ECONOMIA-MUNDO, DEPENDÊNCIA E GLOBALIZAÇÃO: POR UMA SÍNTESE DO PAPEL DO ESTADO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10058704


Tauan Monteiro Cordeiro¹


Resumo

O conceito de globalização está, no geral, embebido de diversas interpretações sobre sua natureza e causas. O presente artigo visa concluir que, longe do que propõem os defensores da globalização total, o papel do Estado ainda é de grande importância para entendermos a própria dinâmica da economia-mundo moderna. Antes, contudo, de entendermos seu papel, devemos definir com maior precisão o que é essa globalização, o que significa uma economia-mundo moderna e, por fim, qual a relação destas com um Estado de capitalismo depende. De posse dessas definições, este artigo pretende produzir uma pequena síntese que possa explicar, com maior ou menor precisão, no que constitui, em si, a globalização, além de poder utilizar o pano de fundo de uma economia-mundo moderna para inserir, enfim, o papel do estado considerando a materialidade histórica no qual o mesmo está inserido. Para irmos mais a fundo em sua importância, devemos primeiro inserir em que lógica o Estado está inserido, se ele se localiza na centralidade, na semiperiferia ou na periferia do capitalismo. A teoria da dependência mostra extremo vigor para explicar essas relações, mas a mesma, assim como a teoria do sistema mundo carecem, de atualizações que devem ser feitas. Por fim, o artigo usa o exemplo da constituição do estado nacional brasileiro para reafirmar a tese da importância do estado.

Palavras-chave: Economia mundo moderna, dependência, globalização, neoliberalismo, estado nacional

1. Introdução

O debate sobre o papel do Estado em um mundo globalizado tem se demonstrado bastante rico e virtuoso mesmo após décadas de sua introdução. As teorias sobre a globalização e, consequentemente, sobre o que é e quais são as fronteiras e limites político-econômicos do estado nacional ganharam bastante repercussão após as décadas de 1960 – 1970. Embora muitas dessas teorias apontem para o processo de criação de um mercado mundial séculos antes desse período relativamente recente, é fato que a crise econômica global desse período impulsionou decisivamente esses embates teóricos. Essas décadas foram marcadas por uma crise geral do capitalismo que traz, consigo, também, uma crise de hegemonia do capital global com foco nos Estados Unidos. A então denominada “reestruturação produtiva” desse período veio com o intuito de retomar os padrões de acumulação anteriores sem, com isso, obter êxito devido tanto às próprias contradições internas do capitalismo em sua fase neoliberal, como também à incorporação de novos componentes contrários a lógica do Capital. Na tentativa de reincorporar os antigos padrões de crescimento econômico à nova dinâmica do capitalismo global, e, diante de uma crise hegemônica da centralidade do sistema capitalista, muitos autores conseguiram, em maior ou menor medida, enxergar novas tendências que os levariam a cunhar os termos “globalização” e “neoliberalismo” e a elaborar diversas propostas sobre esses conceitos em relação ao papel do Estado.

Inicialmente, teorias vindas tanto do âmbito marxista como dentre os liberais apontavam para a criação de uma sociedade global extremamente nova e, com isso, muitos autores abarcaram, mesmo que indiretamente, a ideia de que na globalização o papel do Estado estaria reduzido e de que a maior parte da vida social seria determinada por processos globais (HIRST; THOMPSOM. p. 13, 1998). Com a finalidade de enfrentar essas perspectivas mais deterministas que legam ao Estado apenas um papel secundário em um mundo agora extremamente conectado por processos mundiais viabilizados pelas novas tecnologias de informação, diversos autores, posteriormente, principalmente a partir dos anos 80 e 90, se lançaram à proposta de problematizar o conceito de um mercado global extremamente novo e nunca antes visto. Essa problematização se apresenta extremamente importante pois possibilita a esses autores enxergar o desenvolvimento histórico do mercado mundial, evitado, assim, uma visão ineditista sobre o mesmo. De posse agora das tendências mais gerais do desenvolvimento do capitalismo histórico como um modo de produção que tende ao aspecto global, sendo, portanto, o mercado mundial nenhuma novidade na segunda metade do século XX, tais autores podem enxergar, a partir das novas tendências que surgem da crise dos anos 1960 – 1970, aquilo que elas têm de específico em relação a períodos anteriores, apresentando, assim, uma visão mais coesa e realista do que seria, de fato, a globalização;e de que maneira essas novas tendências representam o projeto neoliberal que pretende recuperar as antigas taxas de lucro do pós-guerra.

Assim sendo, o presente artigo visa fornecer um pequeno panorama teórico sobre o debate acerca do que significa, de fato, o mercado global, a economia mundo moderna, a globalização e o neoliberalismo. De posse dessas definições que serão discutidas ao longo das páginas desta pequena contribuição teórica, o artigo pretende partir para uma análise focal do papel do estado a partir da perspectiva da construção do mercado mundial em relação aos países de capitalismo dependente. Essa análise focal permitirá não só um pequeno estudo de caso sobre a historicidade do estado em relação ao desenvolvimento da economia-mundo – tendo em vista que esse assume várias funções a depender da sua posição econômica global – como permitirá enxergar, também, como o mesmo ainda se apresenta como instituição extremamente importante mesmo na fase neoliberal e globalizante do capitalismo. Isso porque o Estado visa garantir não só a reprodução e a acumulação ampliadas do capital em âmbito nacional e internacional de acordo com os imperativos da economia global; como ainda é instituição primordial a ser conquistada no processo revolucionário ou reformista que pretenda combater os efeitos mais deletérios das contradições do capitalismo e, na visão revolucionária, as superar. Pretende-se, com isso, inserir a construção do Estado brasileiro em sua materialidade histórica presente no desenvolvimento de uma economia mundo moderna onde este pode não só responder à sua lógica, mas combatê-la, evitando, assim, que caiamos no “pecado original” das teorias macroestruturais representado pela quase negação da agência dos indivíduos e grupos sociais diante de tendências universais. Aqui, mesmo que inseridos em ciclos sistêmicos de ascensão ou queda das taxas de lucro no capitalismo histórico (entre outros fatores), grupos sociais se encontram no embate das lutas de classes e determinam, em maior ou menor medida, o desenvolvimento do ciclo ou da fase cíclica posterior.

2. O debate sobre a globalização: um pequeno panorama

Para entendermos o que significa, de fato, a globalização, devemos conjuntamente compreender aquilo que ela não é. Nesse sentido, Paul Hirst e Grahame Thompsom realizam um importante debate nos anos de 1990 contrário as então concepções mais usuais desse fenômeno que apontavam para uma vida social determinada por processos globais, onde fronteiras culturais se dissolviam e onde estratégias de administração internas da economia nacional pareciam perder fôlego diante da potência econômica globalizante. Nesse cenário, empresas transnacionais agem globalmente não “devendo lealdades” a nenhum estado (HIRST e THOMPSOM, 1998, p. 13). Embora esta última concepção necessite ser revisitada diante das novas configurações mais internacionais assumidas por essas grandes empresas no caminhar dessas duas décadas iniciais do século XXI, as contribuições desses autores permanecem extremamente atuais para apontar alguns caminhos em direção ao entendimento do fenômeno histórico da globalização e suas novas tendências econômicas neoliberais. Partindo de um claro ceticismo sobre as visões mais usuais desse processo, denominadas de “versão forte” (Ibid, p. 18), os autores apontam que não há só uma falta de um modelo real e explicativo que determine essas concepções da globalização total, como também argumentam que tal visão representa um mito.

Inseridos nos debates sobre a globalização iniciados a partir dos anos 1970, os autores sustentam a hipótese da existência de uma economia internacional antes mesmo desse fenômeno a qual possuiria bases na industrialização moderna desde os anos 1860 (Ibid, p. 15) e que seria, inclusive, até mesmo mais aberta ao fluxo de trabalhadores do que hoje devido ao fato da necessidade de, no XIX, tais trabalhadores terem de migrar para os grandes centros de acumulação de capital. Consideram também que essa economia global não representa uma divisão homogênea do mundo como pretendem aqueles que defendem a teoria das Vantagens Comparativas ou a “versão forte” da globalização, pois a mobilidade do capital e o fluxo do comércio internacional legam aos países mais desenvolvidos e centrais maior destaque no processo de acumulação, o que será analisado com mais ênfase pela Teoria da Dependência, que veremos posteriormente. Além disso, a economia mundial estaria longe de ser realmente “global”, uma vez que os fluxos de comércio e investimento se localizam na América do Norte, Europa e Japão, áreas as quais a teoria do sistema mundo moderno, apesar de considerar, de fato, uma economia mais global, denomina como regiões centrais do capitalismo em relação dialética com outras localidades semiperiféricas e periféricas do mundo.

Observando, então, que a posição de um Estado na economia internacional possui grande importância para o entendimento da globalização e para o próprio desenvolvimento do Estado, os autores defendem a possibilidade de governabilidade tanto em nível nacional como em nível internacional naquilo que Martins denominará de “hegemonia compartilhada” (2011, p. 16), uma vez que aqueles que defendem um pretenso fim das funções administrativas mais amplas do Estado estariam equivocados. Essa contribuição se dá quando os autores diferenciam a visão “forte” da globalização das “tenências à internacionalização” nas quais as últimas ainda imprimem papel importante às políticas nacionais e onde agentes econômicos agem utilizando as instituições do Estado para atingir suas pretensões, seja para afirmar a posição subalterna deste na economia internacional, seja como importante veículo a impulsionar reformas em direção a melhoria de vida nas sociedades de hoje. (HIRST e THOMPSOM, 1998, p. 18)

A globalização total seria, então, um “mito convincente” diante das novas tendências econômicas neoliberais despertadas a partir dos anos 70 nas quais o papel do estado aparece reduzido. Essas novas tendências puseram terra abaixo as ideias de que os ciclos econômicos podiam ser controlados por políticas anticíclicas keynesianas partidas do Estado nacional e de que o futuro seria marcado por um capitalismo sem perdedores, o que aparentemente demonstraria a incapacidade de uma região de resistir a sua posição subalterna, ou ao menos uma possível existência de um mercado internacional incontrolável (Ibid, 1998, p. 20). Contudo, como mencionado anteriormente, para esses autores tal quadro não se prova verdadeiro uma vez que o estado ainda assume papel fundamental ratificando, negociando ou combatendo tais demandas. Devemos, assim, entender como o mito da globalização foi criado.

A crise dessas décadas teria sido motivada pelo colapso de Bretton Woods, pela crise do petróleo e pelo envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietnã. Essas motivações levaram à alta da inflação nos países centrais que, com taxas de lucro reduzidas, buscaram novos canais para investimento através de grandes empréstimos dados aos países periféricos na década de 70 (Ibid, 1998, p. 19) – o que os levou posteriormente a graves crises de dívida onde as taxas de juros funcionam como fonte de transferência de recursos para os países centrais. Esses novos canais também necessitavam derrubar o controle sobre o câmbio, desregulamentar mercados e desindustrializar as regiões centrais em nome de uma produção mais flexível e terceirizada. Países poderosos usam suas fortes moedas e grandes mercados financeiros para forçar, através da especulação, da desvalorização do câmbio e de ataques especulativos a ativos das regiões mais expostas, outros países a abrirem as suas portas ao neoliberalismo com risco de, se não o fizerem, se tornarem miseráveis. De fato, todas essas tendências, que são indubitáveis para Hirst e Thompsom, parecem apontar para a redução das capacidades administrativas do estado. Embora tal crise, para esses dois autores que escrevem nos anos 90, não permita deixar claro a crise hegemônica dos Estados Unidos, o mesmo “deixava de ser uma nação credora importante e tornava-se um importador de capital maciço” (Ibid, 1998, p. 34). Mas essas mudanças foram, em parte, dirigidas pela própria política e não por tendências pretensamente impessoais ou universais da economia capitalista. Aqui, tal período de extrema volatilidade e turbulência não duraria muito e seria seguido por regularizações no Sistema Monetário europeu e por acordos entre os países industrializados. Se a antiga ordem multilateral pós-45 não foi restaurada, apontam os autores, ao menos isso significava evitar as foças mais incontroláveis do mercado e a competição generalizada entre os principais blocos emergentes. Assim sendo, é possível uma combinação entre tendências mais globalizantes e “tendências à internacionalização” numa hegemonia compartilhada (Ibid, 1998, p. 35). Ou seja, não temos o fim da capacidade do estado de atuar mediante os novos imperativos do neoliberalismo, mas o desenvolvimento das negociações entre regiões.

Outros autores inseridos na mesma problemática se aproximam, em maior ou menor medida, de alguns pontos importantes já tocados por Hirst e Thompsom, ainda que deles retirem conclusões diferentes. David Harvey, por exemplo, em seu artigo O problema da globalização, assim como os dois autores aqui mencionados,demonstra a existência de uma economia internacional anterior mesma aos fenômenos que se desenrolam na segunda metade do século XX ou do XIX. Para Harvey, a ideia de “globalização” como fenômeno extremamente novo deve ser descartada. Devemos, todavia, enxergar esse fenômeno mais como processo do que como imperativo, o que possibilitaria observar tanto continuidades como rupturas(HARVEY, 1996, p. 8). A origem, assim, de um mercado internacional poderia ser datada desde as primeiras grandes descobertas a partir de 1492 uma vez que a “acumulação de capital sempre teve uma importante dimensão geográfica e espacial” (Ibid). Harvey ratifica essa ideia em seu artigo denominado In what ways is “the New Imperialism” really new? Essa perspectiva se relaciona, ainda que não totalmente, às contribuições de Wallerstein sobre a possibilidade de um sistema mundo moderno a partir desse mesmo período. Essa sendo, inclusive, uma contribuição que diferenciaria Wallerstein de Braudel uma vez que este último consegue enxergar economias-mundo antes mesmo da era cristã.

Para Harvey, contudo, a globalização, assim como apontam Hirst e Thompsom, possui especificidades que diferenciam esse processo em detrimento do que seria uma mera continuidade do desenvolvimento do mercado internacional. Ainda que a crise das décadas de 1960 – 1970 reflita o problema básico do capital em encontrar formas de absorver o excedente de valor em um sistema onde os arranjos espaço-temporais funcionam como meios de destruição de ativos físicos ou monetários com a finalidade de criar novos canais para a absorção desses excedentes, a forma como isso tem sido feita desde os anos 70 é diferente. Assim como Hirst e Thompsom, Harvey descreve algumas tendências do neoliberalismo que se aproximam, em alguns aspectos, das visões desses dois autores. A globalização precisou combater a força política dos trabalhadores, eliminar o estado de bem-estar social, realizar privatizações para melhor transferência de valor para a centralidade e forçar a abertura de economias que acabam sofrendo com a desvalorização e destruição de seus ativos com a finalidade de que a contínua “acumulação por espoliação” prossiga. Esta forma de espoliação, segundo Harvey, reflete, a construção de novas regiões no mundo para a acumulação geográfica-espacial de capital que, atingido seu limite, move os fluxos de investimentos financeiros que correm livremente pela economia global para outros locais provocando a destruição dos ativos na região anterior e deles tomando, por espoliação, o excedente que foi produzido e que ajudará a constituir as bases materiais de outro arranjo espacial e assim por diante (HARVEY, 2007, p. 64).

Harvey também se aproxima de Hirst e Thompsom quando revela que tanto o antigo quanto o “novo” imperialismo precisam tanto da coerção quanto do consentimento para estabelecimento de uma hegemonia global e de suas novas tendências. Isso revela a clara importância dos Estados no processo para o estabelecimento de zonas desiguais no mundo para aplicação de novas dinâmicas espaço-temporais que respondem a crise de sobreacumulação destruindo capitais e ativos numa região, para recompô-los em outras a fim de abrir uma nova fase de acumulação. Não se trata, portanto, de defender que os estados respondam a essas pressões de maneira somente impositiva. Ainda assim, o próprio Harvey admite não ter conseguido desenvolver muito bem uma nova teoria que articule o papel do estado a esse novo contexto (Ibid, 2007, p. 67).

Hervé Théry também realiza algumas contribuições que apontam para o contrário daquilo que os adeptos da globalização total defendem como uma economia global pretensamente homogênea. Marca, assim, que a relação entre a globalização e territorialidade é contraditória e temos competição generalizada entre os territórios dada a livre circulação de mercadorias, capitais e informação. Assim com Hirst, Thompsom e Harvey, embora partindo de uma perspectiva diferente com base na contradição entre negação e fortalecimento da territorialidade na globalização, Théry aponta que a globalização, ao invés de homogeneizar territórios, na verdade aprofunda suas diferenças. Para este autor os territórios não são somente bases de apoio para os ciclos econômicos, mas também representam uma produção social onde atores políticos podem, com maior ou menor talento, usá-lo no jogo da globalização onde estratégias de diferenciação assumem um papel importante e servem para organizar um projeto social para a região (THÉRY, 2008, p. 89). O problema deste autor é que sua pequena obra não dá conta de inserir essa diferenciação territorial dentro da lógica da constituição de áreas mais centrais e mais periféricas, nem mesmo localiza as origens de um sistema de comércio internacional anterior, o que faz com que sua teoria quase se aproxime da ideia das vantagens comparativas. De qualquer modo, é importante frisar que aqui se abre um importantíssimo espaço para a atuação territorial não só do Estado em relação às demandas do mercado global, mas também das comunidades locais, dando ênfase à atuação política dos indivíduos.

3. Globalização: a busca por uma síntese

O que temos, então, até aqui? Poderíamos facilmente, por pressuposto, continuar a citar uma longa lista de autores e suas contribuições analíticas sobre o fenômeno da globalização e suas tendências neoliberais em relação ao papel do Estado. Isso, contudo, apenas poderia nos levar a construir uma grande colcha de retalhos onde as peças quase nunca se encaixam perfeitamente. Contudo, essa grande colcha da globalização, com suas partes que se conectam as vezes sim e as vezes não a depender dos autores que estamos comparando, pode constituir a natureza mesma de nosso argumento central: a de que estes autores só conseguem observar alguns aspectos aqui e ali desse fenômeno globalizante e, com isso, não o tomam em sua totalidade.

Antes de caminharmos para isso, devemos, todavia, observar alguns pressupostos. O primeiro é de que a globalização como internacionalização da economia mundial representa, de fato, mais um mito do que realidade uma vez que já podemos encontrar tal conjuntura desde antes do século XX. A segunda questão é a de que a globalização apresenta novas tendências que devem ser levadas em consideração, mas que isso está longe de representar o fim das possibilidades de atuação do Estado nacional que pode tanto fortalecer as imposições dos imperativos neoliberais quanto ser instância institucional de combate às relações de dependência econômica. Outra questão, por fim, é a de que a globalização não representa, de nenhuma forma, uma “homogeneização” do mundo seja pela construção de zonas centrais e periféricas da economia, seja pelas estratégias de diferenciação por parte dos próprios estados, territórios e comunidades.

Feitas essas considerações, devemos observar que os autores citados aqui brevemente apenas conseguem apresentar visões parciais da globalização e não conseguem toma-la como fenômeno em sua totalidade. Isso se reflete claramente quando Hirst, Thompsom, Harvey e outros apontam que esse fenômeno ocorre conjuntamente à crise dos anos 1960 – 1970 onde esses autores enumeram as razões da crise e classificam as novas tendências neoliberais que devem responder a essas razões. Tais razões no geral, e de maneira extremamente simplificada, apontam para a globalização como uma crise de sobreacumulação cujas novas tendências neoliberais são: a financeirização da vida, abertura forçada de mercados que expõe moedas e economias dependentes às volatilidades e desmandos da economia internacional, combate aos direitos trabalhistas e enfraquecimento dos sindicatos e etc. Podemos ver aqui que, embora Harvey elabore uma nova teoria do imperialismo baseada na continuidade de uma “acumulação primitiva” espaço-temporal no capitalismo a qual teria levado a uma crise de sobreacumulação e à desvalorização dos ativos nos anos 70, este aspecto constitui somente uma parte do todo. O mesmo ocorre com as teorias de Hirst e Thompsom que localizam a globalização a partir da própria crise econômica da segunda metade do XX. Podemos perceber que estes aspectos se referem, também, somente a um ou poucos mais dos demais aspectos totais da globalização e não a enxergam em sua totalidade. Além disso, estes dois autores só enxergam a criação de um mercado mundial no século XIX, algo que também merece ser revisto.

Nesse sentido, Carlos Eduardo Martins apresenta uma síntese crítica sobre essas contribuições às análises da globalização e aponta que tais perspectivas trazidas por diversos autores não compreendem o fenômeno como um processo revolucionário que confronta o modo de produção capitalista e sua superestrutura jurídico-política e ideológica com o novo estágio de desenvolvimento das forças produtivas (MARTINS, 2011, p. 113). Para esses diversos autores, aponta Martins, a globalização pode ser tanto uma nova etapa dirigida pelo capital financeiro, quanto pode ser uma nova etapa de desenvolvimento da economia mundial; pode ser também um momento histórico dirigido por regimes internacionais entre estados poderosos da economia mundo numa hegemonia compartilhada ou, por fim, pode ser a mundialização do capital financeiro ou mesmo uma mistura de todas essas tendências gerais. Podemos ver que essas visões participam, com maior ou menor espaço a depender do autor, da maioria das contribuições sobre as análises da globalização. Contudo essas contribuições estariam apenas observando aspectos específicos da globalização e do neoliberalismo (Ibid). Assim sendo, precisaríamos entender qual a contradição dialética fundamental está presente entre o modo de produção capitalista e o desenvolvimento das forças produtivas para, daí sim, extrairmos essas tendências gerais que não estão nem um pouco equivocadas, mas que carecem de um maior aprofundamento.

Considera-se, então, que a atualização feita por Martins sobre teoria do sistema mundo moderno e suas relações de dependência entre centro, semiperiferia e periferia consegue, com grande capacidade, dar conta de maneira mais ampla de todas as questões que foram apontadas até aqui, desde a construção de um sistema internacional antes do século XX o qual negaria a ideia de globalização como algo totalmente novo, passando por uma definição precisa do que constitui esse próprio fenômeno, até a definição de suas as novas tendências a partir do paradigma neoliberal, os motivos principais para a “reestruturação produtiva” e a articulação dessa economia mundo moderna com os países dependentes sem, com isso, retirar a possibilidade de agência dos atores políticos.

Em primeiro lugar, segundo Martins, devemos entender o marxismo como uma teoria antissistêmica revolucionária que se liberta do nacionalismo metodológico homogeneizador mesmo que tente interpretar a existência de uma economia mundial capitalista e as relações dos estados com essas. Para escapar das armadilhas desse método homogeneizante, o marxismo antissistêmico deve interpretar a economia mundo não somente a partir das perspectivas de Braudel e sua longa duração, Wallerstein e seu sistema-mundo, ou Arrighi e seu movimento pendular dos ciclos sistêmicos que aponta o processo de financeirização como o prelúdio do fim de um ciclo de acumulação. Mas também deve articular as análises de Marx e Engels sobre a dialética do capital; as teorias do imperialismo; as teorias dos ciclos sistêmicos de Kondratiev; a teoria da revolução científico-técnica de Radovan Richta; e, por fim, as teorias da dependência de Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos (MARTINS, 2011, p. 26). Juntas, essas contribuições possuem um poder de análise superior sobre a estrutura do sistema capitalista global, suas limitações, crises sistêmicas, respostas dadas a essas crises e impactos dessas respostas na sociedade. Martins apresenta, assim, uma interpretação do sistema capitalista tomado em sua totalidade e não somente a partir de uma ou outra perspectiva que pode apenas apontar um ou outro lado dos acontecimentos.

De maneira bastante preliminar e resumida, o que a teoria antissistêmica da globalização propõe é analisar o desenvolvimento de uma economia-mundo moderna a partir da junção de diversas contribuições teóricas para formar um quadro total. Nesse quadro, as teorias da longa duração – que propõe a análise da longa continuidade das estruturas sociais – e do sistema mundo de Braudel são revisitadas por Wallerstein. Diferente de Braudel, que propõe a existência de economias mundo milhares de anos antes de nossa própria era cristã, Wallerstein define que uma economia como essa nasce somente no longo século XVI (1450 – 1650) devido principalmente à crise do feudalismo que, desde o século XIV, diminui a capacidade dos senhores feudais de extrair excedentes econômicos do campo somente pela força coercitiva, necessitando da criação de uma estrutura maior, o Estado Nacional, para controlar e organizar a força de trabalho (MARTINS, 2011, p. 41). Outra forma de recuperar a extração de excedentes seria a ampliação dos próprios domínios geográficos dessa economia-mundo em busca da redução do custo da força de trabalho e de maior apropriação de excedentes do trabalho relativo a área geográfica em que são produzidos. Os estados nacionais que primeiro se lançaram a isso foram, então, Portugal e Espinha, que incorporam áreas na África, no oriente e nas américas. Assim sendo, a teoria da longa duração propõe explicar que as mudanças nas estruturas são bastante lentas e possuem tendências seculares. Além disso, o desenvolvimento da economia mundo moderna segue o desenvolvimento de regiões centrais, semiperiféricas e periférica dessa economia que serão melhor estudadas pelas teorias da dependência.

A teoria do ciclo sistêmico de Wallerstein, em conjunto, aponta para como os ciclos se comportam na longa duração. Após a colonização Espanhola, o primeiro ciclo sistêmico que existiu foi o ciclo genovês. Durante o longo século XVI, esse primeiro ciclo encontra seu ponto máximo na colonização espanhola e sua decadência quando a coroa já não mais pode sustentar a expansão material das cidades do norte da Itália devido ao progressivo fim da entrada de metais preciosos vindos da América. O ciclo que virá em seguida será o ciclo holandês, que conhece seu auge quando toma portos chave do comércio internacional, mas que definha quando, diante da Inglaterra, não consegue resistir aos embates militares e perde parte das principais rotas de seu comércio no Báltico, isso por volta de 1740 até meados do século XIX. O ciclo britânico que segue a este consegue, pela primeira vez, se apropriar da lógica da circulação do capital mercantil da economia-mundo para estabelecer de vez os imperativos do capitalismo dada a própria lógica capitalista interna da região que se deu durante uma mudança qualitativa no status da propriedade inglesa que impôs a agricultores e arrendatários os princípios da competição e da produtividade. Esse ciclo, se desenvolve a partir do progressivo fim do ciclo holandês, entre 1740 e 1840; e atinge sua queda durantes as guerras entre 1914 e 1945, dando início, por fim, ao ciclo estadunidense o qual teria entrado em crise a partir do final dos anos 1960 diante do paradigma tecnológico proposto por Radovan Richta e referenciado por Theotônio dos Santos (MARTINS, 2011, p. 80).

Comentamos aqui, entretanto, que a teoria dos ciclos sistêmicos baseadas em mudanças que se dão na longa duração não é suficiente. Arrighi, nesse sentido, faz uma contribuição extraordinária ao verificar que as fases de ascensão desses ciclos representam, ao mesmo tempo, uma fase de expansão da produção material dessas regiões e que, por conseguinte, a fase de declínio representaria a expansão não mais da produção, mas da financeirização. Isso haveria de ocorrer em todos os ciclos sistêmicos. Além disso, a melhor maneira de compreender as fases de ascensão e declínio internas ao próprio ciclo seria a partir das contribuições de Kondratiev que, desde o século XVIII, distingue a transição, no intervalo entre 45 a 60 anos, de uma fase A, de crescimento, e de uma fase B, de declínio. Uma vez iniciado um ciclo, este encontraria limites à sua expansão material no intervalo entre 25 e 30 anos quando a curva de investimentos se eleva acima da curva de acumulação, demonstrando que o excedente já não consegue ser apropriado de maneira devida e temos, assim, o início de uma fase B. Esses ciclos, por sua vez, precisam ser atualizados também tomando por base que Kondratiev não usou como uma das principais variáveis a queda da taxa de lucro, de Marx e Engels, para medir tais tendências, algo que foi feito posteriormente por Ernest Mandel (MARTINS, 2011, p. 93).

Temos, com isso, o seguinte quadro-resumo de uma teoria antissistêmica da globalização: a teoria atualizada do sistema mundo moderno descreve como uma economia internacional surgiu antes esmo da globalização, além de mencionar como essa economia cria áreas centrais, semiperiféricas e periféricas. Essas relações entre centro-periferia são exploradas com melhor ênfase, por sua vez, pelas teorias da dependência. Ainda, a as relações de dependência devem ser reinseridas na lógica global dos ciclos sistêmicos e dos ciclos de Kondratiev, que, por sua vez, também devem ser atualizados e inserir as contribuições de Marx e Engels a partir da utilização da queda da taxa de lucro como indicador principal. A teoria do valor também deve estar presente dentro de todos esses aspectos. Por fim, devemos ainda utilizar algumas contribuições sobre as teorias do imperialismo. Juntas, essas teorias conseguem elaborar um grande panorama teórico para entendermos o que é e como opera a relação economia-mundo, crises sistêmicas, ciclos internos de ascensão e queda, queda da taxa

Com isso, finalmente podemos lançar as bases para uma teoria antissistêmica da globalização e apontar mais precisamente o que significa esse próprio processo e o que significa o próprio neoliberalismo. Define-se globalização como um período realmente novo da história baseado numa crise sem precedentes do capitalismo, mas que ainda está inserido dentro da lógica dos ciclos sistêmicos e dos ciclos de Kondratiev. A crise fundamental que engendra e define a globalização é uma crise localizada no coração do sistema capitalista e não possui época similar na história, sendo uma crise dada pelo desenvolvimento da revolução científico-técnica das forças produtivas que não pode ser abarcada em sua totalidade pelo modo de produção capitalista. Nesse sentido, Richta e, posteriormente, Theotônio dos Santos que, diga-se de passagem, foi, se não o primeiro, os dos primeiros teóricos da dependência a incorporar em suas análises os ciclos longos, os ciclos de Kondratiev e as contribuições da revolução científico-técnica às relações de dependência da periferia do capitalismo, apontam para uma crise de acumulação do sistema como o faziam Hirst, Thompsom, Harvey e outros, mas agora de posse de um arcabouço teórico superior (DOS SANTOS, 2000, p. 48). Esta crise se dá quando a ciência assume papel primordial no desenvolvimento das forças produtivas, principalmente a partir do paradigma microeletrônico. Se hoje a ciência é o referencial principal a fabricação de quase todos os tipos de produtos tecnológicos, isso gera duas contradições: 1) uma contradição entre a produção de valor e a capacidade das pessoas cada vez mais substituídas pelas “máquinas que fazem máquinas” de realizarem esse valor no mercado; 2) a ciência como referencial produtivo privilegia o trabalho pessoal, especializado e encarecido em detrimento daquilo que o capitalismo sempre explorou como força motriz principal, ou seja, o trabalho impessoal, abstrato e barateado pela ideia de homem como mero apêndice da máquina. Daí já podemos ver a grande crise de acumulação que se gestará nos anos 60 e 70 e que define a globalização e, a partir da crise, as tendências neoliberais que tentam recuperar as antigas taxas de lucro e que foram aqui descritas por diversos autores.

Para finalizarmos esse brevíssimo esforço de síntese devemos terminar com algumas considerações. A primeira é a de que o papel do estado, mesmo diante dessas tendências cíclicas e globais, ainda é ente importante uma vez que, partindo das teorias da dependência agora conectadas com a teoria do sistema mundo moderno, este estado ainda é instituição na qual se organizam ou se desorganizam as lutas de classe em prol ou contra, respectivamente, aos trabalhadores. Isso revela, como aponta Tilly, que o axioma básico da luta de classes é que a luta pela melhoria de vida se dá no âmbito político do Estado, e não no econômico ou cultural (TILLY, 1996, p. 41).

Por fim, devemos compreender que a teoria do sistema mundo moderno não cai, por contradição, naquilo que Ellen Wood defende nas obras A origem do capitalismo e em O império do capital como o modelo mercantil clássico. Para a autora, muitos marxistas acabaram aderindo, sem consciência, ao modelo mercantil capitalista de Adam Smith ao apontar que as leis do capitalismo sempre existiram na humanidade e que precisariam tão somente “serem libertas de seus grilhões” para produzirem seus efeitos, o que no caso, aqui, seria dado pelo papel da crise do feudalismo do século XIV que então teria “libertado” o capitalismo de suas amarras e efetivado a economia-mundo. Embora essa contribuição de Wood seja fundamental para problematizarmos teses sobre o capitalismo que, pretensamente marxistas, acabem somente reafirmando aquilo que os próprios liberais já defendem, o caso é que aqui as leis do capitalismo não estão subsumidas, mas sim se desenvolvem no caminhar das lutas de classe diante do novo contexto histórico da crise do feudalismo. Ainda assim, as teses de Wood servem para derrubamos de vez a ideia de uma economia-mundo com tendências capitalistas já presentes mesmo antes de nossa era cristã, como o fazia Braudel, pois isso só fortaleceria o argumento liberal de que pretensas leis universais do mercado de fato existiriam.

4. Economia-mundo e a constituição de estados de capitalismo dependente: o caso do Brasil

A teoria da dependência se desenvolve a partir das contribuições de Ruy Mauro Marini também nos anos 60 e 70. Muito interessantemente, foi essa teoria que teve papel fundamental de aperfeiçoar a teoria do sistema-mundo moderno (DOS SANTOS, 2000, p. 44). No início, Ruy Mauro pretendia propor um programa revolucionário para a América Latina capaz de enfrentar tendências nas quais o desenvolvimentismo dos anos 50 e 60 falhou. Para isso, o autor intentava explicar as relações de dependência entre as regiões do mundo que forçavam à superexploração do trabalho nas localidades dependentes como forma de extração e transferência direta de valor para a centralidade a partir da remuneração inferior do trabalho ao seu próprio valor. Posteriormente, Theotônio seguiu aperfeiçoando a teoria e a relacionou com todo arcabouço teórico aqui já mencionado e sob o qual devemos observar a inserção do Brasil na economia internacional. Contudo, essa configuração socioeconômica exigiu um determinado papel do estado para ser implementada. Assim, esta última parte deste pequeno artigo pretende revelar, mais uma vez, a importância do papel do estado e das lutas de classe mesmo nas análises mais macroestruturantes, além de apontar os meios pelos quais a crise da globalização operou e exigiu uma nova configuração na região.

Elisa Reis já apontava em seu artigo que apesar do grau de internacionalização, o estado nacional ainda é forma típica de articulação entre solidariedade e autoridade (REIS, 1998, p. 187). A historicidade do Estado revela seu componente ideológico o qual a construção da nação envolve uma representação ideal de como a sociedade deve ser organizada (Ibid, p. 191). Nesse sentido, um país de histórico capitalismo dependente o qual só pode abarcar os princípios do liberalismo político de maneira limitada revela o caráter ideológico de que uma sociedade desse tipo deve ser organizada através de um forte protagonismo do estado na produção e reprodução do capitalismo (PEREIRA; DUARTE; SANTOS, 2021, p. 2). Tal perspectiva, que toma por base as obras de Florestan Fernandes, pode indicar o cerne do processo que levou Elisa Reis a pontar que, no Brasil, os projetos de nação antecedem à própria independência da região. Na verdade, pela teoria da dependência esse contexto já se provava mais claro quando se negou a tese de que no Brasil ainda existiam relações feudais que poderiam explicar o atraso político e econômico. Nesse sentido, um país de capitalismo dependente e de posição periférica geralmente recorre a um estado forte para administrar os conflitos sociais inerentes à essa inserção na economia global, o que refletiria a possibilidade da presença de vários projetos de “nação” existirem antes mesmo da própria região em si, o que geraria disputas sobre os projetos em embate dentre as elites.

Contudo, ainda que exija a atuação de um estado forte esse não deve ser confundido de imediato com a unidade nacional. Em um país de capitalismo dependente, as elites locais muitas vezes são a unidade política que articulará a produção territorial com o mercado internacional, uma vez que vem delas a força que constitui a própria ideologia dominante do estado. Segue-se com isso o passado autoritário do país que constitui a nação não como uma coleção de indivíduos, mas como um indivíduo coletivo que deve responder às demandas da autoridade intervencionista. Com a degradação da velha república e o caos social gestado num país inserido nessa lógica periférica, temos o processo de modernização conservadora a partir de cima através do governo Vargas. Esse, por sua vez, mantém a ideia da nação como um indivíduo coletivo e a vontade nacional deve aparecer a cima dos interesses de classe. Isso, é claro, ocorre, pois, a característica da dependência força que esta região deva atuar de uma determinada forma e seguir um determinado papel na economia-mundo.

A ditadura militar, por sua vez, representou uma nova fase no sufocamento das demandas sociais. Já inserida num contexto de crise global do capitalismo, contexto que expõe mais claramente as lutas de classe e as diversas demandas dos setores menos favorecidos da sociedade, Elisa Reis aponta que a nação teve que neutralizar todos os conflitos sociais que apareciam (REIS, 1988, p. 197). Aqui, o capitalismo autoritário encontra suporte no aparato militar para garantir a ordem e, no fim e ao cabo, a própria reprodução ampliada do capital. A necessidade de se redemocratizar a nação ocorre, como apontado por Reis, somente quando o período de “prosperidade” econômica acaba. Coloca-se o termo entre parênteses para reafirmar que esse contexto de maior riqueza só foi possível diante daquilo que já mencionamos: grandes empréstimos às regiões em desenvolvimento para delas extrair maior excedente devido ao aumento da produtividade. Quando, todavia, isso se mostrou limitado, a crise da dívida veio e o momento de “prosperidade” cessa.

Temos, enfim, que o estado é ente ainda extremamente importante na economia mundial e pode assumir diversas formas a depender do avanço das lutas de classe na região, como provado por Elisa Reis durante a crise dos anos 60 – 70. Sua configuração depende, assim, dos resultados das ações políticas dos indivíduos considerando uma relação de forças desigual e também as condições da economia internacional. Além disso, Theotônio já afirmava ao longo de suas obras que os momentos de convulsão social são aqueles em que as lutas de classe mais se expõem e que mais se abrem campos para impor as demandas socais diante do estado. Isso, inclusive, revela o porquê de o estado ter assumido uma configuração autoritária justamente no momento em que demandas como a reforma agrária conseguiam penetrar com maior força diante de uma crise global do capitalismo.

5. Considerações finais

Nesse pequeno artigo partimos da premissa de que precisamos entender, primeiramente, aquilo que com mais precisão se define como economia-mundo, dependência, globalização e neoliberalismo. Essas definições, embora aqui apresentadas de maneira bastante simplificada e insuficiente, são essenciais para compreendermos a inserção do Brasil no comércio internacional e para que desta inserção consigamos extrair um pano de fundo sólido que possibilite congregar, em maior ou menor medida, muito daquilo que diversos autores já apontavam sobre a globalização e o neoliberalismo. A crise do paradigma científico-técnico no capitalismo pode, assim estar no cerne da globalização e a definir. Essa crise está no cerne, portanto, das bases lançadas por Thompsom, Hirst, Harvey e outros quando mencionam a crise dos anos 60 e 70 ou mesmo a necessidade de se partir para rearranjos espaço-temporais que tentem reincorporar antigos padrões de crescimento. Assim, por neoliberalismo entendemos as tendências diversas apontadas por esses autores.

De posse agora deste pequeno arcabouço podemos entender melhor como se deu a inserção do Brasil na economia-mundo e seu caráter dependente. Embora essa dependência exija uma configuração forte do poder local ou central em razão da necessidade de se atuar na transferência de valores da periferia pra a centralidade, uma teoria antissistêmica da globalização não deve ignorar as ações políticas dos diversos atores na luta de classes e nem mesmo a importância do estado nacional nos dias de hoje. Com isso, a história de um país de capitalismo dependente aparece determinada, mas seu futuro não está totalmente dado.

REFERÊNCIAS

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HIRST, P.; THOMPSOM, G. Globalização em questão: a economia internacional e as possibilidades de governabilidade; tradução Wanda Caldeira Brant. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998.

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PEREIRA, C. P; DUARTE, J. L; SANTOS, L. R Capitalismo dependente, estado e autoritarismo no Brasil. Textos & contextos. Porto Alegre, v. 20. n. 1, p. 1 – 11, jan. 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/39228/26773. Acesso em 24 abr. 2021

REIS, E. P. o Estado nacional como ideologia: o caso brasileiro. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1 nº 2, p. 187 – 203, 1988. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2166, Acesso em 22 abr. 2021.

THÉRY, H. Globalização, desterritorialização e reterritorialização. Revista da ANPEGE. Mato Grosso do Sul, v. 4, p. 89-96, ago. 2008. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6601, Acesso em 22 abr. 2021.

TILLY, C. Coerção, capital e estados europeus. Tradução Geraldo Gerson de Souza, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

WOOD, E. A origem do capitalismo. Tradução Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora ltda, 1999.

______. E. O império do capital. Tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Editora Boitempo, 2014.    


¹Mestrado em Ciências Sociais pelo PPGCS – UFRRJ