REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8084425
Marcelo Matias Pereira
Na condição de titular da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de São Paulo, tenho contato com inúmeras questões que são levantadas, diariamente, a respeito da execução da pena de multa, o que me motivou a escrever este singelo artigo, no qual apontamos as principais questões controvertidas a respeito deste tema:
I) DO CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.
A exceção de pré-executividade é um instrumento incidental à execução, deduzida por meio de mera petição, não condicionada à garantia do juízo, contendo como objeto matérias conhecíveis de ofício – v.g. ausência de condições da ação e as atinentes à liquidez do título – que não demandem dilação probatória, e, a despeito de não possuir previsão expressa, é de assente admissão pelo Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. MP Nº 2.196-3/01. CRÉDITOS ORIGINÁRIOS DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CEDIDOS À UNIÃO. MP 2.196-3/2001. DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. (PRECEDENTE. RESP. 1.123.539/RS, RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB O REGIME DO ART. 543-C, DO CPC). (…). 4. A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva. 5. O espectro das matérias suscitáveis através da exceção tem sido ampliado por força da exegese jurisprudencial mais recente, admitindo-se a argüição de prescrição e decadência, desde que não demande dilação probatória (exceção secundum eventus probationis). 6. A validade da execução fiscal, aferível pela presença dos requisitos de certeza e liquidez da Certidão de Dívida Ativa – CDA que a instrui, demanda indispensável reexame das circunstâncias fáticas da causa, o que é vedado em sede de Recurso Especial, ante o disposto na Súmula nº 07, do STJ. 7. Agravo regimental desprovido.” (AGRESP 200900190890, Luiz Fux, STJ – Primeira Turma, DJE:22/03/2010). (g.n)
Súmula 393. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.
Cabível, pois, a exceção de pré-executividade, até porque, tendo como objeto matérias conhecíveis de ofício, não há demais exigências formais para sua alegação.
II) DA COMPETÊNCIA PARA EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O artigo 51 do Código Penal determina que a pena de multa será considerada dívida de valor, executada pelo juízo da execução penal é promovida exclusivamente pelo Ministério Público, o qual deverá implementar sua concretização.
Nesse sentido, nos termos do artigo 5º, XLVI, c, da Constituição Federal, a multa preserva seu caráter de pena (e se não for paga, ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida por meio de execução – não se permite mais a conversão da pena de multa em detenção) sendo que a menção à dívida de valor destina-se exclusivamente a impedir sua conversão em detenção, conforme decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150 do Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do artigo 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao artigo 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.” ADI 3150, Relator (a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018, Processo Eletrônico DJe-170 Div. 05.08.2019 Pub. 06.08.2019). (g.n)
Na espécie, a referida ADI nº 3150 foi julgada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que afastou qualquer dúvida acerca da legitimidade paraa execução da multa, bem como acerca da competência para sua execução.
Modulando os efeitos da decisão, a Corte Constitucional assim se manifestou, após o início da vigência do Pacote Anticrime, em decisão a Embargos de Declaração:
“Processo penal. Constitucional. Embargos de declaração em ação direta de inconstitucionalidade. Modulação temporal da decisão. 1. O Advogado-Geral da União, no processo de controle objetivo de constitucionalidade, não exerce atividade de representação judicial da União, mas múnus especial do qual foi incumbido pela Constituição. Nessa condição, tem legitimidade para a interposição de embargos de declaração. 2. Antes do julgamento da presente ação direta, foram propostas ações de execução de penas de multa criminal, promovidas por iniciativa da Fazenda Pública. 3. Tais ações foram iniciadas com fundamento não apenas em lei, mas em entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 521). 4. Ademais, os fundamentos que levaram à procedência da presente ação direta têm por objetivo conferir maior eficácia às funções da pena e não o seu enfraquecimento, pela invalidação de sanções anteriormente aplicadas. 5. Diante do exposto, por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, devem ser modulados temporalmente os efeitos da decisão, de modo a estabelecer a competência concorrente da Procuradoria da Fazenda Pública quanto às execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 3150 ED, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 20.04.2020, Processo Eletrônico DJe-124, divulgado em 19.05.2020 publicado em 20.05.2020) (g.n)
Promulgada a lei, o entendimento foi positivado por meio da nova redação atribuída ao artigo 51 do Código Penal em comento.
Logo, desde o início da vigência do pacote anticrime, vale dizer, 23/01/20, o precedente do STF perdeu sua aplicabilidade na parte em que reconhece a atribuição subsidiária da Fazenda Pública para cobrar o valor da multa perante o Juízo das Execuções Fiscais. Isso significa que, diante do caráter penal da multa e da obrigatoriedade de sua execução perante o Juízo da Execução Penal, o único legitimado para o ajuizamento da execução a partir de então é o Ministério Público.
No mais, trata-se de norma sobre competência, de caráter processual e, portanto, aplicabilidade imediata.
III) DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DO EXECUTADO INDEPENDENTEMENTE DO PAGAMENTO DA MULTA – ADI 3150
Outra questão tormentosa é a relacionada com o tema 931 do Superior Tribunal de Justiça, o qual, em recente readequação de tese, entendeu que na hipótese de condenação concomitante à pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária pelo condenado, que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.
De fato, inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, em 2015, definiu que o réu que cumpre a pena privativa de liberdade tem direito a ver extinta a punibilidade, ainda que não pague a pena de multa.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre o assunto em controle concentrado de constitucionalidade, por meio da ADI 3150, em sentido contrário para fixar que, em que pese a multa ser dívida de valor, não perde a natureza de sanção penal, devendo ser cobrada, inclusive, pelo Ministério Público.
Nesse sentido, em adequação ao entendimento da Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão data de 02 de dezembro de 2020, promoveu uma primeira readequação de tese para decidir que o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado.
Ocorre que, em acórdão publicado em 30 de novembro de 2021, tal entendimento foi novamente revisto pela 3ª Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça para acolher pleito de revisão de teses da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e determinar a possibilidade de extinção da punibilidade, ainda que não paga a pena pecuniária, após o cumprimento da reprimenda corporal:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DE TESE. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPREENSÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI N. 3.150/DF. MANUTENÇÃO DO CARÁTER DE SANÇÃO CRIMINAL DA PENA DE MULTA. PRIMAZIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO ART. 51 DO CÓDIGO PENAL. DISTINGUISHING. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PENA PECUNIÁRIA PELOS CONDENADOS HIPOSSUFICIENTES. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DA PENA. VIOLAÇÃO DE PRECEITOS FUNDAMENTAIS. EXCESSO DE EXECUÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 10/9/2015), assentou a tese de que “[nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”. 2. Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 (Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019), o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019. 3. Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 21/9/2021), reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”. 4. Ainda consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal julgamento da ADI n. 3.150/DF, “em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição”5. Na mesma direção, quando do julgamento do Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal n. 12/DF, a Suprema Corte já havia ressaltado que, “especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública como também nos crimes de colarinho branco em geral , a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos”. 6. Mais ainda, segundo os próprios termos em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela indispensabilidade do pagamento da sanção pecuniária para o gozo da progressão a regime menos gravoso, “[a] exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. […] é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal” (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-111 divulg. 10/6/2015 public. 11/6/2015) 7. Nota-se o manifesto endereçamento das decisões retrocitadas àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. 8. Oportunamente, mencione-se também o teor da Recomendação n. 425, de 8 de outubro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, a qual institui, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades, abordando de maneira central a relevância da extinção da punibilidade daqueles a quem remanesce tão-somente o resgate da pena pecuniária, ao estabelecer, em seu art. 29, parágrafo único, que, “[n]o curso da execução criminal, cumprida a pena privativa de liberdade e verificada a situação de rua da pessoa egressa, deve-se observar a possibilidade de extinção da punibilidade da pena de multa”. 9. Releva, por seu turno, obter que a realidade do País desafia um exame do tema sob outra perspectiva, de sorte a complementar a razão final que inspirou o julgamento da Suprema Corte na ADI 3.150/DF. Segundo dados do Infopen, até dezembro de 2020, 40,91% dos presos no país estavam cumprindo pena pela prática de crimes contra o patrimônio; 29,9%, por tráfico de drogas, seguidos de 15,13% por crimes contra a pessoa, crimes que comina pena privativa de liberdade concomitantemente com pena de multa. 10. Não se há, outrossim, de desconsiderar que o cenário do sistema carcerário expõe as vísceras das disparidades sócio econômicas arraigadas na sociedade brasileira, as quais ultrapassam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e se projetam não apenas como mecanismo de aprisionamento físico, mas também de confinamento em sua comunidade, a reduzir, amiúde, o indivíduo desencarcerado ao status de um pária social. Outra não é a conclusão a que poderia conduzir – relativamente aos condenados em comprovada situação de hipossuficiência econômica – a subordinação da retomada dos seus direitos políticos e de sua consequente reinserção social ao prévio adimplemento da pena de multa. 11. Conforme salientou a instituição requerente, o quadro atual tem produzido “a sobrepunição da pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento da pena (menos de 20% da população prisional trabalha, conforme dados do INFOPEN), alijado dos direitos do art. 25 da LEP, não tem como conseguir os recursos para o pagamento da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero”. 12. Ineludível é concluir, portanto, que o condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988). 13. Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados pobres, para além do exame de benefícios executórios como a mencionada progressão de regime, frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III). 14. A extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais, cujo panorama atual de interdição os conduz a atingir estágio de desmedida invisibilidade, a qual encontra, em última análise, semelhança à própria inexistência de registro civil. 15. Recurso especial provido, para acolher a seguinte tese: Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.” (Recurso Especial nº 1.785.861-SP, STJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24.11.2021, publicado no DJ em 30.11.2021)
No entanto, recente entendimento firmado refere-se à declaração da extinção da punibilidade em relação à pena privativa de liberdade, ou seja, que a falta do pagamento da pena de multa não impede a declaração da extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade (grifo nosso).
Assim sendo, embora extinta a punibilidade da pena privativa de liberdade, a cobrança da multa prossegue, sendo que em São Paulo, com maior facilidade, já que existem juízos distintos para a execução das penas diversas, ou seja, a 1ª Vara de Execuções Criminais têm competência para execução, exclusivamente, das penas de multa, sendo que a execução das penas privativas de liberdade compete às demais varas, na conformidade do regime e dos benefícios concedidos.
Nesse passo, a fim de otimizar a entrega da prestação jurisdicional, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da resolução 852/21, reorganizou as Varas de Execuções Criminais, fixando, no artigo 1º, a competência da 1ª VEC para processamento das execuções criminais de multas originárias e substitutivas, in verbis:
Art. 1º Compete à 1ª Vara das Execuções Criminais Central da Comarca de São Paulo o processamento das execuções criminais de pena de multa originárias (principais ou cumulativas) ou substitutivas; (g.n)
Assim sendo a cobrança da pena de multa continua, já que é sempre bom lembrar o princípio lógico da identidade, segundo o qual uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, vale dizer, a decretação de extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade não implica necessariamente que o executado não precise pagar a multa, a qual mantém seu caráter penal e goza das características da imperatividade e obrigatoriedade.
IV) DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA SOMENTE PELO FATO DO RÉU TER SIDO DEFENDIDO PELA DEFENSORIA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO.
A maioria das decisões do E. Tribunal de Justiça de São Paulo são no sentido de que para reconhecer a hipossuficiência do executado é necessário tal circunstância estar devidamente demonstrada.
Outras decisões, em menor número, apontam que somente o fato do executado ter sido defendido pela Defensoria Pública já formaria presunção de hipossuficiência e levaria, via de consequência, a extinção da punibilidade.
Não nos parece adequado esse entendimento, senão vejamos:
Para que o cidadão possa ser defendido pela Defensoria Pública é necessário que passe por uma análise daquele órgão, segundo os critérios previamente estabelecidos por ele, os quais determinam que alguém seja ou não necessitado.
Ora, quando o Juiz assume tal critério como sua avaliação, vale dizer ele terceiriza o poder de julgar e decidir, bem como aferir a hipossuficiência, entregando a parte; pois a Defensoria Pública representa o réu no processo penal, vale dizer representa a parte; o poder de definir quem deve ser ou não beneficiado com eventual tese da hipossuficiência e consequentemente com a extinção da punibilidade, violando, inclusive, o contraditório, na medida que o Ministério Público não participou dessa aferição.
Outrossim, deve ser observado que essa avaliação é feita pela Defensoria Pública considerando que o custo do processo de conhecimento não pode ser suportado pela parte, sob pena de prejuízo para sua própria subsistência.
Ora esta avaliação é feita levando em conta os honorários advocatícios e eventuais custas do processo de conhecimento e não o valor da multa objeto de execução.
Assim sendo, a base que é utilizada para concluir pela hipossuficiência não é a mesma.
O mesmo deve ser dito quanto ao momento, ou seja o tempo em que foi feita. Vale dizer que a avaliação realizada pela Defensoria é levada a efeito quando do início do processo de conhecimento, sendo que a situação financeira do acusado por se modificar no correr dos anos, não sendo a mesma quando da execução da pena de multa.
Assim sendo, nos parece nada razoável, a adoção da presunção de hipossuficiência na execução de pena de multa, daqueles que foram defendidos no processo de conhecimento pela Defensoria Pública.
V) DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA EM GERAL (ART. 5º, caput e inciso I) E DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II) IGUALDADE FORMAL, ALÉM DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Na espécie, tratando-se de dívida de valor, aplicável as características para a formação do crédito tributário, a saber, liquidez, certeza e exigibilidade, as quais restaram devidamente configuradas pelo trânsito em julgado, pela certidão de execução da multa e pela citação.
Com efeito, dispõe o artigo 150, II, do Texto Republicano acerca do princípio da isonomia tributária aplicável à limitação aos entes federativos quando no exercício do poder de tributar os contribuintes:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
II instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Determinado princípio deriva não somente do dever geral de tratar a todos igualmente – não atribuindo relevância jurídica a inevitáveis diferenças individuais, pois todo indivíduo merece tratamento isonômico como também do princípio da igualdade e do dever de descriminar os desiguais.
No caso de execução de pena de multa, tendo o executado sido condenado ao pagamento de uma pena pecuniária, a cobrança em juízo é obrigatória, independentemente do seu valor. A multa, por seu caráter penal, possui características que a diferem do Tributo comum, vale lembrar que é regida pelos princípios da imperatividade da sua aplicação e da inderrogabilidade de seu cumprimento.
O permissivo legal concedido à Procuradoria Geral do Estado para não propositura das execuções em valor inferior a 1200 UFESPs não se estende, e nem poderia, ao Ministério Público, que tem como um de seus princípios institucionais a independência funcional.
A propósito, o artigo 1º, §1º, da Portaria do Ministério da Fazenda 75/2012, que fixa os valores mínimos para inscrição e execução da Dívida Ativa da União, faz expressa ressalva à pena de multa, no sentido de inexistir valor mínimo para legitimar a sua execução judicial.
Logo, não há que se falar em violação ao princípio da isonomia, sendo o executado tratado de acordo com as próprias circunstâncias em que se encontra condenado definitivamente pela prática de um delito, para o qual são cominadas penas privativa de liberdade e multa.
De igual forma, não há que se falar em violação do princípio da eficiência pelo custo da exigência ser maior do que o montante a haver, pois como já explanado, a despeito da multa constituir dívida de valor, ela continua com seu caráter de sanção penal.
Qualquer entendimento contrário tornaria letra morta os preceitos secundários dos tipos penais que constam a pena de multa, os quais, em sua grande maioria, ensejam a fixação de penas inferiores ao teto de 1.200 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo.
Oras, conforme já destacado, mantendo a multa caráter de pena é obrigatória sua cobrança em juízo, a fim de garantir o regular cumprimento da sanção penal em prol dos interesses da sociedade como um todo.
Não há que se falar que a execução da pena de multa configura violação ao princípio da igualdade material, por ser o sentenciado economicamente hipossuficiente.
No entanto, a pobreza do condenado, por mais acentuada que seja, não pode servir para amparar eventual isenção da pena de multa.
Nesse sentido:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 157, §2º, I, DO CP. PENA DE MULTA. SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU. ISENÇÃO. Inexiste previsão legal para isenção da pena de multa, em razão da situação econômica do réu, devendo esta servir, tão somente, de parâmetro para a fixação do seu valor. Recurso Provido. (STJ: Resp 761.268/RS, rel Min. Félix Fischer, 5ª Turma, j. 17.08/2006) (g.n). RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. VIOLAÇÃO AO ART. 61, I, DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO. 1. Esta Egrégia Corte tem-se manifestado, reiteradamente, pelo reconhecimento da efetiva violação ao art. 61, inciso I, do Código Penal, nas hipóteses em que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul exclui da 2ª fase do cálculo da pena a agravante da reincidência. 2. No caso em comento, contudo, apesar de o acórdão recorrido não obedecer criteriosamente à técnica legislativa (método trifásico de aplicação da pena), a reincidência, ainda que considerada como circunstância judicial (1ª fase do cálculo da pena), determinou o agravamento da sanção. Dessa forma, inviável a aplicação da referida agravante na 2ª fase do cálculo da sanção, sob pena de incorrer na inadmissível dupla valoração da mesma circunstância, o que seria uma ilegalidade, consoante o enunciado sumular 241 desta Corte, que dispõe: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. 3. A precária situação financeira do condenado não autoriza a isenção da pena de multa, haja vista que o ordenamento jurídico-penal hoje em vigor prevê a multa como uma das espécies de sanção e, no caso, o réu fora condenado pela prática do delito de roubo (art. 157 do Código Penal), cujo preceito secundário, de conteúdo cogente, prevê a aplicação de pena privativa de liberdade cumulada com a pena de multa. 4. A discricionariedade do julgador na fixação da pena de multa deve-se se nortear dentro dos parâmetros estabelecidos pelos arts. 49 e 60 do Código Penal. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para restabelecer a pena de multa fixada na sentença.” (Recurso Especial nº 722.561-RS, STJ, 5ª Turma, julgado em 14.03.2006, publicado no DJ em 24.04.2006)
Em que pese a significativa desigualdade social e racial do país, já não se está a discutir o mérito da acusação. O executado é devedor de valor líquido, certo e exigível, não mais discutível, cuja cobrança se dá perante 1ª Vara de Execuções Criminais, nos termos da 852/21 do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A hipossuficiência econômica, alegada e muitas vezes não comprovada, não se mostra suficiente para elidir a obrigação de pagar a multa. A impossibilidade financeira do sentenciado possibilita o pagamento parcelado da sanção pecuniária, mas não leva à sua extinção.
O integral cumprimento das penas impostas faz parte do processo de reintegração social, não podendo ser tratado como óbice para este ou para a convivência em sociedade.
Ademais, é de se registrar a possibilidade do pagamento parcelado da dívida e/ou desconto no vencimento/salário do condenado.
VI) DA VEDAÇÃO ÀS SANÇÕES DE CARÁTER PERPÉTUO E A INOBSERVÂNCIA DA PERSONALIDADE DA PENA
Não há que se falar em violação do princípio de vedação de penas perpétuas, eis que se o executado pagar a multa, a pena será extinta, podendo fazê-lo, inclusive, de forma parcelada. Se não tiver condições de pagar, nem bens para tanto, o processo irá, inevitavelmente, aguardar a prescrição, já que não se trata de pena imprescritível, não havendo, assim, que se falar em ofensa ao princípio apontado.
Outrossim, a execução somente alcança o patrimônio do executado e não pode alcançar os bens de seus herdeiros, já que em que pese tratar-se de dívida de valor, a mesma não perde o seu caráter penal, em exata observância ao princípio da personalidade da pena.
VII) DA VIOLAÇÃO DAS FINALIDADES DA EXECUÇÃO PENAL
Não há que se falar em violação das finalidades da Execução Penal ao executar-se a multa, pois a realização das constrições pretendidas não impede a reintegração do condenado à sociedade.
O integral cumprimento das penas impostas faz parte do processo de reintegração social, não podendo ser tratado como óbice para este ou para a convivência em sociedade. Desse modo, não se vislumbra violação aos artigos 1º e 10 da Lei de Execuções Penais.
VIII) DA INAPLICABILIDADE DA ADI 3150 SOMENTE AOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Não é correto afirmar que o entendimento firmado na ADI 3150 pelo Supremo Tribunal Federal deveria ser aplicado somente aos delitos de colarinho branco e contra a Administração Pública.
Com efeito, não havendo qualquer restrição pelo Pretório Excelso em relação à aplicação do entendimento firmado, não cabe ao aplicador do direito fazer interpretações que extrapolam decisão proferida em controle de constitucionalidade, cujo efeito é vinculante e o caráter obrigatório em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário.
É de se observar que o princípio da irretroatividade da lei penal é constitucional e legal, mas o mesmo diz respeito à lei. Não existe princípio da irretroatividade de decisão em matéria penal.
VIII) DA PRESCRIÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA E DAS CAUSAS SUSPENSIVAS E INTERRUPTIVAS.
A pena de multa, após o trânsito em julgado, será considerada dívida de valor, logo, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição, litteris:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (g.n) .
Logo, à cobrança da pena de multa serão aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, a saber, Lei de Execução Fiscal, Código Tributário Nacional e, subsidiariamente, Código de Processo Civil.
Primeiramente observa-se que a Lei nº 9.268/96 alterou o art. 51 do CP e previu que, se a multa não for paga, ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida por meio de execução (não se permite mais a conversão da pena de multa em detenção).
Aqui já se pontua, claramente, que ao tornar-se dívida de valor, não há mais vínculo entre a pena privativa de liberdade, ou restritiva de direitos, e a pena de multa, não sendo crível que essa acompanhe o prazo prescricional daquela, como enuncia o artigo 114, II, do Código Penal.
Desta forma, o artigo 114 do Código Penal somente é aplicado a Prescrição da Pretensão Punitiva de multa, pois a Prescrição da Pretensão Executiva deve ser cobrada como dívida de valor, observando o artigo 51 do CP, ou seja, prescreve no prazo de 5 anos.
Nota-se que não se desconhece que a pena de multa permaneceu com seu caráter penal, contudo, sua forma de cobrança passou a seguir “as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, como expressamente prevê o artigo 51 do Código Penal.
Ora, em atenção ao princípio da especialidade, fica evidente que a pena de multa deve seguir o prazo prescricional de 05 anos, como qualquer crédito tributário, já que o Código Penal indica, especificamente, que a pena de multa é considerada dívida de valor após o seu trânsito em julgado para as partes.
Assim, por ser dívida de valor, a contagem do prazo prescricional da pena de multa alinha-se ao artigo 174 do Código Tributário Nacional em conjunto com os art. 2º, § 3º, art. 8º, § 2º e art. 40, caput, todos da Lei nº 6.830/80, que determinam o lapso temporal de 5 (cinco) anos para a prescrição da execução da pena de multa, bem como preveem as causas interruptivas ou suspensivas.
Não se trata de pena acessória, que restaria prescrita com a prescrição da pena principal, mas sim de pena aplicada cumulativamente, que, repito, a partir do trânsito em julgado, passou a ser dívida de valor, com regulamentação própria, na conformidade da legislação que rege os créditos tributários.
O próprio Tema 931 do E.S.T.J. deixou essa questão muito clara, ao estabelecer a independência da pena privativa de liberdade e da multa, de modo que uma vez cumprida a primeira, ainda que não paga a segunda, deve ser extinta a punibilidade da pena corporal, remanescendo a cobrança tributária, em procedimento próprio, vale dizer em sede de execução de pena de multa.
Esclareça-se, por oportuno, que a tese fixada no aludido Tema possui efeito vinculante, vale dizer, aplica-se a todos os processos individuais e coletivos que versem sobre idêntica matéria de direito, e, sua inobservância permite o ajuizamento de reclamação constitucional, consoante artigo 985, I, e seu §1º c/c artigo 987,§ 2º, ambos do Código de Processo Civil.
A par das modificações legislativas apontadas, passou-se a executar a pena privativa de liberdade, expedindo-se guia de execução para tanto e a pena de multa, em outro processo, vale dizer de execução fiscal, promovido pelo Ministério Público, tendo como base a certidão do processo de condenação e não uma guia de recolhimento.
Sobre o assunto, destaco o recente acórdão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo proferido em 24/08/2022, no Agravo de Execução Penal nº 0018598-80.2022.8.26,0050, envolvendo processo da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, no qual foi reconhecida a aplicação do prazo prescricional de 05 anos previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional.
Não se desconhece que a prescrição de pretensão executória é contada a partir do trânsito em julgado para o Ministério Público, na forma do artigo 112 do Código Penal, quando aplicado o artigo 114, II do mesmo diploma legal, vale dizer, antes do trânsito para as duas partes e da consequente constituição da pena de multa em dívida de valor. (g.n).
Em outras palavras, a partir do momento em que temos o trânsito em julgado para as partes, a pena de multa passa a ser considerada dívida de valor e as normas prescricionais do Código Penal não são mais aplicáveis, e sim as previstas na Lei de Execução Fiscal, no Código Tributário Nacional e, subsidiariamente, no Código de Processo Civil, portanto, a contagem do prazo prescricional de 05 anos se faz considerando o trânsito em julgado para as duas partes, conforme previsto no Código Tributário Nacional.
IX) CITAÇÃO DO EXECUTADO.
Destarte, por ser a multa penal dívida de valor, às regras que incidem na sua execução são relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, vale dizer, as encontradas na Lei de Execução Fiscal, no Código Tributário Nacional e no Código de Processo Civil.
Nesse passo, no que diz respeito à citação, a Lei de Execução Fiscal, traz em seu artigo 08º a citação pelo Correio como regra, a saber:
Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
I – a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma;
II – a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal;
III – se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze) dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por Oficial de Justiça ou por edital;(…)(g.n.)
De igual forma, o artigo 247 do Código de Processo Civil indica como regra, a utilização do meio eletrônico ou Correio para tal fim, salvo quando se tratar de incapaz, pessoa de direito público, local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência ou quando o autor requerer de outra forma justificativa.
Ainda, nessa mesma linha, o artigo 249 do Código de Processo Civil indica que “a citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio”.
A jurisprudência também caminha nesse sentido, indicando que no caso de pessoa física, salvo nas hipóteses de condomínios edilícios ou loteamento com controle de acesso (artigo 248, §4º do Código de Processo Civil), a citação se concretizará com a assinatura do citando no aviso de recebimento.
Sobre o assunto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, no julgamento do Recurso Especial 1.840.466/SP, que a citação de pessoa física pelos Correios acontece por meio da entrega da carta citatória diretamente ao citando, devendo constar obrigatoriamente sua assinatura no respectivo aviso de recebimento, sob pena de nulidade do ato, em conformidade com o disposto nos artigos 248, § 1º e 280, ambos do CPC/2015, não se admitindo, de forma geral, o recebimento por terceiro estranho aos autos.
Caso o executado não seja localizado nos endereços registrados nos autos, sua citação deve ser realizada por meio de edital, como enuncia o artigo 8º, inciso IV, da Lei de Execução Fiscal.
Nota-se que, em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais, entendemos ser dispensável a expedição de mandado de citação para o endereço já diligenciado anteriormente por carta quando o AR é devolvido trazendo informações que indicam que, ainda que ato fosse cumprido por oficial de justiça, esse seria infrutífero, como por exemplo, “mudou-se, “endereço insuficiente”, “não existe o número” e “desconhecido”.
No mais, é importante que a serventia realize a pesquisa de praxe em busca de novos endereços, apenas prosseguindo com a citação por edital, quando esgotados todos os endereços indicados.
É nesse sentido que o entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, como indicado no julgamento do Agravo em Execução nº 0026571-86.2022.8.26.0050, a saber:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. Alegação de nulidade da citação por edital. Inocorrência. Citação pelo correio infrutífero (inexistência do número). Observância dos ditames da Lei nº 6.830/80, art. 8º. DESPROVIMENTO. (DJ: 12/12/2022 – Relator: Dr. Eduardo Abdalla – 06ª Câmara de Direito Criminal do TJSP)
Na mesma linha:
“Diante disso, não se vislumbra afronta a direitos fundamentais do agravante a citação por meio de carta com aviso de recebimento ou mesmo pela via editalícia, principalmente porque a execução da pena de multa, dada sua natureza de dívida de valor, se dá de modo diferenciado, estando sua forma de cobrança disciplinada na Lei de Execução Fiscal e, ainda, nas Normas de Serviços da Corregedoria Geral de Justiça desta Corte” (Agravo de Execução Penal nº 0030211-97.2022.8.26.0050 – Relator: Dr. Juscelino Batista – 08ª Câmara de Direito Criminal do TJSP – DJ: 10/01/2023).