REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8106243
Lígia Padovani do Nascimento
RESUMO: A Constituição Brasileira de 1988, criou o conceito de Seguridade Social, composto por três esferas: Saúde, Previdência e Assistência Social. Na Saúde foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS). Criaram-se as bases legais para garantir a saúde como direito de cidadania e dever do Estado. Com a Seguridade Social está garantida a universalidade dos cidadãos às ações e aos serviços de saúde. Do ponto de vista do desenvolvimento do arcabouço jurídico-institucional, este foi um dos maiores avanços de política social no Brasil na sua história recente. O SUS norteia-se por princípios doutrinários (expressam ideias filosóficas) e organizativos (refere-se ao funcionamento do sistema). Os princípios doutrinários são: a universalidade, a equidade e a integralidade da atenção. Os princípios organizativos incluem: a descentralização, a regionalização e hierarquização do sistema, a participação e o controle social. O objetivo deste trabalho foi descrever os princípios e diretrizes do SUS e verificar o direito à saúde na Constituição Federal do Brasil de 1988. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada pela internet por meio dos bancos de dados LILACS e SciELO, publicados nos últimos 10 anos. Conclui-se, que a partir desse trabalho possa trazer mais luz para a compreensão da organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde.
Palavras-chave: Direito à saúde, Política de saúde e Sistema de saúde.
INTRODUÇÃO
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido analisada como relevante inovação institucional no campo das políticas sociais, empreendida sob o regime democrático. Na Constituição Federal, promulgada em 1988, afirmou-se a importância de promover a saúde como direito fundamental de cidadania, cabendo ao Estado a obrigação de garanti-la a todos os cidadãos. Sob o preceito constitucional “saúde direito de todos e dever do Estado” defendeu-se a assistência médico-sanitária integral e de caráter universal, com acesso igualitário dos usuários aos serviços, sendo estes hierarquizados e a sua gestão descentralizada.
Estabeleceu-se que as ações de saúde deveriam estar submetidas a organismos do executivo com representação paritária entre usuários e demais representantes – do governo, nas suas diversas instâncias, dos profissionais de saúde e dos prestadores de serviços, incluindo-se os do setor privado. Firmaram-se os princípios norteadores do SUS: universalidade; integralidade; participação e descentralização. (MAIO; LIMA, 2009)
Constituição Federal de 1988, artigo 196, diz que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. Este é o princípio que norteia o SUS, Sistema Único de Saúde.
Em sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É, assim, antes de tudo o resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.(BRASIL, 1986)
A compreensão da saúde por meio do seu conceito ampliado é historicamente recente. Ela se desenvolveu em diversos países da América Latina, em um contexto sócio-político de luta por direitos entre os anos 1970 e 1980, contrapondo-se às concepções de saúde centradas na doença.(BATISTELA, 2007)
Destarte, é importante destacar que por conceito ampliado de saúde compreende-se o processo saúde-doença como produto da interação de diversas dimensões, como a biológica, a psicológica, a econômica, a cultural, a social, a individual, a coletiva, entre outras7. Assim, determinados grupos seriam mais vulneráveis ao adoecimento do que outros, quando se leva em conta suas condições de vida, em decorrência dos chamados determinantes sociais da saúde. Esses determinantes põem em evidência a complexidade inerente ao campo da saúde, bem como as diferentes dimensões que a circunscrevem. Logo, a partir do conceito ampliado da saúde, o objeto das suas práticas ultrapassa a doença, envolve diferentes equipes de profissionais e agrega conhecimentos de diferentes disciplinas, em um processo interdisciplinar e interprofissional.
O direito à saúde é reconhecido, em leis nacionais e internacionais, como um direito fundamental que deve ser garantido pelos Estados aos seus cidadãos, por meio de políticas e ações públicas que permitam o acesso de todos aos meios adequados para o seu bem-estar. O direito à saúde implica, também, prestações positivas, incluindo a disponibilização de serviços e insumos de assistência à saúde, e tendo, portanto, a natureza de um direito social, que comporta uma dimensão individual e outra coletiva em sua realização. A trajetória do reconhecimento do direito à saúde como relativo à dignidade humana e, consequentemente, sua incorporação nas leis, políticas públicas e jurisprudências, espelham as tensões e percepções sobre as definições de saúde e doença, de como alcançar este Estado de bem-estar, e quais os direitos e responsabilidades dos cidadãos e dos Estados.(VENTURA et al, 2010)
DESENVOLVIMENTO
Os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) constituem as bases para o funcionamento e organização do sistema de saúde em nosso país, afirmando direitos conquistados historicamente pelo povo brasileiro e o formato democrático, humanista e federalista que deve caracterizar sua materializa-o.
Neste sentido, os princípios e diretrizes do SUS devem ser compreendidos a partir de uma perspectiva histórica e epistemológica, constituindo-se como um produto resultante de um processo político e que expressa concepções sobre saúde e doença, direitos sociais, gestão as relações entre as esferas de governo do país, entre outros. (MATTA, 2007)
Assim, o SUS tem como base um núcleo comum seguindo os princípios doutrinários, e uma forma de organização e operacionalização fundamentados em princípios organizativos. Dentre os princípios doutrinários tem-se: a universalidade na qual a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, assim o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independente do sexo, raça, renda, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. Já o princípio da equidade tem como objetivo diminuir desigualdades, respeitando as diferenças pessoais, investindo mais onde a carência é maior. A equidade é um princípio da justiça social. O princípio da integralidade significa considerar a pessoa como um todo, atendendo a todas as suas necessidades, integrando ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a realização do mesmo. (DA SILVA FLORES,2009)
Quanto aos princípios organizativos/diretrizes do SUS temos: a diretriz da descentralização corresponde a distribuição de poder político, de responsabilidades e de recursos da esfera federal para a estadual e municipal. Ou seja, estamos falando de uma “desconcentração” do poder da União para os estados e municípios, tendo como objetivo a consolidação dos princípios e diretrizes do SUS. Em cada esfera de governo há uma direção do SUS: na União, o Ministério da Saúde; nos estados e distrito federal, as secretarias estaduais de saúde ou Órgão equivalente; e nos municípios, as secretarias municipais de saúde.
A lei 8.080/90 dispõe sobre a necessidade de regionalização e hierarquização da rede de serviços. Essa diretriz diz respeito a uma organização do sistema que deve focar a noção de território, onde se determinam perfis populacionais, indicadores epidemiológicos, condições de vida e suporte social, que devem nortear as ações e serviços de saúde de uma região. Essa concepção aproxima a gestão municipal dos problemas de saúde, das condições de vida e da cultura que estão presentes nos distritos ou regiões que compõem o município. A lógica proposta é: quanto mais perto da população, maior será a capacidade de o sistema identificar as necessidades de saúde e melhor ser· a forma de gestão do acesso e dos serviços para a população.
A regionalização deve ser norteada pela hierarquização dos níveis de complexidade requeridos pelas necessidades de saúde das pessoas. A rede de ações e serviços de saúde, orientada pelo princípio da integralidade, deve se organizar desde as ações de promoção e prevenção até as ações de maior complexidade, como recursos diagnósticos, internações e cirurgias.
Outra diretriz é a participação popular que é um dos marcos históricos da Reforma Sanitária brasileira, quando, no final dos anos 70, sanitaristas, trabalhadores da saúde, movimentos sociais organizados e políticos engajados na luta pela saúde como um direito, propunham um novo sistema de saúde tendo como base a universalidade, a integralidade, a participação da comunidade e os elementos que atualmente constituem o arcabouço legal e a organização do SUS. Ao mesmo tempo, a Reforma Sanitária brasileira lutava pela abertura democrática e por um projeto de sociedade mais justo, participativo e equânime, questionando as bases das formas de produção da desigualdade e da opressão no sistema capitalista.
Desde então, a participação da comunidade tornou-se uma diretriz da forma de organização e operacionalização do SUS em todas as suas esferas de gestão confundindo-se mesmo com um princípio, constando do texto constitucional como uma das marcas identitárias do sistema ao lado da universalidade, integralidade e descentralização.(MATTA, 2007)
Por meio dos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde, ocorre a participação da comunidade na fiscalização e condução das políticas públicas de saúde, que refere ao controle social. No Sistema Único de Saúde (SUS), os estados, Distrito Federal e os municípios possuem autonomia na gestão dos recursos e na implantação e implementação das ações de saúde, baseadas nas diretrizes e normas do Ministério da Saúde e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).
A partir do conceito ampliado de saúde compreende-se o processo saúde-doença, que está diretamente atrelado à forma como o ser humano, no decorrer de sua existência, foi se apropriando da natureza para transformá-la, buscando o atendimento às suas necessidades. Representa o conjunto de relações e variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico da humanidade. Dessa forma, na sociedade existem comunidades, famílias e indivíduos com maior probabilidade do que outros de apresentarem problemas de saúde, acidentes, morte prematura; em contrapartida, há os que apresentam maior probabilidade de apresentarem boas condições de saúde. A atuação do profissional frente às piores condições de pobreza, se caracteriza pela produção do conhecimento que propiciará intervenção sobre as relações entre as variáveis que constituem as condições de saúde, de forma a alterá-las para melhor.
Quanto ao direito à saúde, a sociedade brasileira, especialmente durante a década originada em 1980, tem adquirido a consciência de seu direito à saúde. Tanto aqueles milhões de pessoas ainda completamente à margem do mercado consumidor, quanto as elites econômico-sociais têm reivindicado a garantia do direito à saúde. Ninguém tem dúvida de que o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, quando enumera a saúde como uma das condições necessárias à vida digna, está reconhecendo o direito humano fundamental à saúde. Também os profissionais ligados à área da saúde vêm exigindo do governo brasileiro a proteção, promoção e recuperação da saúde como garantia do direito essencial do povo. Todavia, para que tal direito seja realmente garantido é necessário que se compreenda claramente o significado do termo “direito à saúde”.
O termo é empregado com seu sentido de direito subjetivo na reivindicação do “direito à saúde”. Todavia, a referência à regra de direito vista por dentro implica necessariamente a compreensão do direito como regras do comportamento humano em sociedade. De fato, as normas jurídicas representam as limitações às condutas nocivas para a vida social. Assim sendo, a saúde, definida como direito, deve inevitavelmente conter aspectos sociais e individuais. (DALLARI, 1988)
Observado como direito individual, o direito à saúde privilegia a liberdade em sua mais ampla acepção. As pessoas devem ser livres para escolher o tipo de relação que terão com o meio ambiente, em que cidade e que tipo de vida pretendem viver, suas condições de trabalho e, quando doentes, o recurso médico-sanitário que procuraram, o tipo de tratamento a que se submeterão entre outros. Note-se, porém, que ainda sob a ótica individual o direito à saúde implica a liberdade do profissional de saúde para determinar o tratamento. Ele deve, portanto, poder escolher entre todas as alternativas existentes aquela que, em seu entender, é a mais adequada. É óbvio, então, que a efetiva liberdade necessária ao direito à saúde enquanto direito subjetivo depende do grau de desenvolvimento do Estado. De fato, unicamente no Estado desenvolvido socioeconômico e culturalmente o indivíduo é livre para procurar um completo bem-estar físico, mental e social e para, adoecendo, participar do estabelecimento do tratamento.
Examinado, por outro lado, em seus aspectos sociais, o direito à saúde privilegia a igualdade. As limitações aos comportamentos humanos são postas exatamente para que todos possam usufruir igualmente as vantagens da vida em sociedade. Assim, para preservar-se a saúde de todos é necessário que ninguém possa impedir outrem de procurar seu bem-estar ou induzi-lo a adoecer. Essa é a razão das normas jurídicas que obrigam à vacinação, à notificação, ao tratamento, e mesmo ao isolamento de certas doenças, à destruição de alimentos deteriorados e, também, ao controle do meio ambiente, das condições de trabalho. A garantia de oferta de cuidados de saúde do mesmo nível a todos que deles necessitam também responde à exigência da igualdade. É claro que enquanto direito coletivo, a saúde depende igualmente do estágio de desenvolvimento do Estado. Apenas o Estado que tiver o seu direito ao desenvolvimento reconhecido poderá garantir as mesmas medidas de proteção e iguais cuidados para a recuperação da saúde para todo o povo.
O direito à saúde ao apropriar-se da liberdade e da igualdade caracteriza-se pelo equilíbrio instável desses valores. A história da humanidade é farta de exemplos do movimento pendular que ora busca a liberdade, ora a igualdade. Os homens sempre tiveram a consciência de que para nada serve a igualdade sob o jugo do tirano e de que a liberdade só existe entre iguais. Tocqueville13, compreendendo as causas profundas do movimento pendular da história, entendendo que a liberdade é um processo, um objetivo a ser alcançado em cada geração, afirmou: “As nações de hoje em dia não poderiam impedir que as condições fossem iguais em seu seio, mas depende delas que a igualdade as conduza à servidão ou à liberdade, às luzes ou à barbárie, à prosperidade ou às misérias.” Também o direito à saúde será ou não garantido conforme a participação dos indivíduos no processo.
Fica evidente a dificuldade que existe para a garantia do direito quando se considera a amplitude da significação do termo saúde e a complexidade do direito à saúde que depende daquele frágil equilíbrio entre a liberdade e a igualdade, permeado pela necessidade de reconhecimento do direito do Estado ao desenvolvimento. Encontrar o meio de garantir efetivamente o direito à saúde é a tarefa que se impõe de modo iniludível aos atuais constituintes brasileiros. Não basta apenas declarar que todos têm direito à saúde; é indispensável que a Constituição organize os poderes do Estado e a vida social de forma a assegurar a cada pessoa o seu direito. É função de todo profissional ligado à área da saúde contribuir para o debate sobre as formas possíveis de organização social e estatal que possibilitem a garantia do direito à saúde. (DALLARI, 1988)
Considerações Finais
Por todo exposto observa-se a importância do SUS para a população brasileira, seguindo seus princípios e diretrizes, observando o direito à saúde garantido na Constituição Federal de 1988, com a responsabilidade das três esferas de governo e participação e controle social.
Quando o Brasil reconhecer constitucionalmente que todo o povo tem direito à saúde, e que este direito só poderá ser definido e garantido pelo município, então será o início da verdadeira conquista da saúde para todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAIO, M. C.; LIMA, N. T.. Fórum: o desafio SUS: 20 anos do Sistema Único de Saúde. Introdução. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, n. 7, p. 1611–1613, jul. 2009.
Brasil. Ministério da Saúde. VIII Conferência Nacional de Saúde: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 1986.
Batistela C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, Corbo AD, organizadores. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Fiocruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2007. p. 51-86.
VENTURA, M. et al.. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 20, n. 1, p. 77–100, 2010.
Matta, Gustavo Corrêa. “Princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.” EPSJV, 2007.
DA SILVA FLORES, Cezar Augusto. ” Des” construindo paradigmas: histórico organizacional do Sistema Único de Saúde, com observância nas propostas e nos princípios de execução. Saúde Coletiva, v. 6, n. 28, p. 59-62, 2009.
DALLARI, S. G.. O direito à saúde. Revista de Saúde Pública, v. 22, n. 1, p. 57–63, fev. 1988.