possui uma área total de 31.449,07 Km², sendo 11.934,29 Km² de área urbana e 19.514,77 Km² de área rural, com acesso pela Rodovia Augusto Montenegro, situada na coordenada geográfica entre os paralelos de 01º 13‘ e 01º 17‘, entre os meridianos de 48º 25‘ e 48º 30‘. É separada da sede do Distrito de Icoaraci a sudoeste, e da ilha de Mutum, a sudeste pelo Furo do Rio Maguari, da Baía de Santo Antônio, e da ilha de Mosqueiro, a noroeste do Município. A ilha de Caratateua, também denominada de Outeiro, teve seu início na história, quando várias de suas áreas serviram de cemitérios para os índios em período anterior a fundação de Belém, especialmente no Bairro que hoje se chama Itaiteua.

Os índios a denominaram de Caratateua, que no dialeto Tupi-guarani, quer dizer, “lugar das grandes batatas” e os portugueses a batizaram de Outeiro, que quer dizer “pequenos morros”. Em abril de 1731, o Governador da Província do Grão-Pará, Capitão Geral Alexandre de Souza Freire, concedeu Outeiro a terceiros, através da carta das sesmarias, que oficializava a doação de terras a particulares, objetivando sua ocupação4.

A colonização de Caratateua teve prosseguimento no ano de 1893, no momento da criação da colônia de Outeiro. Uma segunda hospedaria foi implantada na antiga colônia agrícola, que funcionava nas dependências do atual Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), hoje 26o BPM. Em 14 de abril de 1893, 14 famílias italianas iniciaram em definitivo a colonização da ilha, que até meados de 1990, foi subordinada ao Distrito Administrativo de Icoaraci.

No ano de 1994 aos 12 de janeiro, foi decretado pelo prefeito Hélio Gueiros a criação das oito Administrações Regionais de Belém. Assim Outeiro passa a ser distrito, sendo criado na época o plano diretor das ilhas de Outeiro e Mosqueiro, passando a vigorar a partir da gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues em 1997, que oficializou a organização administrativa de Belém nos oito distritos. Após a construção da ponte Enéas Pinheiro sobre o Rio Maguari houve um significativo aumento do número de visitantes. Com isso, a ilha sofreu um processo de ocupação intensa, chegando a registrar taxa de crescimento de 13,15%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), senso de 1993.

A Lei n°7.806, de julho de 1996, dispõe apenas sobre a existência de quatro bairros na ilha: Brasília, São João do Outeiro, Itaiteua e Água Boa. Entretanto, existem também outras localidades como Fidélis, Fama, Tucumaeira, Brasília. Quanto às praias são sete: a do Amor, do Barro Branco, dos Artistas, Grande, da Brasília e do Redentor que servem como alternativa de lazer mais a população da grande Belém do que os da própria ilha. Visto que, os mesmos a utilizam mais como local de trabalho com o comércio de diversos produtos junto aos visitantes para retirar de lá seu sustento ou pelo menos complementar sua renda.

A economia da Ilha de Caratateua está representada pelo comércio varejista de mercadinhos, armarinhos, farmácias, estâncias, três pequenas feiras livres e por atividades de prestação de serviço como hotéis, pousadas, restaurantes, bares, casas noturnas com mão-de-obra informal em sua grande maioria. Nota-se, ainda que a produção artesanal de cerâmica e de biojóias é cada vez menos evidente em relação ao que se fazia no passado. Ainda, é possível visualizar a agricultura familiar como atividade econômica, principalmente quanto ao cultivo de mandioca para a produção de farinha, assim como subatividade da carvoaria em menor número entre outras.

A configuração do espaço da Ilha de Caratateua deve ser vista, a partir do conceito de um Bairro localizado em uma região periférica do Município de Belém, sendo este entendido segundo Harvey, como “uma construção social, sob uma localização e uma configuração de permanências relativas internamente heterogêneas, dialéticas e dinâmicas contidas na dinâmica geral de espaço-tempo de processos sócios ecológicos” (1992 apud Couto 2016, p. 33). Essa cartografia social se faz por uma dinâmica controvérsia com e pelos sujeitos desse lugar, nos espaços da feira, escolas, associações, casas de diversão, comércio em geral, igrejas e rotinas das ruas e Bairros de Outeiro.

No cotidiano da Ilha destacam-se as expressões culturais representadas pelo espaço das festas de aparelhagem muito frequentada pela população das águas e territórios, como os ribeirinhos gostam de ser chamados, já que para eles o termo ribeirinho  foi associado à pitiú pelos moradores das grandes cidades, e por parte dos jovens da Ilha. Também pelas festas religiosa com a comemoração de Iemanjá que se relaciona aos terreiros, muito representativo no distrito, precedido pelo Círio de Nossa Senhora da Conceição, ambos em dezembro. Outras manifestações culturais são: o carnaval que apresenta todos os anos suas escolas de samba com seus blocos de rua mantendo um tradicional desfile na Ilha, a cultura popular do boi-bumbá e dos pássaros juninos, que resiste ao tempo e representa um grande patrimônio cultural, a criação da biblioteca popular Tralhoto, pelo Mestre e poeta Apólo de Caratateua, grande ícone da cultura popular da atualidade na Ilha, que respira cultura e arte.

Ao fazer essa articulação entre o Meio Ambiente e a Educação pelo viés do teatro, esse artigo tenciona a luta pela visibilidade da arte-educação como uma possibilidade de ensino diferente, capaz de proporcionar aos professores a livre docência quanto à expressão de sua liberdade criativa no desenvolvimento dos conhecimentos artísticos e das vivências diferenciadas nos espaços escolares, rompendo com as fronteiras de um ensino tradicional.

Diante dessa vasta experiência artística e cultural, essa escrita, fruto de uma pesquisa etnográfica e de experiência profissional, tem a pretensão de revelar, na perspectiva da educação ambiental, um discurso cultural vivido cotidianamente na escola ou fora de seus muros e trilhas, algo capaz de viajar por outros espaços, Estados e Países, entrelaçando pelo teatro à educação, uma vez que “o currículo é um dispositivo de saber-poder-verdade de linguagem” (CORAZZA, 2001, p. 10).

Diálogos teórico

Para problematizar esse diálogo [INTER]Cultural, que transita pelo meio ambiente, na tentativa de estabelecer relações com as teorizações pós-críticas que dinamizam o currículo da FUMBOSQUE, dialogo com Galúcio, Silva, Nietzsche, Butler, Foucault, Deleuze, Corazza, Costa, Meyer, Setenta, Certeau, Paraiso, Louro. O diálogo com esses autores constrói uma escrita descritiva e analítica do fenômeno estudado e manifestado. Juntamente ao estudo teórico e conceitual dos autores iniciou-se um trabalho de pesquisa de campo que envolveu entrevistas, registros fotográficos e vivências nos espaços escolares da Escola Bosque como professora de Arte.

As pesquisas pós-críticas do currículo arriscam-se por caminhos incertos no ato de pesquisar, sendo que suas motivações partem não da busca de resultados e explicações sobre o quê da pesquisa, mas sim, das vicissitudes do desejo por novos modos de experimentação e criação – expressão singular do ato de fazer pesquisa como acontecimento. Assim, o pesquisar pós-crítico, ao mesmo tempo em que pesquisa o acontecimento na experimentação de um currículo é, também, por ele provocado, intrigado. E aquilo que emana como acontecimento na experimentação continua em aberto pela possibilidade de outras linguagens e pelas múltiplas possibilidades de responder às questões desse currículo, sem pretensões a resultados verdadeiros ou definitivos (COSTA, 2011, p. 285).

Busquei então desenvolver a pesquisa através da vivência com os alunos na escola, dialogando com a perspectiva de Michel de Certeau (2014) que considera que o saber acontece por meio das invenções cotidianas dos sujeitos, o que está acontecendo desde então, nesse viés, Meyer e Paraíso (2012, p. 16) acreditam na possibilidade de “construir outras perguntas e outros pensamentos”, com um modo de pesquisar que nos movimenta de várias maneiras, por muitos lugares, sem um lugar definido, um movimento de pensamento em que:

Afastando-nos daquilo que é rígido, das essências, das convicções, dos universais, da tarefa de prescrever e de todos os conceitos e pensamentos que não nos ajudam a construir imagens de pensamentos potentes para que fala de sustentabilidade interrogar e descrever-analisar nosso objeto. Aproximamo-nos daqueles pensamentos que nos movem, colocam em xeque nossas verdades e nos auxiliam a encontrar caminhos para responder nossas interrogações. Movimentamo-nos para impedir a “paralisia” das informações que produzimos e que precisamos descrever-analisar. Movimentamo-nos, em síntese, para multiplicar sentidos, formas, lutas (Idem,

Refletir nessa direção possibilitou pensar uma expressão artística que valoriza e afirma o poder de transformação da arte na vida dos alunos e a potencialidade linguística em defesa do meio ambiente, trata-se de um discurso sustentável mais que oportuno, revela-se urgente! Um aspecto científico que potencializa a criatividade e singularidade de cada sujeito em seu processo de transformação e encontro com a arte. Um currículo vivo, em movimento que em suas movimentações constrói multiplicidades de mundos, um universo artístico aberto para o novo, um fazer pedagógico que, desobedecendo o negacionismo, envolve pela expressão da arte teatral e pela multiplicidade cultural quem dele se deleita.

Essa realidade teatral não objetiva ser um modelo ou chegar a um determinado lugar, pois ele não é pensado como currículo com metas produtivas para alcançar. Um currículo que não funciona no mesmo registro do mercado e da economia, esse teatro que se movimenta nos palcos da vida, que pensa diferente, pretende abrir muitas possibilidade e caminhos, pretende, por meio da linguagem cênica, levar ao encontro de linguagens outras um pedido de socorro: Salvem o Meio Ambiente! Ele busca ora a construção de aprendizagens ora a desconstrução do conhecimento.

As teorias pós-criticas em educação também favorecem o reconhecimento de que no mundo contemporâneo novas configurações culturais têm ocorrido com a escola pelo privilégio sobre a educação das pessoas. No âmbito das teorizações pós-críticas é resultado que muitas das representações disponibilizadas pelo discurso veiculadas por diferentes artefatos culturais não apenas chegam às escolas, mas também entram em conflito com o que nelas se ensina (MAKNAMARA; PARAÍSO, 2013, p. 42).

Pensar nessas configurações artísticas e culturais, é colocar em funcionamento algo criativo, com novos arranjos educacionais para os currículos existentes; é desmontar o pensamento de algo acabado, único e universal abrindo margem para múltiplas possibilidades de se pensar as artes cênicas no currículo da escola básica. Uma movimentação cultural e curricular que questiona o que se concebe como verdade, algo que deseja ir além do instituído e oficial, para experimentar suas outras múltiplas combinações rítmicas.

Exercitar a desconstrução significa, pois, colocar em questão determinados significados transcendentais que operam como princípio primeiro e que, exatamente, por serem considerados transcendentais, são vistos como legítimos e como justificativa para toda uma série de categorizações que se encontram naturalizadas nos mais diferentes discursos culturais, social e historicamente produzidos. Isso indica que a desconstrução revela a arbitrariedade dos discursos hegemônicos, desmascarando a ideologia dominante dos textos que se mostram neutros e legitimam padrões e valores. (MACHADO; COUTINHO, 2014, p. 4).

Essa vida cênica, que se descortina nesse artigo, se abre à escuta da arte, ele acolhe, incorpora e afirma a expressão artística que nele há! São expressões artísticas que falam, protestam, sugerem, as múltiplas linguagens, os valores, as singularidades e as diferenças presentes na Escola. Um olhar atento e dinâmico das diferenças que reconhece na performatividade teatral, a impregnação de desejos outros, as singularidades de gênero e diferenciação no campo da educação, uma ferramenta de transformação social e cultural na Ilha de Caratateua, seja em sala de aula ou seja fora delas e dos muros da escola, a arte não pode permanecer cercada pelos muros da intimidação, ela precisa transmitir oral dos palcos.

A maneira como a arte cênica organiza as ideias e as expõem por meio de suas performances, ganham relevo para o propósito de pensar a arte, algo indissociável no processo de “desterritorialização e reterritorialização, afetar e ser afetado” (DELEUZE, 2005, p. 79). Nesse processo, “o objeto perde sua consistência referencial, a hibridação, a desfronteirização, a interatividade, sobem à cena(VILLAÇA, 2006, p. 74), “já que a tarefa do conhecer é sempre incompleta” (LOURO, 2007, p. 238), trata- se de uma “explosão de discursividades distintas” (FOUCAULT, 1993, p. 39). Para Setenta (2008),

a performatividade se interessa pela presentidade do presente que está em movimento. Vive-se a globalização, tempo das redes de circulação de ideias, materiais, pessoas; do deslocamento e descentralização de poderes e crenças. A importância de se falar/trabalhar/tratar da performatividade na contemporaneidade está em provocar, perturbar, e instigar a continuidade desses deslocamentos e descentramentos e tentar subverter procedimentos que fixem, e rotulem ideias, pensamentos, produções e outros. São fazeres que levam a dizeres específicos, fazeres que são considerados enquanto atitudes que podem ser encaradas como condutas políticas. A performatividade conecta o poder fazer aos poderes instituídos – social, histórico, econômico e político. A performatividade promove a correlação indissociável entre o que se faz e o que se diz – dizer o que faz, fazendo o que diz. (SETENTA, 2008, p. 83-84).

Diante desse cenário torna-se necessário lutas e resistências afim de produzirmos um pensamento sustentável de preservação ambiental através da arte, algo inquietante e provocador que nos permita pensar e vislumbrar outros horizontes e novas possibilidades transformadoras de uma aprendizagem que desperta desejos e desarranjos estruturais na educação, por mais estranho, esquisito que possa ser, uma tentativa de oposição a um sistema de linguagem que busca impor o silêncio e o disciplinamento teatral enquanto povos tradicionais e o meio ambiente são destruídos.

Aspecto metodológico do estudo

Longe de romantizar essa “escrileitura em filosofia-educação” (CORAZZA, 2008) eis que surge nesse contexto a vida amazônica e sua mitologia, como uma linguagem apropriada à produção dessa escrita, algo que flui de elementos naturais, atento a esses aspectos foi realizado um movimento de proximidade com a metodologia da pesquisa de caráter etnográfico na educação, pois revelou-se a necessidades do acompanhamento, registro e descrição teatral que se realiza nas performatividades e que falam de preservação do Meio Ambiente. O uso de uma metodologia com aspectos etnográficos nesse artigo proporcionou uma maior imersão do pesquisador no campo da pesquisa e possibilidade de aprimorar o olhar direcionado às aprendizagens inscritas no espaço escolar. Fazer etnografia é documentar, descrever e analisar o estilo de vida ou padrões específicos da cultura do outro, para apreender seu modo de viver em seu ambiente natural, é descrever particularidades que possibilitem a descoberta de conhecimentos outros, bem como sua interpretação em relação a determinados aspectos sociais.

A etnografia a serviço da antropologia antigamente olhava para um outro claramente definido, categorizado como primitivo, tribal ou não ocidental, ou pré-letrado, ou não histórico […]. Hoje a etnografia encontra outros em relação a si própria, enquanto se vê a si mesma como outra (CLIFFORD, 1986, p. 23).

Desse modo, a linguagem não é mediadora da visão e sim o próprio pensamento, concretizado aqui nas performances teatrais dos alunos que falam, pelo teatro, de educação, algo “capaz de romper com as limitações da escrita e transmissão oral, assim, quando alguém ou algo é descrito pelo etnógrafo tem-se uma realidade criada, um conhecimento produzido” (COSTA, 2000, p. 77). No que se refere a realidade educativa, a etnografia torna-se complexa, dinâmica, interativa, o que situa o fenômeno aspectos importantes, tais como crenças, valores, ancestralidade, significados que não sendo diretamente observáveis são, por isso, difíceis de investigar, sua captação é um desafio para qualquer investigação educacional. “O trabalho de campo é significativamente composto de eventos de linguagem” (CLIFFORD, 2008, p. 41-42),coadunando, Angrosino (2009) pontua:

etnografia significa literalmente a descrição de um povo. É importante entender que a etnografia lida com gente no sentido coletivo da palavra, e não com indivíduos. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupo organizados, duradouros, que podem ser chamados de comunidades ou sociedades. O modo de vida peculiar que caracteriza um grupo é entendido como a sua cultura. Estudar a cultura envolve um exame dos comportamentos, costumes e crenças aprendidos e compartilhados do grupo (ANGROSINO, 2009, p. 16).

Na pesquisa de campo a descoberta do outro, produz uma reconfiguração na relação com a alteridade, pois implica em uma instigante e sistemática atitude de acompanhamento do grupo que envolve o estranhamento do olhar habitual e a familiaridade do estranho na relação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados no processo de produção do conhecimento. Como aborda Clifford:

Na verdade, nosso contato com o outro não é realizado por meio da análise. Antes, nós o apreendemos como um todo. Desde o início, podemos esboçar nossa visão dele a partir de um detalhe simbólico, ou de um perfil, que contém um todo em si mesmo e evoca a verdadeira forma de seu modo de ser. Esta última é o que nos escapa se abordamos nosso próximo usando apenas as categorias de nosso intelecto. (CLIFFORD apud LEENHARDT, 2008, p. 37).

Nesse sentido, a aproximação e o uso do método etnográfico é importante a fim de apreender e compreender a realidade vivida, experimentada e performativa, com o intuito de assim os dados produzidos traçarem o caminho teórico-prático a ser percorrido durante as descrições, análises e os resultados da pesquisa, suas hipóteses vão sendo construídas progressivamente à medida que os dados respondem ou não aos questionamentos feitos. Como podemos observar no diz Rocha e Eckert:

A inserção no contexto social objetivado pelo pesquisador para o desenvolvimento de sua pesquisa o aproxima cada vez mais dos indivíduos, dos grupos sociais que circunscrevem seu universo de pesquisa. Junto a essas pessoas o pesquisador tece uma comunicação densa orientada pelo seu projeto de intenções de pesquisa. O antropólogo americano Clifford Geertz (1978) sugere aqui que estaremos desvendando o tom e a qualidade de vida cultural, o ethos e o habitus do grupo, ou seja, estaremos interpretando o sistema simbólico que orienta a vida e conforma os valores éticos dos grupos sociais em suas ações e representações acerca de como viver em um sistema social. (ROCHA; ECKERT, 2008).

Por fim, fazer etnografia no campo educacional significa acompanhar a produção subjetiva da cultura expressa na arte teatral que fala de preservação ambiental e como suas práticas artístico-culturais impregnam o currículo da Escola Bosque de conceitos sustentáveis, construindo uma zona de visibilidade discursiva e, com isso, caminhar rumo a um mundo mais COP305. É abrir caminhos em meio às contingências e determinações do mundo, com vistas à construção de um mundo com mudanças mais reais de preservação de nossos biomas, “já que a tarefa do conhecer é sempre incompleta” (LOURO, 2007, p. 238).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa escrita performática existente na apresentação/atuação do corpo/aluno é uma fascinante travessia fluvial, um pô pô pô 6que navega pelo imaginário do paraense, uma expressão mitológica popular que atracada nos trapiches do conhecimento científico, embarcam os alunos da Escola Bosque, são povos das águas e territórios que, navegando por rios ora conhecidos ora desconhecidos do saber, por canais e braços fluviais turbulentos, revelam, com suas artes teatrais, um discurso sustentável transformador, rompendo com a calmaria dos rios, uma aprendizagem limitada, um currículo ultrapassado que se revela incapaz de explorar a grandiosidade dos rios que banham nossa cidade e escrita representada nos palcos e que agora ganha vida, performatividade e força como a pororoca, na movimentação e na vertente de uma educação presente nas performances teatrais de alunos e alunas da Escola Bosque.


4 Disponível em: http://aldemyrfeio.blogspot.com.br/2008/04/outeiro-115]-anos-fazendo-feliz-o- povo.html. Acesso em junho de 2023.

5 O Brasil sediará pela primeira vez uma cúpula mundial do clima das Nações Unidas, o evento mais relevante do segmento. De forma inédita e emblemática, a COP30 acontecerá em novembro de 2025 em Belém (PA), uma metrópole no coração da floresta amazônica, seis anos após o governo Bolsonaro se negar a receber o encontro no país.

6 Nome popular dado às embarcações que realizam travessias entre as Ilhas que compõem o cenário paradisíaco do Estado do Pará.


REFERÊNCIAS

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1Licenciada em Arte Visuais pela ESMAC, técnica em cenografia pela Universidade Federal do Pará, mestranda em Ciência da Educação pela Facultad interamericana. E-mail: profmisleny@hotmail.com.

2Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú e Educação Física pela Universidade Federal do Pará. Pós-Graduada em Psicologia Educacional com ênfase em Psicopedagogia Preventiva pela Universidade Estadual do Pará; Gestão Escolar pela Universidade Federal do Pará (Escola de Gestores) e Mestranda em Ciências da Educação pela Faculdade Interamericana de Ciências Sociais E-mail: macedoraisinery@gmail.com.

3Graduada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia, História pela Anhanguera, Artes Visuais e graduanda em Sociologia pela Faveni, Bacharel em Direito pela Fabel, Pós-graduada em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Pará, Metodologia do Ensino da História, Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia e Educação Especial Inclusiva pela Anhanguera,  mestranda da Facultad de Ciencias Sociales Interamericana. E-mail: katya.cmelo@escola.seduc.pa.gov.br.