O LIVRE BRINCAR COMO ATIVIDADE ESTRUTURANTE NO ENSINO INFANTIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8381851


Augusto Link Riffel


Resumo

Este trabalho tem como objetivo destacar a importância do livre brincar na infância como uma atividade que promove o desenvolvimento integral das crianças. A pesquisa foi conduzida por meio de uma revisão bibliográfica, buscando embasamento teórico sobre o tema. Os resultados obtidos apontam que o livre brincar é fundamental para despertar a criatividade, a sociabilidade, a resiliência, as habilidades cognitivas e motoras nas crianças. Além disso, o brincar proporciona oportunidades de aprendizado, tanto individualmente quanto em interação com outros, contribuindo para o desenvolvimento socioemocional e a formação de valores fundamentais. A pesquisa ressalta a importância do professor em potencializar o brincar, enriquecendo o repertório infantil e promovendo a apropriação/reelaboração de distintas brincadeiras.

Palavras-chave: Educação infantil. Livre brincar. Desenvolvimento infantil.

1. Introdução

Na efervescente e desafiadora jornada da infância, o ato de brincar desponta como um luminoso farol, guiando os pequenos corações e mentes rumo ao mundo da imaginação e do desenvolvimento integral. Como uma sagrada dádiva, o livre brincar se apresenta como algo capaz de despertar sorrisos, curiosidade e a infinita capacidade de criação presente nas crianças.

É no universo lúdico que a criança experimenta a alegria de ser e de se conectar com o todo que a cerca. O livre brincar se manifesta como a voz que ecoa nas ruas, nos parques e nas brincadeiras compartilhadas. É uma orquestra harmônica, onde cada criança entoa suas notas, suas cores e suas expressões, sem a imposição de roteiros predefinidos ou limitações impostas. É a celebração da espontaneidade, da liberdade e da autenticidade.

No desenrolar dessa atividade, cabe ao professor “potencializar o brincar, enriquecendo o repertório infantil e promovendo a apropriação/reelaboração de distintas brincadeiras” (SOARES, 2021, p. 46). A criança, imersa na energia vibrante do brincar, transcende os muros da rotina, adentrando no reino do faz de conta, da aventura e do aprendizado não formal. É através das brincadeiras que os pequenos exploram, testam hipóteses, constroem vínculos afetivos e descobrem o prazer de serem protagonistas do próprio crescimento.

2. Desenvolvimento

A vida da criança, permeada pelo brincar, ganha novas perspectivas. “A brincadeira, quando em ambiente adequado e situação aceitável, trabalha com a inquietação, com a dinamicidade, com a incerteza, com tempos elásticos, com o compartilhar, que vêm acompanhados de diversão e prazer.” (MÜLLER et al., 2007, p. 5). O mundo se amplia e se enche de possibilidades. A imaginação se revela como um magnífico oceano, onde a criança navega em barcos de papel, mergulha em histórias encantadas e caminha por trilhas desconhecidas. No brincar, a criança é um arquiteto de mundos imaginários, onde ela reescreve a realidade, molda as situações e conquista o poder de reinventar-se a cada instante.

Contudo, a importância do livre brincar na infância transcende a simples diversão. Por trás daquelas brincadeiras aparentemente despretensiosas, residem as sementes do aprendizado vital e da formação de valores fundamentais. No convívio com os pares, a criança aprende a compartilhar, a negociar, a respeitar as diferenças e a lidar com a frustração. Ela descobre os conceitos de cooperação, liderança e trabalho em equipe, consolidando habilidades socioemocionais que serão fundamentais em sua caminhada futura.

Soares (2021, p. 44) cita Vygotsky, pesquisador russo do desenvolvimento da aprendizagem, para afirmar que o livre brincar está diretamente relacionado à teoria do desenvolvimento proximal. De acordo com Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é a distância entre o nível de desenvolvimento atual de uma criança e seu potencial de desenvolvimento, quando apoiada por um parceiro mais experiente.

No contexto do livre brincar, a criança tem a oportunidade de explorar e experimentar de forma autônoma, mas também pode buscar a interação com outros, como amigos, irmãos mais velhos ou adultos, para enriquecer sua brincadeira. Esses parceiros mais experientes podem desempenhar um papel fundamental no avanço do desenvolvimento da criança durante o brincar.

Quando uma criança brinca livremente, ela pode encontrar desafios e atividades que estão além de seu nível de desenvolvimento atual, mas que se tornam acessíveis com o apoio e a orientação do parceiro. Por exemplo, ao brincar de construir uma torre com blocos, a criança pode estar tentando alcançar uma altura que seria difícil sozinha. No entanto, com a ajuda de um parceiro, ela pode receber orientações, sugestões ou até mesmo colaborar diretamente na construção da torre. Isso permite que ela amplie suas habilidades e alcance um novo nível de desenvolvimento.

O livre brincar sempre oferece um ambiente rico em possibilidades de aprendizagem. Durante as brincadeiras, a criança pode desenvolver habilidades cognitivas, emocionais, sociais e motoras. Ao interagir com outros, ela é exposta a diferentes perspectivas, desafios e modelos de comportamento, ampliando sua compreensão e suas habilidades.Através das brincadeiras as crianças podem receber o suporte necessário para avançar em seu desenvolvimento, enquanto exploram, experimentam e constroem seu conhecimento de forma lúdica e prazerosa. Brincar assume um lugar de destaque no contexto contemporâneo, onde as pressões acadêmicas e as demandas tecnológicas muitas vezes ofuscam a simplicidade e a riqueza da infância. Resgatar o valor do brincar é, portanto, um convite a reencontrar a essência do ser humano, a capacidade de sonhar, de explorar o desconhecido e de se surpreender com cada descoberta.

O livre brincar é uma oportunidade única de cultivar a criatividade, a imaginação e a autonomia nas crianças, nutrindo suas raízes para que floresçam em adultos conscientes, resilientes e capazes de transformar o mundo com suas ideias e suas ações.

No brincar, nasce e se desenvolve um imenso repertório de habilidades e competências que moldam a personalidade e o potencial das crianças. É por meio das brincadeiras despretensiosas, permeadas pela imaginação e pela espontaneidade, que as crianças constroem uma base sólida para sua jornada de aprendizado e crescimento.

A primeira habilidade que aflora no livre brincar é a criatividade. As crianças mergulham em um mundo de possibilidades infinitas, onde não há limites nem regras rígidas. Elas se tornam protagonistas de suas próprias histórias, engendrando cenários, personagens e enredos. Ao criar, inventar e reinventar, a criança explora a imaginação em sua forma mais pura, exercitando sua capacidade de pensar fora da caixa e encontrar soluções inovadoras para os desafios que surgem nas brincadeiras.

Além da criatividade, o livre brincar fomenta a sociabilidade e a capacidade de interação com os outros. Nas brincadeiras compartilhadas, as crianças aprendem a se comunicar, a negociar, a respeitar as diferenças e a trabalhar em equipe. Elas desenvolvem habilidades sociais fundamentais, como empatia, cooperação e solidariedade. Ao brincar juntas, as crianças constroem laços afetivos, aprendem a lidar com conflitos de forma construtiva e a valorizar o trabalho em conjunto.

Outra competência essencial que se fortalece no livre brincar é a resiliência. As brincadeiras não seguem roteiros pré-determinados, e as crianças frequentemente se deparam com desafios e obstáculos inesperados. No entanto, é justamente nesses momentos que elas aprendem a persistir, a encontrar soluções alternativas e a lidar com a frustração. Através do livre brincar, as crianças desenvolvem a capacidade de se adaptar às adversidades, de superar obstáculos e de aprender com os erros, fortalecendo sua resiliência emocional.

Além disso, essa atividade estimula a capacidade cognitiva das crianças. Elas exercitam a memória, a atenção e a concentração enquanto criam e seguem regras imaginárias, resolvem enigmas ou constroem estruturas complexas. O brincar também promove o desenvolvimento motor, à medida que as crianças se equilibram e exploram o espaço ao seu redor.

Segundo Kishimoto (2010), a introdução dos brinquedos e das brincadeiras no contexto da educação infantil implica em compreender profundamente a criança: quem ela é, como brinca e qual a importância do brincar em sua vida. Mesmo as crianças pequenas possuem um vasto conhecimento, tomam decisões, fazem escolhas, interagem com outras pessoas e expressam suas habilidades através de gestos, olhares e palavras, revelando sua capacidade de compreender o mundo que as cerca. Entre as atividades que trazem alegria e satisfação à criança, o brincar ocupa um lugar de destaque, sendo considerado um de seus direitos fundamentais. A brincadeira é uma ação livre, que surge espontaneamente a qualquer momento, iniciada e conduzida pela própria criança. Ela proporciona prazer, não exige um produto final específico, proporciona relaxamento, envolvimento, ensina regras, linguagens e desenvolve habilidades, além de transportar a criança para o mundo da imaginação.

Ainda segundo Kishimoto (2010), durante todo o período da educação infantil, é essencial a valorização e a introdução de brincadeiras. Embora haja diferentes concepções sobre o brincar, alguns enfatizam apenas o período posterior aos dois anos de idade, considerando o período anterior como um momento preparatório para o desenvolvimento lúdico. Entretanto, é fundamental compreender que a escolha de estimular o brincar desde o início da educação infantil é o que garante a cidadania da criança e a promoção de práticas pedagógicas de alta qualidade.

Para a criança, o brincar é a atividade principal de seu cotidiano. Sua importância reside no fato de que, através do brincar, a criança exerce o poder de tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer a si mesma, aos outros e ao mundo. Através da brincadeira, ela pode repetir ações prazerosas, compartilhar experiências, expressar sua individualidade e identidade por meio de diferentes linguagens, explorar seu corpo, seus sentidos e seus movimentos, resolver problemas e criar. Nesse contexto, o brincar permite à criança experimentar a exploração do mundo dos objetos, das pessoas, da natureza e da cultura, compreendendo-os e expressando-os por meio de diversas linguagens. No entanto, é na esfera da imaginação que o brincar se destaca, mobilizando significados e promovendo o desenvolvimento integral da criança. Sua importância está diretamente relacionada à cultura da infância, que considera a brincadeira como uma ferramenta essencial para a expressão, aprendizado e desenvolvimento infantil.

A autora também destaca que a baixa qualidade da educação infantil pode estar associada à oposição equivocada entre o brincar livre e o brincar direcionado. É necessário desconstruir essa visão e considerar a criança em sua totalidade. Ela não nasce sabendo brincar, mas aprende por meio das interações com outras crianças e adultos. Observando seus pares e as intervenções de professores, ela aprende novas brincadeiras e suas respectivas regras. Conforme adquire conhecimento, pode reproduzir ou recriar as brincadeiras, garantindo, assim, a circulação e a preservação do brincar como uma forma valiosa de aprendizado e expressão infantil.

Se considerarmos a importância do brincar no desenvolvimento, como podemos incorporá-lo ao currículo dos primeiros anos de forma adequada? Segundo Smith (2005), uma proposta é disponibilizar uma variedade de materiais e acessórios de qualidade, adequados para o brincar, e permitir que as crianças tenham liberdade para brincar de acordo com suas necessidades e interesses. Muitos educadores na Europa Ocidental acreditam que um currículo baseado no brincar livre é a forma ideal de experiência pré-escolar.

Smith (2005) nos lembra que, no passado, o brincar não era valorizado em termos educacionais quando as escolas de educação infantil começaram a ser introduzidas na Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX. Acreditava-se que as crianças precisavam de instrução e, em alguns casos, de correção por seus comportamentos considerados pecaminosos, especialmente nas doutrinas religiosas. No entanto, alguns autores e educadores, como Comenius, Rousseau, Owen, Pestalozzi, Froebel e Montessori, começaram a enfatizar o valor do desenvolvimento espontâneo da criança e a visão de que a criança é naturalmente “boa”. A partir desse ponto de vista, o brincar espontâneo passou a ser considerado importante. Além disso, foi frequentemente ressaltado o valor do envolvimento ativo dos professores, embora houvesse variações significativas nos tipos de atividades recomendadas. Por exemplo, Montessori priorizava as atividades do brincar construtivo, com o uso de materiais especialmente planejados, mas não incentivava o brincar de faz-de-conta ou o jogo simbólico.

No século XX, houve uma atitude ainda mais positiva em relação ao valor do brincar espontâneo e do brincar dramático, principalmente entre os teóricos da educação infantil na Europa Ocidental, no período de 1930 a 1970. O brincar espontâneo passou a ser visto não apenas como importante, mas também como um componente essencial do desenvolvimento social e intelectual da criança, além de contribuir para seu desenvolvimento criativo e pessoal.

Por fim, vale consultar o que nos indica Montessori em seu livro “A Criança”. Montessori (1990, p. 68-77) interpretava a brincadeira no aprendizado da criança como uma oportunidade para desenvolver sua sensibilidade à ordem. Ele observou que, para as crianças, o prazer no jogo estava relacionado a encontrar as coisas em seus devidos lugares. Por exemplo, quando as crianças brincavam de esconde-esconde, o objetivo não era apenas se esconder, mas sim ser encontradas no lugar certo. Montessori percebeu que as crianças buscavam a emoção de descobrir objetos ocultos em locais secretos, mostrando um senso inato de localização e ordem.

Através dessas brincadeiras, Montessori notou que as crianças demonstravam uma sensibilidade natural à ordem e à identificação das relações entre as coisas. Essa sensibilidade era fundamental para que elas pudessem compreender e se orientar em seu ambiente. Montessori acreditava que a ordem era essencial para o desenvolvimento saudável das crianças, pois proporcionava uma base sólida para suas interações e relacionamentos. Assim como a criança que reconhece os objetos em seus devidos lugares, o ser humano precisa compreender as relações entre as coisas para encontrar seu caminho na vida.

A brincadeira na infância tinha um propósito educativo. Ela permitia que as crianças desenvolvessem sua capacidade de ordenar, organizar e criar relações significativas com o mundo ao seu redor. Através dessas experiências de jogo, as crianças adquiriam as bases para a inteligência e o desenvolvimento posterior. O período sensível à ordem era uma oportunidade para a criança aprender a orientar-se no ambiente, assim como a planta da sala de aula introduz a criança ao estudo dos mapas geográficos. Montessori via na brincadeira uma forma valiosa de construção do conhecimento e de desenvolvimento das habilidades cognitivas e sociais das crianças.

3. Conclusão

O livre brincar na infância é um verdadeiro laboratório de habilidades e competências, pois proporciona um ambiente propício para o desenvolvimento da autonomia e da autoconfiança. Nas brincadeiras, as crianças tomam decisões, experimentam diferentes papéis, exploram sua independência e descobrem suas próprias habilidades. Ao perceberem que são capazes de criar, solucionar problemas e enfrentar desafios, elas constroem uma imagem positiva de si mesmas e fortalecem sua autoestima.

Portanto, é essencial que as crianças tenham tempo e espaço para brincar livremente, tanto em casa quanto na escola. Os adultos devem valorizar e incentivar as brincadeiras, criando ambientes seguros e estimulantes. Dessa forma, estaremos proporcionando um desenvolvimento saudável e completo para as crianças, preparando-as para enfrentar os desafios e se tornarem adultos confiantes e competentes.

Referências bibliográficas

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Brinquedos e brincadeiras na educação infantil. São Paulo/SP: FE USP. 2010.

SMITH, Peter K. O brincar e os usos do brincar. In: MOYLES, Janete R. (Org.). Curitiba/PR: Penso. 2005.

SOARES, Leticia Cavassana. O brincar na educação infantil: enunciações docentes em um contexto de formação continuada. Vitória/ES: Edifes, 2021.

MONTESSORI, Maria. A criança. Círculo do Livro: 1990.

MÜLLER, V. R. et al. O brincar das crianças: aproximações às culturas infantis. Revista Digital, Buenos Aires, v. 11, n. 104, 2007. Disponível
em: <https://www.efdeportes.com/efd104/o-brincar-das-criancas-aproximacoes-as-culturas-infantis.htm>. Acesso em: 17 jun. 2023.