A MODALIDADE BILÍNGUE NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: UMA INTERPRETAÇÃO DA LEI QUE ALTERA A LDB

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10935818


Marcus Vinicius Freitas Pinheiro1
Ana Regina e Souza Campello2


Resumo

Este presente artigo visa esclarecer as alterações feitas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996)), baseado na Lei Federal nº 14.191/2021 (BRASIL, 2021), que insere a modalidade de educação bilíngue de surdos. Através dela há uma explanação das mudanças ocorridas em busca de melhorar a qualidade da educação de surdos no Brasil sendo que o enfoque principal é a necessidade de se estabelecer a criação de Escolas Bilíngues para Surdos prevista na Meta 4 do Plano Nacional de Educação 2014/2024 (BRASIL, 2014).

Palavraschave: Bilinguismo, LDB, Surdos.

Abstract

This article aims to clarify the changes made to the Law of Guidelines and Bases for National Education (Law 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996)), based on Federal Law no. 14.191/2021 (BRASIL, 2021), which introduces the modality of bilingual education for the deaf. Through it, there is an explanation of the changes that have taken place in search of improving the quality of education for the deaf in Brazil, the main focus being the need to establish the creation of Bilingual Schools for the Deaf provided for in Goal 4 of the National Education Plan 2014/2024 (BRASIL, 2014).

Keywords: Bilingualism, LDB, Deaf.

Introdução

Desde que o professor surdo francês Edouard Huet veio para o Brasil, em 1855 com ensejo de ensinar as crianças surdas, pela experiência de ser ex-diretor do Instituto Bourges (França) e em 1857, com o apoio do Imperador D. Pedro II, fundou a primeira escola de surdos no Brasil, passaram se anos de lutas para a construção de uma escola ideal para os surdos no país. Foram tantas as descobertas, a língua, a cultura, a identidade.

Em 2002, o Brasil reconheceu a Língua Brasileira de Sinais – Libras como língua através da Lei nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002). Em 2005 foi sancionado o Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005) que regulamentava a Lei 10.436/2002. Dando início para o Exame Nacional de Proficiência em Libras – Prolibras[3] e o surgimento das Faculdades de Letras/Libras, sendo a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC a pioneira nestes dois trabalhos. 

Com isso originou o desenvolvimento e a expansão da Libras em nosso país formando professores principalmente nas áreas de Pedagogia e Letras.

O Bilinguismo

Os trabalhos desenvolvidos por Daniele Bouvet na França e na Suécia nos anos 80 do século passado, reforçou a tese da importância do Bilinguismo na Educação de pessoas surdas. No Brasil destacamos as pesquisas de Lucinda Ferreira Brito (1995), Ronice Müller de Quadros (1997) e Lodenir Becker Karnopp (2004, p.106), que enfatizaram a necessidade da Educação Bilíngue de Surdos.

Skliar (1998) apud PERLIN e STROBEL (2008, p. 16-17), apresentam um quadro sobre quatro diferentes projetos políticos que sustentam e subjazem à Educação Bilíngue para Surdos.

Quadro 1 – Bilinguismo com aspecto tradicional

Fonte: Adaptado de Skliar apud Perlin e Strobel, 2008.

Neste modelo geralmente pensam a surdez como doença e acreditam que o surdo só poderá ser capaz se aprender a falar. Por isso a definição de tradicional pois é costume acreditar que todo surdo pode e deve falar oralmente.

Quadro 2 – Bilinguismo com aspecto humanista e liberal

Fonte: Adaptado de Skliar apud Perlin e Strobel, 2008.

Apesar de se pensar numa igualdade natural, nota-se o privilégio em atender os ouvintes em detrimento aos surdos devido ao fato de que os professores principalmente nas escolas de educação inclusiva em sua maioria são ouvintes.

Sendo que os surdos são forçados a se superarem para mostrar ter potencial.

Quadro 3 – Bilinguismo progressista

Fonte: Adaptado de Skliar apud Perlin e Strobel, 2008.

Aqui notamos uma característica comum no Surdo, mas ao mesmo tempo este trabalho peca ao não dar ênfase ao conhecimento da história e da cultura surda, deixando de lado a necessidade de reforçar as identidades surdas política ou híbrida deles.

Quadro 4 – Bilinguismo crítico na educação dos surdos

Fonte: Adaptado de Skliar apud Perlin e Strobel, 2008.

Esta modalidade seria a ideal se não fosse a mediação oral deveriam sim trabalhar o bilinguismo de forma diferenciada proporcionando o aprendizado através da visualidade surda, utilizando a Libras como idioma pedagógico e reforçando o aprendizado dela como primeira língua (L1) dando sequência ao aprendizado da Língua Portuguesa em sua modalidade escrita como segunda língua (L2)

transformando esta língua como uma “língua alvo” pois o surdo precisa aprender a ler e escrever na língua pátria, para poder interagir com a sociedade.

Embora se tenha conhecimento destes quatro diferentes projetos políticos de educação bilíngue de pessoas surdas, surge a questão que envolve o pensamento de muitos educadores que atendem a escola inclusiva: afinal o que é Atendimento Educacional Especializado para Surdos?

Em primeiro caso é importante saber que o professor do AEE é na verdade um professor investigador, capaz de analisar, observar e fazer um estudo de casos buscando suprir as barreiras que existem para o educando. Proporcionando a ele uma acessibilidade maior ao aprendizado. Não é papel deste profissional preparar um planejamento nem os conteúdos de aula. 

A proposta do Atendimento Educacional Especializado para surdos objetiva dar um suporte educacional maior para os surdos e apresentamos aqui três diferentes formas de atendimento educacional especializado a saber:

Quadro 5 – Formas de Atendimento Educacional Especializado

Fonte: Elaborado pelos autores.

Cada uma delas contempla um determinado tipo de trabalho que tentam promover as necessidades educacionais dos surdos. Além disso em cada local ainda pensam que o AEE deve ser realizado no contraturno, com cada lugar trabalhando diferentes modalidades que são denominados três momentos didáticos pedagógicos:

Quadro 6– Modalidades Didático Pedagógicas

Fonte: Elaborado pelos autores.

Não basta apenas ter a presença do intérprete na sala de aula. O AEE para surdos ideal deve ser pautado na primeira modalidade com a presença de profissionais surdos adultos, com professores surdos e ouvintes qualificados, além do envolvimento da família para que essa possa entender a importância da aquisição linguística, da cultura surda e da identidade surda. 

As três outras modalidades citadas são importantes pois agregam conhecimento, uma aula de conversação em Libras no contraturno para os educandos surdos seria ótima pois daria mais condições de adquirir o conhecimento da Língua de Sinais, e o ensino da Língua Portuguesa seria o reforço necessário, mas somente após o educando ter conhecimento linguístico e domínio da Língua de Sinais.

Apesar destas propostas, o ideal de uma educação bilíngue para pessoas surdas, é aquele onde a escola pudesse atender toda a demanda para que o educando se sinta em casa. A proposta da Modalidade Bilíngue vem para acrescentar isso. O trabalho tem que ser pautado num todo para o aprendizado do estudante surdo.

O Plano Nacional de Educação

No ano de 2014, no governo da Presidente da República, Dilma Rousseff, foi sancionado o Novo Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2014) em cujas propostas da Meta 4 que aborda a questão da Educação Especial, sugere até o final de 2024 a criação de Escolas Bilíngues para Surdos – EBPS, assim denominadas. Esta proposta foi comemorada pelas Comunidades Surdas brasileiras, no entanto sua interpretação gerou diversas formas. 

A partir do ano seguinte, diversos estados e municípios brasileiros estabeleceram seus novos Planos Estaduais e Municipais de Educação que tem o decênio 2015/2025 seguindo as diretrizes e normas das 22 metas do Plano Nacional de Educação e adaptando às suas realidades institucionais e locais. Alguns destes estados e municípios brasileiros no âmbito de querer fazer cumprir esta meta 4, se anteciparam e surgiram as Unidades Escolares intituladas Escolas Bilíngues para Surdos, sendo que algumas visavam a inclusão, enquanto outras visavam a Educação Especial. No entanto, podemos observar através do Sistema de Seleção Unificada – SISU, que só há registro de uma única escola situada na região sul do Brasil.

Nas unidades de ensino que visavam a inclusão, houve problemas porque com o passar do tempo os professores se dirigiam aos alunos ouvintes de forma oral deixando o surdo de fora da participação das interações. Isso fazia com que os estudantes se sentissem excluídos e não incluídos na própria escola bilíngue gerando aborrecimentos e revoltas por parte de estudantes e profissionais surdos destas unidades. 

Nas unidades que visavam a Educação Especial, não houve muitos problemas de exclusão, mas foi pontuado que não se tratava de Escola Bilíngue para Surdos e sim de Escolas Bilíngues de Surdos. Conforme vemos no quadro abaixo.

Quadro 7 – Escolas Bilíngues

Fonte: Elaborado pelos autores.

Neste contexto entendemos que as Escolas Bilíngue para Surdos funcionavam como escolas inclusivas, com classes especiais ou com Atendimento Educacional Especializado – AEE, seguindo os preceitos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).

Nestas unidades havia a questão de falta de empenho e dedicação por parte de alguns profissionais da educação, que por vezes trabalhavam poucos conteúdos e às vezes criavam-se turmas multisseriadas de educação bilíngue ensinando o mesmo conteúdo para todos os alunos.

Nesse contexto de Classe Multisseriada, nos leva a perceber que nestas unidades os profissionais estavam criando o que é previsto na LDB (BRASIL, 1996) em seu artigo 58, como Classe Especial. Se a escola é Bilíngue de surdos, para quê então se criar turmas multisseriadas? Não seria mais prático a criação de classes bilíngues para surdos conforme a Meta 4 do Plano nacional de Educação (BRASIL, 2014)? 

Poderíamos receber como resposta o argumento de que eram poucos alunos. Verdade! São poucos os alunos surdos, mas se a escola é voltada para eles os professores devem buscar trabalhar ao máximo o entendimento deles respeitando seus níveis de escolaridade e suas peculiaridades, ofertando um ensino que possa proporcionar ao educando surdo seu crescimento no saber.

Escolas Bilíngues devem ser instituições que trabalham a educação de forma bilíngue, isto é, com duas línguas de instrução, no caso da Educação de Surdos devemos utilizar como primeira língua – L1 a Língua Brasileira de Sinais – Libras e como segunda língua – L2 a Língua Portuguesa escrita, considerando que o surdo não pode nem deve ser obrigado a oralizar sendo respeitada a sua questão de identidade cultural[4].

Para um melhor entendimento, pesquisas publicadas por BRITO (1995, p.12); QUADROS (1997, p. 27) e KARNOPP (2004, p.106) demonstram que a educação ideal para Surdos deve ser através do uso do bilinguismo. Deixando bem claro que toda educação de surdos é bilíngue, considerando que o professor em sua aula escreve no quadro, utiliza materiais visuais em Língua Portuguesa, mas ensina com a instrução em Libras como idioma pedagógico (LELIS, 2001, p.54). O aluno por sua vez aprende através da visualidade (CAMPELLO, 2008, p. 129) da Libras, mas registra em seu caderno em Língua Portuguesa. Portanto, não resta dúvidas sobre esta modalidade de ensino. Entendemos assim que com a aprovação da Lei 14.191/2021 (BRASIL, 2021) a Escola Bilíngue seja uma escola bilíngue de verdade.

Vale lembrar que no Brasil não há formação de professores bilíngues, geralmente eles se autodenominam bilíngues (Libras/Língua Portuguesa) mas a formação acadêmica deles não é bilíngue. Podemos dar como exemplo o curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, em sua faculdade o instituto não forma professores bilíngues e sim pedagogos, embora sua grade curricular possua as disciplinas de Libras e de Metodologia de Ensino em Libras, a formação é de Pedagogia.

Conhecendo a LDB

A Lei 9.394/1996 que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB(BRASIL, 1996), é o documento norteador das diretrizes nacionais da educação brasileira, podemos ainda afirmar que a LDB é uma espécie de “Constituição” da Educação. Quem fiscaliza ela e deve fazê-la funcionar são os Pedagogos, profissionais da educação, habilitados em Gestão Escolar para os cargos de Professor Inspetor Escolar ou Professor Supervisor de Ensino. São eles que ajudam na construção dos preâmbulos e das minutas das propostas educacionais e fazem cumprir as normas da Legislação Educacional brasileira na sua íntegra.

A LDB (BRASIL,1996) se divide em dois níveis a saber: Educação Básica e Educação Superior sendo que a Educação Básica atende as desde crianças que nascem recebendo a estimulação precoce, cuja orientação está no artigo 205 da Constituição Federal, e da meta 4.7 da Lei 13.005/14 (BRASIL, 2014) e percorre ao longo da vida chegando a modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA. O Ensino Superior atende os educandos que atingem este nível capacitando-os para uma formação profissional de forma a inserir este estudante na sociedade.

Dentro destes níveis, temos oito modalidades de ensino, sendo que a segunda citada na figura abaixo foi inserida com a Lei 14.191/2021 (BRASIL, 2001).

Mostraremos aqui apenas quais são estas modalidades:

Quadro 8 – Modalidades de Ensino da LDB

Fonte: Adaptado da Lei 9.394/1996.

Apesar de termos diversas modalidades pode haver conjuntura entre elas, como por exemplo a Educação Bilíngue de Surdos pode ter dentro dela as modalidades da EJA, da EAD, da Educação Profissional e Tecnológica, entre outras.

Como se vê se a LDB (BRASIL, 1996) impõe, então devemos respeitar as normas que ela oferece, fazendo cumprir o que é proposto.

A Lei 14.191/2021

Em quatro de agosto de 2021, foi sancionada a Lei Federal 14.191 (BRASIL,2021), que partiu de um Projeto de Lei do Senador Paulo Arns[5]. Este Projeto de Lei foi acompanhado pelas Comunidades Surdas em suas votações tanto na Câmara Federal, quanto no Senado Federal, contou inclusive com a presença e participação de algumas lideranças surdas como Flaviane Reis[6], Patrícia Luiza Ferreira Rezende-Curione[7] e Marisa Dias Lima[8], como representantes da FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, principal entidade representativa dos Surdos no Brasil, além dos tradutores-intérpretes de Libras/Língua Portuguesa também contou com o sistema de audiodescrição.

Esta Lei altera cinco artigos da LDB (BRASIL,1996) e está diretamente ligada à inclusão dos educandos surdos. Além disso, ela permite que tanto os alunos, quanto seus responsáveis a possibilidade de escolha da modalidade de ensino. Isto supõe que além dos responsáveis pelo educando, o surdo independente ou maior de 18 anos pode escolher se vai querer cursar o ensino em escola regular de classes comuns ou se vai querer estudar em escola especializada de classes bilíngues. Vale ressaltar que na escola de classe comum não há a garantia da oferta dos auxiliares de classe com Libras nem os tradutores-intérpretes de Libras/Língua Portuguesa.

Evidenciamos aqui que a Lei não fala da criação da disciplina de Língua Brasileira de Sinais nas escolas e sim do uso da modalidade bilíngue como língua de instrução na educação de educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas à surdez.

Caso a instituição queira criar a disciplina de Libras em todos os níveis de escolaridade, ela deve possuir um documento de amparo legal emitido pelos órgãos responsáveis. Tais documentos que nos referimos podem vir através de um adendo ao regimento escolar, aprovado pelo Conselho de Educação que pode ser Federal, Estadual, Municipal ou Distrital, de acordo com a sua localidade, pode ser um Decreto ou uma Lei, até mesmo através de uma Instrução Normativa.

As Alterações da LDB

Como foi dito, as alterações na LDB (BRASIL,1996) foram feitas em cinco artigos a saber:

Art. 3º (…)

XIV – respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva.

Neste contexto, no que se trata dos princípios da educação, devemos respeitar a L1 dos surdos, a aquisição da sua identidade cultural e linguística referindo-se à nova modalidade de educação bilíngue de surdos. Portanto ele não deixa nenhuma dúvida a respeito.

Art. 60-A Entende-se por educação Bilíngue de surdos, para efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdos-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio educacional especializado, como o atendimento educacional especializado bilíngue, para atender às especificidades linguísticas dos estudantes surdos.

§ 2º A oferta de educação bilíngue de surdos terá início de zero ano, na educação infantil, e se estenderá ao longo da vida.

§ 3º O disposto no caput deste artigo será efetivado sem prejuízo das prerrogativas de matrículas em escolas e classes regulares, de acordo com o que decidir o estudante ou, no que couber, seus pais ou responsáveis, e das garantias previstas na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que incluem, para os surdos oralizados, o acesso a tecnologias assistivas.

Neste artigo que é uma Nova Redação – NR, na parte da Educação Especial, surge um novo ponto que define o que é a modalidade bilíngue na educação de surdos, estabelecendo seu conceito. Em seus três parágrafos ela pontua a questão da necessidade do encaminhamento para o acompanhamento do Atendimento Educacional Especializado. Pontua ainda que deve começar na estimulação precoce considerando que a maioria das crianças surdas são filhas de responsáveis, pais e mães ouvintes que não são usuários da Libras, quanto mais cedo a criança tiver a estimulação e o contato com a Libras maior a probabilidade de ela adquirir a linguagem, cognição, compreensão, interpretação e do acesso linguístico. Em se tratando de surdos ou deficientes auditivos não sinalizantes, há um parágrafo que pontua que tanto eles, quanto seus responsáveis podem optar por matricular seus filhos na classe regular respeitando as normas emanadas na Lei 13.146/2015 (BRASIL, 2015), a Lei Brasileira de Inclusão, devendo estes serem trabalhados utilizando as tecnologias assistivas.

Art. 60-B Além do disposto no art. 59 desta Lei, os sistemas de ensino assegurarão aos educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, materiais didáticos e professores bilíngues com formação e especialização adequadas em nível superior.

Parágrafo único. Nos processos de contratação e de avaliação periódica dos professores a que se refere o caput deste artigo serão ouvidas as entidades representativas das pessoas surdas.

Desde que a Lei 10.436/2002 (BRASIL,2002) foi sancionada contando ainda com o amparo do Decreto 5.626/2005 (BRASIL,2005) a Libras passou a ser reconhecida e ao mesmo tempo houve um “boom” de criação e adaptação de materiais tanto didáticos, quanto paradidáticos para a educação de surdos. As universidades implementaram a disciplina SignWriting[9], como ponto de apoio da visualidade. Porém os professores que atendiam os surdos geralmente possuíam conhecimento básico em Libras poucos eram os que possuíam fluência na língua. Esta NR vem acrescentar que apenas profissionais capacitados com a formação adequada possam atuar com o público-alvo.

Este artigo vem complementar a necessidade de os professores de surdos serem fluentes na L1 além de oferecer materiais didáticos que deverão ajudar ao educando, como exemplo de material didático poderiam colocar nos livros didáticos leitores de QR-code[10] que pudessem levar os surdos a uma página na internet que traduzisse para a Libras os textos, da mesma forma que se produzem audiodescrição para os educandos cegos.

No parágrafo único deste artigo, nota-se que os processos de contratação tanto efetivo, quanto temporário e de avaliação periódica de profissionais que trabalham com surdos eram falhos deixando passar por vezes profissionais com pouca ou quase nenhuma fluência em Libras, além de não fazerem parte de nenhuma comunidade surda. Houve inclusive casos de profissionais formados em Letras/Libras à distância que não possuíam nenhuma fluência na Libras, mas pelo fato de possuir o diploma foram aprovados. Este parágrafo único vem acrescentar a necessidade de se avaliar os professores a serem qualificados para o cargo e os órgãos organizadores do processo seletivo devem consultar as principais entidades representativas das pessoas surdas como a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis, só para citar e até mesmo as entidades regionais e locais. Dessa forma impede-se que o trabalho a ser desenvolvido seja de péssima qualidade. Para tanto, a partir da data da sanção desta Lei devemos ficar atentos à publicação dos novos editais de processos seletivos. 

Art. 78-A Os sistemas de ensino em regime de colaboração, desenvolverão programas integrados de ensino e pesquisa, para que a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos estudantes surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades e superdotação ou com outras deficiências associadas, com os seguintes objetivos:

  1. – proporcionar aos surdos a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades e especificidades e a valorização de sua língua e cultura;
  2. – garantir aos surdos o acesso às informações e conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades surdas e não surdas.

Muitos surdos que possuem a identidade surda de transição, tem o contato muito tarde com as Comunidades Surdas, este surdo precisa mais do que nunca das informações previstas nesta normativa a fim de entender que ele não é o único ser surdo no mundo, que ele vive em dois mundos o dos surdos e o dos ouvintes e precisa deste tipo de informação.

Este artigo exalta a necessidade da parceria entre as instituições de ensino e pesquisa com as escolas de modalidade bilíngue de surdos de forma a criar materiais e métodos para o desenvolvimento do trabalho educacional das pessoas surdas, além de incentivar sua participação intercultural na sociedade. Logo percebemos o enfoque na inclusão deles.

Art. 79-C A união apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação bilíngue e intercultural às comunidades surdas, com desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com participação das comunidades surdas, de instituições de ensino superior e de entidades representativas das pessoas surdas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos no Plano Nacional de Educação, terão os seguintes objetivos:

  1. – fortalecer as práticas socioculturais dos surdos e a Língua Brasileira de Sinais;
  2. – manter programas de formação de pessoal especializado, destinados à educação bilíngue escolar dos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas.
  3. – desenvolver currículos, métodos, formação e programas específicos, neles incluídos os conteúdos culturais correspondentes aos surdos;
  4. – elaborar e publicar sistematicamente material didático bilíngue, específico e diferenciado.

§ 3º Na educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos estudantes surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, efetivar-se à mediante a oferta de ensino bilíngue e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais.

Assim como o artigo anterior, que também fala da parceria, desta vez este fala da geração de recursos, que devem partir da União e esta geração de recursos poderá, como foi citado no art. 60-B da LDB (BRASIL, 1996) criar novos recursos materiais didáticos e paradidáticos voltados para a modalidade de educação bilíngue de surdos. Além disso, mesmo que outras instituições como o estado ou o município ofereçam qualquer nível de educação, a modalidade de educação bilíngue de surdos deve ser apoiada pela União.

Observa-se que onde citamos qualquer nível de educação, estamos falando dos dois níveis que a LDB (BRASIL,1996) possui a saber: Educação Básica e Educação Superior, portanto a partir de agora devem se criar currículos, métodos, formação e programas específicos incluindo neles os conteúdos culturais correspondentes aos surdos. Não haverá mais desculpas, principalmente por parte das instituições de ensino superior de que não tem como oferecer o atendimento uma vez que agora com a Lei há a necessidade de se buscar novas alternativas.

Considerações Finais

Na realidade interpretar artigos de Leis não é nada fácil pois eles não são escritos em forma de textos corridos, portanto há sempre a questão das controvérsias. De forma a amenizar estas controvérsias resolvemos explanar as dúvidas a respeito sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Este é um grande passo para que possamos atingir o objetivo da criação das escolas bilíngues para surdos prevista no PNE (BRASIL, 2014). 

Seria a concretização de um sonho haver uma escola onde as crianças surdas e ouvintes pudessem interagir em duas línguas, sendo que as crianças ouvintes desta escola deveriam ser as crianças CODAs[11] também os irmãos e irmãs dos surdos. Considerando que eles vivem e convivem com surdos ao redor, compartilham e participam das Comunidades Surdas e acreditamos que os casos de bullying e

preconceito contra os surdos seriam raros. Desta forma as crianças surdas compartilham a Libras com as ouvintes e as ouvintes por sua vez compartilham a Língua Portuguesa com as crianças surdas, haveria o entendimento destes dois mundos: o mundo dos ouvintes e o mundo dos surdos.

Este ideal de escola seria maravilhoso tanto para os pais ouvintes, quanto para os pais surdos, os pais ouvintes poderiam compartilhar suas experiências e aprendizados e reconhecer os adultos surdos. Por outro lado, os pais surdos se sentiriam inclusos estar numa escola onde poderiam participar das reuniões de pais de forma ativa, tendo vez e voz para sinalizar e se expressar. 

Imaginar uma escola de surdos que desde a entrada, passando pelo porteiro, se aventurando pela secretaria, pela tesouraria, biblioteca, sala de aula, cantina, até chegar na direção, todos fossem fluentes em Libras seria o ideal de Escola Bilíngue para Surdos.

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QUADROS, Ronice Müller de. Educação de Surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1997.


[3] Exame que habilitava os profissionais para o Ensino de Libras nos níveis Médio e Superior assim como para Tradução e interpretação em Libras/Língua Portuguesa que ocorreu no período de 2005-2015 conforme orientação do Decreto 5.626/2005.

[4] Definição dada aos sujeitos surdos inseridos na Comunidade Surda.

[5] Proposta do PL nº 4.909/2020.

[6] Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia.

[7] Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.

[8] Representante da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.

[9] É um sistema que permite ler e escrever qualquer língua de sinais, sem a necessidade de tradução para uma língua oral. Ele expressa a escrita dos sinais.

[10] Quick Response Code ou Código de Resposta Rápida, é uma espécie de código de barras estilizado, que forma a figura de um quadrado e, quando é digitalizado, transmite uma grande variedade de informações.

[11] Children of Deaf Adults, é uma referência aos filhos ouvintes de pais surdos, que podem ser adultos ou crianças.


1 Mestre Profissional em Diversidade e Inclusão no CMPDI da Universidade Federal Fluminense.
Email:mvfpinheiro@id.uff.br

2 Doutora em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do Mestrado Profissional no CMPDI da Universidade Federal Fluminense.
Email:anacampello@id.uff.br