A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA PELA AUTORIDADE POLICIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10854590


Carlos da Silva Lopes1
Jogli Bandeira de Sousa2
Jacson da Silva Sousa3


RESUMO

A aplicação do princípio da insignificância ou bagatela pela autoridade policial tem uma relevância significava no ordenamento jurídico brasileiro, pois, desafogará o Poder Judiciário com demandas que em instâncias superiores serão tidas como atípicas pelos magistrados. É imperioso mencionar que tal instrumento jurídico, ao ser aplicado pelo delegado de polícia, tem que está fundamentado de forma técnico jurídico e em conformidade com os requisitos objetivos e subjetivos, sedimentados pelo Supremo Tribunal Federal. O entrave da não aplicação de tal princípio pelo delegado de polícia, é justamente a falta de uma legislação pertinente, que oferecesse segurança jurídica para que então tornasse algo uniforme em todo o território nacional. Sendo mister que a autoridade policial diante de um caso concreto, em uma infração penal, formalmente típica, porém materialmente atípica, pode fazer uso de tal princípio, abstendo-se de lavrar o auto de prisão em flagrante e/ou não instaurando o inquérito policial, assegurando os direitos e garantias fundamentais do cidadão, previsto de forma expressa em nossa Constituição Federal.

Palavras chaves: princípio; autoridade; delegado; insignificância; aplicação.

ABSTRACT

The application of the principle of insignificance or trifling by the police authority has significant relevance in the Brazilian legal system, as it will relieve the Judiciary with demands that in higher instances will be considered atypical by magistrates. It is imperative to mention that such a legal instrument, when applied by the police chief, must be plausibly based and in accordance with the objective and subjective requirements, established by the Federal Supreme Court. The obstacle to the nonapplication of this principle by the police chief is precisely the lack of relevant legislation, which would offer legal certainty so that it could then become something uniform throughout the national territory. It is necessary that the police authority, faced with a specific case, of a criminal offense, formally typical, but materially atypical, can make use of this principle, refraining from drawing up a report of arrest in the act and/or not initiating a police investigation, guaranteeing and ensuring the fundamental rights and guarantees of citizens, expressly provided for in our Federal Constitution.

Keywords: principle; authority; delegate; insignificance; application.

1 INTRODUÇÃO

O princípio da insignificância ou bagatela tem natureza jurídica de exclusão da tipicidade material da infração penal, respeitados os requisitos objetivos e subjetivos fixados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do pedido de Habeas Corpus (Supremo Tribunal Federa – Habeas Corpus nº 102088 – Rio Grande do Sul, Relator: Ministra Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 06/04/2010, Primeira Turma)4, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade da conduta do agente, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão ao bem jurídico.

De acordo com Masson5, no direito penal existe a máxima minimis non curat pratetor, ou seja, o poder judiciário não deve se ater a coisas ínfimas, sendo a ultima ratio, quando outros meios legais menos gravosos não forem suficientes para a percepção educativa da sanção imposta, nos termos dos princípios da intervenção mínima do estado e da fragmentariedade.

Para que uma infração penal se amolde perfeitamente em nosso ordenamento jurídico, e que, consequentemente, seja aplicado a respectiva sanção penal, tem-se que haver além da tipicidade formal (o ato praticado se adequa à norma penal), a chamada tipicidade material (o ato praticado causou lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado).

A lei nº 12.830, de 20 de junho de 20136 que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, aduz em seu art. 2º, §6º, que o indiciamento será realizado mediante ato fundamentado em uma análise técnicojurídico do fato, que deverá apresentar a autoria, a materialidade e as circunstâncias da infração penal, o que em tese, ensejaria ao delegado de polícia a aplicação do princípio da insignificância diante de um caso concreto.

A problemática da pesquisa girou em torno da relevância, para a sociedade, da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial no caso concreto.

Os objetivos assentaram-se em analisar os requisitos objetivos e subjetivos fixados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para aplicação do princípio da insignificância e a importância da aplicabilidade pelo delegado de polícia, como também, perquirir o conceito e a origem do princípio da insignificância e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, examinar a legalidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial, avaliar a constitucionalidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial.

A escolha do tema esteve atrelada à lentidão das demandas judiciais, muitas vezes desnecessárias e bastante onerosas, que abarrotam o poder judiciário brasileiro, que devido a tais demandas, acabam não prestando de forma satisfativa a prestação jurisdicional adequada.

A controvérsia girou em torno da possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial em fase anterior à instauração de inquérito policial, o que acarretaria de pronto uma diminuição considerável de processos, que em uma análise jurisprudencial excluiria a tipicidade material da infração penal, afastando a percepção substancialmente do crime, pois nesses casos a lesão ao bem jurídico ou ameaça de lesão não foi verificado, atendidos os pressupostos assentados pelo Pretório Excelso.

A comunidade acadêmica, juntamente como a sociedade devem discutir de forma exaustiva, o tema proposto, pois afeta de forma significativa os rumos que o ordenamento jurídico brasileiro caminha para uma justiça equitativa como um todo. 

2 MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa teve natureza de cunho básico, em virtude da busca em compreender os efeitos concretos da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial no ordenamento jurídico brasileiro.

A pesquisa possuía o desígnio de ser exploratória e descritiva. O desígnio exploratório tem com base demonstrar a importância da aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia, ao passo que o desígnio descritivo pretende demonstrar como tal aplicação aliviará as demandas judiciais, como também a economia estatal e celeridade das persecuções penais.

A presente pesquisa tinha como característica precípua realizar uma revisão minuciosa da literatura com base na pesquisa bibliográfica em doutrinas, legislações, jurisprudências e artigos científicos publicados que versem sobre o tema, e que trazem conteúdo robusto para uma análise crítica do tema com reflexo em toda a sociedade, o que permitirá uma compreensão ampla das mais variadas possibilidades de aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia e o resultado prático de tal instrumento jurídico no caso concreto.

Por intermédio das palavras chaves aplicação do princípio da insignificância e autoridade policial, foram procurados artigos científicos, livros, jurisprudências, dentre outras publicações relevantes para a pesquisa nas bases de dados: Google acadêmico, Scielo, Biblioteca Virtual da Fimca, Biblioteca do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, devido as grandes obras literárias de suma importância publicadas acerca do tema.

Assim, no tocante à abordagem, a perspectiva da pesquisa fora qualitativa, com a finalidade de levantamento do que já fora produzido em um caráter dedutivo, e ainda tendo como característica a pesquisa exploratória, com o intuito de realizar uma compreensão sistemática do tema na visão do aplicador de tal instituto jurídico, como também o reflexo em toda a sociedade civil.

3 RESULTADOS

De certo, que tal instituto jurídico vem sendo aplicado pelos delegados de polícia do Estado de Mato Grosso do Sul, de acordo com a coluna: “Coluna Atualização Jurídica: Delegado de Polícia deve aplicar o princípio da insignificância?”7 onde no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 126.272, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em um caso concreto de aplicação do princípio bagatelar, o ministro relator enfatizou que o delegado de polícia agiu corretamente ao aplicar tal instituto, não ratificando a prisão em flagrante, reconhecendo além do valor irrisório do produto furtado, os outros requisitos que ensejam a aplicação de tal princípio, por se tratar de um procedimento de verificação preliminar de informações (VPI), e não inquérito policial, o que vem expressamente vedado no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 17, do Código de Processo Penal (CPP), a autoridade policial arquivar autos de tal procedimento.

Logo após a instituição da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 20138, que assentiu à autoridade policial a condição de carreira jurídica, suscitando maior autonomia dos procedimentos ao qual venha a presidir na atividade policial. E, grande parte da doutrina segue a linha de entendimento e lesionam que a autoridade policial é o primeiro a intervir nas garantias fundamentais dos indivíduos submetidos ao jus puniend estatal, isto é, ao poder de punir do Estado, logo poderiam perfeitamente numa análise jurídica e fundamentada aplicar o princípio da bagatela diante do caso concreto.

A aplicação do princípio da insignificância, em hipótese alguma, deve ser confundida com a adequação social, uma vez que, enquanto esta última presume-se a aprovação social da conduta típica, a primeira pressupõe a tolerância da sua prática em face da inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado, permanecendo, todavia, socialmente uma conduta inapropriada no ordenamento jurídico, constituindo em uma clara política criminal.

É de suma importância que os futuros operadores do direito conheçam tal instituto e a sua aplicabilidade no caso concreto, os requisitos objetivos e subjetivos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, e que tal princípio se adequa a uma política criminal (aplicação das normas penais em consonância com o interesse da sociedade), muito além do que simplesmente uma função jurídica (aplicação das normas penais em consonância com o ordenamento jurídico).

4. DISCUSSÃO

O princípio da insignificância tem sua origem no Direito Romano, todavia, delimitado ao direito privado, com raízes no brocardo minimis non curat pratetor, ou seja, o poder judiciário não deve se ater a coisas ínfimas.

Tal princípio fora incorporado ao Direito Penal na década de 1970, mais precisamente em 1964, pelo doutrinador alemão Claus Roxin, também indicada como crime de bagatela, onde o Estado não deve atuar quando a lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, for de pequena monta, isto é, lesões pequenas, consideradas insignificantes, não sendo capazes de colocar em perigo tal bem juridicamente protegido.

Conforme leciona Bitencourt9:

Com efeito, a insignificância ou irrelevância não é sinônimo de pequenos crimes ou pequenas infrações, mas se refere à gravidade, extensão ou intensidade da ofensa produzida a determinado bem jurídico penalmente tutelado, independentemente de sua importância. A insignificância reside na desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade da sanção cominada. A insignificância situa-se no abismo que separa o grau da ofensa produzida (mínima) ao bem jurídico tutelado e a gravidade da sanção que lhe é cominada. É nesse paralelismo — mínima ofensa e desproporcional punição — que deve ser valorada a necessidade, justiça e proporcionalidade de eventual punição do autor do fato. Por isso, não vemos grande diferença entre um pequeno furto e uma insignificante ofensa a determinado bem jurídico da administração pública, por exemplo (funcionário público que aceita de alguém um modesto brinde de Natal, sem alterar sua conduta). Com efeito, repetindo, em outros termos, o que dissemos inicialmente, a tipicidade penal exige ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos tutelados, pois não é qualquer ofensa a tais bens suficiente para configurar o injusto típico. 

Os Requisitos para aplicação do princípio da insignificância no ordenamento jurídico brasileiro:

a) requisitos objetivos

Os requisitos objetivos foram fixados pela jurisprudência do Suprem Tribunal Federal, quais sejam: i) mínima ofensividade da conduta; ii) ausência de periculosidade social da ação; iii) reduzido grau de reprovabilidade da conduta e iv) inexpressividade da lesão jurídica.

Vejam o seguinte julgado do STF10

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO E TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. NOTÍCIA DA PRÁTICA DE VÁRIOS OUTROS DELITOS PELO PACIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 2.

Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

b) requisitos subjetivos

Os requisitos subjetivos dizem respeito aos sujeitos da relação jurídica penal: vítima e agente da infração penal, seja crime ou contravenção penal.

É vedada a incidência do princípio da insignificância ao agente reincidente, criminoso habitual e militar.

O Supremo Tribunal Federal11 fixa os requisitos no que se refere à vítima: 

Já do ângulo da vítima, o exame da relevância ou irrelevância penal deve atentar para o seu peculiarmente reduzido sentimento de perda por efeito da conduta do agente, a ponto de não experimentar revoltante sensação de impunidade ante a não-incidência da norma penal que, a princípio, lhe favorecia.

No tocante à vítima, há que se verificar a importância do bem jurídico lesado, a sua condição econômica, valor sentimental da coisa e as circunstâncias e o resultado da infração, para auferir se realmente causou lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado.

A incidência do princípio da insignificância no direito pátrio ocorre nos seguintes casos: o princípio da bagatela é aplicável a qualquer tipo de infração penal com ele compatível, e não apenas aos crimes que lesionam o patrimônio, atendendo aos pressupostos objetivos e subjetivos, todavia, a maior incidência de tal princípio é ao furto, artigo 155, do Código Penal (CP)10: “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”; como também, há infrações que não comportam a incidência do princípio em tela, quais sejam: crimes hediondos e equiparados (tortura, terrorismo, tráfico de drogas…), crimes contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito, crimes de racismo, ação de grupos armados militares ou civis, roubo e outros crimes praticados com violência e grave ameaça, crimes contra a Administração Pública, violência doméstica ou familiar contra a mulher, entre outros.

Para o Supremo Tribunal Federal11

O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação inserese num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves. Numa visão humanitária do Direito Penal, então, é de se prestigiar esse princípio da tolerância, que, se bem aplicado, não chega a estimular a ideia de impunidade. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da insignificância, é imprescindível que aplicação se dê de maneira criteriosa, contribuindo sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público.

O crime de furto tipificado no Código Penal (CP), abrange qualquer bem material, não considerando o seu valor e importância para o titular do referido bem. Todavia, o Direito Penal, não se presta a proteger a subtração de um palito de fósforo ou uma folha de papel, delimitando a intervenção estatal em tais ocorrências.

A incidência do princípio em questão, de fato, conduz rumo à atipicidade do fato, por ausência da chamada tipicidade material. E, atua com mecanismo de subsídio para o intérprete diante da análise técnico-jurídico do tipo penal, para excluir do âmbito penal as infrações tidas como bagatelas.

Segundo Greco12, 13:

A aplicação do princípio da insignificância não poderá ocorrer em toda e qualquer infração penal. Contudo, existem aquelas em que a radicalização no sentido de não se aplicar o princípio em estudo nos conduzirá a conclusões absurdas, punindo-se, por intermédio do ramo mais violento do ordenamento jurídico, condutas que não deviam merecer a atenção do Direito Penal em virtude da sua inexpressividade, razão pela qual são reconhecidas como de bagatela.

O princípio da insignificância tem como fim, a chamada política criminal (aplicação das normas penais em consonância com o interesse da sociedade), em uma análise limitada da lei criminal.

4.1 Atribuição constitucional da autoridade policial 

Nos termos do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal14, cabe ao delegado de polícia presidir o inquérito policial (instrumento administrativo para apuração da autoria e materialidade de infrações penais), vejam:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.   § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto os militares.

A autoridade policial é o primeiro interventor dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, cabendo a apuração de infrações penais e fazer cumprir a legislação vigente em prol da sociedade.

Tal dispositivo constitucional, é avaliado por grande parte da doutrina, como fonte constitucional de aplicação do princípio da bagatela pela autoridade policial legalmente investida no cargo.

4.1.1 O inquérito policial: instrumento administrativo privativo da autoridade policial

O inquérito policial é um instrumento administrativo de uso privativo do delegado de polícia para apuração de autoria e materialidade de infrações penais, justamente o que designa sua natureza jurídica.

Em conformidade com Rangel15:

Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal.

O inquérito policial é imprescindível à propositura da ação penal, tem função garantidora e é tido como procedimento preliminar ao processo penal, que traz elementos robustos para que o Ministério Público ofereça denúncia ao Poder Judiciário.

Suas principais características são: inquisitivo: sem contraditório e ampla defesa; discricionário: liberdade de agir para apuração da infração penal; sigiloso: necessário à elucidação da infração e os interesses da sociedade; formal: as peças do inquérito devem ser escritas ou digitadas; unidirecional: único objeto, qual seja a apuração do fato delituoso; indisponível: uma vez instaurada, o delegado de polícia não pode arquivar, nos moldes do artigo 17, do Código de Processo Penal (CPP); oficiosidade: ao tomar conhecimento de uma infração penal, cuja ação seja pública incondicionada, deve agir de ofício.

Conforme preceitua Estefam e Gonçalves16:

Quando é cometido um delito, deve o Estado, por intermédio da polícia civil, buscar provas iniciais acerca da autoria e da materialidade, para apresenta-las ao titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido), a fim de que este, apreciando-as, decida se oferece a denúncia ou queixa-crime. Uma vez oferecidas, o inquérito policial as acompanhará, para que o juiz possa avaliar se há indícios suficientes de autoria e materialidade para recebê-las. Pode-se, por isso, dizer que o destinatário imediato do inquérito é o titular da ação (Ministério Público ou ofendido) e o destinatário mediato é o juiz.

Destarte, o inquérito policial tem caráter informativo, tendo por fim, fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, em conformidade com a infração penal os elementos imprescindíveis para a propositura da ação penal, abarcando valor probatório, embora, os elementos colhidos durante a persecução inquisitiva não estejam sob a égide da ampla defesa e do contraditório, que são ramificações do devido processo legal.

4.1.2 A legalidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

O delegado de polícia como primeiro interventor das garantias e direitos fundamentais do cidadão, ao se deparar durante o ofício com uma infração penal totalmente cabível a aplicação do princípio da insignificância, isto é, com a possível exclusão da tipicidade material do fato, atendido os requisitos objetivos e subjetivos, fixados pelos tribunais superiores desafogaria o Poder Judiciário de demandas judiciais, traria economia para o Estado, não movimentaria toda a máquina estatal para analisar um fato que posteriormente seria considerado atípica e atenderia à política criminal que se propõe tal instrumento, que é a intervenção mínima do estado, caráter fragmentário do direito penal e garantir o direito de liberdade dos indivíduos.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não coaduna com esse pensamento, vislumbrando que apenas o Poder Judiciário tem poder de reconhecer a aplicação de tal princípio, cabendo ao delegado de polícia, diante do caso concreto efetuar a prisão em flagrante e/ou instaurar o inquérito policial. O juízo de admissibilidade do princípio em tela é realizado em momento posterior, pelo Estado juiz. 

De acordo com Masson17:

Com o devido respeito, ousamos discordar desta linha de pensamento, por uma simples razão: o princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial. Não se pode conceber, exemplificativamente, a obrigatoriedade da prisão em flagrante no tocante à conduta de subtrair um único pãozinho, avaliado em poucos centavos, do balcão de uma padaria, sob pena de banalização do Direito Penal e do esquecimento de outros relevantes princípios, tais como o da intervenção mínima, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da lesividade. Para nós, o mais correto é agir com prudência no caso concreto, acolhendo o princípio da insignificância quando a situação fática efetivamente comportar sua incidência.

A lei 12.830, de 20 de junho de 201318, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, aduz em seu artigo. 2º, §6º, que: 

As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. § 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Sendo a referida lei, considerada pela doutrina majoritária, fonte legal de aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia, que é uma função de natureza jurídica, atendendo os requisitos de um ato fundamentado e uma análise técnica-jurídica da infração penal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A autoridade policial, de acordo com a doutrina e o ordenamento jurídico, é considerado o primeiro interveniente dos direitos e garantias fundamentais do cidadão que está prestes a ter sua liberdade cerceada, evitando abusos por parte de agentes estatais, não atuando apenas de forma administrativa, mas antes da instauração do inquérito policial, em fase anterior à instauração processual.

Nestes termos, as doutrinas majoritárias defendem que a aplicação do princípio da insignificância pode ser também adotada pelo delegado de polícia, como mais uma tutela dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurados na Constituição Federal. 

A insignificância ou irrelevância de determinada infração penal dever ser aferida não somente em relação a relevância do bem jurídico tutelado, mas especificamente, a gravidade de sua intensidade, em uma análise jurídica subjetiva, em relação ao dano suportado pelo sujeito passivo da relação.

O delegado de polícia não é um aparato estatal de encarcerar, e sua livre convicção motivada não pode ser compensada por uma atuação engessada, conforme exposto na Lei de Investigação Criminal, que concede ao EstadoInvestigação a atribuição de realizar uma análise técnico-jurídico da infração penal sob seu exame.

O princípio da insignificância surge como um verdadeiro mecanismo de apreciação limitativa da infração penal. Não dever ser interpretado apenas em seu aspecto formal, de junção do fato à lei, porém, crucialmente, em seu espectro material, de viés valorativo, no sentido da real lesão ao bem juridicamente tutelado pelo ordenamento jurídico, o que acaba consagrando outro postulado da esfera penal, qual seja, o da fragmentariedade.

Por fim, a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial tem natureza jurídica de exclusão da tipicidade material de determinada infração penal. Destarte, se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta natureza semelhante na fase inquisitorial. E, se tal princípio for aplicado pelo delegado de polícia, evitaria o movimento desnecessário da máquina estatal judiciária, contribuindo com o desafogamento das demandas no Poder Judiciário e o desencarceramento das penitenciárias de todo o território nacional. 


4BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF (1º Turma). Habeas Corpus. Constitucional. Penal. Furto e Tentativa de Furto. Alegação de incidência do Princípio da Insignificância: Inviabilidade. Notícia da prática de vários outros delitos pelo paciente. HC: 102088 – RS. Rio Grande do Sul. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/9226281. Acesso em: 05 mar. 2024.

5MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) – volume 1. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2019. p. 120.

6BRASIL. Lei 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 05 de mar. 2024.

7ZANOTTI, Bruno. Coluna atualização jurídica: Delegado de Polícia deve aplicar o princípio da insignificância? Associação dos delegados de polícia do Estado de Mato Grosso do Sul – Adepol – MS. Mato Grosso do Sul, 05 de abril de 2023. Disponível em: https://adepolms.org.br/colunaatualizacao-juridica-delegado-de-policia-deve-aplicar-o-principio-da-insignificancia/. Acesso em: 05 de mar. 2024. 

8BRASIL. Lei 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 05 de mar. 2024.

9BITENCOURT, Cezar Roberto. Coleção Tratado de Direito Penal: Parte Geral. Volume 1. 26ª edição.  São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

10BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF (1º Turma). Habeas Corpus. Constitucional. Penal. Furto e Tentativa de Furto. Alegação de incidência do Princípio da Insignificância: Inviabilidade. Notícia da prática de vários outros delitos pelo paciente. HC: 102088 – RS. Rio Grande do Sul. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/9226281. Acesso em: 05 mar. 2024.

11BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma) – Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Direito penal. Furto qualificado mediante concurso de duas ou mais pessoas. Princípio da insignificância. Ínfima expressão econômica. HC 110.953, Rio Grande do Sul – RS. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61701/aplicaes-do-princpio-da-insignificncia. Acesso em: 06 mar. 2024.

10BRASIL. Decreto-lei nº2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm. Acesso em: 06 mar. 2024.

11BRASIL. Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Ministro Ayres Brito. Habeas Corpus. Crime Militar. Peculato-Furto. Munições de armamento de uso restrito de uso restrito das Forças Armadas. Inaplicabilidade do postulado da insignificância. Dosimetria da pena. Vetores do artigo 69, do Código Penal Militar. Fundamentação suficiente. Substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Ínfima expressão econômica. Rio de Janeiro. Data de Julgamento: 26/10/2010, Segunda Turma. Disponível em: https://jus.com.br. Acesso em: 07 de mar. 2024.

12GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal.

13ª edição. Barueri, São Paulo: Atlas, 2022.

14BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/c onstituicao.htm. Acesso em: 06 de mar. 2024.

15RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 29ª edição. Barueri, São Paulo: Atlas, 2021.

16ESTEFAM, André e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito Penal Esquematizado. 8ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

17MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120) – volume 1. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2019. p. 126.

18BRASIL. Lei 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 06 de mar. 2024. 

REFERÊNCIAS

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AVENA, Norberto. Processo Penal. 15ª edição: revista e atualizada. Rio de Janeiro: Método, 2023.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Coleção Tratado de Direito Penal: Parte Geral. Volume 1. 26ª edição.  São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/c civil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 de mar. 2024.

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1Acadêmico do curso de Bacharel em Direito. Artigo apresentado a Faculdades Integradas Aparício Carvalho – Fimca, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.

2Acadêmico do Curso de Bacharel em Direito. Artigo apresentado a Faculdades Integradas Aparício Carvalho – Fimca, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.

3Professor Orientador. Professor do curso de Bacharel em Direito