REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10019791
Débora Queiroz da Silva1
Ueliton Machado da Silva2
Chimene Kuhn Nobre3
Resumo
Este resumo apresenta uma análise das abordagens adotadas para enfrentar crises orçamentárias visando a manutenção e evolução das políticas públicas, respeitando os princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade. Diante de desafios financeiros, é crucial garantir a continuidade de serviços essenciais sem prejudicar direitos fundamentais. O estudo busca compreender as estratégias empregadas por diferentes governos nesse contexto. Os objetivos incluem examinar como preservar os avanços das políticas públicas e propor diretrizes éticas para a alocação de recursos. A metodologia envolve revisão bibliográfica de autores que discutem a interseção entre direitos fundamentais, crise orçamentária e políticas públicas. A análise das abordagens adotadas visa identificar práticas eficazes que conciliem austeridade financeira e proteção de direitos. A discussão enfatiza a importância de critérios justos de alocação, gestão transparente e engajamento da sociedade. A observância dos princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade é destacada para garantir a continuidade dos avanços conquistados. Conclui-se que políticas eficazes em cenários adversos demandam estratégias alinhadas com princípios éticos e constitucionais.
Palavras-chave: Crise orçamentária. Políticas públicas. Proibição do retrocesso. Doutrina da progressividade. Direitos fundamentais.
Abstract
This summary presents an analysis of the approaches adopted to face budget crises with a view to maintaining and evolving public policies, respecting the principles of the prohibition of retrogression and the doctrine of progressivity. Faced with financial challenges, it is crucial to ensure the continuity of essential services without compromising fundamental rights. The study seeks to understand the strategies employed by different governments in this context. Objectives include examining how to preserve public policy advances and proposing ethical guidelines for resource allocation. The methodology involves a bibliographic review of authors who discuss the intersection between fundamental rights, budget crisis and public policies. The analysis of the approaches adopted aims to identify effective practices that reconcile financial austerity and protection of rights. The discussion emphasizes the importance of fair allocation criteria, transparent management and societal engagement. Observance of the principles of prohibition of regression and the doctrine of progressivity is highlighted to guarantee the continuity of the advances achieved. It is concluded that effective policies in adverse scenarios require strategies aligned with ethical and constitutional principles.
Key words: Budget crisis. Public policy. Prohibition of backtracking. Doctrine of progressiveness. Fundamental rights.
1 INTRODUÇÃO
A formulação e implementação de políticas públicas são pilares essenciais para o funcionamento eficiente de um Estado, visando atender às necessidades da sociedade e promover o bem-estar coletivo. No entanto, a concretização dessas políticas muitas vezes se depara com desafios orçamentários significativos, que podem ser exacerbados por crises econômicas e financeiras. O presente trabalho se dedica a analisar a intersecção entre as políticas públicas e a crise orçamentária, com enfoque na proibição ao retrocesso social e na doutrina da progressividade em relação à reserva do possível.
Este estudo se concentra na discussão das políticas públicas, sua manutenção durante períodos de crise orçamentária e as limitações impostas pela reserva do possível e pela proibição do retrocesso. Será explorado como os governos enfrentam a pressão financeira enquanto buscam proteger os avanços já alcançados em políticas sociais e econômicas. Além disso, a análise será orientada por uma perspectiva de direitos fundamentais, destacando a importância de garantir o acesso contínuo a serviços essenciais, mesmo em cenários de restrições orçamentárias.
No contexto de crises orçamentárias, os governos muitas vezes enfrentam o dilema complexo de equilibrar a necessidade de austeridade fiscal com a manutenção dos direitos sociais e econômicos conquistados pela sociedade. Diante das interações entre políticas públicas, crise orçamentária, proibição do retrocesso e doutrina da progressividade, a pergunta norteadora deste estudo é: Quais estratégias podem ser adotadas para harmonizar as demandas de continuidade das políticas públicas e a garantia de não retrocesso dos direitos, considerando as limitações impostas pela reserva do possível em cenários de crise financeira?
O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar as abordagens adotadas para enfrentar a crise orçamentária sem comprometer a manutenção e a evolução das políticas públicas, respeitando os princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade. Para alcançar esse objetivo, os seguintes objetivos específicos serão perseguidos: 1. Investigar os fundamentos teóricos da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade em contextos de políticas públicas. 2. Examinar as estratégias utilizadas por diferentes governos para preservar os avanços das políticas públicas durante crises orçamentárias. 3. Analisar criticamente os desafios e dilemas éticos envolvidos na tomada de decisões sobre a alocação de recursos em tempos de crise financeira. 4. Propor diretrizes e recomendações para a formulação de políticas que respeitem os direitos fundamentais, mesmo em cenários adversos.
O estudo sobre políticas públicas, crise orçamentária, proibição do retrocesso e progressividade é de relevância fundamental no contexto contemporâneo. As crises econômicas, como a recente crise global, ressaltaram a importância de abordar questões cruciais relacionadas à manutenção dos direitos sociais em tempos difíceis. A compreensão das estratégias e princípios que regem a relação entre políticas públicas e limitações orçamentárias permitirá uma abordagem mais informada e ética por parte dos formuladores de políticas e profissionais do direito. Além disso, a investigação dessas questões contribuirá para a discussão acadêmica sobre como promover uma sociedade mais justa e inclusiva, mesmo em momentos de adversidade econômica.
A metodologia empregada neste trabalho foi uma revisão bibliográfica detalhada, buscando embasar a discussão em uma ampla gama de fontes acadêmicas, legais e políticas. Foram explorados estudos de caso, análises comparativas e teorias relevantes que abordem a intersecção entre políticas públicas, crises orçamentárias, direitos fundamentais, proibição do retrocesso e doutrina da progressividade. A abordagem de revisão bibliográfica permitiu uma compreensão abrangente das estratégias adotadas em diferentes contextos, bem como a análise crítica das implicações éticas e práticas dessas estratégias.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Administração Pública
A gestão pública envolve escolhas que refletem valores sociais e políticos, não apenas aspectos instrumentais. Ela desempenha um papel importante na facilitação da expressão das vontades da sociedade e na busca por valores que orientem suas ações (CARNEIRO; MENICUCCI, 2013). Isso implica em analisar o Estado, sua configuração e seu papel histórico em diferentes contextos. Atualmente, essa análise também está relacionada às mudanças decorrentes da globalização neoliberal.
A administração pública é um campo vasto e complexo que envolve a gestão e a prestação de serviços públicos para atender às necessidades da sociedade. De acordo com Silva (2019), a administração pública é fundamental para o funcionamento adequado de uma sociedade, pois é responsável por garantir que os recursos públicos sejam alocados de forma eficiente e que os serviços públicos sejam prestados com qualidade. No entanto, o autor destaca que a administração pública enfrenta desafios significativos, como a burocracia excessiva e a falta de inovação.
Nesse sentido, Santos (2020) argumenta que a burocracia é um dos principais obstáculos que a administração pública enfrenta. O autor observa que a excessiva regulamentação e a lentidão dos processos burocráticos podem prejudicar a eficiência e a agilidade na prestação de serviços públicos. Além disso, Santos (2020) ressalta a importância da adoção de práticas de gestão modernas, como a gestão por resultados, para superar esses desafios.
Outro aspecto relevante na administração pública é a transparência e a accountability. Nesse sentido, Oliveira (2018) destaca a importância da transparência na gestão pública como um meio de promover a responsabilização dos gestores públicos perante a sociedade. O autor argumenta que a transparência é fundamental para garantir a confiança da população nas instituições públicas.
Por outro lado, Lima (2017) aborda a questão da descentralização na administração pública. O autor argumenta que a descentralização pode ser uma estratégia eficaz para melhorar a eficiência na prestação de serviços públicos, pois permite que os municípios tenham maior autonomia na gestão dos recursos e na tomada de decisões.
A administração pública é um campo de estudo e prática que desempenha um papel crucial na sociedade moderna. Diversos autores têm se debruçado sobre esse tema, oferecendo insights valiosos sobre os desafios e as transformações enfrentados por esse setor.
Nesse contexto, Santos (2017) discute a importância da gestão estratégica na administração pública. Segundo o autor, a administração pública precisa adotar abordagens estratégicas para lidar com as crescentes demandas da sociedade e a escassez de recursos. A gestão estratégica permite que as organizações públicas definam objetivos claros e identifiquem as melhores maneiras de alcançá-los, promovendo uma maior eficiência na alocação de recursos.
Além disso, Souza (2018) aborda a questão da accountability na administração pública. O autor argumenta que a prestação de contas e a transparência são fundamentais para garantir a responsabilização dos gestores públicos perante a sociedade. A accountability, segundo Souza (2018), é uma ferramenta importante para evitar o abuso de poder e promover a confiança nas instituições públicas.
No que diz respeito à gestão de pessoas na administração pública, Silva (2019) ressalta a importância do desenvolvimento de competências e da valorização dos servidores públicos. O autor argumenta que investir no desenvolvimento profissional dos funcionários públicos pode contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à população.
Por outro lado, Oliveira (2020) destaca a necessidade de inovação na administração pública. O autor argumenta que a burocracia e os processos ultrapassados podem ser obstáculos para a eficiência na prestação de serviços públicos. A inovação, segundo Oliveira (2020), é essencial para tornar a administração pública mais ágil e eficaz.
Ao analisar os resultados dos estudos mencionados, percebe-se que a administração pública enfrenta desafios complexos, como a necessidade de adotar abordagens estratégicas, promover a accountability, investir no desenvolvimento de competências e fomentar a inovação. Esses desafios são cruciais para que a administração pública possa cumprir seu papel de forma eficiente e atender às expectativas da sociedade.
O princípio da eficiência está relacionado com o comportamento eficiente e econômico da Administração, na medida em que se tem referido que a eficiência é «o parâmetro que relaciona o custo dos recursos utilizados com os objetivos alcançados. É o dever de agir racionalmente na utilização dos recursos públicos. Por outro lado, a eficácia evoca basicamente a produção intencional (de acordo com um fim ou causa) de uma realidade (adequada ao fim) como resultado da ação de um agente adequado para agir, aludindo à produção real ou efetiva de um efeito. Em suma, é o princípio pelo qual as autoridades buscarão que os procedimentos e medidas adotadas atinjam seu objetivo.
A jurisprudência sobre o princípio da eficiência administrativa tem centrado no dever do Estado de zelar pela eficiente e adequada administração dos meios públicos e pelo devido cumprimento da função pública, indicando que de forma que tendo o Fisco provido os meios para a pronta conclusão de uma tarefa cujo devedor não cumpriu no prazo estipulado, em prol dessa mesma eficiência, deve exercer as ações para recuperar os recursos públicos investidos. Admitir o contrário implicaria deixar a Administração indefesa e favorecer o descumprimento de obrigações por parte dos administrados, o que é contrário à eficácia da lei.
A melhoria da eficiência, isto é, a otimização dos recursos disponíveis estará sempre na agenda das organizações públicas, pois, como se sabe, os recursos gastos pelo Estado são extraídos da sociedade civil por meio de impostos. Por isso, no Estado Democrático de Direito, os cidadãos exigem eficiência, qualidade e transparência no gasto público.
Eficiência significa fazer o que precisa ser feito com o máximo de qualidade e com o menor custo e não, como alguém poderia imaginar, redução do custo de qualquer maneira. Pelo contrário, é responsabilidade do gestor público buscar a melhor relação entre qualidade do serviço e qualidade do gasto.
A intervenção do Estado na economia é um processo legítimo, baseado no sufrágio universal e na livre escolha dos representantes políticos (conforme destacado por Silvestre em 2010). Essa intervenção tem como objetivo atender às necessidades coletivas daqueles que elegeram esses representantes. A eficiência, que pode ser definida como a relação entre os recursos utilizados (inputs) e os resultados alcançados (outputs), é um dos princípios teóricos que fundamenta essa intervenção. Isso é evidenciado no artigo 81, alínea c, da Constituição da República Portuguesa, que enfatiza a necessidade de garantir a plena utilização das forças produtivas e a eficiência do setor público.
A promoção da equidade surge como outro motivo importante para a intervenção estatal. Embora todos os seres humanos sejam iguais do ponto de vista moral, as diferenças factuais, descritivas e empíricas entre eles são inevitáveis (como mencionado por Dahl em 1996). Isso levanta questões cruciais: qual é a relação entre eficiência e equidade? Qual desses princípios deve ter prioridade na tomada de decisões públicas? Essas duas perspectivas divergentes (dimensão econômica versus dimensão social) têm sido objeto de intenso debate, exemplificado pelos confrontos entre a Escola de Cambridge e a Escola de Chicago, na busca por uma conciliação.
De acordo com a ideologia política e econômica dominante na época, a administração pública e o Estado como provedor de serviços eram considerados ineficazes, uma vez que não estavam sujeitos às pressões do mercado, como observado por L. Ouellet em 1987. Nesse contexto, a privatização ganhou destaque como uma estratégia para aumentar a eficácia das políticas públicas, reduzir o déficit público, aumentar o fluxo de caixa por meio da venda de empresas estatais, melhorar o retorno dos recursos financeiros investidos e eliminar monopólios sindicais. Além disso, visava aproximar os serviços públicos dos cidadãos, proporcionando um melhor atendimento.
No entanto, é importante ressaltar que o movimento de privatização também trouxe desafios e consequências significativas. Entre eles, destacam-se: i) a desmotivação dos funcionários públicos, resultando em queda no desempenho organizacional; ii) o uso generalizado de contratos, dificultando o monitoramento dos processos de contratação e criando oportunidades para a corrupção; iii) a perda de controle sobre a quantidade e qualidade dos bens e serviços produzidos; iv) o aumento do poder das elites empresariais; v) a diminuição do foco no interesse público, à medida que as necessidades coletivas são colocadas em segundo plano em favor do lucro; e vi) a alocação deficiente dos recursos naturais, como ressaltado por Silvestre em 2010.
Denhardt (1995) argumenta que os objetivos das organizações privadas não são diretamente comparáveis aos do setor público. Portanto, mesmo ao adotar mecanismos de externalização ou privatização, o governo deve garantir o cumprimento dos direitos constitucionais e dos princípios democráticos.
Além disso, sob a influência da escola de gestão, a administração pública passou a enfatizar resultados e adotou movimentos subsidiários, como descentralização, desregulação e delegação. A descentralização fortaleceu o poder das autoridades locais e regionais, conferindo-lhes mais autoridade e responsabilidade em suas áreas geográficas. A desregulação permitiu que os gestores tivessem maior controle sobre os recursos financeiros e de pessoal à sua disposição. Por fim, a delegação de competências afastou os líderes políticos da gestão e implementação das políticas públicas após a tomada de decisão. Essa mudança na natureza do trabalho dos ministros os levou a se concentrar mais nos resultados, com base em indicadores e relatórios de desempenho, como observado por Rocha em 2001 e 2010.
Além disso, a responsabilidade pela implementação das políticas foi transferida para os gestores, alterando a natureza do controle e avaliação nos serviços públicos. Nesse contexto, os ministros envolvidos na reforma administrativa enfrentaram um dilema, uma vez que buscavam maior controle sobre a burocracia e seus programas, ao mesmo tempo em que viam vantagens na descentralização da responsabilidade e na posição de supervisão acima das operações diárias.
2.2 Proibição do retrocesso
A fundamentação teórica da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade em contextos de políticas públicas é um tema central no debate sobre a garantia dos direitos fundamentais em cenários de mudança política, econômica e social. Diversos autores contribuíram para a construção e análise desses conceitos, elucidando seus princípios e implicações em relação à efetividade das políticas públicas e à proteção dos direitos individuais e coletivos.
O debate sobre a proibição do retrocesso, que impede a redução ou eliminação dos direitos já conquistados, é abordado por autores como Sarlet (2007) e Ávila (2007). Sarlet ressalta que a proibição do retrocesso está intrinsecamente ligada à estabilidade e confiança nas conquistas sociais, evitando que os avanços sejam desfeitos por decisões políticas contingentes. Ávila (2007), por sua vez, destaca que a proibição do retrocesso é parte integrante do princípio da vedação do retrocesso social, que busca proteger os direitos fundamentais alcançados através de políticas públicas.
Já a doutrina da progressividade, que demanda a evolução gradual dos direitos sociais, é abordada por autores como Weis (2006) e Walzer (2003). Weis ressalta que a progressividade implica em um compromisso constante com a melhoria das condições de vida da população, promovendo uma ampliação gradual dos direitos e garantias. Walzer (2003), por sua vez, argumenta que a progressividade é essencial para a justiça social, permitindo a coexistência de diferentes esferas de distribuição e assegurando que os recursos sejam alocados de acordo com as necessidades e capacidades dos indivíduos.
No contexto das políticas públicas e das restrições orçamentárias, a discussão sobre o “mínimo existencial” é relevante. Torres (2009) e Scaff (2006) exploram essa perspectiva, discutindo como a reserva do possível não pode ser utilizada como justificativa para negar os direitos essenciais à dignidade humana. Scaff enfatiza que o mínimo existencial representa um patamar inegociável de direitos que deve ser garantido mesmo em situações de escassez orçamentária.
Ao analisar os resultados dos estudos, nota-se uma convergência em relação à importância de manter um equilíbrio entre a proibição do retrocesso e a progressividade em contextos de políticas públicas. Embora existam tensões entre as demandas por continuidade dos direitos já conquistados e a realidade orçamentária, os autores em questão enfatizam a necessidade de se buscar soluções que preservem os avanços sociais.
A preservação dos avanços das políticas públicas durante crises orçamentárias é um desafio enfrentado por diversos governos em todo o mundo. Autores como Mendonça (2010), Wacheleski e Diniz (2015), e Martins e Martins (2021) contribuíram para a análise das estratégias adotadas por diferentes Estados nesse contexto, considerando a garantia dos direitos fundamentais em meio às limitações financeiras.
Mendonça (2010) discute o esvaziamento contramajoritário de políticas públicas e explora o fenômeno da faculdade de gastar versus o dever de agir do Estado. O autor aborda como, em momentos de crise orçamentária, a discricionariedade estatal de implementar políticas públicas pode ser reduzida, levando a uma possível erosão dos avanços conquistados. Nesse sentido, a discussão enfatiza a necessidade de se estabelecer critérios claros para priorizar a manutenção dos direitos essenciais.
No tocante à relação entre tributação, direitos fundamentais e orçamento público, Wacheleski e Diniz (2015) destacam a importância de uma abordagem equilibrada na alocação de recursos. O estudo aborda como a tributação pode ser usada para financiar as políticas públicas, sendo vital a consideração dos impactos sobre os direitos sociais e econômicos. A análise mostra que a arrecadação eficiente e justa de tributos pode contribuir para a preservação dos avanços das políticas públicas mesmo em momentos de crise orçamentária.
Martins e Martins (2021), por sua vez, analisam a intersecção entre direitos sociais, crise econômica e reserva do possível no contexto da crise orçamentária. O estudo explora a tensionalidade entre a garantia dos direitos fundamentais e as limitações financeiras enfrentadas pelos governos. Os autores discutem como os Estados podem adotar medidas de gestão dos recursos públicos e priorização das políticas sociais de maneira a preservar os avanços alcançados e minimizar o impacto negativo sobre os direitos dos cidadãos.
3 METODOLOGIA
A metodologia empregada neste trabalho foi uma revisão bibliográfica detalhada, buscando embasar a discussão em uma ampla gama de fontes acadêmicas, legais e políticas. Foram explorados estudos de caso, análises comparativas e teorias relevantes que abordem a intersecção entre políticas públicas, crises orçamentárias, direitos fundamentais, proibição do retrocesso e doutrina da progressividade. A abordagem de revisão bibliográfica permitiu uma compreensão abrangente das estratégias adotadas em diferentes contextos, bem como a análise crítica das implicações éticas e práticas dessas estratégias.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise dos resultados desses estudos revela que a preservação dos avanços das políticas públicas durante crises orçamentárias exige uma abordagem multifacetada. Enquanto Mendonça (2010) destaca a importância de critérios claros para a tomada de decisões sobre a alocação de recursos, Wacheleski e Diniz (2015) ressaltam o papel fundamental da tributação eficiente e justa para sustentar os direitos fundamentais. Por sua vez, Martins e Martins (2021) discutem a necessidade de uma gestão cuidadosa dos recursos e uma priorização estratégica das políticas sociais.
A tomada de decisões sobre a alocação de recursos em tempos de crise financeira é um cenário complexo e delicado que apresenta desafios e dilemas éticos significativos. Autores como Martins e Martins (2021), Mendonça (2010), e Wacheleski e Diniz (2015) exploram essas questões, oferecendo insights críticos sobre os impasses éticos enfrentados pelos governos ao enfrentar restrições orçamentárias e a necessidade de manter os direitos fundamentais.
Martins e Martins (2021) abordam como a crise econômica pode levar a uma tensão entre a preservação dos direitos sociais e a disponibilidade de recursos financeiros. Os autores discutem como as decisões de alocação podem impactar diretamente grupos vulneráveis e ampliar as desigualdades sociais. Eles alertam para a necessidade de critérios justos e transparentes que levem em consideração o impacto diferenciado das políticas públicas sobre diferentes estratos da sociedade.
Mendonça (2010) direciona o foco para o dilema entre a faculdade de gastar e o dever de agir do Estado em momentos de crise. O autor questiona até que ponto o Estado deve intervir e alocar recursos para a manutenção de políticas públicas mesmo quando há restrições financeiras. Ele aponta que a tomada de decisões nesses contextos pode ser influenciada por motivações políticas e pragmáticas, gerando dilemas éticos relacionados à equidade e à justiça social.
Wacheleski e Diniz (2015), por sua vez, exploram as implicações éticas da tributação como mecanismo de financiamento das políticas públicas. Eles destacam como a escolha de políticas tributárias pode afetar diretamente a capacidade do Estado de promover e manter os direitos fundamentais, impactando grupos mais vulneráveis de maneira desproporcional. A análise ressalta a importância de uma abordagem equilibrada na tributação que considere tanto a eficiência econômica quanto a justiça social.
A análise crítica dos resultados desses estudos revela que os desafios e dilemas éticos na alocação de recursos durante crises financeiras estão intrinsecamente ligados à ponderação de princípios e à busca por soluções justas e equitativas. Martins e Martins (2021) enfatizam a necessidade de uma abordagem sensível às desigualdades sociais, enquanto Mendonça (2010) ressalta a importância de evitar decisões motivadas apenas por interesses políticos imediatos. Wacheleski e Diniz (2015) destacam a necessidade de se considerar a ética da tributação e seu impacto sobre os direitos fundamentais.
A formulação de políticas que respeitem os direitos fundamentais em cenários adversos, como crises financeiras, é um desafio que exige abordagens cuidadosas e estratégias que preservem os avanços conquistados na promoção do bem-estar social. Autores como Barcellos (2011), Pinto (2017), Scaff (2018) e Silva (2014) oferecem contribuições relevantes para a proposição de diretrizes e recomendações que garantam a proteção dos direitos fundamentais mesmo diante de restrições orçamentárias.
Barcellos (2011) destaca a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como um guia para a formulação de políticas públicas. A autora argumenta que as políticas devem ser desenhadas de maneira a assegurar que todas as pessoas tenham acesso a condições mínimas de vida digna, mesmo em momentos de crise. Suas ideias podem ser aplicadas na definição de critérios para a alocação de recursos, priorizando os grupos mais vulneráveis e garantindo que suas necessidades básicas sejam atendidas.
Pinto (2017) aborda especificamente o financiamento dos direitos à saúde e à educação, ressaltando a necessidade de se considerar a alocação de recursos de maneira justa e equitativa. A autora destaca a importância de políticas de transparência e accountability que garantam que os recursos sejam direcionados de forma eficiente para as áreas mais críticas. Suas recomendações podem ser extrapoladas para outras políticas, sugerindo a necessidade de um planejamento estratégico que priorize áreas essenciais.
Scaff (2018) amplia a discussão ao abordar o orçamento republicano e a liberdade igual como elementos fundamentais na formulação de políticas em contextos adversos. O autor destaca a importância de uma gestão transparente e participativa dos recursos públicos, garantindo que as decisões de alocação sejam tomadas de maneira democrática e em consonância com os valores republicanos. Suas ideias destacam a importância do envolvimento da sociedade na definição de prioridades.
Silva (2014) contribui com a discussão ao apresentar os princípios do direito constitucional positivo como orientadores para a elaboração de políticas que respeitem os direitos fundamentais. A sua abordagem reforça a importância da observância dos princípios constitucionais na tomada de decisões, garantindo que as políticas sejam coerentes com os valores fundamentais da sociedade.
A análise crítica dos resultados desses estudos permite identificar a convergência de ideias em relação às diretrizes e recomendações para a formulação de políticas em cenários adversos. A abordagem centrada na dignidade da pessoa humana (Barcellos, 2011), a necessidade de transparência e accountability no financiamento de políticas (Pinto, 2017), a gestão democrática dos recursos (Scaff, 2018) e a observância dos princípios constitucionais (Silva, 2014) são aspectos essenciais que se complementam na busca por soluções éticas e eficientes.
A conclusão deste trabalho evidencia a importância de adotar abordagens eficazes para enfrentar crises orçamentárias sem comprometer a manutenção e a evolução das políticas públicas, garantindo a observância dos princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade. A análise das diferentes estratégias utilizadas por governos em momentos adversos revela a necessidade de equilibrar a busca pela austeridade financeira com a proteção dos direitos fundamentais da população.
Ao longo deste estudo, ficou claro que a adoção de medidas que buscam a eficiência na gestão dos recursos, a transparência na alocação e o engajamento da sociedade pode contribuir significativamente para preservar os avanços das políticas públicas. As recomendações enfatizam a importância de critérios justos na alocação de recursos e a gestão democrática dos orçamentos, são fundamentais para guiar a tomada de decisões em momentos de crise.
Além disso, a discussão sobre a aplicação dos princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade, mostrou que a proteção dos direitos fundamentais deve ser uma prioridade mesmo quando as restrições orçamentárias se fazem presentes. A análise crítica dos resultados desses estudos reforça a necessidade de considerar os impactos diferenciados das políticas sobre grupos vulneráveis, evitando retrocessos e buscando avanços consistentes.
Conclui-se, portanto, que a elaboração de políticas que enfrentem a crise orçamentária de forma ética e eficaz requer um planejamento estratégico que contemple critérios justos de alocação, transparência na gestão dos recursos e respeito aos direitos fundamentais. A conjugação desses elementos, aliada à observância dos princípios da proibição do retrocesso e da doutrina da progressividade, possibilitará a superação das adversidades econômicas sem prejudicar o bem-estar social e o avanço das políticas públicas.
Diante das complexidades abordadas neste trabalho, sugere-se que estudos futuros explorem ainda mais a interseção entre a ética, a economia e o direito no contexto das políticas públicas em momentos de crise financeira. Além disso, é importante continuar investigando as práticas bem-sucedidas adotadas por diferentes governos para manter e aprimorar políticas sociais em cenários adversos.
Por fim, expressa-se gratidão a todos os autores cujas obras contribuíram para o embasamento teórico deste trabalho, assim como aos orientadores, professores e colegas que forneceram insights valiosos durante o processo de pesquisa e elaboração deste estudo.
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