POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE DIANTE DAS LACUNAS CONSTITUCIONAIS NO REGIME DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10020042


George Tocantins Jorge¹
Karoline Silva Costa²


RESUMO: O objeto deste artigo é a análise do princípio da co-culpabilidade, onde há uma visibilidade da corresponsabilidade do Estado na prática do delito cometido por indivíduos marginalizados socialmente. Este princípio, em razão de não estar explícito nas leis penais brasileiras, gera muitas controvérsias sobre como aplicá-lo. O presente trabalho, como ponto de partida, apresenta o seu devido significado acompanhado de um breve contexto histórico. O fato de o referido princípio não estar explicitado em norma, acaba por originar injustiças, em que pessoas pobres são punidas de maneira mais severa do que as pessoas ricas na sociedade. Este trabalho tem como foco analisar a injustiça que afeta uma grande parte da população que não teve as mesmas oportunidades que os mais privilegiados. Para muitos desses indivíduos, o crime surge como uma saída quando o acesso a uma vida melhor é limitado pelo sistema capitalista predatório. A ideia de co-culpabilidade busca reduzir e minimizar essa desigualdade, funcionando como instrumento de causa de diminuição de pena e como causa de exclusão da culpabilidade, referente às condições socioeconômicas do indivíduo, diante da omissão estatal diante das lacunas não sanadas dos direitos de segunda geração presentes na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 6⁰.

Palavras–Chave: Co-culpabilidade. Desigualdade. Omissão Estatal. Constituição Federal.

ABSTRACT: The object of this article is an analysis of the principle of co-culpability, where there is a visibility of the co-responsibility of the state in the practice of crime committed by socially marginalized individuals. Since this principle is not explicitly stated in Brazilian criminal law, there is a lot of controversy about how to apply it. This paper, as a starting point, presents its meaning accompanied by a brief historical context. The fact that this principle is not explicitly stated in the law leads to injustices, in which poor people are punished more severely than rich people in society. This work focuses on analyzing the injustice that affects a large part of the population who have not had the same opportunities as the more privileged. For many of these individuals, crime emerges as a way out when access to a better life is limited by the predatory capitalist system. The idea of co-culpability seeks to reduce and minimize this inequality, functioning as an instrument for reducing the penalty and as a cause for excluding guilt, referring to the socioeconomic conditions of the individual, in the face of state omission in the face of the unresolved gaps in the second generation rights present in the Federal Constitution of 1988, in its article 6⁰.Translated with www.DeepL.com/Translator (free version)

Keywords: Co-culpability. Inequality. State Omission. Federal Constitution.

1. INTRODUÇÃO

Como já é de conhecimento, as oportunidades presentes na teia social atualmente são apresentadas de forma desigual a uma grande parcela da população. A malha populacional não possui, de forma considerável, sequer direitos básicos para o gozo de uma vida saudável e digna, como consequência de uma inadimplência estatal, em omissão à garantia desses direitos. Nesse sentido, a teoria da seletividade penal que indica que, para além da série de problemas sociais enfrentados pelas classes econômicas menos favorecidas, o Estado busca de forma implacável a perseguição aos menos abastados, quando se trata de punir, pela via do Direito Penal.

O instituto da co-culpabilidade, portanto, vem à tona como um objeto de justiça social, trazendo consigo a finalidade da concretização da isonomia material que deve ser garantida pelo ordenamento jurídico. Além disso, esse princípio resgata a pertinência de uma análise social do delito, no viés de que a infração penal é um fato social, pois, ademais, a aplicação das penas deve abarcar a análise das condições socioeconômicas, bem como o meio em que o infrator vive. Desse modo, questiona-se: Acerca do Princípio da Co-culpabilidade no Direito Penal Brasileiro, é possível concluir a existência da omissão do Estado perante os preceitos fundamentais como justificativa das práticas delituosas relacionadas especificamente às classes menos favorecidas?

O presente artigo tem como finalidade provocar uma ruptura com a familiarizada doutrina tradicional, externalizando a sua relevância como propulsor da justiça social e a desestereotipização das classes menos abastardas. O princípio em si, não encontra respaldo explicitamente no ordenamento jurídico. Portanto, sobre as perspectivas da sua implementação e incorporação, o Direito Penal apresenta brechas previstas no artigo 59 e 66; no Código de Processo Penal, notadamente no artigo 187, §1⁰; e na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), artigo 4⁰, V.

De acorco com MERTON (1970, n.p), a grande incidência de infrações cometidas tem por base um dos temas abordados por Émile Durkheim, na “Teoria da Anomia”, onde, logo mais tarde, recebeu uma reanálise. Desse modo, a grande obscuridade e a inadequada aplicação da norma acabam por ser um incitamento ao desequilíbrio, desordem social e motivante de atos criminosos.

Diante do exposto, pode-se assimilar por meio do presente estudo a integral relevância de suscitar questionamentos a respeito de origens subjacentes à prática de uma infração, e também considerar claramente a condição social em que o indivíduo esteja totalmente imerso, buscando desvencilhar-se do tradicionalismo por meio de possibilidades objetivas e subjetivas, implícitas e explícitas a um julgamento justo, equitativo e imparcial. É evidente, nos tribunais, a não tratativa do princípio da co-culpabilidade, ensejando mais ainda a veemência e necessidade de sua normatização com fulcro em uma concreta igualdade material, pois se percebe que o sistema penal apresenta falhas, onde pessoas sem condições financeiras são punidas em contrapartida dos que apresentam tais condições.

A pesquisa em questão utilizou, para a obtenção dos objetivos propostos da pesquisa de revisão teórica quanto ao tema da pesquisa, onde se propôs a analisar a legislação atual, nacional e internacional pertinente ao caso aqui abordado e delimitado. Partindo, buscou a realização de pesquisa exploratória e documental relacionadas ao tema. Buscou por meio de artigos, formar os caminhos para a produção do trabalho de projeto de pesquisa a fim de obter ideias determinadas e sólidas para realização do mesmo. A princípio, ocorreu a escolha da temática a ser desenvolvida, que abordou a questão do princípio da co-culpabilidade diante das lacunas constitucionais no democrático de direito, bem como as ideias sociais e morais. Quanto ao método de pesquisa, utilizou-se o método qualitativo, no que se refere à abordagem da pesquisa. Utilizou-se o método dedutivo e o procedimento monográfico, onde, por meio destes, buscou-se abordar o Código Penal, princípios e ideias morais para resolver os problemas indicados na pesquisa.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE

Sabe-se, de modo geral, que o meio social tem papel significativo na formação da conduta do indivíduo. Os aparelhos de reprodução social (escola, igreja, amigos, mídia) desempenham esse papel tão importante na formação do indivíduo, assim como o Estado, responsável pela concessão e defesa desses direitos, e também, provedor de políticas públicas.

Não obstante, percebemos que esses papéis inclusivos, que têm por finalidade melhorar as condições de vida e de dignidade daquelas pessoas reféns do sistema exploratório, mostra-se completamente ineficiente, posto que, é nesse lugar que as camadas populares mais inferiores enfrentam desafios, sem sequer ter direito à moradia, segurança, acesso à educação de qualidade, direitos básicos que são fundamentais para a promoção da dignidade da pessoa humana.

Desse modo, a população, insatisfeita com a ineficiência do Estado diante da crescente taxa de criminalidade, cobra severamente o agravamento das penas àqueles que praticam certos delitos, sem observar que a raiz do problema está muito distante da idealização de um sistema jurídico robusto e arbitrário.

2.2 Conceito de “Princípio”

Antes de adentrarmos aos estudos sobre o princípio da co-culpabilidade, faz-se jus ao estudo do “princípio” de modo geral. Os princípios e as regras caracterizam-se como espécies de normas, pois emitem uma semântica de dever-ser, portanto, deve-se diferenciar a distinção entre princípio e regra.

Os princípios se conceituam por serem normas que têm como característica uma ordem a ser seguida, por mais que externalizem diversos modos a serem adotados de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Robert Alexy (2008, p. 90) ressalta:

[…] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, considerando-os, por essa razão, como ‘mandamentos de otimização’, cuja satisfação varia em graus, dependendo das possibilidades jurídicas e fáticas. (ALEXY, 2008, P. 90).

Por outro lado, como alega Alexy (2008, p. 92), as regras apontam uma relatividade na sua sanatória, podendo ser sanadas totalmente ou não. Elas, ademais, possuem exigências em circunstâncias fáticas e juridicamente possíveis; diante disso, as regras também impõem soluções diversas da do princípio, apesar de não conviverem no ordenamento jurídico, a solução desse conflito se dá por meio de cláusulas de exceções.

2.2 Contexto histórico e conceito

A revolução francesa, em 1789, trouxe consigo uma metamorfose incalculável no ramo do direito, mudanças essas que serviram de instrumento de ruptura do tradicionalismo arcaico das ciências jurídicas. Com a queda do Estado absolutista, onde o reinado era comandado por um rei que, em sua concepção, detinha autoridade suprema concedida por Deus, fora substituído por um Estado liberal ao qual usa como sustentáculo os princípios da igualdade, liberdade e fraternidade: direitos de primeira, segunda e terceira geração.

Os direitos de primeira geração (liberdade), ou propriamente de primeira dimensão, que impõem uma limitação ao poder do Estado, são devidamente direitos de “caráter negativo” onde há a abstenção do Estado em sua garantia para concessão da titularidade ao indivíduo. (CASTILHO, 2011).

Seguindo os mesmos entendimentos de Castilho (2011), os direitos de segunda geração (igualdade) são aqueles em que o Estado tem o dever de garantir, não podendo se omitir perante a esses preceitos fundamentais, com a livre autonomia de intervir na economia para se evitar injustiças e incongruências presentes no sistema capitalista, assim promovendo uma harmonia na sociedade. Afinal, tem como característica o “caráter positivo”, onde se encontra fundamentação para o princípio da co-culpabilidade

Com isso, é que podemos compreender de praxe o principal papel do Estado frente aos direitos de segunda dimensão em relação ao princípio da co-culpabilidade, atuando como interventor e garantidor do bem-estar social, só que, de forma oposta, as ações desse ser onipresente tem se mostrado de forma diversa aos exigidos na Magna Carta.

Acompanhando a mesma lógica, ressaltam Araújo e Nunes Júnior acerca do tema exposto:

Se os direitos fundamentais de primeira geração tinham como preocupação a liberdade contra o arbítrio estatal, os de segunda geração partem de um patamar mais evoluído: o homem, liberto do judô do Poder Público, reclama agora uma nova forma de proteção de sua dignidade, como seja, a satisfação das necessidades mínimas para que se tenha dignidade e sentido na vida. (ARAUJO E NUNES JUNIOR, 2005, p. 116).

Enquanto os direitos fundamentais de primeira geração visavam garantir a liberdade contra a interferência estatal, os de segunda geração surgem de um nível mais avançado: o homem, emancipado do domínio do Estado, exige agora uma nova forma de respeito à sua dignidade, ou seja, a garantia das condições mínimas para que se possa viver com dignidade e propósito.

Como episódio relevante na nossa história, as ideias iluministas do século XVIII foram ideologias que inovaram uma nova vertente para o pensamento jurídico, proporcionando organização política, sociedade sob a imagem da igualdade, liberalismo político, e, no Direito Penal, uma estruturação política e social, advém-se, então, desse marco histórico a origem do princípio da corresponsabilidade estatal, assim afirmam Lira e Filho (2012, p. 05)

Após os fatos marcantes do iluminismo, com pensadores que idealizaram linhas de raciocínio sobre a figura do homem na sociedade, em decorrência disso, surgiu o contratualismo. Tem-se aí a origem da co-culpabilidade, no momento em que o indivíduo rompe este contrato social, a sociedade perde a concepção de “harmonia” e o indivíduo infrator se torna inimigo da sociedade, conforme explicita Bittencourt (2002, p. 47).

De forma similar, o Estado rompe também com esse pacto social, de acordo com a afirmação dita por Moura (2006, p. 44), “em contrapartida, o Estado também quebra o contrato social quando deixa de propiciar aos seus cidadãos o mínimo de condições de sobrevivência, segurança e desenvolvimento da pessoa humana”. Logo, a fiel definição de co-culpabilidade estaria na ideia de que o Estado rompeu significativamente o contrato social no momento em que se omitiu em garantir a observância com suas obrigações de prover satisfatoriamente esses direitos.

Adiante, surgem questionamentos feitos por Michel Foucault (1999, p. 303), filósofo francês, que fortalecem mais ainda a teoria da co-culpabilidade de que as presentes leis não se consolidam materialmente e não constituem características de generalidade, ou seja, não são aplicáveis a todos de forma igual. As normas legais, de antemão, são feitas para alguns e aplicadas a outros, por isso, notamos que indivíduos que dispõem de maior poder econômico têm maiores chances de serem beneficiados na esfera judicial do que aqueles com menor poder aquisitivo.

Na presente teia social, nota-se que a crescente taxa de criminalidade é devido aos entornos problemáticos do nosso país. Diante disso, o Estado se prostra como inadimplente no tocante ao dever de garantir direitos constitucionais básicos, como a educação, saneamento, saúde, entre outros, evidenciando cada vez mais uma parcela dessa culpa direcionada a essa entidade.

Essa culpa compartilhada se deve às condutas delitivas de indivíduos que não tiveram oportunidades e condições de vida melhores. Destarte, devido ao Estado não propor políticas públicas de inclusão socioeconômica a esses indivíduos desfavorecidos, acaba arcando indiretamente e em conjunto com o indivíduo a responsabilidade da infração, notadamente àquelas que envolvem o patrimônio.

Como lembra Moura (2006, p. 59), o princípio da co-culpabilidade se trata de um princípio implícito no ordenamento, onde a reconhece a corresponsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por aqueles cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação, no que se refere às projeções influenciadas pelas condições sociais e econômicas do agente.

A título de análise, não se pode esquecer de não aplicar uma interpretação equivocada a respeito do decaimento de uma infração penal ao Estado, essa entidade atua como detentor do jus puniendi, sendo incapaz de cometer delitos ou sofrer sanções penais, por se tratar de uma instituição provida de caráter abstrato. Isso provém de que o Estado não contém elementos essenciais para se estabelecer como autor de um delito, sejam: vontade; consciência; discernimento; constituintes do sujeito ativo. Com isso, a finalidade é buscar a responsabilização do agente, trazendo consigo o Estado, o qual se omitiu em prestar a tutela desses direitos constitucionais como afirma (MOURA, 2006, p. 63).

Por fim, como forma de elucidar o lapidar da construção da fundamentação, considera Greco que que:

A teoria da co-culpabilidade ingressar no mundo do direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus ‘supostos cidadãos’. Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem teto para abrigar-se, morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os preparou e os qualificou para que pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso de bebida alcoólica para fugir à realidade que lhes é impingida, quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir essa responsabilidade com a sociedade. (GRECO, 2002, p.469).

A teoria da co-culpabilidade no direito penal destaca a parcela de responsabilidade da sociedade em infrações cometidas por seus cidadãos, como os desabrigados desempregados, cuja falta de apoio estatal contribui para seus atos criminosos, exigindo uma partilha de responsabilidades conjunta e sensata.

3 PERSPECTIVA DA CONSTITUIÇÃO 1988 SOBRE O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE

O princípio da co-culpabilidade tem suas origens enraizadas no advento das ideias iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, de 1789, conforme dito anteriormente. De igual modo, Constituição Federal de 1988 também retoma essas ideias que foram consolidadas no limiar do tempo. O instituto da co-culpabilidade estabelece relação intrínseca com os princípios presentes na Magna Carta e no Direito Penal, servindo como instrumento de norteamento e eficácia no ordenamento jurídico. Nesse sentido, destrincha-se essa relação entre o princípio da co-culpabilidade e os demais princípios da constituição brasileira, apresentando a consonância entre eles, conforme a aplicabilidade e a eficácia.

Moura (2006, p. 35) ratifica que a Constituição de 1988 serve como base de fundamentação e validade para os acervos ramos do Direito, servindo como “tronco”, ou seja, como sustentáculo para dar validade às demais vertentes do direito, e as vertentes chamamos de “árvore jurídica” ou “brotos jurídicos”. Por essa forma, a Constituição estabelece conexão singular com o Direito Penal, por fundamentações em seus princípios aparelhados.

3.1 Do Princípio da Igualdade

Segundo Eduardo Machado e Sparemberger (2014, p. 12),o princípio da igualdade encontra seu respaldo no art. 5⁰, caput, ao deixar explícito que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, abrindo a possibilidade para que os membros da tripartição dos poderes possam se equivaler de seus cargos para promoverem através de políticas públicas, leis e jurisprudências a tão almejada igualdade material, porém, isso só poderá ser concretizado caso esses representantes façam com que essas leis fluam fatidicamente em função do bem-estar social, sem atribuir diferença considerável.

A título de realce, há dois tipos de igualdade, a material e a formal. A igualdade formal ou jurídica compreende àquela prevista em lei e a material é aquela a ser alcançada com esforços do Estado e da sociedade.

Paulo Bonavides (2001, p. 225) diz que com a ascensão do lapidar do Direito, ainda se prostra como um grande descompasso entre a igualdade formal e material, tendo como consequências as injustiças gerais, a desigualdade social, a opressão, agindo similarmente com o teorema de Lassalle, mais ainda onde o termo “Direito” tem significância somente na concepção, logo que, o “Poder”, na própria semântica é a norma, a regra, desvirtuado pelo sistema capitalista predatório.

Conforme Luigi Ferrajoli (2001, p. 726-727), por mais que a igualdade jurídica seja um ponto relevante para a norma jurídica, somente ela não seria suficiente para suprir as necessidades de uma sociedade equitativa, pois, conforme os fatos sociais, o corpo social estima algo além do que esse singularismo formal. Ela anseia e luta em meio às dificuldades por uma plena igualdade socioeconômica, jurídica, introduzindo integralmente a dignidade e a sua liberdade.

Todavia, estabelecer um parâmetro para graduar os níveis de igualdade e desigualdade torna-se uma tarefa impossível, pois, igualdade está relacionada estritamente ao subjetivismo, onde cada indivíduo tem sua definição a esse valor social. Destarte, essa dificuldade na gradação desses níveis, torna cada vez mais difícil aproximar o indivíduo à essa igualdade material.

Como Norberto Bobbio (2000, p. 43) mesmo externaliza, a igualdade acaba por constituir uma visão utópica:

A igualdade entendida como equalização dos diferentes é um ideal permanente e perene dos homens vivendo em sociedade. Toda superação dessa ou daquela discriminação é interpretada como uma etapa do progresso da civilização. (BOBBIO, 2000, p. 43).

A concepção de igualdade, compreendida como a busca pela equidade entre as diversas pessoas, representa um ideal constante e duradouro para a humanidade em convívio social. Cada avanço na superação de qualquer forma de discriminação é visto como um passo adiante no desenvolvimento da civilização.

3.2 Da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da Constituição Federal nos termos do art. 1⁰, III, sendo um importante instituto garantidor dos direitos individuais e coletivos dos indivíduos.

Dessarte, o indivíduo, para ter uma vida digna e estável, precisa estar socialmente incluído, não sendo suficiente a inclusão formal, mas também a material, como explica (MOURA, 2006, p. 90). Contextualizando mais sobre o assunto, Sawaia entende acerca da Dignidade da Pessoa Humana o seguinte:

A sociedade exclui para incluir e essa transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico. (SAWAIA, 2001, p. 8).

Por fim, Moura Junior (2013, p. 6-10), afirma que o princípio da co-culpabilidade está intrinsecamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, pois, reconhece de fato, a inadimplência do Estado na sua promoção, caracterizando-o como um dos objetivos da Constituição Federal.

3.3 Da Individualização da Penal

Da Individualização da pena, assim diz Luiz Luisi:

Visto a luz de um perfil histórico pode-se afirmar estarem presentes na individualização da pena instâncias objetivas e subjetivas. De um lado, o objetivismo da Escola Clássica que entendia dever ser a resposta penal adequada à importância do bem jurídico ofendido e a intensidade da ofensa. Neste processo individualizador objetivo se insere o princípio da proporcionalidade. A graduação da sanção penal se faz tendo como parâmetro a relevância do bem jurídico tutelado e a gravidade da ofensa contra ele dirigida e deve ser fixada, pois, tanto na espécie e no quantitativo que lhe sejam proporcionais. De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do delinquente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no seu modo de execução (LUIZ, 2003. p. 55-56).

Desse modo, estando tipificada no artigo 5⁰, XLV e XLVI, da Constituição, o seu escopo é estabelecer uma limitação ao Estado, mantendo um elo com o princípio da culpabilidade e o da co-culpabilidade, promovendo assim um sistema de justiça mais equitativo.

A co-culpabilidade concretiza a individualização, a primeira como meio de reprovação social e pessoal do agente e o segundo como individualiza e materializa a execução da pena do agente, levando sempre em conta as condições e circunstâncias sociais e pessoais do agente (MOURA, 2006, p. 94).

4. A CO-CULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO; SUA POSSÍVEL APLICABILIDADE E RECONHECIMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O princípio da co-culpabilidade não se apresenta na legislação Penal brasileira e nem reconhecida fatidicamente a ponto de ser aceita a partir dos princípios já mencionados no tópico anterior. Por outro lado, outros países latino-americanos já despontam com a aplicação do princípio da co-culpabilidade.

Mais adiante, segundo a resistência que ocorre aqui no país, percebe-se que parte da doutrina se sensibiliza para que a sua positivação se torne algo concreto, tendo em vista sua inserção no Código Penal, como circunstância judicial prevista no art. 59 do Código Penal, enfatiza:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

Importante ressaltar que a doutrina vem também sendo flexível quanto a admissão do art. 66 do Código Penal, o qual tange às atenuantes inominadas ao instituto da co-culpabilidade. Isso, de alguma forma, proporcionará certa liberdade ao aplicador da lei (juiz), a determinar a pena de acordo com as circunstâncias presentes no caso concreto do indivíduo.

De forma similar, a jurisprudência vem retomando as mesmas vertentes da doutrina, embora o referido princípio não esteja expresso no Código Penal brasileiro, ela tem sido aplicada na jurisprudência a partir de alguns julgados:

EMENTA: ROUBO. CONCURSO. CORRUPÇÃO DE MENORES. CO-CULPABILIDADE. – SE A GRAVE AMEAÇA EMERGE UNICAMENTE EM RAZÃO DA SUPERIORIDADE NUMÉRICA DE AGENTES, NÃO SE SUSTENTA A MAJORANTE DO CONCURSO, PENA DE “BIS IN IDEM” – INEPTA E A INICIAL DO DELITO DE CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI 2.252/54) QUE NÃO DESCREVE O ANTECEDENTE (MENORES NÃO CORROMPIDOS) E O CONSEQUENTE (EFETIVA CORRUPÇÃO PELA PRÁTICA DE DELITO), AMPARADO EM DADOS SEGUROS COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL. – O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE FAZ A SOCIEDADE TAMBÉM RESPONDER PELAS POSSIBILIDADES SONEGADAS AO CIDADÃO – REU. – RECURSO IMPROVIDO, COM LOUVOR A JUÍZA SENTENCIANTE. (16FLS.) (Apelação Crime Nº 70002250371, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 21/03/2001).

4.1 Direito Comparado

Embora tanto a doutrina quanto a jurisprudência ainda sofram consequentemente com o desconforto nos olhos, com a sua retirada da caverna a respeito da aplicação do princípio da co-culpabilidade (metáfora filosófica explicada por Platão), outros países latino-americanos já recepcionaram tal princípio em seus ordenamentos. O ordenamento jurídico da Argentina, México, Colômbia, Peru e Equador já consolidaram a recepção do princípio da co-culpabilidade, como a mea culpa estatal.

Heleno Cláudio Fragoso (1977, p. 17-25) afirma que o próprio legislador, para evitar problemas sociais, apossa-se do Direito para utilizá-lo como instrumento punitivo, transformando o Estado em uma entidade repressiva, com a finalidade de refrear a periculosidade pré-delitual, através de medidas que privam a liberdade do indivíduo. No entanto, esse caráter repressivo reflete externamente à instabilidade presente no corpo social.

A Argentina, por sua vez, país onde se originou a ideia dessa divisão de responsabilidade entre o indivíduo e o Estado, traz expressamente em seu artigo 41, do Código Penal Argentino, o princípio da co-culpabilidade.

Nos termos do artigo 41 do Código Penal Argentino:

Artículo 40.- En las penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, los tribunales fijarán la condenación de acuerdo con las circunstancias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a las reglas del artículo siguiente.

Artículo 41. A los efectos del artículo anterior, se tendrá en cuenta:1º. La naturaleza de la acción y de los medios empleados para ejecutarla y la extensión del daño y del peligro causados;

2º. La edad, la educación, las costumbres y la conducta precedente del sujeto, la calidad de los motivos que lo determinaron a delinquir, especialmente la miseria o la dificultad de ganarse el sustento propio necesario y el de los suyos, la participación que haya tomado en el hecho, las reincidencias en que hubiera incurrido y los demás antecedentes y condiciones personales, así como los vínculos personales, la calidad de las personas y las circunstancias de tiempo, lugar, modo y ocasión que demuestren su mayor o menor peligrosidad. El juez deberá tomar conocimiento directo y de visu del sujeto, de la víctima y de las circunstancias del hecho en la medida requerida para cada caso.

De acordo com Marina Zanotello (2013, p. 93), o artigo 41 do Código Penal argentino se refere ao seu artigo anterior, artigo 40, para o qual servirá como complemento: em motivação à condenação, às penas aplicadas ao agente, que consequentemente serão dosadas de acordo com a presença das atenuantes e agravantes evidentes em cada caso concreto.

Dando continuidade à contextualização, Moura (2006, p. 100) diz que a co-culpabilidade teve como ponto de partida as peculiaridades socioeconômicas de certos países subdesenvolvidos, e que esses países apresentam, como característica pejorativa, omissões no cumprimento de seus deveres com a sociedade, em que pese aos direitos sociais, culturais, econômicos e inserção social.

De acordo com Moura Junior (2013, p. 19), na Bolívia, o princípio da co-culpabilidade é empregado como um fator judicial para avaliar a personalidade do indivíduo. Assim, quando se evidencia que o cidadão cometeu o crime devido à sua situação de pobreza, uma atenuante genérica será aplicada, conforme descrito nos artigos 38 e 40 do Código Penal Boliviano.

No Brasil, como descrito nesta pesquisa, embora a Constituição Federal e leis específicas não contenham uma previsão explícita do princípio da co-culpabilidade, uma análise teleológica de vários artigos permite concluir que o sistema jurídico admite sua aplicação. É importante destacar que a doutrina reconhece sua existência e há uma forte tendência para sua inclusão, como evidenciado no anteprojeto de reforma do Código Penal.

4 CONCLUSÃO

Em resumo, este artigo abordou a análise do princípio da co-culpabilidade, que destaca a corresponsabilidade do Estado na prática de crimes por indivíduos marginalizados socialmente. Embora não esteja explicitamente definido nas leis, este princípio tem gerado controvérsias quanto à sua aplicação. No entanto, a presente pesquisa demonstrou que, mesmo sem uma menção direta nas leis, a análise teleológica de vários artigos indica que o sistema jurídico brasileiro permite a aplicação desse princípio.

Observa-se que a falta de especificidade do princípio da co-culpabilidade tem levado a desigualdades injustas, com pessoas em situações socioeconômicas desfavorecidas sendo punidas de maneira mais severa do que as mais privilegiadas na sociedade. Isso levanta questões profundas sobre a justiça no sistema legal, especialmente quando parte dos indivíduos marginalizados são cooptados pelo crime como uma saída aparente, devido à falta de oportunidades em um sistema capitalista predatório.

Nesse ponto, a ideia de co-culpabilidade busca atenuar essa desigualdade, funcionando como um instrumento para a redução de penas e uma causa de exclusão da culpabilidade em relação às condições socioeconômicas do indivíduo. Isso é particularmente relevante diante da omissão estatal em relação às lacunas que envolvem os direitos de segunda geração presentes na Constituição Federal de 1988.

Além disso, destaca-se que, na jurisprudência brasileira, a doutrina reconhece a existência do princípio da co-culpabilidade, e há uma tendência crescente para sua inclusão, como evidenciado no anteprojeto de reforma do Código Penal. Portanto, este trabalho ressalta a importância de considerar a co-culpabilidade como um princípio jurídico válido, que pode contribuir para um sistema legal mais justo e igualitário, especialmente quando se trata daqueles que enfrentam desafios socioeconômicos significativos em nossa sociedade.

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¹Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail:gejorge1@hotmail.com
²Professora Orientadora. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Maranhão (PPGS/UFMA), Especialista em Direito Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (FDDJ) e Especialista em Gestão Pública pela renomada Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Professora de Sociologia Jurídica e de Direito Penal do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail:karolinecosta.adv@gmail.com.