REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8102839
Rita Ribeiro Pinheiro Sales
Resumo
O artigo apresenta como premissa conceituar o que é o neoliberalismo e seus reflexos na educação. O contexto mundial marcado pela globalização e pela reestruturação do capitalismo enxerga a educação como um campo estratégico para o desenvolvimento social, econômico e cultural. Decorrente da concepção neoliberalista, a educação entra num campo ideológico que passa valorizar a competitividade, a formação de habilidades e competências específicas, principalmente a individualização. Observa-se essa crescente ideologia a partir das reformas do ensino na década de 90. Neste contexto é imperativo ressaltar que as políticas neoliberais estão em consonância com os acordos internacionais em torno do movimento Educação para todos, cujo marco é a conferência mundial sobre a educação para todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, 1990, sob a tutela do Banco Mundial (BM), do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – (UNESCO) , Organização Mundial do Comércio – (OMC). Diante do exposto, o presente estudo busca apresentar uma reflexão e discussão teórica sobre essas influências neoliberais na educação brasileira. Trata-se de uma revisão bibliográfica, respaldada em literaturas acadêmicas referenciadas que trazem reflexões críticas sobre o assunto pesquisado e cujo os resultados obtidos são concernentes à proposta da pesquisa em questão. Ao final do texto, retoma-se a discussão sobre a necessidade de fundamentar a luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade para todos, embasada nos princípios do estado de direito e da democracia. Entende-se a educação para uma cidadania democrática como patrimônio universal capaz de ajudar na emancipação das pessoas.
Palavras-chave: Educação. Neoliberalismo. Contemporaneidade.
Introdução
A luta pela escola pública obrigatória e gratuita para toda a população tem sido motivos de constantes debates entre os educadores brasileiros, sobressaindo-se a necessidade da universalização do acesso, da permanência e principalmente da qualidade na educação.
A reflexão desenvolvida neste trabalho, parte dessa compreensão de educação, como direito social fundamental, que vem sendo apropriado pelo capital para desenvolver sua plataforma política econômica de gestão e controle.
Para compreender o processo de dependência da educação aos interesses do capital e as mudanças que vêm ocorrendo na educação, é fundamental conhecer as relações da educação diante da reestruturação produtiva, fruto das exigências da política neoliberal. Essa reorganização impacta diretamente várias dimensões educativas, e por isso, torna-se necessário analisar essas relações e suas implicações.
O presente estudo justifica-se pela necessidade de um aprofundamento crítico acerca das reais intenções neoliberais e as repercussões sentidas na educação. O uso da pesquisa bibliográfica se deu por entender que ela é elaborada a partir de material já publicado, com objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com inúmeros materiais já escritos sobre o assunto da pesquisa. (Prodanove e Freitas 2013).
O trabalho é desenvolvido em duas etapas, assim disposto: primeiro conceituar o que é o neoliberalismo e depois quais as influências do neoliberalismo na educação na contemporaneidade, isto posto, encaminha-se para as considerações finais.
O que é o neoliberalismo, quando e como surgiu?
Neoliberalismo é uma corrente política econômica que passou a ser sistematicamente implantada nos países ocidentais em resposta à crise econômica nos anos 70, antes a corrente política dominante era o liberalismo. O capitalismo vive de crise, é na crise que ele se renova, cria novas perspectivas, revitaliza e dá uma guinada, esse novo conceito político e econômico, chamamos de neoliberalismo, que tem como principais características, a não participação do estado nas questões econômicas, livre mercado e desregulamentação da economia.
No livro: Neoliberalismo, de onde vem, para onde vai? O autor assim descreve o histórico do neoliberalismo. O neoliberalismo constitui em uma ideologia, uma nova forma de ver o mundo social, uma corrente de pensamento. Desde o início do século XX podemos ver tudo isso apresentado pelo economista e pensador austríaco Ludwig von Mises (1881-1973). Mas é da chamada “escola austríaca”, o também austríaco Friedrich von Hayek, que terá o papel de líder e patrono da causa. O caminho da servidão, lançado em 1944, pode ser apontado como um manifesto inaugural e documento de referência do movimento neoliberal. Nos anos seguintes, Hayek empenhar-se-ia na organização de uma “Internacional dos neoliberais”, a Sociedade do Mont Pèlerin, fundada na cidade do mesmo nome (na Suíça) numa conferência realizada em 1947. O caminho da servidão é um livro de combate, provocativamente endereçado “aos socialistas de todos os partidos”. Não dirige seu fogo apenas contra os partidários da revolução e da economia globalmente planificada, mas a toda e qualquer medida política, econômica e social que indique a mais tímida simpatia ou concessão para com as veleidades reformistas ou pretensões de fundar uma “terceira via” entre capitalismo e comunismo. Lembremos, de passagem, que se aproximavam as eleições de 1945 na Inglaterra e o Partido Trabalhista, alvo visível de Hayek, preparava-se para ganhá-las (como de fato ganhou). Sublinhamos ainda um traço que seria marcante no fundamentalismo hayequiano: a insistência na necessidade de guardar intactos os princípios da “sociedade aberta”. Daí vem a sua crítica do Estado Providência, tido como destruidor da liberdade dos cidadãos e da competição criadora, bases da prosperidade humana. O liberalismo clássico havia acertado suas baterias contra o Estado mercantilista e as corporações. Os neoliberais procuraram desde logo construir um paralelo com aquela situação, para justificar seu combate e apresentá-lo como a continuação de uma respeitável campanha antiabsolutista. Segundo eles, os inimigos vestiam agora outros trajes, mas revelavam as mesmas taras e perversões. Um desses inimigos era o conjunto institucional composto pelo Estado de bem-estar social, pela planificação e pela intervenção estatal na economia, tudo isso identificado com a doutrina keynesiana. O outro inimigo era localizado nas modernas corporações – os sindicatos e centrais sindicais, que, nas democracias de massas do século XX, também foram paulatinamente integrados nesse conjunto institucional. Além de sabotar as bases da acumulação privada por meio de reivindicações salariais, os sindicatos teriam empurrado o Estado a um crescimento parasitário, impondo despesas sociais e investimentos que não tinham perspectiva de retorno. Para os países latino-americanos, os neoliberais fazem uma adaptação dessa cena: aqui o adversário estaria no modelo de governo gerado pelas ideologias nacionalistas e desenvolvimentistas, pelo populismo… e pelos comunistas, evidentemente.
No âmbito político econômico a crise do capitalismo global vivenciada nos anos 70 onde as discussões acerca do papel do Estado haviam culminado em uma reforma estatal que deu origem ao neoliberalismo.
Neoliberalismo é uma expressão derivada de liberalismo, doutrina de política econômica fundada no século XVIII e XIV que teve orientação básica na intervenção do Estado nas relações econômicas, garantindo total liberdade para que os grupos econômicos, proprietários dos meios de produção pudessem investir a seu modo seus bens. Na perspectiva liberal o Estado deixa de regular a relação entre empregador e trabalhador, entre patrão e empregado. Isso fatalmente conduz as relações de produção a uma situação de completa exploração da classe proprietária sobre a classe despossuída de recursos. (SANTOS, 2010).
Neoliberalismo e Educação
No Brasil, diante dos projetos de sociedade em disputa, a educação tem sido tratada como objeto de subordinação aos interesses do capital, de modo que dois vieses mostram o “caráter explícito desta subordinação, de uma clara diferenciação da educação ou formação humana às classes dirigentes e à classe trabalhadora” (FRIGOTTO, 1995, p.32). Enquanto às elites é destinado o privilégio de uma formação completa e abrangente, às classes populares são destinadas à aprendizagem de saberes básicos e elementares, necessários aos ofícios que irão exercer no mundo do trabalho.
Assim, a educação passa a ser compreendida a partir das determinações sociais, que estão constituídas de relações de poder que se constroem historicamente como um campo social de disputa hegemônica de classes. Essa disputa apresenta-se, por exemplo, na articulação de concepções, na organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola, bem como, nas diferentes dimensões sociais, mediante os interesses de classes (FRIGOTTO, 1995).
Para Neves (2007), a educação e, em específico, a política educacional, em um determinado contexto social concreto, é determinada pela força como se organizam e se estruturam as forças produtivas e das relações de produção e, também, pelo embate provisório das várias posições educacionais em disputa; hegemonia no Estado – em sentido estrito – e, na sociedade civil. A educação escolar no âmbito do capitalismo monopolista pode contribuir tanto para a perpetuação das relações sociais de produção como para transformá-las. O planejamento educacional, portanto, é um campo de tensão entre as mais variadas propostas, tanto da ótica do capital como da classe trabalhadora.
Nessa perspectiva, a educação tem sido regida pelas orientações neoliberais, que buscam fortalecer o sistema capitalista e manter privilégios de uma classe historicamente hegemônica no controle das decisões do país. Ao mesmo tempo, ocorre um processo de resistência por meio de lutas em defesa sistemática da educação pública, gratuita e de qualidade que venha incorporar as políticas públicas educacionais para o país.
Neoliberalismo é o liberalismo reinventado, os fundamentos da desigualdade social são os mesmos, porém charmosamente chamados de exclusão, enfim, a própria categoria ressignificação é um dos alicerces do sistema no qual estamos inseridos (ORSO et. al, 2013, p.109).
Por outro lado, como será visto ao longo do texto, há um conjunto de autores que criticam essas premissas no campo educacional e defendem a gratuidade do ensino e a responsabilização do Estado em garanti-lo (NETO; CASTRO, 2005; NEVES, 2007; PERONI, 2013; ANTONIO; SILVA; CECÍLIO, 2010). Para Lima não há outro processo de ensinar e aprender a democracia e de conseguir interessar cada cidadão pelos assuntos relativos à coisa pública que não seja através do exercício da democracia e da participação, enfim, da cidadania ativa.
O neoliberalismo, por sua vez, se refere a um projeto de classe surgido na crise do capitalismo de 1970 que, desde então, busca fortalecer o poder da classe dominante, com um discurso sobre liberdade individual, autonomia, livre-comércio e concorrência, entre outras “virtudes do capitalismo”.
Nesse contexto, a visão neoliberal consiste na ideia de responsabilizar o Estado pela crise, pois ele produziu um setor público incompetente e com privilégios, ao mesmo tempo que o setor privado demonstra eficiência e qualidade. Para a referida ideologia, as políticas sociais precisam ser dirigidas e comparadas pela lógica de subordinação das leis do mercado, ou seja, o ideário do Estado mínimo compreende que o Estado basta em si mesmo, sendo necessário unicamente para atender aos interesses do capital (FRIGOTTO, 1995). Consequentemente, a educação tem sido considerada elemento relevante para consolidar o desenvolvimento do modelo de produção capitalista, sendo colocada na centralidade, como estratégica para o desenvolvimento econômico, político, social e cultural (NETO; CASTRO, 2005). Neste sentido Lima adverte:
Mas imitando as organizações empresariais, a escola pública sai democraticamente deslegitimada, prescinde das suas especificidades, aliena suas responsabilidades éticas, políticas e morais, para além de contribuir para a alienação dos docentes enclausurando-os em programas e metas em injunções didatistas num regime avaliocrático aprisionando-os em programações, plataformas informáticas, novas formas de organização do trabalho e modalidade de supervisão direta. E, no entanto, à medida que o corpo docente vai perdendo a capacidade de decidir sobre questões educativas relevantes e de implicar seus alunos e outros atores nelas, no contexto de uma democracia escolar reduzida a mínimo de uma autonomia da escola sobretudo retórica, emerge um novo ativismo instrumental nas escolas e mesmo a ideia de um grande envolvimento dos profissionais, embora estes, pareçam decidir cada vez menos e com menos liberdade.
Várias reformas institucionais foram realizadas a partir dos anos 1980 com a intenção de ajustar o Estado brasileiro aos ordenamentos do novo padrão de produção do sistema capitalista, as quais foram intensificadas nos anos 1990. Os principais fundamentos dessa reforma vieram da doutrina neoliberal e exprimem a necessidade de reestruturação das grandes áreas de atuação do Estado, estabelecendo um foco maior para as áreas sociais, como é o caso da educação.
Somava-se a isso, nos anos 90 o cenário educacional vigente no país com 22% da população analfabeta e 38% somente com o primeiro segmento do ensino fundamental (antiga quarta série), ou seja, 60% da população era muito desqualificada. A evasão escolar também era bastante expressiva: das 22 milhões de matrículas feitas em 1982, pouco mais de 3 milhões chegaram ao ensino médio em 1991 (SANTOS, 2010).
As reformas em curso no Brasil são parte integrante do projeto neoliberal, que tem como foco a necessidade de reestruturar/modernizar o Estado, com vistas à liberalização, privatização e a desregulação. Essas reformas ocorrem em um “cenário marcado pela redefinição do papel do Estado com relação às políticas educacionais. Nesse novo arranjo, o Estado provedor cede lugar ao Estado indutor e assessor de políticas educacionais” (NETO; CASTRO, 2005, p.7).
Um marco importante que despontou esse conjunto de ideologias à educação foi a Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia. O encontro formulou uma série de recomendações direcionadas às políticas educacionais, dando centralidade ao papel da educação no enfrentamento dos desafios de uma nova ordem econômica mundial (NETO; CASTRO, 2005).
Durante a reunião, foi estabelecido um compromisso global por governos de vários países com o objetivo de proporcionar educação básica a todas as crianças e reduzir o analfabetismo entre os adultos até o final da década. No mais, também foi firmado um acordo de metas a serem cumpridas até 2015, como, por exemplo, de que todas as crianças deveriam ter acesso à educação básica gratuita e de qualidade. A reforma educacional foi defendida e concretizada, portanto, não somente para atender as reivindicações da universalização da educação escolar e da democratização das oportunidades educacionais, mas também, ou principalmente, para adequar a educação ao cenário de mudanças das relações sociais, culturais e econômicas a serviço do neoliberalismo. (SANTOS,2010).
Entre os organismos internacionais que elaboram diretrizes à educação destacam-se: a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Banco Mundial (BM) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). De acordo com Neto; Castro (2005, p. 8) “as diretrizes delineadas por esses organismos buscam construir um consenso sobre os rumos das reformas educacionais nos países da América Latina”. Nesse sentido, as políticas para a educação pública são o resultado de “imposições das instituições internacionais, particularmente do Banco Mundial, nas prescrições socioeducacionais, não apenas pelo monte de recurso financeiro de que dispõem, mas pela capacidade de gerenciar e manipular os governos” (SILVA, 2002, p.2).
O Banco Mundial, bem como destaca Silva (2002), tem tido um papel central nesse processo. Neto; Castro (2005) comentam que tal instituição recorre à análise econômica para determinar as prioridades educacionais e defende a ideia de que empresas possam gerenciar a educação, isto é, a educação passa a ser um campo estratégico de investimento de firmas privadas que trabalham sob a lógica mercantil. No mais, o BM dispõe de ‘especialistas’ que são responsáveis em realizar o assessoramento das reformas educacionais, o que constitui:
Uma grande ingerência externa controlando o cotidiano escolar das salas de aula. (…) A reforma também objetiva a venda de serviços, isto é, o aconselhamento sobre as ‘melhores experiências educacionais’ já em desenvolvimento. Os países serão considerados clientes e a educação passará a ser vendida como uma mercadoria, a ser escolhida pelos consumidores segundo as suas possibilidades e necessidades” (NETO; CASTRO, 2005, p. 11).
Isso faz com que a educação deixe de ser uma responsabilidade do Estado para ser um produtor que compõe o comércio de serviços. Neves (2007) argumenta que, dentro dessa lógica:
[…] a educação escolar, em todos os níveis e modalidades de ensino, passa a ter como finalidade difundir, sedimentar, entre as atuais e futuras gerações, a cultura empresarial, o que significa confirmá-las técnica e eticamente às mudanças qualitativas ocorridas em nível mundial nas relações sociais de produção capitalista. A educação escolar passa a ter, na perspectiva da burguesia brasileira, como finalidades principais: contribuir para aumentar a produtividade e a competitividade empresariais, em especial nos setores monopolistas da economia, principais difusoras, em âmbito nacional, do novo paradigma produtivo e, concomitantemente, conformar a força de trabalho potencial e/ou efetiva à sociabilidade neoliberal. (NEVES, 2007. p. 212).
As escolas públicas passam a ter, dentro dessa perspectiva, os seguintes princípios:
contribuir para aumentar a produtividade e a competitividade empresariais, em especial dos setores monopolista da economia, principais difusores, em âmbito nacional, do novo paradigma produtivo e, concomitantemente, conformar a força de trabalho potencial e/ou efetiva à sociabilidade neoliberal (NEVES, 2007, p. 212).
Isso adentra no contexto escolar modificando sua dinâmica e relações, que passam a estar centradas, por exemplo, na competitividade. A lógica da meritocracia se concretiza nas premiações de desempenho, “que estabelecem valores como a competitividade entre os alunos, professores e escolas. Como se a premiação dos mais capazes induzisse a qualidade via competição” (PERONI, 2013, p. 28). Além disso, a prática pedagógica se centra nos resultados a serem alcançados e não mais nos processos, contrapondo os princípios da gestão democrática e participativa.
De acordo com Neves:
A política educacional neoliberal focaliza a ação direta do Estado na universalização da escolarização obrigatória para a população da faixa etária requerida por lei, na expansão do ensino médio e no aumento de sua participação nos programas de formação profissional; ou seja, essa política destina-se prioritariamente à formação do trabalho simples. (NEVES, 2007, p. 213),
Para Neto; Castro (2005), os impactos das reformas neoliberais sobre a educação podem ser analisados sobre três dimensões: política, financeira e técnica. Na dimensão política, observa-se o crescimento das alianças entre o público e o privado. A responsabilidade por alguns setores educacionais é transferida para o setor privado, o que constitui a omissão e a saída do Estado de áreas da educação que deveriam ser de sua responsabilidade. A dimensão técnica, entre outras características, diz respeito ao novo modelo de gestão adotado nas escolas – baseado na transferência de responsabilidade às instituições, também tem relação com o incentivo (premiação) aos professores e a uma política de seleção e contratação de professores. A dimensão financeira, por fim, tem relação com a otimização e eficiência dos recursos, a fim de maximizar o rendimento escolar, para tornar possível o alcance das metas de melhoria da qualidade da educação e com a baixa destinação de recursos ao ensino superior (NETO; CASTRO, 2005).
Para Antonio; Silva; Cecílio (2010), essas estratégias neoliberais, de modo geral, apresentam quatro estratégias essenciais: o corte nos gastos públicos; a privatização; a descentralização dos gastos sociais públicos em programas seletivos contra a pobreza; e a descentralização. Desta forma, o neoliberalismo opõe-se radicalmente à universalidade, à igualdade e gratuidade dos serviços sociais, aos direitos sociais e à obrigação da sociedade em garantir esses direitos por meio da ação estatal. A efetivação dos direitos sociais deixa de ser exclusividade do Estado e passa a ser compartilhada com instituições privadas que são guiadas por uma lógica mercadológica.
A educação contemporânea no Brasil e as influências neoliberais
O debate acerca do futuro da educação é tarefa fundamental, e deve serproblematizada pelo conjunto da sociedade. A formação e o trabalho docente ganham destaque, haja vista os impactos dos ajustes neoliberais nas políticas públicas educacionais.
Nesta conjuntura, as políticas educacionais são desenhadas em consonância com as mudanças da função do Estado e das diretrizes educacionais face às novas exigências neoliberais. Com isso, a atual política educacional no Brasil é, em parte, do projeto de reforma do Estado que, tendo como diagnóstico a crise do Estado, busca cada vez mais racionalizar recursos, diminuindo o seu papel no que se refere às políticas sociais (PERONI, 2003).
A redefinição do Estado tem se concretizado por meio das políticas públicas, principalmente, por dois movimentos: de contradição do Estado mínimo e Estado máximo e de conteúdo dos projetos de descentralização (PERONI, 2003). O que culmina na política de privatização do ensino e precarização do trabalho docente, implicando diretamente na reorganização do trabalho e da prática docente.
De acordo com Peroni (2003) as reformas em curso vêm retirando a obrigação de financiamento às políticas educacionais, com a justificativa de racionamento dos recursos públicos. De modo que, essas ações têm sido concretizadas pela legislação, principalmente nas Diretrizes Curriculares Nacionais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), e no sistema de avaliações externas, e na avaliação das instituições de ensino. Nessa perspectiva, define-se o que será ensinado nas escolas e faculdades brasileiras, bem como, o controle exercido por meio da avaliação institucional:
Não se identifica (…), enquanto uma política pública, um caráter mais amplo que possa significar a possibilidade de se ter na avaliação um processo democrático e emancipatório, tendo a legislação e as orientações estabelecidas dado muito mais um caráter somativo e regulador (PERONI, 2003a p. 14).
Acerca das influências neoliberais no trabalho docente. Alves (2013) destaca que o conjunto de trabalhadores se encontra, ainda, em condições inferiores de sua intervenção na sociedade, esvaziado de compreensão crítica da estrutura e funcionamento deste estado operante. O “(…) traço essencial do capitalismo global é a precarização do trabalhador em sua dimensão radical – radical no sentido de ir até as raízes; e a raiz é o próprio homem que trabalha” (ALVES, 2013, p.128).
Nesse sentido, muitos trabalhadores e trabalhadoras não conseguem perceber o quanto estão sendo o fluxo, instrumento e mecanismo da precarização que está colocada à classe. De acordo com Oliveira (2010), novas demandas educacionais estão sendo refletidas em mudanças na forma de gestão e organização do trabalho na escola. Tais mudanças são resultantes de reformas educacionais recentes, que revelam a intensificação do trabalho docente e ampliação de sua atuação no trabalho. O que também revela as interferências no entendimento de flexibilização e precarização do trabalho docente, mediante a teses da desprofissionalização e proletarização.
Alves (2013) esclarece que em seu fazer laboral diário, o capital em sua expressão mais perversa acaba por agredir e capturar a subjetividade do trabalhador de uma segunda forma. Alheio a possibilidade de mudanças, ausente dos meios necessários, completamente deslocado de sua ocorrência, o professor naturaliza sua marginalização. “Dilacera-se, como salientamos acima, a própria capacidade do homem de dar resposta efetiva à sua condição existencial” (ALVES, 2013, p. 131). Em outras palavras, “o incremento da “captura” da subjetividade do homem que trabalha pelo capital, o traço marcante da produção de mercadorias sob o capitalismo global, dilacera não apenas o corpo – a cabeça, tronco e membros – mas a mente” (ALVES, 2013, p.6).
Não obstante, nota-se o aumento do trabalho, no qual direciona o tempo pessoal, família, para resolução de problemas de ofício, refletindo consequentemente na perda do tempo livre para o exercício de atividades escolares, a exemplo; correção de atividades, lançamentos de médias, planejamento e estudos. O que se avizinha é o aumento do tempo dos afazeres de trabalho visto ao não reconhecimento do tempo pedagógico remunerado, da perda de horas produtivas em translado entre escolas, sobrecarga de carga horária, etc. O que representa um “(…) impacto crucial da nova morfologia do trabalho alienado aquilo que denominamos de redução do tempo de vida a tempo de trabalho” (ALVES, 2013, p. 179). Dessa forma, com efeito, uma clara invasão da vida pessoal de cada trabalhador pelas atividades produtivas do capital, ou seja, o modo de controle do metabolismo social do capital.
Uma das possíveis explicações para tal contexto encontra-se no processo histórico da própria formação de professores, e da sociedade no Brasil. O acesso ao conhecimento, o desenvolvimento de uma postura crítica por parte da população nunca foi uma preocupação de nossos governantes. Historicamente vê-se a ausência de perspectivas e investimento para a educação básica e sua relação direta com a sociedade. O que fica claro a partir da leitura e análise da concepção de educação que se aponta para a condução educacional no país. Ao compreender a educação, pode-se interpretá-la como a própria forma que a sociedade prepara seus membros para nela viverem. A luta cotidiana pela garantia de direitos à educação enquanto instrumento, meio e espaço de instrumentalização não pode ser tratada como forma de adestramento, coesão, disciplinarização de massas. “Esta forma de educação corresponde a essa sociedade, que tem na alienação da força de trabalho e, consequentemente, na alienação da consciência um meio de se reproduzir e se perpetuar” (ORSO et. al, 2013, p.51).
Nas palavras de Orso (2013) ocorre um processo de formação homeopática de professores, uma vez que os padrões de qualidade são duvidosos e, com amparo legal para tanto, a formação oferecida para professores se torna instrumental e prática, por meio de técnicas de ensino e instrumentalização meramente metodológicas.
No mais, a formação de professores é também impactada pelas orientações neoliberais no que tange às demandas da formação continuada para educação básica, pois o Estado tem respondido com políticas de formação aos moldes de determinações capitalistas. Essas formações têm sido desenvolvidas no campo de programas de governo para educação básica, concentradas na formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental para alavancar, sobretudo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Diante disso, compreende-se que os impactos do modelo de desenvolvimento econômico neoliberal têm atingido não só a educação, mas, outros direitos públicos essenciais. A violação de direitos, implica, muitas vezes, em retrocessos dos direitos sociais e, de alguma forma, traz à tona as mazelas do sistema capitalista, que a cada dia se intensificam, exigindo reação organizada dos que buscam a garantia dos direitos sociais, como o da educação.
No bojo da segregação social que se desenvolve na produção e consumo dos elementos essenciais ao desenvolvimento da humanidade, no mecanismo de incorporação e elevação das máximas potencialidades humanas, têm-se na história brasileira profundas mazelas sociais que diariamente apartam, inibem e/ou excluem das camadas mais pobres o acesso ao conhecimento mais elaborado.
Bernard Charlot (2005) é incisivo ao rejeitar a educação pensada e organizada, prioritariamente, em uma lógica econômica e de preparação ao mercado de trabalho. Segundo ele, a visão de educação imposta por organismos internacionais produz o ocultamento da dimensão cultural e humana da educação, à medida que se dissolve a relação entre o direito das crianças e jovens de serem diferentes culturalmente e, ao mesmo tempo, semelhantes em termos de dignidade e reconhecimento humano. Ele conclui: “Desse modo, a redução da educação ao estatuto de mercadoria resultante do neoliberalismo ameaça o homem em seu universalismo humano, em sua diferença cultural e em sua construção como sujeito” (p. 143). Com isso, Charlot ressalta, aumentam os índices de escolaridade, mas se agravam as desigualdades sociais de acesso ao saber, pois à escola pública é atribuída a função de incluir populações excluídas ou marginalizadas pela lógica neoliberal, sem que os governos lhe disponibilizem investimentos suficientes, bons professores e inovações pedagógicas. Eis as consequências dessa política: os jovens são cada vez mais escolarizados em instituições diferentes, dependendo do status econômico de seus pais. Constata-se, assim, o estabelecimento de redes educacionais cada vez mais diferenciadas e hierarquizadas. Nessas redes, a escola pública deve acolher as populações mais frágeis. Assim, a escola que sobrou para os pobres, caracterizada por suas missões assistencial e acolhedora, transformou-se em uma caricatura de inclusão social. As políticas de universalização do acesso acabam em prejuízo da qualidade do ensino, pois, enquanto se apregoam índices de acesso à escola, agravam se as desigualdades sociais do acesso ao saber. Ocorre uma inversão das funções da escola: o direito ao conhecimento e à aprendizagem é substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência.
Considerações finais
Quando estudamos a história da educação no Brasil percorremos um caminho repleto por diversos momentos de mudanças, conflitos, conquistas e retrocessos, em parte por reflexos das orientações neoliberais. Compreender nos dias atuais todo processo de lutas por uma educação pública e de qualidade não se limita a problematizar.
É preciso politizar a discussão sobre a educação uma vez que, o professor precisa ampliar suas possibilidades de compreensão, enxergar a escola para além de seus muros. Compreende-se que não se acredita, no presente, na existência de uma formação neutra e vaga de criticidade, de modo que não se pode coadunar com todo sucateamento provocado naquele que é o espaço formal e institucionalizado para socialização do conhecimento. Toda educação é intencional. Desse modo, “A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitem o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber” (SAVIANI, 2011, p.14).
A educação é reflexo do nível de desenvolvimento da própria sociedade, do grau de exigência dos indivíduos em comunidade, das possibilidades políticas e econômicas existentes e mediadas pelas relações concretas ocorridas nas lutas sociais. Com efeito, sua orientação e condução não pode ser elaborada e gestada à revelia, ausência da comunidade em coletivo.
Neste sentido Bobbio ressalta que: A educação para cidadania como sendo o único modo de um súdito se transforme em cidadão.
Assim, enquanto mudança nota-se a somatória de desafios que estão colocados a sua plena realização da garantia do acesso e permanência ao conhecimento de forma justa e igualitária. Uma educação, a qual todos em igualdade de forças, possam desenvolver seus espíritos críticos. Por meio de seu trabalho, cabe ao professor: “ajudar a preparar os alunos para uma nova sociedade; a ajudar ao aluno transitar do estado de consciência alienada para a superação de seu estado de classe; servir de ponte entre a realidade atual e a que se quer construir” (ORSO, et. al, 2013, p.62).
A reflexão teórica aqui desenvolvida, aponta que as influências neoliberais na educação têm incidido significativamente na formação e trabalho docente, alterando o caráter da formação e do fazer laboral dos trabalhadores da educação mediante os interesses do capital. É possível perceber que os organismos internacionais, representantes da ordem imposta pelo capitalismo, temem que a escola pública seja utilizada como instrumento de despertar consciência. Há o desenvolvimento de muitas estratégias para continuidade da manutenção hegemônica, ideológica e política em prol da continuidade, da sociedade dividida em classes e exploração do trabalho humano.
Entende-se a educação como uma via longa que não tem resposta simples para problemas tão complexos. Defende-se pois uma educação de qualidade para todos que seguem na luta para fazer valer o princípio constitucional expresso no artigo 205 da CF/98.
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
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