EDUCAÇÃO E FILOSOFIA: A ORIENTAÇÃO SEXUAL COMO TEMA TRANSVERSAL E EM DIÁLOGO COM O CONCEITO HEGEMÔNICO DE GRAMSCI

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8317259


Thaís Resende Araújo Borges Bonfim


Resumo

O presente artigo reflete sobre o tema transversal Orientação Sexual dos Parâmetros Curriculares Nacionais propostos pelo governo brasileiro, abordando de forma crítica como o tema é apresentado e proposto, a necessidade da abordagem do assunto, e como é a relação da escola e da família com as crianças e jovens acerca da Orientação Sexual. O conceito de hegemonia de Antonio Gramsci é considerado e dialogado com o tema transversal para compreender como a sexualidade é comumente pautada na hegemonia heterossexual, e como esta hegemonia está enraizada de forma cultural e histórica na sociedade, influenciando o modo como a Orientação Sexual é abordada no ambiente escolar.

Palavras-chave: Orientação sexual; Gênero; Educação.

Abstract

This paper reflects about the transversal topic Sexual Orientation of the Parâmetros Curriculares Nacionais (National Curricular Parameters) proposed by the Brazilian government, critically assessing how the topic is introduced and suggested, the necessity of the topic approach and what is the relationship between school and family with children and youth about Sexual Orientation. Antonio Gramsci’s concept about hegemony is considered and related with the transversal topic to understand how sexuality is generally lined in heterosexual hegemony, and how this hegemony is culturally and historically rooted in society, influencing how Sexual Orientation is approached in the school’s environment

Keywords: Sexual orientation. Gender; Education

A Orientação Sexual é apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como um tema transversal, isto é, não é dado como uma matéria específica e segmentada, mas é definido que o tema sobre sexualidade deve ser encaixado e abordado em diferentes disciplinas e trabalhado de diferentes modos. A abordagem do assunto é embasada com a necessidade de considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, e comum durante toda a vida do ser humano, relacionando com o direito ao prazer e exercício da sexualidade de forma responsável.

A proposta do PCN considera relações de gênero, respeito a si mesmo e aos outros e à diversidade de crenças, valores, expressões culturais, além de destacar a importância de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, com destaque para a aids, e da gravidez indesejada na adolescência.

Os objetivos gerais propostos pelo PCN através da Orientação Sexual como tema transversal nas escolas incluem compreender a busca de prazer como direito humano; respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade, reconhecendo e respeitando diferentes formas de atração sexual e direito à expressão; desmistificar tabus e preconceitos; compreender o próprio corpo e sexualidade; compreender a necessidade de consentimento mútuo em uma relação à dois; adotar prática de sexo protegido para evitar doenças sexualmente transmissíveis, com ênfase na Aids, e gravidez indesejada; e reconhecer como construção cultural e social as características atribuídas ao masculino e feminino, posicionando-se contra discriminações associadas a isto.

De acordo com o PCN, é comum que profissionais da escola ignorem, ocultem, ou reprimem manifestações de sexualidade em todas as faixas etárias, já que é normal a ideia de que a sexualidade deve ser um assunto de responsabilidade da família, sendo explicado que em toda família já ocorre a educação sexual, mesmo que de forma discreta e

inconsciente. O simples comportamento entre pares no âmbito familiar, os cuidados recomendados, gestos e proibições são vistos como um mecanismo de transpassar valores associados à sexualidade das crianças e jovens. Sendo a família o primeiro meio de educação sexual, é necessário compreender que comumente esta educação se mostra insuficiente, principalmente quando por parte da família é considerado que tais assuntos não devem ser conversados, cabendo às crianças e adolescentes recorrer a outros meios de informação.

Compreender que a educação da sexualidade não é apenas papel da família faz-se necessário, sendo tal responsabilidade ampla aos diferentes campos da sociedade como um todo. Concordar com o ensino da sexualidade apenas no âmbito familiar restringe a possibilidade de acesso a informações corretas e importantes principalmente para adolescentes que estão iniciando a vida sexual.

Diante da realidade de que sexo ainda é um assunto considerado tabu, é compreensível que muitos pais e responsáveis optem por não tratar diretamente sobre o tema com seus filhos, além de outros fatores determinantes como questões religiosas e culturais, fazendo com que assim os jovens tenham que buscar a informação de maneira própria quando não a encontram com facilidade em um ambiente seguro, como deveria ser o ambiente escolar.

A mídia e a escola são grandes pilares na construção da concepção de sexualidade para jovens e crianças. Estando constantemente presente em todos os lugares e sendo de fácil acesso, diversos meios midiáticos ditam aos jovens ideias e conceitos relacionados à sexualidade, porém muitas vezes isso é veiculado de forma errônea e inadequada, sem que seja possível ter um controle sobre as informações que são passadas e recebidas para eles. Sendo assim, resta a escola assumir o papel de lugar seguro e ideal para transmitir para os jovens e crianças as concepções de sexualidade, orientações e recomendações acerca do tema, ao contrário da posição corriqueira em que as instituições escolares buscam afastar-se da responsabilidade de lidar com assuntos acerca da sexualidade, ou tentam limitar e reduzir as questões sobre o tema de forma a informar apenas o básico, biológico e de senso comum.

A mídia, nas suas múltiplas manifestações, e com muita força, assume relevante papel, ajudando a moldar visões e comportamentos. Ela veicula imagens eróticas, que estimulam crianças e adolescentes, incrementando a ansiedade e alimentando fantasias sexuais. Também informa, veicula campanhas educativas, que nem sempre são dirigidas e adequadas a esse público. Muitas vezes também moraliza e reforça preconceitos. Ao ser elaborada por crianças e adolescentes, essa mescla de mensagens pode acabar produzindo conceitos e explicações tanto errôneos quanto fantasiosos. A sexualidade no espaço escolar não se inscreve apenas em portas de banheiros, muros e paredes. Ela “invade” a escola por meio das atitudes dos alunos em sala de aula e da convivência social entre eles. Por vezes a escola realiza o pedido, impossível de ser atendido, de que os alunos deixem sua sexualidade fora dela. Há também a presença clara da sexualidade dos adultos que atuam na escola. Pode-se notar, por exemplo, a grande inquietação e curiosidade que a gravidez de uma professora desperta nos alunos menores. Os adolescentes testam, questionam e tomam como referência a percepção que têm da sexualidade de seus professores, por vezes desenvolvendo fantasias, em busca de seus próprios parâmetros. (BRASIL, pg292)

De acordo com Altmann (2001) a criação do tema transversal Orientação Sexual ilustra o interesse do estado pela sexualidade da população, que justifica a necessidade de Orientação Sexual como tema a ser trabalhado ao longo de todos os ciclos de escolarização diante do crescimento de casos de gravidez indesejada na adolescência e do risco de contaminação pelo vírus HIV. O interesse do estado é justificado pela autora com o fato da sexualidade ser um tema de interesse público já que diz respeito à saúde pública, natalidade, vitalidade das descendências e espécies, e se relaciona com a produção de riquezas, capacidade de trabalho, povoamento e força da sociedade. Além disso, a sexualidade possibilita controles constantes como exames médicos ou psicológicos, sendo uma via de acesso a aspectos privados e públicos, suscitando mecanismos heterogêneos de controle que complementam e instituem o indivíduo e a população como objetos de poder e saber.

A escola é comumente o primeiro ambiente exterior ao familiar que as crianças são inseridas, sendo um local novo e distinto, com diversas pessoas e concepções diferentes ao até então habitual. No ambiente escolar, as crianças desenvolvem relações interpessoais que são naturalmente pautadas pela normatização sócio cultural. Ao longo da vida escolar a sexualidade pode ser vista de diferentes formas e concepções pelos estudantes, já que cada um desenvolve seus conceitos relacionando a diversos outros fatores, porém é necessário que os entendimentos básicos sejam comuns a todos, e por isso faz necessário a educação e orientação sexual no ambiente escolar.

No Brasil, a educação sexual na escola iniciou-se, de acordo com Altmann (2001), nos anos 20 e 30, mas não de forma positiva ou visando ser esclarecedora, e sim a partir da percepção de “desvios sexuais” não mais como crime, e sim como doença, cabendo a escola um espaço de prevenção a tais comportamentos, sendo responsável por cuidar da sexualidade das crianças e adolescentes visando o comportamento dito normal, com uma posição de cura em relação a doença. Ao longo das décadas a necessidade da educação sexual no ambiente escolar foi sendo vista com outras perspectivas, mas ainda hoje é comum que se busque uma normatização dos padrões que se relacionam em perspectivas com o dito não normal.

Sócio historicamente a sociedade é dividida entre gênero feminino e masculino. Antes mesmo do nascimento já somos inseridos em uma das duas categorias em relação ao sexo biológico, e são essas categorias que vão pautar ao longo da vida o que é aceitável ou não enquanto comportamento perante o padrão da sociedade. No ambiente escolar, isto não é diferente, sendo comum situações em que algum aluno que de algum modo fuja do dito padrão e esperado em relação ao sexo biológico seja visto como anormal. A necessidade de abordar a sexualidade na escola não deve limitar-se apenas para esclarecer conceitos biológicos, mas também para orientar acerca das diferenças vistas como culturais e da necessidade de respeito ao próximo.

Como benefícios em escolas que já realizam a Orientação Sexual no ambiente escolar, o PCN destaca o aumento do rendimento na escola como resultado do alívio da tensão e preocupação com questões da sexualidade, aumento da solidariedade e respeito entre os estudantes, diminuição da angústia e agitação em sala de aula, e nos adolescentes as manifestações da sexualidade deixam de ser fonte de agressão, provocação, medo e angústia para se tornarem assuntos de reflexão.

O PCN chama atenção para o modo em que a escola deve agir diante de situações em que apareça a curiosidade sexual das crianças com o próprio corpo. Manifestações da sexualidade são comuns diante da curiosidade principalmente dos alunos do ciclo básico, ocorrendo brincadeiras entre colegas, piadas, gestos e toques. Em um ambiente com diferentes pessoas da mesma faixa etária que compartilham das mesmas angústias é compreensível que o assunto esteja sempre em pauta.

O papel da escola não deve ser condenar ou reprimir a curiosidade sexual, mas sim contextualizar e elucidar a inadequação de tais comportamentos no ambiente escolar, enfatizando o respeito à intimidade e privacidade própria e dos colegas. É necessário também que os educadores não encarem tais situações como aberração, e sim como uma curiosidade normal da parte das crianças, sendo função da própria escola lidar com os limites que devem ser estabelecidos, evitando assim recorrer a família para expor a situação.

É ressaltado pelo PCN que o papel dos educadores deve ser o fundamental no auxílio à elaboração de como lidar com a sexualidade própria no âmbito escolar, sendo necessário recorrer ao auxílio da família apenas em situações mais extremas quando já se esgotou as tentativas da parte da escola e em que se torne muito recorrente e interfira na aprendizagem ou demande maiores cuidados com a saúde da criança.

Dentre os alunos adolescentes, é comum que as manifestações em relação à sexualidade sejam associadas à agressividade, o que indica a necessidade de discutir o assunto que causa ansiedade e dúvidas. Os jovens expressam suas angústias através de vergonha, piadas, timidez ou brincadeiras quando se coloca sexualidade em pauta, dissimulando o interesse e importância do tema. O PCN explica que tais reações demonstram a dificuldade dos adolescentes de lidarem com a sexualidade por ser uma questão íntima e trazer o medo de errar ou não agradar a opinião alheia, sendo a discussão do tema com espaço para debate e reflexão um meio de ajudar os jovens a passarem por essa fase com menos angústia e turbulência e evitando assim a necessidade de transformar a sexualidade com expressão de rebeldia.

Ainda que o PCN elaborado em 1998 traga de forma clara os objetivos de tratar a Orientação Sexual na escola a fim de orientar, sanar dúvidas, prevenir gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, e respeitar a orientação sexual e diferenciações de gênero de cada um, a realidade que se encontra no ambiente escolar muitas vezes se difere muito disso. Aproximadamente duas décadas depois, a sexualidade continua sendo um tema considerado tabu e delicado de se tratar na escola e na sociedade em geral. Pensar a sexualidade na contemporaneidade se tornou difícil sem considerar as relações de gênero que estão cada vez mais pautadas, e ao pensar sobre as relações de gênero é necessário considerar os binarismos heterossexualidade – homossexualidade e masculino – feminino.

Para melhor compreensão acerca das relações pautadas em masculino, feminino, heterossexualidade e homossexualidade, é possível fazer uma relação ao conceito de hegemonia e contra hegemonia de Antonio Gramsci. O conceito de hegemonia foi elaborado por Gramsci para explicar as relações entre classes sociais, em um contexto marxista que ressalta sobretudo a relação da burguesia com o proletariado.

De acordo com Gruppi (1978 apud. TOITIO 2015) o conceito de hegemonia apresentado por Gramsci também implica além da economia e política, a moral, o conhecimento e a filosofia, apontando a ideologia hegemônica como o mais alto significado de uma concepção de mundo, se manifestando em diferentes aspectos como na arte, direito e economia, ao escrever sobre a luta de classes e sob a perspectiva da superação do capitalismo. A hegemonia pode ser vista como a classe dominante, o grupo que determina e se encaixa nas normas ditadas como aceitáveis e normais da sociedade, a classe que é vista como modelo a ser seguido e atingido pelos demais grupos.

Ao elaborar o conceito de hegemonia Gramsci elucidou as relações entre classes sociais, mas também abordou questões da sexualidade e a relação entre homem e mulher. Conforme Barletto (2003) Gramsci abordou a sexualidade ao tratar sobre o americanismo e fordismo, compreendendo o americanismo como uma nova forma de processo de trabalho e de organização social moderna, como uma nova forma do capitalismo, e explicando o fordismo como um novo processo de formação social e definição da hegemonia. O fordismo exigiu uma adaptação do trabalhador, criando uma automatização dos trabalhadores.

Ainda de acordo com a autora, regularizar e conter a prática sexual dos trabalhadores tinha função de evitar desperdício das energias e disciplinar os movimentos. O americanismo através do fordismo e taylorismo criaram uma nova forma de organização social moderna que implicou em um novo estilo de vida, com uma ética puritana, racionalizada e econômica.

Barletto (2003) destaca também a análise de Gramsci acerca da constituição do americanismo com a ação do Estado como coerção e persuasão em dois momentos, sendo em relação a álcool e a sexualidade. A proibição do uso do álcool por parte do Estado foi um instrumento para controle fordista, já na questão sexual, e Gramsci elaborou que a regulamentação da moralidade dos trabalhadores envolvia a ideologia de classe acerca das questões sexuais.

De acordo com Souza (2012) a sexualidade pode ser vista como o momento em que a natureza e cultura se encontram, e que a cultura é um meio de resposta as questões impostas pela natureza, sendo gênero mais do que processos naturais do sexo, da reprodução ou reflexos biológicos, e sim processos culturais e relações sociais pautadas na diferença e identidades. A autora destaca que Gramsci apontava a sexualidade como premissa para desenvolvimento do capitalismo e manutenção da hegemonia das classes dominantes, e que a regulamentação da sexualidade seria o alicerce nas construções de gênero, em que a sexualidade é um esporte e a mulher um brinquedo de lazer, ilustrando a classe entre gêneros.

Para Gramsci, a regulamentação da sexualidade seria alicerçada nas construções do que denominamos gênero, a sexualidade virou um esporte e a mulher é um tipo de brinquedo de lazer; e as determinações de classe sobre o gênero feminino, destacando que o homem industrial continua a trabalhar, mesmo se milionário, mas sua mulher e suas filhas tornam-se cada vez mais ‘mamíferos de luxo’. Ainda que enderece críticas à pressão coercitiva que a sexualidade sofre, não nega a necessidade de controle, ao contrário, o autor seria a favor da regulamentação da sexualidade pelas classes subalternas, a partir da construção de uma nova hegemonia uma “outra ética sexual”. E esta deveria estar em consonância com os processos de trabalho e preocupadas com a transformação social. No esquema de Gramsci, o Estado assume seu caráter de classe e é responsável pela manutenção da hegemonia. O campo ideológico é premissa para que a classe dominante/dirigente mantenha a hegemonia. (SOUZA, 2012. pag.4)

Ao fazer a analogia da sexualidade e gênero com a definição de hegemonia de Gramsci, é facilmente possível identificar heterossexuais como a classe hegemônica. A heterossexualidade é vista como conduta padrão e normal da sociedade, bem como se espera que o gênero corresponda ao sexo biológico. Ainda que homossexuais e transgêneros venham conquistando, mesmo que lentamente, cada vez mais lugar nos espaços institucionais, mídia e sociedade, é realidade que vivemos em uma sociedade preconceituosa e pautada em conceitos enraizados carregados de estereótipos, que tendem a segregar quem foge do padrão de heteronormatividade.

Ao relacionar a heterossexualidade com o conceito de hegemonia, Butler (2003 apud. TOITIO 2015) define como heterossexismo o que pode ser pensado como uma concepção de mundo no qual concebemos nossa sexualidade, legitimando a prática heterossexual como obrigatória e sendo referência para as demais práticas.

Toitio (2015) explica que o heterossexismo oprime os LGBT dificultando esse grupo de construir próprias categorias e de terem voz ativas em uma posição que não seja a de dominantes. Os LGBT são definidos como um grupo socialmente subalterno, que sofrem com a reprodução do heterossexismo que resulta em formas de conformação e opressão em relação às sexualidades consideradas fora do padrão normal, ocorrendo em formas diversas, como desde o controle e regulação da sexualidade, até casos mais extremos como violência simbólica, física, ou extermínio de homossexuais, travestis e transexuais.

Compreender a heterossexualidade como classe hegemônica na sociedade facilita analisar a relação social entre heterossexuais e homossexuais que não se dá como oposição em um conceito horizontal, mas sim em um movimento vertical no qual heterossexualidade é visto como o correto a se seguir, estando pautado como superior em relação a homossexualidade. Socialmente, os grupos que de algum modo fogem do padrão heterossexual são dominados por este mesmo padrão. Toitio (2015) explica que a hegemonia heterossexual só ocorre porque suas práticas, normas e concepções já são naturalizadas e interiorizadas, por isso a luta contra essa relação deve ser ampla contra o padrão heteronormativo, suas relações, agentes e mecanismos que mantem e reproduzem o heterossexismo.

Gramsci afirma, de acordo com Alves (2010), que é comum que um grupo social subalterno em relação a outro grupo busque adotar a concepção de mundo deste grupo dominante, mesmo que esta concepção seja contraditória, e que tal concepção do mundo é imposta mecanicamente pelo ambiente exterior e é desprovida de consciência crítica e coerência. Tal conceito pode ser facilmente observado na sociedade heterossexista, em que é comum que homossexuais ou transgêneros busquem agir de modo a evitar transparecer suas orientações, para se encaixarem no padrão heteronormativo da sociedade.

Em relação a isso, Toitio (2015) explica que existe uma norma binária de gênero que apenas considera legítima a existência de gênero homem e mulher, e que o grupo LGBT enfrenta formas de opressão e exploração combinadas, como a hegemonia capitalista que se mistura com a heterossexista, resultando em situações como quando esse grupo enfrenta dificuldades para se inserir no mercado de trabalho.

A hegemonia heterossexual associada a realidade de que sexualidade ainda é considerada um tema tabu na sociedade resulta em uma falsa ideia de que não é necessário abordar o assunto com crianças e adolescentes. Para muitas famílias e escolas, não há o que se discutir sobre, quando o necessário é apenas compreender que o padrão a ser seguido é o de heterossexualidade, e que debater o tema seria dar abertura para que jovens fugissem desse padrão.

Ainda que a família devesse ser o ambiente mais favorável e confortável para discutir acerca da sexualidade, esta não é a realidade, cabendo à escola representar esse papel. Sendo a escola um local em que os jovens estão inseridos desde os primeiros anos de vida, desenvolvendo relações interpessoais e compartilhando angústias e experiências desta faixa etária, torna-se um ambiente favorável para elaboração dos conceitos, concepções, discussão de dúvidas e receios acerca da sexualidade, além da necessidade e possibilidade de refletir sobre a hegemonia da heterossexualidade com um aspecto crítico.

Na escola, é possível encontrar diferentes dimensões das vivências sexuais, como pessoas que fogem do padrão de gênero esperado para seu sexo biológico ou que sejam homossexuais, ou ainda alunos que desejam agir de uma maneira diferente mas acabam por se sentirem socialmente reprimidos e agem de acordo com o que o ambiente heteronormativo determina.

Quando essas diferenças não são elaboradas, podem resultar em casos de preconceito, agressões e violência por parte dos que são pertencentes e acreditam que a hegemonia heterossexual deve ser ampla a todos mesmo que de forma compulsória. Com a abordagem da Orientação Sexual nas escolas conforme o PCN solicita, é possível que seja trabalhado a ideia de respeito e direito a ter uma própria orientação sexual e de gênero, mesmo que isto fuja ao padrão sócio cultural da sociedade.

A escola é um ambiente adequado para que esses temas sejam trabalhados e desenvolvidos, e por isto o PCN enfatiza em seus objetivos gerais a necessidade de compreender as concepções atribuídas ao masculino e ao feminino como construções culturais e sociais, e a necessidade de se posicionar contra discriminações a eles associadas.

O PCN elucida que frequentemente questões ligadas à sexualidade são associadas a situações de agressividade. A agressividade acompanhada da ansiedade, dúvidas, vergonha e angústias por parte dos adolescentes que se sentem fora do padrão heteronormativo pode ser vista como um movimento de contra-hegemônia, uma reação a não aceitação ou não encaixamento aos padrões definidos pela sociedade.

Entender a hegemonia heterossexual presente na sociedade facilita a compreensão de que é necessário a abordagem da Orientação Sexual no ambiente escolar, sendo este um ambiente facilitador para dialogar com crianças e jovens, é possível desenvolver um pensamento mais amplo em relação as questões de gênero e sexualidade, fomentando a ideia de que devemos sempre respeitar o próximo, e que não devemos nos limitar apenas aos padrões determinados de forma cultural e histórica na sociedade, mas sim agir de acordo com o que é pessoalmente satisfatório.

Abordar de forma correta no ambiente escolar o tema Orientação Sexual proposto pelo PCN é um meio de proporcionar para as crianças e adolescentes a possibilidade de desenvolver um pensamento crítico acerca da hegemonia heterossexual na sociedade.

Referências

ALTMANN, H. Orientação sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 575-587, 2001.

ALVES, Ana Rodrigues Cavalcanti. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. Lua Nova, São Paulo, 80: 71-96, 2010.

BARLETTO, M. Gramsci e a questão sexual. In: 26º reunião Anual da ANPEd, 2003, Poços de Caldas, MG. 26º reunião Anual da ANPEd, 2003. p. 1-15.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MECSEF, 1998.

SOUZA, H. P. Entre o natural e o cultural: Por onde caminha a sexualidade feminina. III Encontro Baiano de Estudos em Cultura. 2012.

TOITIO,  Rafael Dias. Sobre a hegemonia heterossexista. VIII Colóquio Internacional Marx e Engels. Campinas. Vol.1, n° 1, 2015