(IN) COMPATIBILIDADE LEGAL-CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

LEGAL-CONSTITUTIONAL (IN) COMPATIBILITY OF THE RIGHT TO BE FORGOTTEN IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8109840


Gilianne Marques de Souza1


Resumo: O direito ao esquecimento é tido como uma garantia que visa resguardar os direitos da personalidade, assegurando que uma informação veiculada nas mídias possa ser removida em função da dor ou sofrimento que possa causar em certo indivíduo. Numa sociedade tida como informacional, há de se falar ainda no acesso à informação e no direito à memória, pontos estes que aplicam discordâncias de discursos quanto ao cabimento do direito ao esquecimento. Dito isso, o objetivo desta pesquisa foi analisar os fundamentos legais-constitucionais que sustentam a (in) compatibilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental para compor a fundamentação da pesquisa com resultados extraídos de estudos científicos, doutrinas, legislações e jurisprudências. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, básica, descritiva e bibliográfica. Os resultados encontrados demonstram que o entendimento jurisprudencial se inclina pelo não cabimento da invocação do direito ao esquecimento para a mera retirada de informações veiculadas nos canais midiáticos, em respeito aos direitos de liberdade de expressão, de liberdade de informação, de liberdade jornalística e de memória. Todavia, ao analisar-se o arcabouço de direitos aos quais se vincula a proteção emanada do direito ao esquecimento, com base nos indicativos doutrinários e científicos, percebeu-se uma lacuna que carece de melhor apreço desta garantia no ordenamento jurídico nacional pelo critério da ponderação. Nas suas considerações finais, a pesquisa indica a necessidade de se revisar as conotações atreladas ao direito ao esquecimento, uma vez que seus efeitos não obstam os direitos de liberdade de informação, de liberdade de imprensa e de memória, mas apenas visa resguardar direitos personalíssimos de suma relevância para a proteção da dignidade humana no âmbito do direito privado.

Palavras-chave: Brasil. Constitucionalidade. Direito ao esquecimento.

Abstract: The right to be forgotten is seen as a guarantee that aims to protect the rights of the personality, ensuring that information conveyed in the media can be removed due to the pain or suffering it may cause in a certain individual. In a society considered to be informational, it is still necessary to talk about access to information and the right to memory, points that apply disagreements in discourses regarding the appropriateness of the right to be forgotten. That said, the objective of this research was to analyze the legal-constitutional foundations that support the (in) compatibility of the right to be forgotten in the Brazilian legal system. Bibliographic review and document analysis methodologies were used to compose the foundation of the research with results extracted from scientific studies, doctrines, legislation and jurisprudence. This is a qualitative, basic, descriptive and bibliographic research. The results found demonstrate that the jurisprudential understanding leans towards the non-appropriateness of invoking the right to be forgotten for the mere removal of information conveyed in the media channels, in respect for the rights of freedom of expression, freedom of information, journalistic freedom and memory. However, when analyzing the framework of rights to which the protection emanating from the right to be forgotten is linked, based on doctrinal and scientific indications, a gap was noticed that lacks a better appreciation of this guarantee in the national legal system by the criterion of weighting . In its final considerations, the research indicates the need to review the connotations linked to the right to be forgotten, since its effects do not impede the rights of freedom of information, freedom of the press and memory, but only aim to safeguard the very personal rights of of paramount importance for the protection of human dignity within the scope of private law.

Keywords: Brazil. Constitutionality. Right to be forgotten.

1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro inclina-se para a devida proteção dos direitos pessoais e privados. No âmbito do Direito Civil, devidamente constitucionalizado, os denominados direitos personalíssimos trazem consigo um alto teor de significância jurídica e social, uma vez que tendem a proteger a dignidade individual de cada indivíduo. Nesta seara, o direito de privacidade é uma importante garantia de preservação de questões relacionadas ao âmbito privado da vida de cada pessoa.

É preciso considerar que o Direito é uma ciência em constante evolução, uma vez que sua finalidade é regular os comportamentos e relações sociais, públicas e privadas, individuais e coletivas. Sarlet (2018) destaca que é comum a adequação das normas jurídicas com as novas necessidades sociais, de modo que tais normas não se encontrem defasadas e, com isso, possam produzir lacunas capazes de gerar prejuízos para a ordem social.

Com o advento das tecnologias, a disseminação das informações passou a ocorrer de forma massificada, sendo armazenadas em memórias acessíveis de longo prazo. Sob o uso de mídias tradicionais e também contemporâneas, como as mídias digitais, a disseminação das informações adquiriu novas conotações que podem afetar a privacidade dos indivíduos e outros direitos personalíssimos a eles assegurados por força de um sistema jurídico constitucionalizado. Schreiber (2020) leciona que nenhum direito é absoluto, encontrando assim limites nas interferências negativas provocadas a outros.

Não se pode desconsiderar que a Constituição Federal de 1988 (CF88) assegura os direitos de liberdade de informação e liberdade de imprensa, dos quais decorre também a garantia denominada pela doutrina como “direito de memória”. Contudo, tais direitos não podem interferir de forma negativa em outros que também são admitidos pela CF88, a exemplo dos direitos personalíssimos, tais como nome, imagem, privacidade, honra, etc (BRASIL, 1988).

Por vez, cabe destacar que o sistema jurídico brasileiro não admite a perpetuação de punição, o que pode ser utilizado como analogia para destacar o incabimento da veiculação de notícias pretéritas que, no âmbito social, provoquem algum tipo de punição ética, moral e de qualquer natureza ao indivíduo. É justamente sob o escopo de tais argumentos que emergiu o denominado direito ao esquecimento, sendo ele uma garantia facultada aos indivíduos para usufruírem da possibilidade de desvincular fato ocorrido a seu respeito – em momento pretérito – dos canais de notícias, dado o constrangimento, transtornos, sofrimento e qualquer outro sentimento que viole a sua dignidade (POUJOL, 2019).

Ocorre que, no Brasil, há muitas assimetrias nos diálogos direcionados ao direito ao esquecimento, sob uma dualidade de entendimentos divergentes que implicam numa retração dos efeitos jurídicos que poderiam ser produzidos pela assistência fática deste direito. Enquanto parte dos diálogos sustentam que o direito ao esquecimento deve ser visto como um novo direito personalíssimo, por se tratar de uma garantia que preserva os demais direitos deste rol e a dignidade humana (TARTUCE, 2022). Outra parte destaca o seu incabimento para a mera remoção da vinculação de notícias, assim entendido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Diante das controvérsias, é importante averiguar qual o cabimento legal-constitucional do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a própria jurisprudência entende pela sua inconstitucionalidade, sendo assim relevante averiguar se há critérios para a sua admissibilidade ou a sua exclusão plena do rol de direitos admitidos. Por isso, o problema norteador da investigação realizada por esta pesquisa foi: O direito ao esquecimento é (in) compatível com o atual ordenamento jurídico brasileiro?

O objetivo geral da pesquisa foi analisar os fundamentos legais-constitucionais que sustentam a (in) compatibilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Para tal, os objetivos específicos foram dedicados a: a – discorrer sobre a constitucionalização dos direitos personalíssimos; b – abordar o direito ao esquecimento sob o prisma da dignidade humana; c – analisar as justificantes de (in) cabimento do direito ao esquecimento no atual ordenamento jurídico brasileiro.

Justificou-se socialmente a pesquisa pela relevância do tema, considerando a atualidade da decisão emitida pelo STF sobre a questão, a qual reconheceu a incompatibilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, no julgamento do Tema 786/2021, decisão reiterada pelos entendimentos do STJ no REsp. n. 1.961.581/MS de 2021. Desta forma, relevante analisar se o direito ao esquecimento passa a ser incabível em qualquer medida, ou se há critérios para seu cabimento nos casos fáticos, indicando ainda se há necessidade de revisão de tal entendimento diante dos fatos sociais contemporâneos sobre os quais os efeitos deste direito recaem.

Utilizou-se da metodologia de revisão bibliográfica e de análise documental para extrair resultados de 15 estudos científicos, sete doutrinas, duas legislações e duas jurisprudências. Os estudos científicos foram buscados nas bases de dados do Google Acadêmico e do Scielo, com ano de publicação entre 2016 e 2023, no idioma português. No cotejo de autores doutrinários que sustentam os fundamentos da pesquisa, encontram os seguintes: Anderson Schreiber (2018); Flávio Tartuce (2022); Luiz Batista Filho (2022); Paulo Nader (2016); Rubem Valente (2017); e Viviane Maldonado (2017). No rol das legislações utilizadas – extraídas do site do Planalto – estão a CF88 e o Código Civil de 2002 (CC02). As jurisprudências utilizadas são do STF e do STJ.

O desenvolvimento da pesquisa estrutura-se em três seções e subseções, as quais abordam os objetivos específicos vinculados ao objetivo geral e teve por enfoque a busca por resposta ao problema investigado. Na primeira seção, discorre-se sobre a constitucionalização dos direitos personalíssimos no Brasil. Já na segunda seção, aborda-se a questão do direito ao esquecimento sob o prisma da dignidade humana. Enquanto na terceira seção, analisa-se as justificantes de (in) cabimento do direito ao esquecimento no atual ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, a pesquisa dispõe das suas considerações finais, onde os principais resultados são retomados para demonstrar a resposta ao problema de investigação e o atendimento dos seus objetivos, sob um ponto de vista científico e crítico construído pela autora.

2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS

O sistema constitucional brasileiro vigente produziu o evento denominado por constitucionalização dos direitos privados, de ordem pessoalizada (NADER, 2016). Valente (2017) indica que a constitucionalização do Direito Civil aplicou direta influência dos vetores constitucionais ao rol de direitos privados que integram tal seara jurídica. Para melhor compreender quais os vetores idealizados pela ordem constitucional vigente, insta destacar que o próprio preâmbulo da CF88 disciplina – ainda que sem valor normativo – o seguinte texto:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988). (grifo meu)

Incumbe então ao Estado Democrático de Direito a proteção dos direitos “individuais”, com vistas para a satisfação de um estado de bem-estar social (BRASIL, 1988). Schreiber (2018) destaca em sua doutrina que a valorização de direitos privados de natureza individual elevou o teor de significância para direitos tutelados pelos indivíduos, a exemplo dos denominados direitos da personalidade ou direitos personalíssimos.

Os direitos personalíssimos são disciplinados pelo CC02, em seu Capítulo II, entre os arts. 11 e 21, sendo eles os seguintes direitos: a – à vida; b – à imagem; c – ao nome; d – à privacidade; e – à integridade; f – à honra; g – à liberdade; h – à intimidade; e outros (BRASIL, 2002). É justamente no âmbito do art. 5º, da CF88, que tais direitos são apontados como fundamentais e humanos, sendo eles respaldados pela condição de cláusula pétrea, não sendo passíveis de alterações que possam mitigar os seus efeitos em prejuízos daqueles que os tutelam (BRASIL, 1988).

Tartuce (2022) elucida que os direitos da personalidade são subdivididos em três dimensões, sendo elas: a – os direitos vinculados à integridade física (ex. imagem e nome); b – os direitos vinculados à integridade psíquica (ex. privacidade e liberdade); c – e os direitos vinculados à integridade moral (ex. intimidade e honra). Suas características aderem efeitos disciplinados pela própria Norma Constitucional, tornando-os intransmissíveis, irrenunciáveis, indisponíveis, imprescritíveis, originais, extrapatrimoniais e oponíveis (VALENTE, 2017).

Souza et al. (2019) considera que a aderência destes direitos no corpo normativo da CF88 trouxe uma maior relevância para a observância dos mesmos perante as diferentes relações sociais. Desta forma, o grau de importância da manutenção e preservação destes direitos deve se ater para a finalidade de manutenção do que se denomina por dignidade humana (TARTUCE, 2022). Isto porque, como destacado por Nader (2016), a dignidade humana é um fundamento do Estado Democrático de Direito, o qual deve preservar as garantias fundamentais, humanas e sociais asseguradas pelo diploma constitucional vigente.

2.1 PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE EM MANUTENÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Para compreender como a proteção dos direitos personalíssimos influi na manutenção da dignidade humana, é preciso reconhecer que a dignidade humana é tida no atual cenário jurídico contemporâneo como um valor intrínseco da democracia, coexistente para todo e qualquer indivíduos, sem distinção, pela sua mera condição de ser humano (TARTUCE, 2022). Tal dignidade encontra-se positivada, no art. 1º, inciso III, da CF88, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, sendo ela uma regência para toda a ordem infraconstitucional vigente (BRASIL, 1988).

De acordo com Schreiber (2018) a dignidade humana é mantida quando os direitos e garantias fundamentais, humanos e sociais são disponibilizados de forma igualitária, sob um prisma de igualdade equitativa, a todos os indivíduos. Ou seja, há uma vinculação direta entre a manutenção e preservação de direitos diante das relações humanas e sociais fáticas, para com a manutenção da dignidade de cada sujeito social (NADER, 2016).

No quesito proteção de direitos, Valente (2017) destaca que tange a atender tal finalidade a protetividade no âmbito individual e no coletivo. Desta forma, aplica-se aos direitos personalíssimos a devida proteção, em defesa daqueles que os tutelam, zelando pela evitação ou punição de quaisquer formas de interferências que possam produzir danos nocivos para as pretensões da ordem constitucional (TARTUCE, 2022).

Incumbe ao Estado o dever de zelar pela disponibilidade do usufruto destes direitos, bem como dispor de esforços para repreender quaisquer tipos de violações nocivas aos mesmos (SCHREIBER, 2018). Para Tartuce (2022) o teor de nocividade dos danos provocados aos direitos da personalidade deve ser compreendido sob a identificação da própria relevância destes direitos para os indivíduos. Deste modo, há de se compreender que as reverberações nocivas produzem danos extrapatrimoniais ou imateriais de alta importância (NADER, 2016).

De certo, a própria CF88 preocupou-se de dirimir mandamento aplicado em prol do entendimento de que danos aos direitos da personalidade são passíveis de indenização moral, questão essa regulada pelo inciso V, do art. 5º, da norma, que diz: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL, 1988). Tartuce (2022) preconiza que tal dispositivo eleva o teor de relevância da proteção aos direitos personalíssimos. 

Contudo, apesar da importância de tais direitos na ordem civil-constitucional posta, Schreiber (2018) chama atenção para a condição de não absolutismo de nenhum tipo de direito, uma vez que se admite a relativização dos mesmos diante de situações de conflitos entre dois ou mais deles. Para Tartuce (2022) este é o entendimento da jurisprudência nacional, uma vez que admitir que algum direito seja absoluto é incorrer em riscos de prejuízos a outros direitos ou a outrem, havendo assim a necessidade de impor limites aos mesmos.

Assim como inclina-se ao entendimento de que nenhum direito seja absoluto, a doutrina também reconhece a não rigidez constitucional, admitindo que ao longo do decurso de tempo social possam surgir outros direitos que integrem o rol das garantias fundamentais, humanas e/ou sócias (MALDONADO, 2017). É sob o entendimento de abertura de margem constitucional para a criação de novos direitos que emergem os discursos sobre o novo direito denominado de direito ao esquecimento, o qual possui vinculação direta com os moldes contemporâneos das sociedades, tidas como informacionais e tecnológicas (TARTUCE, 2022). 

3 DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO DIREITO PERSONALÍSSIMO 

O denominado direito ao esquecimento é indicado como sendo um novo direito personalíssimo (BATISTA FILHO; ALEXANDRIA, 2022). Para Maldonado (2017) o direito ao esquecimento possui uma conotação contemporânea de alta relevância rumo a proteção dos direitos personalíssimos. Poujol (2018) destaca que o direito ao esquecimento foi mencionado pela primeira vez na França, pela Comissão Nacional de Informática e das Liberdades, no ano de 1988, como uma garantia de remoção de informações pretéritas contidas em “memórias de computadores” que provocam danos para a dignidade humana dos indivíduos.

Tartuce (2022) elucida que, apesar de não ser reconhecido expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, o direito ao esquecimento foi reconhecido como um direito personalíssimo pelo Enunciado n. 531 do CJF/STJ da VI Jornada de Direito Civil de 2013. O Enunciado n. 531 do CJF/STJ/2013 destaca que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Indo além, apresenta como justificativa a seguinte menção jurisprudencial, abaixo apresentada na sua íntegra:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (STJ – ENUNCIADO N. 531, 2013, s.p.). (grifos meus)

Da leitura dos grifos acima aplicados pode-se compreender que o direito ao esquecimento tem como fonte geradora as novas tecnologias da informação que, para Maldonado (2017), produzem interferências significativas nas relações humanas. Interferências estas que podem dispor da lembrança de fatos pretéritos veiculados a um determinado indivíduo de forma nociva, afetando assim direitos personalíssimos por ele tutelados, o que faz emergir o tal direito ao esquecimento (VALENTE, 2017).

A doutrina de Tartuce (2022, p. 245) destaca ainda o Enunciado n. 576. Da VII Jornada de Direito Civil, do CNJ, de 2015, para destacar a menção jurisprudencial que diz que “o direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória”. Destaca então o referido doutrinador que, diante de tal entendimento, “nos termos do art. 12 do Código Civil, cabem medidas de tutela específica para evitar a lesão a esse direito, sem prejuízo da reparação dos danos suportados pela vítima” (TARTUCE, 2022, p. 245). Mais uma vez, os indicativos doutrinários e jurisprudenciais evidenciam a vinculação do direito ao esquecimento com os direitos personalíssimos.

De acordo com Schreiber (2018) o direito ao esquecimento é comumente associado ao direito de privacidade. O autor chama atenção para o errôneo entendimento de que tal direito traz o fundamento de esquecer fatos pretéritos e, assim, destaca na íntegra da sua doutrina a seguinte concepção:

O nome “direito ao esquecimento” induz em erro: não se trata de exigir o esquecimento de fatos pretéritos nem de apagar o passado ou reescrever a História. O direito ao esquecimento deve ser visto não como direito a eliminar dados históricos (o nome esquecimento é, por isso mesmo, a rigor, impróprio), mas como direito da pessoa humana de se defender contra uma recordação opressiva de fatos pretéritos que podem minar a construção e reconstrução da sua identidade pessoal, apresentando-a à sociedade sob falsas luzes (sotto falsa luce), de modo a fornecer ao público uma projeção do ser humano que não corresponde à sua realidade atual (SCHREIBER, 2018, p. 227). (grifos meus)

Trata-se então do direito de desvinculação de notícias pretéritas que denotem afirmações incabíveis na atual realidade social experimentada por um indivíduo, as quais possam minorar as chances de uma convivência social digna (MALDONADO, 2017). Colnago e Amaral (2018) destacam que tal direito originou-se no século XXI, como um reflexo-resposta ao uso dos direitos de liberdade de informação e de imprensa. Isto porque, com o advento de novas tecnologias, as informações contemporâneas podem perdurar nas mídias informativas por longos períodos, podendo assim serem revividas, relembradas e, em muitos casos, provocarem danos aos direitos personalíssimos dos sujeitos que integram as informações como alvo principal (BATISTA FILHO; ALEXANDRIA, 2022). 

Schreiber (2018) informa que a nova sociedade da informação e tecnológica produziu deu margem aos novos contornos aplicados ao direito ao esquecimento. Sociedade essa que, diante da percepção de não absolutismo dos direitos, não pode ser assistida pela extensão ilimitada dos efeitos dos direitos de liberdade de informação, de liberdade de imprensa, de acesso à informação e de memória, todos constitucionais, mas que devem encontrar clara limitação quanto afetam a demais garantias também constitucionalizadas (MALDONADO, 2017).

3.1 CONTORNOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E TECNOLÓGICA 

Com a evolução tecnológica inúmeras mudanças foram sentidas no meio social, numa dimensão irrestrita de caráter mundial (MALDONADO, 2017). Batista Filho e Alexandria (2022) destacam que a liberdade de informação e de imprensa foram direitos que tiveram seus efeitos consideravelmente estendidos pelos novos canais midiáticos informacionais. Ou seja, uma dimensão informacional que antes era territorialidade, ganhou uma descentralização territorial por meio dos canais de mídias digitais ora existentes (NUNES; SANTOS; MARTINI, 2020).

Silva e Carvalho (2017) indicam que a nova sociedade passou a aderir a novos comportamentos, possibilitados pelas interações estabelecidas no ambiente virtual, gerando assim preditores de impactos aos direitos personalíssimos. Isto porque, conforme indicado por Maldonado (2017), repercussões dos direitos de liberdade de informação e liberdade de imprensa podem surtir efeitos nocivos aos direitos da personalidade, os quais carecem de proteção em vida e também no post mortem, conforme assegurado pela ordem constitucional vigente. 

Divino e Siqueira (2017) consideram a evolução tecnológica um cenário incontrolável e incessável, dispondo de inúmeros benefícios para a ordem social. No mesmo passo, é preciso reconhecer que:

[…] nem todos os conteúdos informativos expostos na internet possuem e detém uma relevância social para com o que está sendo divulgado.  Várias são as notícias que são consideradas “ultrapassadas” pela sociedade informativa e só vêm à tona para atingir ou garantir interesses de certos indivíduos, independentemente dos seus resultados, sejam benéficos ou maléficos. Neste sentido, o direito ao esquecimento surge como modo de tutela da memória individual para regrar a difusão dessas informações que não possuem caráter social-informativo, mas, pelo contrário, apenas atingem e geram danos a uma determinada pessoa (DIVINO; SIQUEIRA, 2017, p. 219). (grifos meus)

Sob a luz dos entendimentos providos pelos grifos acima aplicados, pode-se compreender que a liberdade de informação e de imprensa no ambiente virtual da sociedade da informação e da tecnológica pode produzir danos nocivos à memória individual (DIVINO; SIQUEIRA, 2017). Como indicado por Tartuce (2022) nenhum direito é absoluto, portanto, não se pode sobrepor a memória coletiva aos danos que atingem a memória individual de um certo indivíduos, provocando-lhes sofrimento e prejuízos perante a ordem social.

Schreiber (2018, p. 227) planifica alguns contornos do direito ao esquecimento na sociedade da informação e tecnológica, mencionando que:

Tecnicamente, o direito ao esquecimento é, portanto, um direito (a) exercido necessariamente por uma pessoa humana; (b) em face de agentes públicos ou privados que tenham a aptidão fática de promover representações daquela pessoa sobre a esfera pública (opinião social), incluindo veículos de imprensa, emissoras de TV, fornecedores de serviços de busca na internet etc.; (c) em oposição a uma recordação opressiva dos fatos, assim entendida a recordação que se caracteriza, a um só tempo, por ser desatual e recair sobre aspecto sensível da personalidade, comprometendo a plena realização da identidade daquela pessoa humana, ao apresentá-la sob falsas luzes à sociedade.

Portanto, o direito ao esquecimento na sociedade da informação e da tecnologia assume contornos dirimidos pelo condão de proteção aos direitos individuais, personalíssimos, que podem ser atingidos por notícias maliciosas, divulgadas em períodos pretéritos, mas que possam vir à tona para afetar a dignidade destes indivíduos no meio social (BATISTA FILHO; ALEXANDRIA, 2017). Danos estes que, para Schreiber (2018) violam não apenas as garantias individuais, como também a própria ordem constitucional vigente, sob a afetação de direitos protegidos por cláusulas pétreas.

3.1.1 Danos produzidos pela massificação da informação aos direitos personalíssimos

Numa sociedade que se transmuta de um ambiente totalmente físico para o digital, a ruptura dos limites de uma dimensão contribuiu para experienciar de forma altamente significativa os efeitos produzidos pelas condutas materializadas em tal meio (VIEGAS, 2022). Maldonado (2017) destaca que é justamente a massificação irrestrita possibilitada pelas mídias digitais que contribui para a reverberação acentuada dos efeitos produzidos pelos alcances das informações divulgadas. Isto porque, não há barreiras para o alcance das informações, sendo elas acessíveis por quaisquer sujeitos, em quaisquer lugares do planeta, podendo ainda serem relembradas a qualquer tempo, independente do período da sua divulgação (DIVINO; SIQUEIRA; 2017).

Teffé e Barletta (2016) informam que, no que diz respeitos aos danos produzidos pela massificação das informações sobre os direitos personalíssimos, é preciso considerar três questões relevantes, a primeira é a publicidade irrestrita do acesso a tais informações, a segunda é a dimensão do alcance dos efeitos produzidos por tais informações – sendo ela ilimitada e a terceira é a reverberação quase que vitalícia destes efeitos sobre o ímpeto da dignidade dos indivíduos que figuram como alvos. 

Ao observar tais questões, é possível ter noção do teor de nocividade dos danos produzidos (VIEGAS, 2022). Divino e Siqueira (2017) pontuam que a disseminação em massa das informações pode produzir danos nocivos para alguns direitos personalíssimos, a exemplo dos direitos à imagem, ao nome, à privacidade e à honra. Teffé e Barletta (2016) indicam que os piores danos reverberam de forma negativa sobre o direito à privacidade.

Nunes, Santos e Martini (2020) destacam no estudo por eles produzido que é comum a veiculação de casos pretéritos por reportagens atuais, o que por vezes acaba expondo indivíduos de forma desnecessária. Exemplificando, os autores destacam o caso da reportagem produzida pela Rede Globo, sobre a Chacina da Candelári, a qual expôs o nome de todos envolvidos no caso, incluindo o nome do suposto demandante da ação, o qual já havia sido absolvido por júri popular. Situação essa que, para Nunes, Santos e Martini (2020), incorre em prejuízos graves contra o nome, à imagem e a honra do indivíduo, sendo então cabível a proteção do direito ao esquecimento.

Como mencionado por Tartuce (2022) o direito ao esquecimento possui vinculação com os direitos de liberdade de informação, de liberdade de imprensa e de memória tecnológica ou histórica. Para Schreiber (2018) há de se haver ponderação entre tais direitos, uma vez que não há absolutismo, mas também são sendo admitidos qualquer tipo de cerceamento a tais liberdades. Espera-se então que o julgador seja capaz de ponderar as decisões diante de conflitos que envolvam tais garantias (SARLET, 2018).

3.2 VINCULAÇÃO COM OS DIREITOS DE LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, DE IMPRENSA E DE MEMÓRIA HISTÓRICA/TECNOLÓGICA

Muitos direitos integram o rol das denominadas garantias fundamentais e humanas, dentre eles o direito de liberdade, o qual se ramifica em diferentes tipos, incluindo as liberdades de informação e de imprensa (FUJITA; BARRETO JR., 2020). Tais direitos são garantias constitucionais, as quais se atêm para efeitos de normas internacionais que integram-nas ao rol de garantias vinculadas com a pessoa humana, na plenitude da sua dignidade (RUARO; MACHADO, 2017).

Fujita e Barreto Jr. (2020) conceituam tais direitos como: a – liberdade de informação, diz respeito a garantia de prestar informações de interesse público; b – a liberdade de imprensa, nada mais é, do que a garantia de noticiar pelos veículos admissíveis as informações, tornando-as públicas, tendo acesso aos meios necessários. Por sua vez, Nunes, Santos e Martini (2020) afirmam que do direito de liberdade de informação, nasce o direito de acesso à informação, o qual assegura que todos possuam acesso às informações de interesse privado e/ou público.

Falar em direito de memória histórica nos dias atuais, é reconhecer o direito de memória tecnológica, uma vez que as informações pretéritas de interesse público são armazenadas em computadores, estando à disposição da sociedade via consultas digitais (MARTINS, 2020). Tal direito, de acordo com Fujita e Barreto Jr. (2020), assegura que as memórias de interesse público sejam preservadas e possam ser acessadas pelos sociais. 

Todas essas garantias possuem respaldo constitucional, mas não possuem permissividades para produzirem efeitos irrestritos (TARTUCE, 2020). Sarlet (2018) informa que é justamente no caráter de não absolutismo que coexiste a imposição dos limites aos direitos fundamentais e humanos, de modo que estes não interfiram de forma negativa em demais direitos individuais e coletivos. O que leva Teffé e Barletta (2016) a destacarem que o direito ao esquecimento visa então proteger os direitos personalíssimos de possíveis abusos no uso dos direitos de informação e de imprensa, não podendo os danos produzidos serem justificados por razão de manutenção do direito de memória histórica/tecnológica (FUJITA; BARRETO JR., 2020).

Schreiber (2018) informou em sua doutrina que a matéria ainda não estava resolvida no âmbito da jurisprudência nacional, reverberando assim inúmeras dúvidas quanto ao acolhimento do direito ao esquecimento como um direito personalíssimo. Todavia, o apreço da questão já tramitou nos tribunais superiores, havendo então entendimentos pacificados pelo STF e STJ, mas que ainda são assistidos de questionamentos (TARTUCE, 2022). De acordo com Sarlet (2018) compreender a admissibilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro é remontar a observação de indicativos doutrinários, legais e jurisprudenciais que contribuam para evidenciam o seu possível (in) cabimentos na ordem jurídica brasileira, sem deixar de lado a observação dos impactos sociais nocivos para garantias que carecem da proteção deste direito.

4 DIREITO AO ESQUECIMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

Não há uma previsão legal expressa sobre o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, sendo essa uma concepção doutrinária (TARTUCE, 2022). Ruaro e Machado (2017) informam que apesar da não menção específica do direito ao esquecimento no nas normas jurídicas nacionais, é preciso reconhecer que este direito se ramifica de outros que já são expressamente consagrados no ordenamento brasileiro, a exemplo dos direitos de privacidade e de proteção de dados, ambos constitucionalizados.

A própria inserção do direito de proteção de dados no corpo da CF88 é um evento recente, produzido pela superexposição das mídias digitais e pela emergencialidade de se enfatizar a importância de se proteger dados pessoais e sensíveis (MARTINI; BERGSTEIN, 2019). Tal garantia foi inserida no art. 5º, da CF88, pelo inciso LXXIX, pela Emenda Constitucional n. 115 de 2022, dispondo do seguinte texto legal, na íntegra: “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais” (BRASIL, 1988). 

Martini e Bergstein (2019) informam que a proteção de dados atrela-se diretamente com o direito de privacidade e, analogamente, pode-se destacar que a superexposição de dados e informações pessoais viola tais direitos fundamentais, sobre os quais recai os esperados efeitos produzidos pelo direito ao esquecimento. Silva e Carvalho (2017, p. 82) destacam que, nessa finalidade, “o esquecimento se mostra, pois, como primordial para um prosseguimento harmonioso da vida das pessoas. Rememorar fatos que lhes ferem a dignidade é uma barreira à esperança de dias melhores”.

O não reconhecimento expresso do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro decorre da clara colisão de direitos, envolvendo os direitos de liberdade de expressão, de informação e de imprensa, estando de outro lado os direitos da personalidade (SILVA; CARVALHO, 2017). Sobre tal questão, Sarlet (2018, p. 526) destaca que:

[…] embora as dificuldades quanto à sua efetividade em termos práticos, o direito ao esquecimento pode e mesmo deve ser reconhecido, também no caso brasileiro, como um direito fundamental implícito e vinculado à proteção da dignidade humana e dos direitos de personalidade.

Para a doutrina e própria jurisprudência, o direito ao esquecimento vincula-se com a dignidade da pessoa humana, condição essa que o torna relevante na esteira da busca pela proteção dos direitos da personalidade diante da exacerbada exposição das notícias em ambientes virtuais (VIEGAS, 2022). O reconhecimento da sua vinculação com a dignidade humana, de acordo com Sarlet (2018), deve ser critério de ponderação para que haja uma determinação do alcance dos seus efeitos, na busca pela proteção dos direitos personalíssimos sem atingir as demais garantias de liberdades de informação e de imprensa.

4.1 VINCULAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO COM A DIGNIDADE

Para um ordenamento jurídico lastreado pelo fundamento da dignidade da pessoa humana, têm-se a finalidade de alcance da efetivação das normas jurídicas nos casos fáticos em observância inegociável da manutenção de tal dignidade (SARLET, 2018). Schreiber (2018) informa que a proteção dos direitos fundamentais e humanos liga-se diretamente ao alcance da manutenção da dignidade humana. Por outro lado, a violação dos direitos fundamentais e humanos atinge diretamente tal dignidade (RUARO; MACHADO, 2017).

É sabido da não aceitação de cerceamento injustificável dos direitos fundamentais e humanos, sob risco de violação constitucional (SILVA; CARVALHO, 2017). Todavia, como destacado por Sarlet (2018) e Tartuce (2022), não se deve conferir aos direitos fundamentais e humanos a condição de absolutos, uma vez que tal condição implicaria em prejuízos para demais direitos constitucionalidade e, de forma reflexa, atingiria de igual modo a dignidade da pessoa humana que tutele os direitos violados.

O ponto de vista deve ser iniciado a partir da análise de um critério de ponderação que se atenha para a proteção da dignidade humana, desta forma, há de se perceber que assim como não se pode obstar as garantias de liberdades de expressão, de informação e de imprensa, não se pode admitir que o uso de tais direitos ocorra de forma nociva, reavivando fatos pretéritos que, de forma irrestritamente divulgada, atinge nocivamente a dignidade humana (MALDONADO, 2017).

Para Batista Filho e Alexandria (2022) é justamente com enfoque na proteção da dignidade dos indivíduos violados, que o direito ao esquecimento visa cessar a continuidade da divulgação de notícias e fatos pretéritos, os quais produzem efeitos que afetam a imagem, o nome, a honra, a privacidade e os dados, minorando assim a qualidade de manutenção da dignidade desses sujeitos no meio social. Se a própria CF88 elenca a dignidade da pessoa humana como um fundamento supremo, as matérias jurídicas postas em casos práticos devem prezar pelo equilíbrio das cessões de direitos, de modo a garantir que não haja danos a tal dignidade, sob riscos de detrimento dos objetivos constitucionais (SARLET, 2018). Tartuce (2022) indica que algumas justificativas científicas, doutrinárias, normativas e jurisprudenciais evidenciam o (in) cabimento do direito ao esquecimento no atual ordenamento jurídico brasileiro.

4.1 JUSTIFICANTES DO (IN) CABIMENTO LEGAL-CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

Para discorrer sobre tais justificantes, é preciso iniciar pela análise dos entendimentos emitidos pelos tribunais superiores. O primeiro a apreciar a matéria, no ano de 2021, foi o STF, no julgamento do Recurso Especial 1010606, no qual a colenda corte suprema emitiu o seguinte entendimento:

EMENTA: Recurso extraordinário com repercussão geral. Caso Aída Curi. Direito ao esquecimento. Incompatibilidade com a ordem constitucional. Recurso extraordinário não provido. 1. Recurso extraordinário interposto em face de acórdão por meio do qual a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento a apelação em ação indenizatória que objetivava a compensação pecuniária e a reparação material em razão do uso não autorizado da imagem da falecida irmã dos autores, Aída Curi, no programa Linha Direta: Justiça. 2. Os precedentes mais longínquos apontados no debate sobre o chamado direito ao esquecimento passaram ao largo do direito autônomo ao esmaecimento de fatos, dados ou notícias pela passagem do tempo, tendo os julgadores se valido essencialmente de institutos jurídicos hoje bastante consolidados. A utilização de expressões que remetem a alguma modalidade de direito a reclusão ou recolhimento, como droit a l’oubli ou right to be let alone, foi aplicada de forma discreta e muito pontual, com significativa menção, ademais, nas razões de decidir, a direitos da personalidade/privacidade. Já na contemporaneidade, campo mais fértil ao trato do tema pelo advento da sociedade digital, o nominado direito ao esquecimento adquiriu roupagem diversa, sobretudo após o julgamento do chamado Caso González pelo Tribunal de Justiça Europeia, associando-se o problema do esquecimento ao tratamento e à conservação de informações pessoais na internet. 3. Em que pese a existência de vertentes diversas que atribuem significados distintos à expressão direito ao esquecimento, é possível identificar elementos essenciais nas diversas invocações, a partir dos quais se torna possível nominar o direito ao esquecimento como a pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtuais, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante. 4. O ordenamento jurídico brasileiro possui expressas e pontuais previsões em que se admite, sob condições específicas, o decurso do tempo como razão para supressão de dados ou informações, em circunstâncias que não configuram, todavia, a pretensão ao direito ao esquecimento. Elas se relacionam com o efeito temporal, mas não consagram um direito a que os sujeitos não sejam confrontados quanto às informações do passado, de modo que eventuais notícias sobre esses sujeitos – publicadas ao tempo em que os dados e as informações estiveram acessíveis – não são alcançadas pelo efeito de ocultamento. Elas permanecem passíveis de circulação se os dados nelas contidos tiverem sido, a seu tempo, licitamente obtidos e tratados. Isso porque a passagem do tempo, por si só, não tem o condão de transmutar uma publicação ou um dado nela contido de lícito para ilícito. 5. A previsão ou aplicação do direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão. Um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisa estar previsto em lei, de modo pontual, clarividente e sem anulação da liberdade de expressão. Ele não pode, ademais, ser fruto apenas de ponderação judicial. 6. O caso concreto se refere ao programa televisivo Linha Direta: Justiça, que, revisitando alguns crimes que abalaram o Brasil, apresentou, dentre alguns casos verídicos que envolviam vítimas de violência contra a mulher, objetos de farta documentação social e jornalística, o caso de Aida Curi, cujos irmãos são autores da ação que deu origem ao presente recurso. Não cabe a aplicação do direito ao esquecimento a esse caso, tendo em vista que a exibição do referido programa não incorreu em afronta ao nome, à imagem, à vida privada da vítima ou de seus familiares. Recurso extraordinário não provido. 8. Fixa-se a seguinte tese: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível” (RE 1010606, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-096  DIVULG 19-05-2021  PUBLIC 20-05-2021). (grifos meus)

Da leitura da íntegra da ementa, com enfoque nos grifos aplicados, pode-se perceber que o STF reconhece a existência de um direito ao esquecimento, mas não o admite para a mera remoção de notícias e/ou informações tendo apenas o critério de decurso temporal. Desta forma, o tribunal passou a entender que para que o direito ao esquecimento possa surtir efeitos, além do decurso temporal, é preciso que as informações possuam condão ilícito, provocando assim danos para direitos personalíssimos do indivíduo, tese essa já mencionada pela própria doutrina (STF, 2021). 

Schreiber (2018) indica que o direito ao esquecimento deve ser invocado por uma pessoa natural, contra uma reportagem noticiada por mídia televisiva ou similares, valendo-se do decurso temporal para requerer a retirada das informações que provoquem danos aos direitos de personalidade do indivíduo. De igual forma, Tartuce (2022) reafirma tal entendimento, destacando que para que seja possível a limitação dos direitos de liberdades de expressão, de informação e de imprensa, bem como o cerceamento dos direitos de acesso à informação e à memória, por meio do uso do direito ao esquecimento, as informações divulgadas devem provocar danos para a dignidade dos sujeitos.

O mesmo entendimento emitido pelo STF, foi reforçado pelo STJ no ano de 2021, que ao julgar o Recurso Especial n. 1.961.581/MS, inclinou-se em acolher a “incompatibilidade do direito ao esquecimento com o ordenamento jurídico brasileiro. Na oportunidade, o referido tribunal acolheu o recurso interposto pela parte ré, sob a pretensão de reconhecimento do não cabimento do direito ao esquecimento, emitindo a seguinte ementa decisiva ao caso:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MATÉRIA JORNALÍSTICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXCLUSÃO DA NOTÍCIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. NÃO CABIMENTO. 1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 29/06/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 13/10/2020 e concluso ao gabinete em 19/08/2021. 2. O propósito recursal é definir se a) houve negativa de prestação jurisdicional e b) o direito ao esquecimento é capaz de justificar a imposição da obrigação de excluir matéria jornalística. 3. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, solucionar integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 4. O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. A esse respeito, a jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, a saber: (i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Ou seja, o exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os direitos da personalidade do indivíduo noticiado. 5. Em algumas oportunidades, a Quarta e a Sexta Turmas desta Corte Superior se pronunciaram favoravelmente acerca da existência do direito ao esquecimento. Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo, ponderou-se que o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada). Ocorre que, em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal definiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal (Tema 786). Assim, o direito ao esquecimento, porque incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos. 6. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 1.961.581/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021). (grifos meus)

Com máxima vênia, sob a observância dos grifos acima aplicados, há de se questionar a incompatibilidade aplicada ao direito ao esquecimento em linhas constitucionais. Pois, como sustentado por Sarlet (2018), é pretensão constitucional a busca pelo equilíbrio entre os direitos fundamentais e humanos, não havendo absolutismo entre um ou outro. O critério de ponderação deve prevalecer para então assegurar a manutenção da dignidade humana, fundamento maior da ordem constitucional do país (RUARO; MACHADO, 2017). Deste modo, a incompatibilidade do direito ao esquecimento deve ser revista, uma vez que o mesmo é compatível com a pretensão de defesa dos direitos personalíssimos (SARLET, 2018).

De certo, os direitos de liberdade de expressão, de informação e de imprensa, bem como outros correlatos – como os direitos de acesso à informação e de memória – não podem ser frustrados pela mera admissibilidade do direito ao esquecimento (FUJITA; BARRETO JR., 2020). É esse o entendimento de Bueno e Zanin (2021), que sustentam que, no Brasil, o direito ao esquecimento só pode ser constitucional quando aplicado em defesa da proteção de dados, não podendo falar-se em constitucionalidade quando tal direito busca ofuscar as liberdades de expressão, de informação e de imprensa. 

Mas, Tartuce (2022) levanta a bandeira de que, diante do valor dos direitos personalíssimos, não se pode ofuscar os efeitos de um direito ao esquecimento que visa cessar danos providos por notícias maléficas para a dignidade dos sujeitos. Assim, o doutrinador é adepto do critério de ponderação, destacam que:

[…] o grande desafio relativo ao chamado direito ao esquecimento diz respeito à amplitude de sua incidência, com o fim de não afastar o direito à informação e à liberdade de imprensa. […] Na minha opinião doutrinária, e respeitando a posição em contrário, a ponderação é um mecanismo argumentativo de grande relevo para a solução das problemáticas atuais mais complexas. Não restam dúvidas de que esse relevante artifício de lógica jurídica é associado à visão civil-constitucional do sistema, pois é a partir da Constituição Federal que são resolvidos problemas essencialmente privados (TARTUCE, 2022, p. 249-250). (grifo meu)

Ao valer-se do direito comparado, Colnago e Amaral (2018) informam que o Brasil deve observar a ponderação dada por alguns países para a admissão do direito ao esquecimento, não admitindo de forma absoluta como ocorre nos Estados Unidos, mas de modo equilibrado, prezando pela manutenção da dignidade humana. Indicativo este que se atrela perfeitamente com a consideração doutrinária sustentada por Tartuce (2022), sendo então a ponderação um artifício admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro e que pode pacificar de forma mais adequa a admissão de um direito ao esquecimento, uma vez que este produz efeitos benéficos aos direitos personalíssimos e, por isso, não deve ser considerado incompatível com uma ordem constitucional que zela pela protetividade igualitária e ponderada dos direitos positivados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados pela pesquisa contribuíram para responder ao problema de investigação, destacando dois pontos relevantes, a serem informados: a – pelo entendimento jurisprudencial, o direito ao esquecimento é incompatível com o atual ordenamento jurídico brasileiro; b – pelo entendimento científicos e doutrinário, com vistas para as normas constitucionais, o direito ao esquecimento é plenamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que protege os direitos personalíssimo, sendo cabível a aplicação do critério de ponderação.

Em atendimento ao primeiro objetivo de pesquisa, os resultados evidenciaram que a constitucionalização do Direito Civil, aplicou maior valorização aos direitos privados, individuais, como os direitos personalíssimos, transformando-os em direitos fundamentais e humanos, sob proteção de cláusulas pétreas. Além disso, o evento da constitucionalização aplica sobre tais direitos a necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana.

No que diz respeito ao segundo objetivo da pesquisa, por meio dos resultados levantados foi possível reconhecer que o direito ao esquecimento possui um condão de atendimento à manutenção da dignidade da pessoa humana, uma vez que visa proteger os direitos personalíssimos de danos produzidos por notícias vinculadas aos canais de mídias contemporâneos e que, de certo modo, possuam capacidade de interferir de forma nociva sobre tais garantias, afetando assim a dignidade social dos indivíduos.

Com relação ao terceiro objetivo de pesquisa, foi possível verificar através dos resultados que a jurisprudência do STF e do STJ entende pela incompatibilidade do direito ao esquecimento com a constituição vigente, uma vez que não se pode limitar os direitos de liberdades de expressão, de informação e de imprensa, ainda mais pela única utilização do critério de decurso temporal. Todavia, ao analisar os indicativos de autores científicos renomados, como Sarlet (2018) e outros, de autores doutrinários e normativos, há de se discordar, uma vez que o entendimento de não absolutismo dos direitos fundamentais e humanos coexistem.

 De modo a sanar o conflito entre direitos fundamentais e humanos, os resultados indicaram o critério de ponderação – admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro – como válido para pacificar a matéria, uma vez que o direito ao esquecimento é compatível com a pretensão de defesa dos direitos personalíssimos.

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1 Autora do artigo científico. E-mail: giliannems@gmail.com