APLICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL COMPARADO COM A REALIDADE ESPANHOLA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10009868


Laura Milca Silva Siqueira;
Orientadores: MSc. Ormail de Souza Carvalho;
MSc. Rebeca Dantas Dib.


RESUMO

O presente TCC aborda a temática da “Aplicação de Políticas Públicas no Combate à Violência Contra a Mulher no Brasil em Comparação com a Realidade Espanhola”. A violência contra a mulher é um problema persistente em ambas as nações, afetando a vida de muitas mulheres e demandando a implementação de políticas públicas eficazes para sua prevenção e combate. A motivação para a pesquisa surgiu da necessidade de compreender as estratégias adotadas na Espanha, um país reconhecido internacionalmente por seu sucesso nessa área, e avaliar a possibilidade de aplicar essas políticas no contexto brasileiro. O objetivo geral deste estudo é analisar as políticas públicas espanholas e sua transferibilidade para o Brasil, considerando as peculiaridades legislativas de ambos os países. A metodologia empregada abrangeu pesquisa quantitativa, análise bibliográfica e observação de campo, permitindo uma análise abrangente das políticas públicas e seus resultados. Os resultados revelaram insights valiosos sobre as abordagens efetivas de combate à violência de gênero, e a pesquisa conclui com a esperança de que lições aprendidas na Espanha possam ser adaptadas e aplicadas com sucesso no Brasil, contribuindo para a erradicação dessa grave violação dos direitos humanos.

PALAVRAS CHAVE: Políticas Públicas; Violência Contra a Mulher; Brasil; Espanha

ABSTRACT

The present undergraduate thesis addresses the theme of “Application of Public Policies in Combating Violence Against Women in Brazil Compared to the Spanish Reality.” Violence against women is a persistent issue in both nations, affecting the lives of many women and demanding the implementation of effective public policies for its prevention and combat. The motivation for the research arose from the need to understand the strategies adopted in Spain, a country internationally recognized for its success in this area, and to assess the possibility of applying these policies in the Brazilian context. The general objective of this study is to analyze Spanish public policies and their transferability to Brazil, considering the legislative peculiarities of both countries. The methodology employed included quantitative research, bibliographic analysis, and field observation, allowing for a comprehensive analysis of public policies and their outcomes. The results revealed valuable insights into effective approaches to combating gender-based violence, and the research concludes with the hope that lessons learned in Spain can be adapted and successfully applied in Brazil, contributing to the eradication of this serious violation of human rights.

KEYWORDS: Violence Against Women, Public Policies, Brazil, Spain

INTRODUÇÃO

A busca pela promoção dos direitos humanos das mulheres e as políticas públicas empregados ao combate à violência de gênero representam dois temas de relevância indiscutível no contexto global. Este trabalho se propõe a investigar e analisar a interseção desses temas, fornecendo um estudo abrangente sobre os direitos humanos das mulheres, com foco na situação no Brasil e subsidiariamente, da Espanha. 

A violência contra a mulher é uma manifestação drástica das desigualdades de gênero e dos desafios persistentes que a sociedade enfrenta no sentido de garantir a segurança e os direitos fundamentais de todas as pessoas. No âmbito internacional, a busca por soluções efetivas para combater essa forma de violência tem motivado ações em diversos países, evidenciando a importância das políticas públicas como ferramentas essenciais nesse processo. Nesse contexto, a presente pesquisa tem como objetivo a análise comparativa das abordagens adotadas pelas políticas públicas no Brasil e na Espanha para combater a violência contra a mulher, explorando as nuances legais que moldam suas estratégias.

No Brasil, a persistência da violência contra a mulher é uma preocupação de dimensões alarmantes. As estatísticas revelam uma realidade sombria, com índices significativamente altos de agressões físicas, sexuais e psicológicas que continuam a afetar a vida de muitas mulheres. Diante desse quadro preocupante, o governo brasileiro tem implementado ao longo dos anos uma série de políticas e instrumentos legais, com destaque para a Lei Maria da Penha, que têm como objetivo não apenas punir os agressores, mas também prevenir a ocorrência de violência e fornecer apoio essencial às vítimas.

No entanto, apesar dos esforços empreendidos, a eficácia dessas medidas frequentemente é objeto de questionamento e debate. Isso levanta uma questão fundamental: até que ponto essas políticas e leis têm alcançado o seu propósito? Como podem ser aprimoradas e reformuladas para enfrentar mais eficazmente esse problema complexo e multifacetado?

A Espanha tem recebido reconhecimento internacional por seu papel pioneiro na luta contra a violência de gênero. Em particular, a aprovação da Lei Orgânica de Medidas de Proteção Integral contra a Violência de Gênero em 2004 marcou um avanço significativo em termos legais e políticos, sinalizando o comprometimento claro do Estado espanhol em enfrentar esse problema de maneira abrangente.

As políticas adotadas na Espanha são notáveis por sua abordagem holística à violência contra a mulher. Elas abrangem não apenas medidas punitivas, mas também incluem estratégias de prevenção e o fornecimento de apoio essencial às vítimas. A abordagem multidisciplinar e integrada adotada pelo país tem sido fundamental para seu sucesso na redução da violência de gênero.

Neste cenário, a Espanha tem servido como um exemplo inspirador de como uma nação pode criar um ambiente mais seguro e igualitário para todas as mulheres. Sua experiência e lições aprendidas são valiosas não apenas a nível nacional, mas também internacionalmente, à medida que outros países buscam enfrentar esse desafio global e complexo. Esta análise busca examinar em detalhes as políticas e estratégias bem-sucedidas da Espanha na luta contra a violência de gênero, identificando elementos que podem ser aplicados em contextos globais para promover a igualdade de gênero e a segurança das mulheres.

A análise comparativa das políticas públicas de combate à violência contra a mulher no Brasil e na Espanha revela não apenas diferenças contextuais marcantes, mas também oferece valiosas lições que podem ser extraídas desses dois cenários distintos. É evidente que uma série de fatores culturais, sociais e econômicos moldam de forma significativa a eficácia das estratégias adotadas em ambos os países.

No caso do Brasil, uma nação vasta e diversificada, enfrenta desafios únicos que exigem abordagens igualmente diversificadas. A realidade cultural e social do país é rica e complexa, o que requer políticas e ações específicas para abordar as diversas facetas da violência de gênero. Nesse sentido, o Brasil pode se beneficiar significativamente ao explorar as abordagens abrangentes e integradas da Espanha, adaptando e aplicando elementos relevantes à sua própria realidade. A experiência espanhola pode fornecer insights valiosos sobre como implementar políticas públicas que combatam a violência de gênero de maneira eficaz.

Dessa maneira, esta pesquisa buscará conduzir uma análise minuciosa e abrangente das políticas públicas e dos mecanismos legais adotados tanto no Brasil quanto na Espanha. Com uma abordagem detalhada, desdobraremos e examinaremos em profundidade os elementos que têm contribuído para o sucesso dessas políticas, bem como identificaremos os obstáculos que enfrentaram em suas respectivas trajetórias. Nossa investigação será guiada por um compromisso com a compreensão holística da complexidade subjacente à violência contra a mulher e sua erradicação.

Ao traçar paralelos e contrastes entre essas duas realidades tão distintas, nosso objetivo primordial é oferecer uma contribuição significativa para o enriquecimento do debate global sobre como enfrentar a violência contra a mulher de maneira mais eficaz. Através da análise meticulosa dessas experiências, almejamos não apenas entender as nuances culturais, sociais e legais que moldam as estratégias de combate à violência de gênero, mas também identificar lições valiosas que podem ser aplicadas em contextos diversos, contribuindo para um futuro mais seguro e igualitário para todas as mulheres.

Por meio dessa pesquisa, buscamos não apenas fornecer uma avaliação crítica das políticas públicas existentes, mas também propor recomendações concretas e informadas que possam servir como base para aprimoramentos futuros. Acreditamos que a compreensão profunda dessas questões e a busca de soluções inovadoras são essenciais para avançar na construção de sociedades mais justas e equitativas, onde as mulheres possam viver com dignidade e segurança, livres de violência de gênero.

Por meio dessa análise aprofundada, este trabalho busca contribuir para o entendimento do estado atual dos direitos humanos das mulheres e da luta contra a violência de gênero, bem como para a identificação de áreas onde melhorias podem ser feitas em ambos os países, visando à construção de sociedades mais igualitárias e seguras para todas as mulheres.

Para atingir esse propósito, esta pesquisa baseia-se principalmente em uma abordagem metodológica de pesquisa bibliográfica. A escolha por esta metodologia se deve à natureza teórica e conceitual do tema, que requer uma análise aprofundada da literatura existente para contextualização e fundamentação teórica. A pesquisa bibliográfica permitirá a revisão crítica de estudos, teorias e perspectivas já desenvolvidas sobre o assunto, bem como a identificação de lacunas no conhecimento e a formulação de novos insights.

A hipótese central deste trabalho é que o Brasil pode beneficiar-se significativamente ao adotar e adaptar o modelo de políticas públicas espanholas no combate à violência contra a mulher. Essa suposição se baseia na observação das políticas bem-sucedidas implementadas na Espanha, que resultaram em uma redução significativa na violência de gênero. 

A hipótese sugere que, ao incorporar elementos-chave dessas políticas, como legislação mais rigorosa, serviços de apoio abrangentes e campanhas de conscientização em larga escala, o Brasil pode melhorar sua eficácia no combate à violência de gênero, promovendo uma sociedade mais segura e igualitária para as mulheres. O desenvolvimento e a validação dessa hipótese serão explorados ao longo deste Trabalho de Conclusão de Curso, utilizando evidências e análises para sustentar essa proposição.

1. DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES 

As mulheres enfrentaram privação de direitos de cidadania, baseada em supostas diferenças biológicas entre os gêneros. Esse entendimento excluiu mulheres da política e interações sociais, alegando inferioridade intrínseca, a ideologia mascarou a realidade com conhecimentos verdadeiros e falsos, favorecendo poderosos em detrimento dos subjugados, os países europeus avançaram na igualdade de gênero e proteção dos direitos femininos graças a movimentos sociais liderados por mulheres, estas que influenciaram mudanças significativas nos movimentos feministas e na busca pela igualdade de gênero.

Os direitos humanos surgiram como resposta à necessidade de garantir a igualdade para todos, independentemente de raça, cor, etnia, crenças ou qualquer característica. Esses direitos salvaguardam a vida, liberdade de expressão, trabalho, educação e asseguram igualdade e dignidade para todos sem discriminação. A Comissão Interamericana de Mulheres, criada em 1928 durante a 6ª Conferência Internacional Americana em Havana, desempenha papel fundamental na promoção dos direitos das mulheres nas Américas através da cooperação regional. A comunidade internacional reconhece a importância de combater a discriminação de gênero e proteger os direitos das mulheres através de instrumentos e documentos internacionais.

1.1 HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES

Ao longo da história, as mulheres enfrentaram um padrão sistemático e injusto de privação de seus direitos de cidadania, com base em argumentos que destacavam as alegadas discrepâncias biológicas entre os gêneros. Essas distinções não apenas foram estabelecidas como supostos fatos naturais, mas também foram elevadas a uma posição ontológica fundamental para justificar as disparidades profundamente enraizadas que existiam tanto na esfera política quanto nas interações sociais (Espínola em 2018).

Essa discriminação histórica não apenas negou às mulheres a igualdade de direitos, mas também perpetuou estereótipos prejudiciais e limitações que as relegaram a papéis tradicionalmente definidos na sociedade. Essa injustiça, que se baseava em fundamentos cientificamente infundados, teve um impacto devastador nas oportunidades e no empoderamento das mulheres ao longo do tempo.

Consequentemente, esse entendimento levou à exclusão das mulheres dos domínios políticos e das interações sociais, sob a alegação de que eram intrinsecamente inferiores aos homens. Diante dessa perspectiva de inferioridade, as mulheres, insatisfeitas com tal visão, buscaram respaldo na evidência científica, que demonstrava a inexistência de fundamentos biológicos que justificassem tal discriminação.

Portanto, não se pode afirmar que um certo conjunto de ideologias seja incontestável, dado que as mulheres, subjugadas pelos homens poderosos, foram compelidas a aceitar essas ideologias. Como esclarece Saffioti (Espínola, 2018):

A ideologia possui uma importante finalidade de mascarar a realidade, assumindo um caráter de mistificação, ao mesmo tempo que contém conhecimentos verdadeiros, assim como falsos, não restando dúvidas de que o imaginário faz parte do real/concreto, apesar de apresentar distorções que favorecem determinados segmentos (dos poderosos) em detrimentos de outros subjugados).

Sob essa ótica, as ideologias surgem com base nos interesses de gênero, classe social, etnia e outros fatores relevantes da época. Essas ideologias foram utilizadas para persuadir aqueles que eram explorados ou dominados a reconhecer e aceitar a ordem estabelecida, com base em uma visão de mundo que era propagada em todas as esferas sociais.

Portanto, fica claro que a busca pela igualdade entre homens e mulheres nunca foi uma prioridade, mesmo com o avanço das legislações durante o período do Renascimento e Iluminismo. A ideia da superioridade masculina foi enraizada na cultura e na religião, subestimando o potencial das mulheres, que eram obrigadas a se conformar com o padrão imposto pela sociedade. Embora algumas mulheres desafiassem esse padrão naquela época, tais casos eram raros (Espínola, 2018).

Com o decorrer do tempo, diversos países europeus optaram por apoiar as mulheres, registrando avanços significativos em direção à igualdade de gênero e à proteção dos direitos femininos. Esse progresso só se tornou possível graças aos ativos movimentos sociais liderados por mulheres, em particular pelos grupos femininos que buscavam obter reconhecimento pleno no exercício da cidadania, com o propósito de reduzir as disparidades sociais entre os sexos.

Nesse contexto, fica patente a relevância da luta das mulheres por seus direitos, equiparando-os aos dos homens. Um marco histórico ocorreu quando as mulheres emergiram como atores políticos pela primeira vez durante a Revolução Francesa de 1789, almejando o reconhecimento como seres humanos com direitos equiparados aos dos homens, em prol da liberdade (Espínola, 2018).

Com o decorrer do tempo, diversos países europeus optaram por apoiar as mulheres, registrando avanços significativos em direção à igualdade de gênero e à proteção dos direitos femininos. Esse progresso só se tornou possível graças aos ativos movimentos sociais liderados por mulheres, em particular pelos grupos femininos que buscavam obter reconhecimento pleno no exercício da cidadania, com o propósito de reduzir as disparidades sociais entre os sexos.

Nesse contexto, fica patente a relevância da luta das mulheres por seus direitos, equiparando-os aos dos homens. Um marco histórico ocorreu quando as mulheres emergiram como atores políticos pela primeira vez durante a Revolução Francesa de 1789, almejando o reconhecimento como seres humanos com direitos equiparados aos dos homens, em prol da liberdade (Espínola, 2018).

É relevante observar que durante o período da Revolução Francesa, a França era caracterizada por um sistema absolutista, onde o clero ocupava o topo da estrutura social, seguido pela nobreza. Essa nobreza exercia opressão e controle sobre a população, resultando em uma sociedade na qual os cidadãos da época estavam sujeitos às determinações governamentais do Estado. Como resultado, o conceito de democracia não estava presente, uma vez que a sociedade era estruturada em uma hierarquia rígida.

Nesse contexto histórico, é possível notar que a Revolução Francesa teve um impacto significativamente positivo, contribuindo para o estabelecimento dos fundamentos legais de estados democráticos. Além disso, permitiu que as mulheres também se envolvessem de maneira ativa na discussão e reivindicação de seus direitos. A Revolução Francesa desempenhou um papel crucial na promoção da igualdade e da participação das mulheres na esfera política e social.

Destarte, é fundamental destacar a influência e o incentivo fornecidos por algumas mulheres, uma vez que ao longo do tempo, observaram-se mudanças significativas nos movimentos feministas e na busca pela igualdade de gênero. Devido a eventos históricos cruciais, as mulheres assumiram um papel substancialmente distinto em comparação a épocas anteriores, o que lhes permitiu conquistar voz e participação efetiva na sociedade.

No contexto brasileiro, a conquista da plena cidadania pelas mulheres foi um processo notadamente árduo e demorado, com desdobramentos que culminaram, finalmente, em 1827, quando foi garantido o direito de acesso à educação, embora, a princípio, esse acesso estivesse restrito ao ensino básico. Contudo, é importante destacar que a luta das mulheres não se extinguiu nesse momento, persistindo e evoluindo ao longo dos anos.

Como resultado desse constante esforço, a questão da violência contra as mulheres emergiu como uma preocupação social extremamente relevante, que não poderia mais ser ignorada. A década de 1980, em particular, foi um período fundamental, pois viu o movimento feminista se consolidar e ganhar força. Os dois eventos cruciais ocorridos em 1980, representando marcos significativos nesse processo contínuo, foram um eco das vozes femininas que exigiam mudanças. Impulsionados pelo movimento feminista, esses eventos trouxeram à luz a necessidade urgente de abordar a violência de gênero e reconhecer o direito à segurança e igualdade para todas as mulheres.

Essa conscientização resultou na criação das Delegacias da Mulher, conforme meticulosamente documentado por Espíndola em seu trabalho de 2018. A fundação dessas delegacias marcou um avanço substancial na proteção dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade de gênero em território nacional. Elas representam uma resposta concreta e institucional à violência de gênero, oferecendo um refúgio seguro para mulheres que enfrentam abusos. Além disso, essas delegacias também desempenham um papel crucial na educação e na conscientização pública sobre a violência de gênero, contribuindo para uma mudança cultural em direção ao respeito pelos direitos das mulheres.

Essas conquistas históricas não apenas demonstram a força da persistência e da mobilização feminina, mas também refletem a capacidade de a sociedade se adaptar e evoluir em resposta aos desafios. A trajetória dos direitos das mulheres no Brasil é um testemunho da resiliência e da determinação das mulheres em buscar a igualdade e a justiça. 

Ao longo dos anos, elas continuaram a moldar o panorama dos direitos das mulheres no país, contribuindo de maneira significativa para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Essa jornada histórica é um lembrete poderoso de que o progresso é possível quando os direitos humanos e a igualdade de gênero são abraçados como valores fundamentais da sociedade. Ela nos inspira a continuar avançando na busca por um mundo onde todas as mulheres possam viver com dignidade, respeito e segurança.

1.2 OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES COMO INERENTES AOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos emergiram como uma resposta fundamental à necessidade de proteger, garantir e legitimar a igualdade de todos, independentemente de fatores como raça, cor, etnia, crenças, idioma ou qualquer outra característica. Esses direitos fundamentais desempenham um papel crucial na salvaguarda da vida, da liberdade de expressão e opinião, do direito ao trabalho, da educação e de muitos outros aspectos que asseguram a igualdade e a dignidade inalienável de todos os seres humanos, sem qualquer forma de discriminação.

Ao estabelecer esse arcabouço legal, a sociedade busca criar um ambiente onde cada indivíduo possa viver uma vida plena e livre de discriminação, com a certeza de que seus direitos serão protegidos e respeitados, independentemente de quem são ou de onde vêm. Essa visão reflete o compromisso com a justiça, a igualdade e a promoção da dignidade humana como valores centrais em todas as sociedades civilizadas.

Embora tenha sido imperativo enfrentar as discriminações que se originaram de uma intrincada rede de fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e religiosos interligados, é importante ressaltar que a missão das Nações Unidas como o principal guardião dos direitos humanos em todo o mundo está no epicentro desses esforços (Espínola, 2018). Essa organização internacional desempenha um papel crucial na defesa e na proteção dos direitos fundamentais, atuando como um mecanismo essencial para garantir que os princípios universais de igualdade e justiça sejam respeitados em todas as nações.

A complexidade das discriminações que persistem na sociedade moderna reflete a influência interconectada desses diversos fatores, tornando a abordagem coordenada das Nações Unidas ainda mais significativa. Em seu papel como defensora dos direitos humanos em escala global, a ONU desempenha um papel vital na promoção da igualdade e na erradicação das barreiras que impedem que indivíduos de todas as origens desfrutem plenamente de seus direitos. Ao reconhecer a intrincada natureza das desigualdades, a comunidade internacional reconhece a necessidade de uma colaboração global para superar esses desafios e avançar em direção a um mundo mais justo e inclusivo.

Nesse contexto, os tratados internacionais de direitos humanos desempenharam um papel de extrema relevância, pois asseguraram a concretização dos direitos que pertencem às mulheres. Isso ocorreu porque, muitas vezes, as leis nacionais dos Estados não se mostraram suficientes para garantir que as mulheres pudessem viver com dignidade e que seu valor como seres humanos fosse plenamente reconhecido, destacando-se a importância da dignidade da mulher baseada no princípio da igualdade.

Vale ressaltar que, inicialmente, os Estados Nacionais, por meio de legislações específicas ou, em alguns casos, pela ausência delas, não contribuíram de forma eficaz para reduzir as desigualdades entre homens e mulheres. A vivência histórica, a cultura e a religião desempenharam papéis significativos ao incentivar a perpetuação dessas desigualdades de gênero.

Frente a esse cenário desafiador, o Direito Internacional emerge como uma força de transformação fundamental, impulsionando mudanças de grande magnitude nos sistemas jurídicos internos de cada nação. Concomitantemente, ele estabelece as bases sólidas para uma ordem jurídica global coesa, por meio da criação de Tribunais Internacionais e da consolidação de mecanismos altamente eficazes para supervisionar e garantir o cumprimento integral dos Diplomas dos Direitos Humanos (Pitanguy, 2017).

Essa abordagem transcende fronteiras, representando um compromisso global inequívoco com a igualdade de gênero. Além disso, enfatiza a grande importância da cooperação internacional, já que os desafios enfrentados no que diz respeito aos direitos das mulheres não conhecem fronteiras nacionais. A busca incessante é por um mundo verdadeiramente equitativo e justo, onde todos os indivíduos, independentemente de seu sexo ou gênero, sejam tratados com igualdade e respeito, garantindo que todos possam usufruir plenamente de seus direitos humanos fundamentais. Nesse sentido, o Direito Internacional desempenha um papel crucial na construção desse futuro mais promissor e inclusivo para todas as pessoas.

A conquista dos direitos humanos das mulheres na Constituição Federal de 1988 não apenas marcou um momento significativo no panorama jurídico brasileiro, mas também representa o culminar de décadas de lutas e mobilização das mulheres em todo o país. O movimento de mulheres, com sua determinação e visão de um futuro mais igualitário, desempenhou um papel fundamental nesse processo. O lema “Constituinte pra Valer Tem que Ter direitos da Mulher” tornou-se um grito de guerra que ecoou nos corações e mentes de muitas pessoas, inspirando a ação em busca da igualdade de gênero.

O “Lobby do Batom” foi um exemplo notável de como a colaboração entre o movimento de mulheres e as instituições governamentais pode produzir resultados transformadores. Esse movimento não se limitou apenas à garantia de direitos formais; ele também sinalizou uma mudança cultural fundamental na sociedade brasileira. Reconhecer a igualdade de gênero como um direito fundamental na Constituição não foi apenas uma decisão política, mas um testemunho do reconhecimento de que a sociedade brasileira valoriza e respeita a dignidade e os direitos das mulheres.

Essa jornada histórica continua a inspirar as gerações atuais e futuras a se envolverem na defesa dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade de gênero. Ela nos lembra que, apesar dos desafios, a mudança é possível quando as pessoas se unem em busca de um objetivo comum: um mundo onde todas as mulheres vivam sem medo de violência e com pleno acesso aos seus direitos humanos fundamentais. A Constituição de 1988 é um monumento à determinação e à resiliência das mulheres brasileiras, e seu legado perdura como um farol de esperança e inspiração.

Na história constitucional do Brasil, um capítulo notável e transformador foi escrito quando, pela primeira vez, a igualdade entre homens e mulheres foi oficialmente reconhecida como um direito fundamental. Esse marco histórico ocorreu por meio do artigo 5º, inciso I da Constituição, representando um ponto de virada significativo na evolução dos direitos humanos no país. O reconhecimento da igualdade de gênero não foi apenas uma declaração simbólica; foi uma afirmação poderosa de que todas as pessoas, independentemente do gênero, têm direitos inalienáveis que devem ser plenamente respeitados e protegidos.

Além disso, essa mudança constitucional transcendeu os limites do papel e se estendeu à esfera familiar. O texto constitucional estabeleceu de forma clara e inequívoca que os direitos e deveres relacionados à sociedade conjugal devem ser compartilhados igualmente por homens e mulheres, conforme expresso no artigo 226, parágrafo 5º. Isso representou uma redefinição fundamental das dinâmicas de gênero nas relações familiares, reconhecendo que a igualdade de gênero não é apenas uma aspiração, mas um princípio que deve ser incorporado em todas as esferas da vida social.

Tais alterações legais não apenas levaram à criação de um novo Código Civil no Brasil, que refletia os princípios de igualdade de gênero, mas também destacaram a necessidade premente de reformas na legislação penal. A legislação penal, que remontava à década de 1940, estava desatualizada e não refletia a realidade das questões de gênero e violência doméstica enfrentadas pelas mulheres brasileiras na época contemporânea (Pitanguy, 2017).

A Constituição de 1988 é um marco na história dos direitos das mulheres no Brasil, um testemunho do poder da mobilização e da ação coletiva na busca de uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

Essa transformação legal e conceitual marcou uma mudança fundamental na compreensão e proteção dos direitos das mulheres no Brasil. Durante muito tempo, as mulheres foram relegadas a papéis subalternos em relação aos homens, com suas identidades e potenciais limitados a funções tradicionalmente associadas às mulheres, como donas de casa, mães e esposas.

Nesse contexto, é crucial destacar a evolução histórica dos direitos humanos das mulheres no Brasil, que culminou na promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. Esta legislação representou um marco fundamental, estabelecendo medidas rigorosas para punir agressores e abordando de forma inequívoca a questão da violência doméstica. A Lei Maria da Penha demonstrou o compromisso do país em combater a violência de gênero e proteger os direitos das mulheres, representando um importante passo em direção a uma sociedade mais igualitária, justa e segura para todas as mulheres brasileiras.

Demonstrou-se que, embora muitos obstáculos tenham sido enfrentados ao longo do caminho, a determinação, o ativismo e a colaboração entre o movimento de mulheres e o governo foram essenciais para moldar um futuro mais igualitário. A Constituição de 1988 e a Lei Maria da Penha são testemunhos da capacidade de transformação da sociedade quando se unem em prol de um bem comum: a igualdade de gênero.

Como resultado desta análise, fica claro que a proteção dos direitos humanos das mulheres é um compromisso vital para construir um mundo mais justo e inclusivo. À medida que o Brasil e outros países continuam a buscar soluções para enfrentar a violência de gênero e promover a igualdade, é imperativo lembrar que os direitos humanos são a base sobre a qual essa missão repousa. Assim, ao celebrarmos as conquistas passadas e atuais, renovamos nosso compromisso com a promoção dos direitos humanos das mulheres como um imperativo moral e uma responsabilidade compartilhada. Este é o nosso legado e nossa missão para as gerações futuras.

1.3 INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS PARA A SALVAGUARDA DOS DIREITOS DAS MULHERES

A garantia efetiva dos direitos das mulheres ganhou força quando a discriminação de gênero foi finalmente reconhecida como uma questão premente. Nesse contexto, a internacionalização surgiu como um mecanismo fundamental para garantir que os direitos humanos fossem estendidos a todas as mulheres, baseando-se no princípio de que a qualidade de ser humano é intrínseca a todas as mulheres, assim como a todos os homens.

Essa abordagem representa um marco na evolução dos direitos das mulheres, destacando a importância de considerar esses direitos como parte integral dos direitos humanos universais. Ao fazê-lo, reafirma-se a igualdade fundamental de dignidade e respeito que todas as mulheres merecem. Esta compreensão foi crucial para superar a discriminação de gênero sistêmica e estabelecer um terreno comum onde todas as mulheres pudessem reivindicar seus direitos com base em sua humanidade compartilhada.

No que se refere aos mecanismos internacionais criados para salvaguardar os direitos humanos das mulheres, esses foram estabelecidos com o objetivo primordial de promover a igualdade de gênero e eliminar a discriminação com base no sexo. Esses mecanismos têm o propósito de estimular a incorporação efetiva dos direitos humanos das mulheres nos sistemas jurídicos nacionais, garantindo que tais direitos sejam reconhecidos e protegidos em todos os níveis (Espínola, 2017).

Além disso, é de suma importância mencionar os documentos internacionais que abordam o combate à violência contra as mulheres e a defesa de seus direitos. Conforme destacado por Espínola em 2017, esses documentos foram criados por meio de discussões e debates em diversos eventos internacionais. Vejamos os mais relevantes:

  1. Convenção das Nações Unidas Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e seu Protocolo Adicional: A CEDAW, adotada em 1979 pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi o primeiro tratado internacional a garantir a proteção dos direitos humanos das mulheres. O Protocolo Adicional fortaleceu ainda mais esse compromisso.
  2. Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher: Esta declaração, adotada pela ONU em 1993, representa um compromisso global para combater a violência contra as mulheres em todas as suas formas.
  3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher: Adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em junho de 1994, essa convenção regional reforça o compromisso das Américas em combater a violência de gênero.
  4. Comissão Interamericana de Mulheres: Criada durante a 6ª Conferência Internacional Americana realizada em Havana, em 1928, essa comissão desempenha um papel fundamental na promoção dos direitos das mulheres nas Américas, destacando a importância da cooperação regional nesse contexto.

Esses instrumentos e organismos internacionais refletem a crescente conscientização global sobre a importância de promover a igualdade de gênero, eliminar a discriminação e combater a violência contra as mulheres. Eles representam compromissos concretos para criar um mundo mais justo e seguro para todas as mulheres, independentemente de onde vivam ou de sua origem cultural.

Dessa forma, fica evidente que a comunidade internacional reconhece a importância de combater a discriminação de gênero e proteger os direitos das mulheres por meio de uma série de instrumentos e documentos internacionais. Esses esforços globais visam garantir que as mulheres desfrutem plenamente de seus direitos humanos, independentemente de sua localização geográfica, cultura ou contexto social.

2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

Historicamente, as mulheres eram subordinadas na sociedade até os anos 1990, quando o Estatuto da Mulher Casada foi promulgado em 1962. Embora não tenha sido inicialmente voltado para a violência doméstica, a Lei Maria da Penha introduziu novas medidas legais para combater esse problema. A luta por uma sociedade mais justa e equitativa contínua através do aprimoramento das políticas públicas e garantia da proteção das mulheres contra a violência.

Embora inicialmente não fosse seu objetivo, a legislação começou a abordar a violência doméstica devido ao aumento dos casos judiciais envolvendo agressões contra mulheres. Durante os anos 90, não houve progresso significativo na erradicação da violência doméstica, levando a uma reestruturação dos procedimentos judiciais para fornecer apoio especializado e jurídico às vítimas. A Lei Maria da Penha introduziu novos instrumentos legais nesse combate.

A inclusão do feminicídio como crime hediondo trouxe punições mais severas e impactou positivamente a realidade das mulheres brasileiras. No entanto, é necessário um compromisso contínuo com o aprimoramento das políticas públicas, alocação de recursos adequados e fortalecimento da aplicação da Lei Maria da Penha para garantir a efetiva proteção contra a violência. A dignidade é inerente a todos os seres humanos desde o nascimento.

2.1 ASPECTOS LEGAIS REFERENTES ÀS MULHERES NA SOCIEDADE E NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

Com base em perspectivas históricas, é amplamente reconhecido que, até cerca dos anos 1990, as mulheres enfrentavam uma posição subordinada na sociedade, frequentemente sendo relegadas a um estado de marginalização ou invisibilidade. Foi necessário um longo e árduo processo de mobilização e luta para que as mulheres brasileiras gradualmente alcançassem os direitos igualitários pelos quais tanto aspiravam, apesar do cenário atual indicar que não se chegou ao ideal.  

Um marco legislativo de suma importância no contexto dos direitos das mulheres foi o Estatuto da Mulher Casada. Esta legislação, identificada pelo número 4.121, foi promulgada em 1962, outorgando plena capacidade à mulher e reconhecendo-a como colaboradora igual ao marido na administração da sociedade conjugal (Dias, 2010).

Após a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, a Constituição Federal de 1988 surge como um pilar legislativo fundamental. Nesta Carta Magna, é estabelecida a previsão de igualdade tanto formal quanto material, como delineado no artigo 5º, inciso I (Brasil, 1988). Nesse contexto, o dispositivo apresenta a seguinte redação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […]. (Brasil, 1988).

Ainda assim, vale ressaltar que a conquista da igualdade de gênero é um processo contínuo, e muitos desafios persistem no caminho para alcançar plenamente a equidade entre homens e mulheres na sociedade brasileira. A evolução legislativa representa apenas um aspecto dessa jornada, sendo necessário um compromisso contínuo com a promoção da igualdade de gênero em todos os níveis da sociedade.

Outro dispositivo de suma relevância para as mulheres é encontrado no artigo 226, parágrafo 8º, que estipula que o Estado garantirá assistência à família, considerando cada um de seus membros, e adotará medidas para prevenir e coibir a violência no âmbito das relações familiares (Brasil, 1988).

Contudo, mesmo com a nova ordem constitucional que incorporou a igualdade formal e material aos direitos e garantias fundamentais desde 1988, alguns aspectos e retaliações relacionados aos direitos das mulheres não sofreram ajustes imediatos. Reforçando esse ponto, Maria Berenice Dias argumenta que, de forma inexplicável, o legislador não promoveu as devidas adaptações nos dispositivos da legislação infraconstitucional que não foram compatíveis com o novo sistema jurídico (Dias, 2010).

Ademais, o período após a promulgação da Constituição Federal não testemunhou mudanças substanciais em relação aos direitos das mulheres. Isso se deve ao fato de que, nos meados dos anos 1990, entrou em vigor a Lei n.º 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis. Nessa perspectiva, Amaral observa:

Os delitos praticados por homens em desfavor das mulheres, naquele contexto doméstico dos lares, e envoltos em relações opressoras, acabavam, em sua maioria, abarcados pela competência dos Juizados Especiais – com exceção, talvez, de homicídios, estupros, atentados violentos ao pudor e lesões corporais distintas das leves – daí resultando a relevância da Lei n. 9099/95 para a temática de violência doméstica e intrafamiliar de gênero contra a mulher. Apesar de inicialmente essa norma não ter sido orientada ou mesmo pensada para tratar da violência doméstica (DEBERT; OLIVEIRA, 2017), as práticas judiciais demonstraram a frequência que aportavam no judiciário os crimes e contravenções cometidos por homens contra suas namoradas, companheiras, ou esposas, que dominaram pautas dos juizados especiais. (AMARAL, 2017, p. 135).

De acordo com o escritor, cerca de 70% das situações de violência doméstica e familiar que eram apresentadas nos tribunais envolviam questões desse âmbito. Portanto, visto que a abordagem predominante era orientada para a reconciliação, na maioria esmagadora dos casos, o objetivo era preservar a coesão da unidade familiar.

Assim, durante os anos noventa, não houve uma eficácia significativa na erradicação da violência doméstica e familiar. É crucial enfatizar que, durante esse período, o sistema legal do Brasil endossou por um extenso período comportamentos sexistas e patriarcais, causando prejuízos consideráveis às mulheres ao longo da história.

Consoante as afirmações de Maria Berenice Dias, somente após a promulgação do Código Civil de 2002 é que se operou a eliminação integral de terminologias discriminatórias previamente existentes na legislação (DIAS, 2010). Contudo, até então, não existia no ordenamento jurídico brasileiro uma normativa penal que tratasse especificamente da tipificação da violência doméstica e familiar perpetrada contra mulheres. 

A promulgação da Lei n.º 10.886/04 em 2004 marcou um avanço importante na legislação brasileira ao criar um tipo penal específico para a violência doméstica (Brasil, 2004). No entanto, é relevante observar que, inicialmente, essa legislação se baseava principalmente na concepção de igualdade formal, sem abordar de forma explícita as questões de gênero. Isso significa que a lei não fazia distinção entre os sexos envolvidos em casos de violência doméstica, deixando de reconhecer a desigualdade de poder e controle que frequentemente existe nas relações abusivas. Essa abordagem inicial, embora representasse um progresso, não capturava totalmente a complexidade e a natureza de gênero da violência doméstica, deixando lacunas na proteção das vítimas, especialmente mulheres que eram desproporcionalmente afetadas por esse tipo de violência. Portanto, enquanto a Lei n.º 10.886/04 foi um passo significativo, foi necessário avançar ainda mais na legislação para abordar adequadamente as questões de gênero envolvidas na violência doméstica e familiar (Amaral, 2017).

Dois anos após a criminalização da violência doméstica, surgiu a principal ferramenta do ordenamento jurídico concernente à proteção das mulheres: a Lei 11.340/06, comumente referida como Lei Maria da Penha. Tal lei foi promulgada com o propósito de instituir mecanismos de prevenção e combate à violência doméstica e familiar direcionada às mulheres, em conformidade com o preceito do §8º do artigo 226 da Constituição Federal, bem como com os princípios consagrados nas convenções internacionais de eliminação da discriminação de gênero e erradicação da violência contra a mulher, além de regular a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, promovendo alterações no Código de Processo Penal, no Código Penal e na Lei de Execução Penal, dentre outras disposições (Brasil, 2006).

Esta lei, em sua implementação, tem como propósito fundamental garantir o acolhimento e a proteção de todas as mulheres, independentemente de sua origem étnica, faixa etária, nível de educação ou local de residência. A legislação assegura que todas as mulheres sejam amparadas por seus dispositivos e tenham o direito à segurança em face de qualquer agressor. Ela estabelece de forma inequívoca que a violência doméstica contra a mulher é um crime e oferece diretrizes para prevenir, enfrentar e punir o agressor, além de definir as responsabilidades de cada órgão público no apoio à mulher que enfrenta situações de violência.

A promulgação da Lei Maria da Penha representou uma resposta fundamental à omissão significativa deixada pelo Código Civil brasileiro, que não tratava adequadamente da questão da violência doméstica e familiar contra mulheres. Esta legislação foi criada com um propósito claro: corrigir a negligência do legislador em relação à violência no contexto das relações domésticas e familiares, especialmente voltada para a proteção da integridade física e psicológica das mulheres. A Lei Maria da Penha estabeleceu medidas direcionadas à prevenção e repressão da violência, com ênfase na promoção da segurança e bem-estar das mulheres que enfrentam situações de abuso. Ela trouxe importantes avanços ao reconhecer a necessidade de medidas específicas para lidar com a violência de gênero, incluindo a criação de mecanismos legais e de apoio que visam a proporcionar às mulheres um ambiente seguro e recursos para enfrentar a violência. Portanto, essa legislação foi essencial para fechar uma lacuna na proteção das mulheres no Brasil e proporcionar uma base legal sólida para abordar a violência doméstica de maneira mais eficaz.

A partir de sua promulgação, ocorreu a organização de uma rede de proteção completa, cujo principal objetivo era a priorização da proteção das mulheres em situações de violência doméstica e familiar. Essa organização implicou em uma reestruturação dos procedimentos judiciais, proporcionando às vítimas de violência doméstica o acesso a atendimento especializado e auxílio jurídico, visando a evitar que retornem a relacionamentos abusivos (Alberti; Cacenote; Diehl; Pinzon, 2018).

Juntamente com a Lei Maria da Penha, o combate à violência doméstica e familiar no Brasil viu a introdução de novos instrumentos legais. Um desses marcos significativos foi a promulgação da Lei n.º 13.104 em 2015, que estabeleceu o crime de “feminicídio” e o classificou como um crime hediondo (Brasil, 2015). Essa legislação trouxe uma resposta legal mais rigorosa à violência de gênero, reconhecendo a especificidade dos crimes que têm como alvo as mulheres devido ao seu gênero. A inclusão do feminicídio como um crime hediondo enfatizou a gravidade desses atos violentos e estabeleceu punições mais severas para seus perpetradores. Essa medida foi um passo importante na direção de um sistema de justiça mais eficaz na prevenção e no combate à violência de gênero, demonstrando o compromisso contínuo do Brasil em proteger os direitos das mulheres e garantir a sua segurança.

No ano de 2018, o Brasil deu mais um passo significativo no fortalecimento das medidas de proteção às vítimas de violência doméstica com a entrada em vigor da Lei n.º 13.641. Essa legislação trouxe uma importante emenda à Lei Maria da Penha, adicionando o artigo 14-A, que criminaliza o descumprimento das medidas protetivas previstas na lei (Brasil, 2018). Com essa mudança, o sistema legal brasileiro tornou-se ainda mais eficaz na responsabilização dos agressores e na proteção das vítimas, garantindo que as ordens de proteção emitidas pelo judiciário sejam rigorosamente respeitadas. Essa medida legal reforça o compromisso do país em proporcionar um ambiente seguro para as mulheres que enfrentam a violência doméstica, tornando claro que o descumprimento das medidas protetivas não será tolerado e acarretará consequências legais.

Outros instrumentos jurídicos de relevância são as Súmulas n.º 536 e 542 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A primeira consolidou o entendimento de que nos casos de lesão corporal praticada no contexto da violência doméstica e familiar, a ação penal é pública incondicionada. A segunda súmula estabeleceu que nos crimes ocorridos no âmbito da violência doméstica e familiar, não se aplica a suspensão condicional do processo nem a transação penal (Brasil, 2015a; 2015b).

Além dos dispositivos acima citados, é crucial destacar que a Lei nº 13.104/2015 desempenha um papel de extrema importância como uma política pública destinada a combater a violência contra a mulher no Brasil, com um enfoque específico no feminicídio. Esta legislação representa um marco significativo na proteção das mulheres e na responsabilização dos agressores, desempenhando um papel essencial na prevenção e no combate a esse grave problema social que tem assolado a sociedade. Através dela, o sistema legal reforça seu compromisso em assegurar que as mulheres tenham a garantia de uma vida livre de violência e que aqueles que cometem tais atos sejam devidamente punidos. Esta lei não só serve como um mecanismo de justiça, mas também como um símbolo do compromisso do país em criar um ambiente seguro e igualitário para todas as mulheres. Portanto, seu impacto transcende as palavras escritas, repercutindo positivamente na realidade das mulheres brasileiras, à medida que trabalhamos juntos para construir uma sociedade mais justa e equitativa.

Primeiramente, a Lei nº 13.104/2015 reconhece o feminicídio como uma categoria específica de homicídio, o que é crucial para direcionar a atenção para a violência de gênero. Ela estabelece que o feminicídio ocorre quando um assassinato envolve elementos como violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação com base na condição de gênero da vítima. Isso significa que a lei reconhece que, muitas vezes, mulheres são mortas simplesmente por serem mulheres, em um contexto de desigualdade de poder e controle.

Além disso, ao classificar o feminicídio como um crime hediondo, a lei impõe penas mais severas, variando de 12 a 30 anos de prisão, sem a possibilidade de progressão de regime prisional, o que significa que os condenados cumprem a pena integralmente em regime fechado. Isso envia uma mensagem clara de que a sociedade não tolera a violência de gênero e que os agressores serão responsabilizados de maneira rigorosa.

A Lei nº 13.104/2015 também tem um importante efeito dissuasório, uma vez que o endurecimento das penas e a qualificação do crime como hediondo podem desencorajar potenciais agressores, reduzindo assim a incidência de feminicídios.

Insta salientar ainda que a inclusão do §13° no art. 129 do Código Penal Brasileiro é de grande importância na luta contra a violência contra a mulher. Na verdade, essa nova legislação representa uma extensão necessária da Lei 13.104/15, que introduziu o conceito de feminicídio como uma circunstância qualificadora no crime de homicídio (artigo 121, § 2º., VI c/c § 2º. – A, I e II, CP). Isso é evidente pelo fato de que o próprio texto do § 13 do artigo 129, CP, faz referência ao § 2º. – A do artigo 121, CP, para definir o conceito de “razões da condição do sexo feminino”. É surpreendente que, ao criar o feminicídio como figura jurídica, o legislador não tenha igualmente estabelecido uma qualificadora correspondente para casos de lesão corporal, considerando que se trata sempre da problemática da violência contra a mulher.

No entanto, é importante reconhecer que essas leis, por si só, não são suficientes para erradicar completamente a violência contra as mulheres. A violência de gênero é um problema complexo enraizado em questões culturais, sociais e econômicas profundamente arraigadas. Portanto, além das leis, é essencial uma abordagem multidimensional que inclua educação, conscientização, mudanças culturais e apoio às vítimas.

Em resumo, embora o Brasil tenha implementado diversas políticas e legislações para combater a violência contra a mulher, ainda há desafios significativos a serem superados. É essencial um compromisso contínuo com o aprimoramento das políticas públicas, alocando recursos adequados, melhorando a coordenação entre os órgãos governamentais, fortalecendo a aplicação da Lei Maria da Penha, promovendo a prevenção e enfrentando as desigualdades de gênero e socioeconômicas para garantir a proteção eficaz das mulheres contra a violência.

2.2 ESTATÍSTICA E A EFICÁCIA DA LEI

Após destacar os aspectos legais relacionados às mulheres no sistema jurídico, é crucial proceder com a avaliação das medidas de proteção e sua efetividade na sociedade. A eficácia social será avaliada mediante a análise das estatísticas que indicam o número de medidas de proteção concedidas anualmente e o número de prisões preventivas emitidas no estado.

As medidas de proteção estão devidamente delineadas no capítulo II da Lei Maria da Penha, abrangendo quatro categorias distintas: disposições gerais relacionadas às medidas de proteção; medidas de proteção que impõem obrigações ao agressor; medidas de proteção de urgência destinadas à vítima; e, por último, a tipificação do crime de violação das medidas protetivas de urgência (BRASIL, 2006).

Atualmente, essas medidas desempenham um papel indispensável na preservação dos direitos fundamentais das mulheres que enfrentam situações de violência doméstica e familiar. Além disso, elas têm a finalidade de interromper a violência em andamento e prevenir a violência iminente que possa ocorrer.

Contudo, apesar das medidas protetivas representarem um forte mecanismo de combate na violência doméstica e familiar contra as mulheres, a estatística demonstra que não há um evidente cenário favorável para mulheres neste país.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, os casos de feminicídio aumentaram em 6,1% no ano de 2022, resultando no trágico registro de 1.437 mulheres mortas simplesmente por serem do sexo feminino. Adicionalmente, os homicídios dolosos que envolvem mulheres também apresentaram um aumento de 1,2% em relação ao ano anterior. Portanto, não se pode atribuir o crescimento da violência letal meramente a uma melhora na notificação, pois os números crescentes apontam para uma realidade preocupante.

Além dos crimes que culminaram em perdas de vidas, observou-se um aumento de 2,9% nas agressões ocorridas no contexto de violência doméstica, totalizando 245.713 casos. As ameaças também tiveram um aumento de 7,2%, resultando em 613.529 incidentes registrados. Ademais, os acionamentos para o número de emergência da Polícia Militar, o 190, alcançaram a marca de 899.485 ligações, o que equivale a uma média de 102 chamadas por hora.

Além dessas estatísticas alarmantes, é relevante destacar que os registros de assédio sexual cresceram consideravelmente, com um aumento de 49,7%, totalizando 6.114 casos em 2022. O número de casos de importunação sexual também apresentou um crescimento significativo, registrando um aumento de 37%, com um total de 27.530 casos ao longo do ano. Isso evidencia um aumento substancial e generalizado em uma ampla gama de modalidades criminais, abrangendo desde o assédio até o estupro e os casos de feminicídio.

No ano anterior, ocorreram 245.713 registros de boletins de ocorrência feitos por mulheres que denunciaram agressões ocorridas em contextos domésticos ou relacionados a eles. Esses números indicam que, diariamente, 673 mulheres procuraram delegacias de polícia para relatar episódios de violência doméstica, representando um aumento de 2,9% em comparação com os registros do ano anterior.

As ameaças também apresentaram um crescimento significativo, totalizando 613.529 ocorrências notificadas, o que significa um aumento de 7,2% em relação aos números de 2021. A ameaça constitui uma das formas de violência psicológica que o agressor pode exercer sobre a mulher, causando danos emocionais e mantendo-a sob seu controle por meio do medo. Além disso, a violência psicológica foi oficialmente tipificada como crime em 2021, resultando no registro de 24.382 boletins de ocorrência, com uma taxa de 35,6 mulheres para cada grupo de 100 mil (considerando que oito unidades federativas não forneceram dados sobre o crime).

Outro crime recentemente incluído na legislação é o de perseguição, também conhecido como stalking, que resultou em 56.560 casos envolvendo mulheres vítimas em 2022, representando uma taxa de 54,5 casos a cada 100 mil mulheres. A vigilância dessa modalidade criminosa é de extrema importância, visto que o stalking é um fator de risco para a ocorrência de feminicídios. Uma pesquisa conduzida na Austrália, que analisou 141 casos de feminicídios e 65 tentativas de feminicídio, revelou que 76% das vítimas de feminicídio e 85% das vítimas de tentativa de feminicídio foram perseguidas pelos agressores nos 12 meses que antecederam os incidentes (McFarlane et al., 1999). Mesmo a perseguição no ambiente digital tem sido apontada como um fator de risco para a violência letal contra mulheres, destacando que a tecnologia facilita o controle e a presença constante da violência contra as mulheres (McLachlan, Harris, 2022).

Conforme mencionado anteriormente, ocorreram 1.437 óbitos de mulheres no ano precedente em decorrência de seu gênero, representando um aumento de 6,1% em comparação ao ano de 2021. O feminicídio, uma categoria penal estabelecida pela Lei nº 13.104 de 2015, se aplica a todas as situações de morte de mulheres ocorridas em virtude de sua identidade de gênero ou quando envolvem contextos de violência doméstica ou familiar. Portanto, trata-se de uma modalidade de morte intrinsecamente marcada pela discriminação de gênero (Campos, 2015).

É fundamental compreender o feminicídio como o desdobramento final de um processo de agravamento da violência, muitas vezes interpretado como um contínuo de terror. Por essa razão, é viável afirmar que o feminicídio poderia ser evitado mediante a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção, proteção e amparo das vítimas de diversas formas de violência contra mulheres e meninas.

No ano de 2022, os homicídios envolvendo vítimas do sexo feminino também demonstraram um aumento, totalizando 4.034 ocorrências, o que representa um acréscimo de 1,2% em relação a 2021. No território nacional, aproximadamente 35,6% dos assassinatos de mulheres foram classificados como feminicídios, embora haja notáveis variações entre os estados. O Distrito Federal registrou a maior proporção, com 59,4% das mortes violentas categorizadas sob a tipificação específica de feminicídio. Por outro lado, Roraima apresentou a menor taxa, com apenas 9,1% dos registros enquadrados sob a qualificadora do feminicídio.

Essas estatísticas preocupantes demonstram uma urgência premente de ações eficazes para combater a violência de gênero no Brasil. A escalada nos números de feminicídios, homicídios dolosos, agressões e outros crimes relacionados à violência contra as mulheres ressalta a necessidade de uma abordagem multifacetada e abrangente para abordar esse problema.

É imperativo reconhecer que as medidas protetivas, embora essenciais, não estão alcançando plenamente seu objetivo de garantir a segurança das mulheres em situações de violência. Essas estatísticas trágicas indicam que medidas mais amplas e eficazes são necessárias para abordar as causas subjacentes da violência de gênero e garantir a proteção das mulheres em todos os níveis da sociedade.

Além disso, é vital reconhecer que a violência de gênero não afeta todas as regiões do Brasil de maneira uniforme. As disparidades entre os estados, como exemplificado pela diferença na taxa de feminicídios entre o Distrito Federal e Roraima, destacam a importância de uma abordagem adaptada às realidades locais e de políticas públicas que considerem essas nuances regionais.

Em suma, os números alarmantes de violência contra as mulheres no Brasil exigem uma resposta urgente e coordenada de todos os setores da sociedade. As medidas protetivas são um componente importante dessa resposta, mas devem ser complementadas por esforços mais amplos que abordem as raízes da violência de gênero e garantam a segurança e o bem-estar das mulheres em todo o país.

Para tanto, importante destacar algumas críticas à política adotadas no âmbito brasileiro:

  1. Insuficiência de recursos financeiros: Uma das principais críticas às políticas públicas brasileiras para combater a violência contra a mulher é a falta de recursos financeiros adequados. Isso se reflete na limitada capacidade do Estado em fornecer serviços de qualidade, abrigos e assistência jurídica às vítimas, bem como na implementação eficaz de programas de prevenção. A carência de investimentos financeiros prejudica a efetividade dessas políticas e dificulta a promoção da igualdade de gênero e a proteção das mulheres.
  2. Fragmentação e falta de coordenação: O sistema de políticas públicas no Brasil é muitas vezes fragmentado e carente de coordenação eficiente. Isso resulta na duplicação de esforços, na falta de cooperação entre diferentes níveis de governo e na ineficiência na alocação de recursos. A ausência de uma abordagem holística e coordenada enfraquece a resposta do Estado à violência contra a mulher.
  3. Desafios na aplicação da Lei Maria da Penha: A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é uma legislação fundamental para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. No entanto, sua aplicação enfrenta desafios significativos, como a lentidão no sistema judiciário, a falta de medidas protetivas eficazes e a dificuldade em responsabilizar os agressores. Isso leva à sensação de impunidade e à descrença no sistema legal por parte das vítimas.
  4. Subnotificação e estigmatização: A subnotificação de casos de violência contra a mulher é um problema persistente no Brasil. Muitas vítimas não denunciam a violência devido ao medo de represálias ou à desconfiança nas instituições. Além disso, algumas mulheres enfrentam estigmatização e discriminação quando denunciam casos de violência, o que as desencoraja a buscar ajuda.
  5. Necessidade de enfoque preventivo: Embora haja esforços para lidar com as consequências da violência, é fundamental direcionar mais atenção para a prevenção. Isso inclui programas de educação e conscientização que abordem as raízes da violência de gênero e promovam a igualdade desde uma idade precoce. A prevenção é essencial para interromper o ciclo de violência.
  6. Desigualdades de gênero e socioeconômicas: A violência contra a mulher está intrinsecamente ligada às desigualdades de gênero e socioeconômicas. Para combater efetivamente esse problema, as políticas públicas precisam abordar essas desigualdades de maneira mais abrangente, incluindo questões relacionadas ao acesso a empregos, educação e serviços de saúde.

Para superar esses desafios, é fundamental um compromisso contínuo com o fortalecimento das políticas, incluindo o aumento de recursos, a coordenação eficaz, a agilização do sistema judiciário, a promoção da prevenção e uma abordagem abrangente para enfrentar as desigualdades, visando criar uma sociedade mais igualitária e segura para todas as mulheres.

2.3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COM RELAÇÃO À MULHER QUE É VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Norberto Bobbio (1992), em sua conceituação, define os direitos humanos como aqueles que pertencem a todos os seres humanos, indivisíveis e inalienáveis. Esses direitos são essenciais para o aprimoramento da condição humana e o avanço da sociedade, e sua negação representa uma ameaça à civilização.

É relevante ressaltar que os direitos humanos são distintos dos direitos fundamentais, conforme observado por Porto (2007). Nos debates sobre direitos fundamentais, a terminologia “direitos humanos” é frequentemente utilizada para referir-se a essas aspirações expressas em documentos internacionais. No entanto, quando essas pretensões são incorporadas na ordem jurídica interna, muitas vezes encontrando sua expressão nas constituições nacionais, elas são identificadas como “direitos fundamentais”. A mudança de terminologia reflete a transição desses princípios de meras aspirações para normas legalmente vinculativas, dotadas de força imperativa e exigíveis perante o Estado.

Outrossim, Sarlet (2004) enfatiza a dignidade como uma qualidade inerente e intrínseca à natureza humana. A dignidade não é algo conferido ou criado, mas sim uma característica que está presente em cada ser humano desde o momento de seu nascimento. É uma qualidade irrenunciável e inalienável, uma vez que é parte integrante do próprio ser humano. Portanto, não se trata de um direito que pode ser concedido ou retirado, mas de um atributo que merece reconhecimento, respeito e proteção contínuos.

Essa perspectiva ressalta a importância de se adotar medidas que garantam a preservação e a promoção da dignidade humana em todas as esferas da sociedade. Além disso, reforça a responsabilidade do Estado em proteger e assegurar os direitos humanos e fundamentais de seus cidadãos, pois esses direitos são intrínsecos à própria natureza da pessoa humana.

Portanto, a compreensão desses conceitos é essencial para estabelecer uma base sólida na defesa dos direitos humanos e na promoção da dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua origem, status ou circunstâncias. Trata-se de um compromisso universal e inegociável com a proteção dos direitos fundamentais de todos os seres humanos.

A interpretação desses conceitos fundamentais, conforme discutidos por Norberto Bobbio (1992), Porto (2007) e Sarlet (2004), desempenha um papel crucial na formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos das mulheres no Brasil. Essa compreensão sólida dos direitos humanos e dos direitos fundamentais é essencial para orientar a abordagem do Estado na criação de políticas eficazes e abrangentes que enfrentem a violência de gênero e promovam a igualdade.

A conceituação de Norberto Bobbio (1992) sobre os direitos humanos como inalienáveis e indivisíveis enfatiza que esses direitos são universais e não podem ser negados a ninguém. Isso estabelece uma base sólida para a garantia de que todas as mulheres, independentemente de sua origem ou circunstâncias, tenham direito à dignidade e à igualdade. Essa visão ampla impulsiona a necessidade de políticas públicas que busquem eliminar a discriminação de gênero e promover o empoderamento das mulheres.

A distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, conforme observado por Porto (2007), destaca a importância de transformar as aspirações expressas em documentos internacionais em normas legalmente vinculativas na ordem jurídica interna. Isso significa que o Estado deve adotar medidas concretas para garantir que os direitos das mulheres sejam não apenas reconhecidos, mas também protegidos e aplicáveis em nível nacional. Essa abordagem legalmente vinculativa fortalece a capacidade das políticas públicas de efetivamente abordar a violência de gênero e proporcionar às mulheres mecanismos legais sólidos para buscar justiça.

A ênfase de Sarlet (2004) na dignidade como uma qualidade inalienável da pessoa humana sublinha a necessidade de políticas públicas que protejam e respeitem a dignidade das mulheres em todas as circunstâncias. Isso inclui a criação de um ambiente seguro e livre de violência, bem como a promoção da igualdade de gênero em todos os setores da sociedade. A dignidade das mulheres não pode ser comprometida, e, portanto, as políticas públicas devem visar a erradicação da violência de gênero e a garantia de oportunidades equitativas para todas as mulheres.

Em resumo, a interpretação desses conceitos fundamentais sobre direitos humanos e dignidade humana desempenha um papel vital na moldagem de políticas públicas eficazes contra a violência de gênero no Brasil. Essas perspectivas destacam a universalidade e a inalienabilidade dos direitos das mulheres, fornecendo uma base sólida para a criação de políticas que combatam a discriminação de gênero, promovam a igualdade e protejam a dignidade das mulheres em todas as esferas da sociedade. É fundamental que o Estado atue de acordo com esses princípios para alcançar uma sociedade mais justa e equitativa para todas as mulheres brasileiras.

3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ESPANHA

A Espanha tem ressaltado o combate à violência sexual, resultado disso é a aprovação da Lei da Liberdade Sexual, conhecida como solo sí es sí (Só o sim é sim) em agosto de 2022. Essa legislação redefine de forma clara e rigorosa o conceito de consentimento sexual, estabelecendo que o consentimento só é válido quando é expresso livremente por meio de ações que refletem claramente a vontade da pessoa. Qualquer ato sexual sem consentimento é considerado agressão e está sujeito a punições variadas, dependendo das circunstâncias. 

As violências sexuais violam direitos fundamentais, como liberdade, integridade física e moral, igualdade e dignidade, afetando também o direito das pessoas a decidir livremente sobre sua sexualidade, sem interferências ou violências. O movimento feminista tem promovido a visibilidade dessas violências e ressaltado os desafios enfrentados pelas autoridades públicas na prevenção e erradicação delas, a Espanha implementou avanços normativos e políticas públicas para promover a igualdade de gênero e combater a violência contra as mulheres. A Lei Orgânica 1/2004 foi um passo significativo nesse sentido, assim como a criação da Delegación del Gobierno contra la Violencia de Género, que coordena e implementa políticas para reduzir casos de violência contra mulheres no país, além de fornecer apoio direto às vítimas. Suas ações abrangem a capacitação de profissionais e a implementação de políticas públicas para erradicar esse problema grave. Ainda, o país ratificou tratados internacionais que a obrigam a combater todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência sexual. Outrossim, a Espanha adotou medidas concretas para prevenir e responder às violências sexuais contra crianças, ratificando o Convênio de Lanzarote e aprovando a Diretiva 2011/93/UE. Desde 2004, avanços significativos foram feitos na promoção da igualdade de gênero e no combate à violência contra as mulheres. Embora desafios persistam, esta nova lei busca abordar lacunas, priorizando a prevenção, assistência às vítimas, punição dos agressores e mudanças culturais para eliminar estereótipos de gênero, a mesma está comprometida em proteger os direitos humanos contra as violências sexuais em todas as esferas da sociedade.

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ESPANHA

Nos últimos anos, a Espanha tem se destacado no combate à violência sexual, culminando na aprovação da Lei da Liberdade Sexual, também conhecida como solo sí es sí (Só o sim é sim) em agosto de 2022. Esta lei redefine o consentimento sexual de forma clara e rigorosa, estipulando que o consentimento só é válido quando é livremente expresso por meio de ações que claramente refletem a vontade da pessoa. Qualquer conduta sexual sem consentimento é considerada uma agressão e sujeita a punições que variam de acordo com as circunstâncias.

Recentemente, o governo espanhol expressou a intenção de revisar partes dessa lei, após uma brecha permitir a redução das penas de 15 condenados por crimes sexuais. A ministra da Igualdade, Irene Montero, assegurou que fará “tudo que for necessário” para manter o consentimento no cerne do Código Penal, protegendo assim o coração da lei.

A Ley Orgánica 10/2022, de 6 de setembro, de garantía integral de la libertad sexual, reconhece que a cidadania engloba um conjunto de direitos humanos ligados à liberdade, segurança, igualdade e dignidade. Historicamente, as mulheres tiveram seu acesso a esses direitos obstaculizado pelos papéis de gênero patriarcais, que promovem a discriminação e usam violência como meio de controle. (Tradução da Lei Espanhola).

Esta lei aborda as violências sexuais em todos os contextos, incluindo o digital, englobando agressões sexuais, assédio sexual, exploração da prostituição alheia, mutilação genital feminina, casamento forçado, com conotação sexual e tráfico para exploração sexual. Também reconhece o feminicídio sexual como a violação mais grave dos direitos humanos relacionados à violência sexual.

As violências sexuais violam direitos fundamentais, como liberdade, integridade física e moral, igualdade e dignidade. Além disso, afetam o direito das pessoas a decidir livremente sobre sua sexualidade, sem interferências, coerções, discriminações ou violências.

Nos últimos anos, o movimento feminista promoveu a visibilidade das violências sexuais e ressaltou os desafios enfrentados pelas autoridades públicas na prevenção e erradicação dessas violências. Ficou claro que esse problema não é apenas individual, mas sim um desafio social e estrutural.

Para enfrentar esse desafio, a Espanha ratificou tratados e convenções internacionais de direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU e o Convenio de Istambul do Conselho da Europa. Além disso, comprometeu-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que incluem a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres e meninas.

Desde 2004, a Espanha implementou avanços normativos e políticas públicas para promover a igualdade de gênero e combater a violência contra as mulheres. A Lei Orgânica 1/2004, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género, foi um passo significativo nesse sentido.

Além disso, houve a criação da Delegación del Gobierno contra la Violencia de Género na Espanha, a qual desempenha um papel fundamental na coordenação e implementação de políticas voltadas para a redução dos casos de violência contra as mulheres no país. Este órgão, ligado ao governo central espanhol, atua como um catalisador das ações das várias administrações públicas em diferentes níveis, bem como de organizações da sociedade civil. Sua influência na diminuição dos casos de violência de gênero é notável devido à sua capacidade de planejar e coordenar estratégias abrangentes e multidisciplinares.

A Delegación del Gobierno contra la Violencia de Género trabalha na sensibilização pública, educação e prevenção, além de fornecer apoio direto às vítimas. Ela desempenha um papel importante na conscientização da sociedade espanhola sobre a gravidade do problema e promove uma cultura de igualdade e respeito. Além disso, suas ações abrangem a capacitação de profissionais da área jurídica e de saúde, garantindo que as vítimas recebam a assistência necessária de maneira eficaz e sensível.

Em suma, a Delegación del Gobierno contra la Violencia de Género é um pilar essencial na luta contra a violência de gênero na Espanha. Sua influência se reflete na promoção da conscientização, na melhoria dos serviços de apoio às vítimas e na implementação de políticas públicas direcionadas à erradicação desse problema grave que afeta as mulheres espanholas.

No entanto, o combate integral às violências sexuais continua sendo um desafio pendente. Esta nova lei pretende abordar essas questões, promovendo a prevenção, a resposta eficaz às vítimas e a punição adequada dos agressores. Ela enfatiza a importância da interseccionalidade para lidar com as múltiplas formas de discriminação enfrentadas pelas vítimas.

Em resumo, a Espanha está comprometida em proteger os direitos humanos das mulheres, meninas e crianças frente às violências sexuais. Esta lei busca dar uma resposta abrangente a esse problema, com ênfase na prevenção, assistência às vítimas e punição dos agressores, enquanto enfrenta os estereótipos de gênero que sustentam essa violência e promove a igualdade de gênero (Díaz-Aguado, 2021).

No âmbito internacional, a Espanha ratificou tratados e convenções de direitos humanos que estabelecem a obrigação de combater todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência sexual. Entre esses acordos, destaca-se a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas, o Convenio de Istambul do Conselho de Europa e o Convenio sobre a lucha contra la trata de seres humanos del Consejo de Europa (Convenio de Varsovia).

O Convenio de Istambul, por exemplo, exige que as administrações públicas ajam com uma abordagem de gênero diante da violência contra as mulheres, definindo-a de forma ampla como “todos os atos de violência baseados no gênero que causem ou possam causar às mulheres danos ou sofrimentos de natureza física, sexual, psicológica ou econômica”. Essa abordagem internacional dos direitos humanos se alinha com os esforços da Espanha para proteger as mulheres contra a violência sexual.

No que diz respeito à prevenção e resposta específica às violências sexuais contra crianças, a Espanha assumiu compromissos concretos após a ratificação do Convenio del Consejo de Europa para la protección de los niños contra la explotación y el abuso sexual (Convenio de Lanzarote) e a aprovação da Directiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, que visa combater os abusos sexuais e a exploração sexual de menores e a pornografia infantil.

Em conformidade com as obrigações internacionais e a Constituição, a Espanha tem implementado avanços significativos na promoção da igualdade de gênero e no combate à violência contra as mulheres desde 2004 (Bonilla-Algovia, 2020). A Lei Orgânica 1/2004, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género, representou um marco importante para garantir uma resposta abrangente à violência contra as mulheres no contexto das relações afetivas.

No entanto, apesar dos avanços alcançados, o enfrentamento completo das violências sexuais, perpetradas contra mulheres, meninas e meninos em diversos contextos e por agressores conhecidos ou desconhecidos, continua sendo um desafio crítico. Esta nova lei busca abordar essa lacuna, priorizando a prevenção, assistência às vítimas, punição dos agressores e a promoção de mudanças culturais que eliminem os estereótipos de gênero que sustentam a violência sexual.

Em resumo, a Espanha está comprometida em proteger os direitos humanos de mulheres, meninas e crianças contra as violências sexuais em todas as esferas da sociedade. Esta lei é uma resposta abrangente a essa questão complexa, que visa garantir a prevenção, a assistência às vítimas e a responsabilização dos agressores, ao mesmo tempo em que promove a igualdade de gênero e elimina estereótipos prejudiciais. Com essas medidas, a Espanha reforça seu compromisso com a erradicação da violência sexual e a proteção dos direitos de todas as pessoas.

3.2 DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS DO TRATAMENTO LEGAL À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL E NA ESPANHA

Brasil e Espanha, ambos países com culturas e sistemas legais distintos, têm enfrentado a questão da violência contra as mulheres com medidas legislativas específicas. Embora compartilhem o compromisso de combater essa grave violação dos direitos humanos, suas abordagens revelam diferenças notáveis.

No Brasil, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, é uma legislação emblemática. Ela concentra-se na violência doméstica e familiar, estabelecendo medidas protetivas, como o afastamento do agressor e a criação de juizados especializados. O país também reconhece o feminicídio como crime autônomo, com penas mais severas. No entanto, a aplicação efetiva dessas leis tem sido desafiadora, devido a problemas como falta de recursos e sensibilização insuficiente.

Por outro lado, na Espanha, a Ley Orgánica 1/2004, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género, também conhecida como Lei de Violência de Gênero, é um marco crucial. Esta lei abrange amplamente a violência de gênero, incluindo medidas protetivas para as vítimas e penas mais rigorosas para os agressores. A Espanha também reconheceu a importância de combater o feminicídio, promulgando leis específicas para esse crime.

Uma diferença notável entre os dois países é o tratamento da violência sexual. A Espanha recentemente aprovou a Ley Orgánica de Garantía Integral de la Libertad Sexual, que define claramente o consentimento como central para qualquer atividade sexual e estabelece padrões mais rígidos para combater a violência sexual (RUZ; HERNÁNDEZ, 2020) O Brasil, por sua vez, não possui uma legislação tão específica sobre o assunto, o que representa uma lacuna significativa na proteção das vítimas.

Outra diferença está no sistema de abrigos e apoio às vítimas. Ambos os países oferecem abrigos e apoio psicológico, mas a Espanha possui uma infraestrutura de abrigos mais desenvolvida, proporcionando um ambiente seguro para mulheres que buscam escapar de situações de violência.

No que diz respeito à sensibilização pública e educação, tanto o Brasil quanto a Espanha reconhecem a importância de promover uma mudança cultural. Campanhas de conscientização e programas educacionais são implementados em ambos os países, visando combater estereótipos de gênero prejudiciais e promover a igualdade.

A maneira como a justiça lida com casos de violência contra as mulheres também pode variar. Ambos os países enfrentam desafios na aplicação efetiva de suas leis e na garantia de que as vítimas recebam o apoio necessário. No Brasil, a morosidade do sistema judicial e a falta de recursos adequados são desafios persistentes, enquanto na Espanha, embora haja maior infraestrutura de apoio, ainda há preocupações com a revitimização e a necessidade de melhorar a formação de profissionais da justiça.

Um ponto importante a ser considerado é a presença de órgãos governamentais específicos para lidar com a violência de gênero em ambos os países. A Espanha possui a Delegación del Gobierno contra la Violencia de Género, que coordena ações em nível nacional. No Brasil, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres desempenha um papel semelhante, trabalhando na formulação de políticas e programas para combater a violência de gênero. Ambos os órgãos desempenham um papel fundamental na coordenação de esforços para enfrentar essa questão.

Outro aspecto importante é a questão da conscientização e educação. Ambos os países promovem campanhas de conscientização e programas educacionais para combater os estereótipos de gênero prejudiciais e promover a igualdade. No Brasil, destaca-se a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que não apenas estabelece medidas protetivas, mas também prevê a criação de centros de educação e reabilitação para os agressores. Na Espanha, o Plano Nacional de Sensibilización y Prevención de la Violencia de Género é um exemplo de iniciativa voltada para a conscientização.

Um ponto crítico de diferença entre os dois países é a disponibilidade de recursos para lidar com a violência de gênero. O Brasil enfrenta desafios significativos em termos de financiamento e recursos limitados para a implementação de políticas eficazes. A Espanha, por outro lado, investiu mais substancialmente na infraestrutura de apoio às vítimas e na aplicação da lei.

No Brasil, o sistema de justiça também enfrenta desafios, incluindo a morosidade dos processos e a necessidade de melhorar a capacitação de profissionais da área jurídica. Na Espanha, embora haja uma infraestrutura de apoio mais robusta, ainda existem preocupações com a revitimização e a necessidade de melhorar a formação de profissionais da justiça.

Outro ponto a ser destacado é a colaboração internacional. Ambos os países são signatários de acordos e convenções internacionais relacionados aos direitos das mulheres, o que os compromete a tomar medidas eficazes contra a violência de gênero. A cooperação internacional desempenha um papel crucial no compartilhamento de melhores práticas e na pressão por medidas mais eficazes.

Comparando as duas legislações, tanto no Brasil quanto na Espanha, observa-se um aumento nas penalidades e a inclusão de outros tipos de violência. Ambas as leis ainda seguem a lógica tradicional e heteronormativa, identificando o agressor como homem e a vítima como mulher. Isso resulta na falta de consideração de casos envolvendo casais homoafetivos, independentemente do sexo dos parceiros, ou agressões de mulheres contra homens. No entanto, é importante notar que, em alguns casos, casais homoafetivos foram julgados com base em uma interpretação mais ampla da lei por parte de juízes brasileiros e espanhóis (Beiras et al, 2012), apesar da ambiguidade dos textos legais.

Em resumo, Brasil e Espanha enfrentam o desafio da violência contra as mulheres com abordagens e infraestruturas diferentes. Ambos têm leis e políticas para combater o problema, mas a eficácia da implementação varia devido a fatores como recursos disponíveis, conscientização pública e capacitação profissional. A violência de gênero é uma questão global que exige esforços contínuos e colaboração internacional para ser efetivamente combatida e erradicada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste estudo, explorou-se os direitos humanos das mulheres, investigando seu contexto histórico e sua evolução para se tornarem parte integrante dos direitos humanos universais. Além disso, foram examinados os mecanismos internacionais implantados para a proteção desses direitos, reconhecendo a importância da cooperação global nessa área.

No âmago deste trabalho, investigou-se a violência contra a mulher, tanto no Brasil quanto na Espanha. Com uma análise profunda dos aspectos legais que regem a sociedade e o ordenamento jurídico desses países, descobriu-se as complexidades e os desafios enfrentados na luta contra essa forma de violência. Através de dados estatísticos, pode-se avaliar a eficácia das leis existentes e entender o impacto dessas agressões na dignidade da pessoa humana, especialmente para as vítimas de violência doméstica.

No contexto brasileiro, identificamos avanços notáveis nas políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representou um marco significativo na legislação brasileira, estabelecendo medidas de proteção e punição para agressores. No entanto, embora a legislação seja abrangente e ambiciosa, sua implementação e eficácia ainda são desafiadoras. A falta de recursos, a lentidão do sistema judiciário e a escassez de abrigos para vítimas são alguns dos obstáculos enfrentados.

Além disso, a conscientização pública sobre a gravidade da violência de gênero e a importância de denunciá-la continua sendo um desafio. Campanhas de conscientização e educação são cruciais para mudar atitudes culturais arraigadas que perpetuam a violência. No entanto, essas campanhas devem ser contínuas e atingir todos os segmentos da sociedade.

Por outro lado, a Espanha demonstrou uma abordagem exemplar no combate à violência contra a mulher. A Lei Orgânica 1/2004 de Medidas de Proteção Integral contra a Violência de Gênero, promulgada há mais de uma década, estabeleceu um marco jurídico sólido que tem se mostrado eficaz na proteção das mulheres. 

Ao explorar as políticas públicas implementadas na Espanha, destaca-se a abordagem abrangente que abrange medidas de prevenção, proteção e assistência às vítimas. Este país se tornou um exemplo internacional no combate à violência de gênero, em grande parte devido à sua abordagem multidisciplinar e integrada.

A Espanha também se destaca em campanhas de conscientização pública, que têm contribuído significativamente para reduzir a tolerância à violência de gênero e para incentivar denúncias. A cooperação entre diversas instituições, incluindo a polícia, o sistema judicial e organizações da sociedade civil, é uma característica fundamental do sucesso das políticas públicas espanholas.

Com base nas lições aprendidas com a experiência espanhola e nas nossas análises ao longo deste estudo, apresentamos as seguintes recomendações para o Brasil:

Um ponto crítico que emerge desta análise é a necessidade premente de uma revisão abrangente das leis de proteção à mulher no Brasil, com vistas a buscar inspiração na sólida legislação espanhola. Isso implica não apenas na revisão das penas aplicadas aos agressores, tornando-as mais severas e dissuasivas, mas também na adoção de medidas de proteção mais amplas, que incluam não apenas a punição dos perpetradores, mas também a prevenção eficaz da violência. Essa revisão deve ser cuidadosamente planejada, levando em consideração as especificidades da realidade brasileira, mas sem perder de vista os princípios fundamentais de igualdade de gênero e proteção das vítimas.

O fortalecimento da resposta à violência contra a mulher requer um investimento substancial na expansão e melhoria dos serviços de apoio. Isso envolve não apenas a construção de mais abrigos seguros para as vítimas, mas também a criação de linhas de atendimento de emergência disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, exclusivas para esse contexto. Além disso, é fundamental disponibilizar assistência jurídica especializada em todo o país, garantindo que as vítimas tenham acesso a orientação legal e apoio na busca por justiça.

Essa expansão dos serviços não deve ser vista como um luxo, mas como uma necessidade urgente. A violência de gênero não conhece fronteiras geográficas, e as vítimas devem ter acesso a ajuda e proteção, independentemente de onde vivam. É imperativo que o Estado brasileiro priorize o desenvolvimento de uma rede abrangente de serviços de apoio para garantir que as mulheres em situação de violência recebam a assistência de que precisam para reconstruir suas vidas com segurança e dignidade.

Ademais, para combater efetivamente a violência contra a mulher, é imperativo que o país invista em campanhas abrangentes de conscientização que tenham como foco a promoção da igualdade de gênero. Essas campanhas devem começar desde as escolas, incluindo conteúdos que eduquem os jovens sobre a importância do respeito mútuo, da não discriminação e da igualdade entre os gêneros.

Além disso, é crucial que essas campanhas alcancem todos os setores da sociedade, envolvendo o governo, as instituições educacionais, as organizações da sociedade civil, a mídia e o setor empresarial. A conscientização generalizada sobre a igualdade de gênero não apenas desafia estereótipos prejudiciais, mas também promove uma cultura de respeito e tolerância.

Investir em educação e conscientização é uma medida preventiva que pode contribuir significativamente para a redução da violência de gênero a longo prazo, criando uma sociedade mais igualitária e segura para todas as mulheres. Portanto, o Brasil deve priorizar essa estratégia como parte fundamental de seu compromisso com a eliminação da violência contra a mulher.

Ainda, uma estratégia que o Brasil pode adotar com vistas a aprimorar suas políticas de combate à violência contra a mulher é o estabelecimento de parcerias internacionais. Nesse contexto, a Espanha, reconhecida internacionalmente por suas políticas eficazes, se destaca como um potencial parceiro de cooperação.

Ao estabelecer parcerias com países que têm experiência bem-sucedida na luta contra a violência de gênero, o Brasil pode se beneficiar do compartilhamento de conhecimentos, melhores práticas e recursos. Isso inclui a troca de informações sobre legislação, programas de conscientização, estratégias de prevenção e apoio às vítimas. Além disso, a cooperação internacional pode abrir portas para o acesso a financiamento e assistência técnica, fortalecendo ainda mais a capacidade do Brasil de enfrentar esse desafio complexo.

A colaboração com países como a Espanha não apenas pode acelerar o progresso na redução da violência de gênero, mas também demonstra o compromisso do Brasil em buscar soluções efetivas e compartilhar responsabilidades a nível global. A construção de parcerias sólidas pode ser um passo significativo em direção a um mundo mais seguro e igualitário para todas as mulheres, independentemente de sua nacionalidade.

Em síntese, a pesquisa revela que o combate à violência contra a mulher é um desafio global, mas a Espanha oferece um modelo eficaz em políticas públicas que podem inspirar melhorias no Brasil. Ambos os países têm feito avanços notáveis, mas o caminho a seguir envolve aprimoramentos legislativos, expansão de serviços de apoio, educação contínua e colaboração entre instituições.

O Brasil tem a oportunidade de adaptar e implementar as lições aprendidas com a experiência espanhola, visando uma sociedade mais justa e segura para todas as mulheres. Esta pesquisa demonstra que, ao adotar uma abordagem abrangente e colaborativa, o Brasil pode dar passos significativos na erradicação da violência contra a mulher e na promoção da igualdade de gênero em todo o país.

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