REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8083991
Nilviane P. S. Sousa
Carlos Magno Sousa
Patrícia Costa Santos Alves
Luiz Fernando Ramos Ferreira
Vanessa Romano Uchoa
Erika C. R. L. Carneiro
José Antônio Costa Leite
Allan K. D. Barros
Mauro S. S. Pinto
Ewaldo E. C. Santana
Resumo
Introdução: Os profissionais que trabalham no atendimento direto à comunidade durante a pandemia da COVID-19 tendem a apresentar um maior risco de problemas quanto à saúde mental, além de maior possibilidade de infecção pelo vírus SARS-CoV-2. Assim, o objetivo desse estudo é determinar a prevalência de ansiedade e de sintomas pós-COVID entre os cadetes do Curso de Formação de Bombeiros Militar.
Métodos: Um total de 64 cadetes participou do estudo, os participantes tiveram que responder a um questionário online que avaliou parâmetros sociodemográficos, de estilo de vida, infecção por COVID-19 e sequelas associadas, além do inventário de ansiedade de Beck.
Resultados: Dos 64 participantes, 40,6% (n=26) apresentaram ansiedade, conforme questionário de Beck e 68,8% (n=44) tiveram COVID-19. A prevalência de ansiedade foi maior nos homens (65,4%; n=17). A frequência de participantes que tinham algum receio de se infectarem pelo SARS-CoV-2, durante a primeira onda, foi maior no grupo com ansiedade (>70%). Entre os participantes que testaram positivo para COVID-19 (n=44), houve uma alta prevalência de sintomas pós-COVID autorrelatadas, como: ansiedade (25%; n=11), dor de cabeça (25%; n=11), cansaço e fadiga (25%; n=11), dor no peito (13%; n=6), estresse (9,1%; n=4), entre outras.
Resultados: Dessa forma, medidas de prevenção e controle da síndrome pós-COVID, principalmente relacionadas à saúde mental, devem ser discutidas e implementadas, para essa população específica que são os militares. Pois, mesmo diante de uma pandemia tiveram que continuar seus serviços in loco em prol do bem-estar social. Além disso, os sintomas pós-COVID auto relatados, devem ser avaliados e diagnosticados por uma equipe multidisciplinar, pois ainda não sabemos sua duração e consequências para qualidade de vida da população.
Palavras-chave: Militares, Coronavírus, Ansiedade, Prevenção Primária.
Introdução
Em 2020, o mundo sofreu a experiência mais dramática e catastrófica do século devido à pandemia da doença do coronavírus 2019 (COVID-19) causada pelo SARS-CoV-2 (Fernández-De-Las-Peñas et al, 2021). Nesse contexto, os socorristas e os trabalhadores de segurança pública desempenham um papel crítico na resposta à pandemia de COVID-19 (Baker; Peckham; Seixas, 2020).
O impacto do COVID-19 foi pouco descrito se tratando do ambiente militar, especialmente na América Latina. A América Latina tornou-se recentemente o principal epicentro da pandemia devido ao aumento significativo do número de casos no Brasil e em outros países da região, sendo responsável por cerca de 29 milhões de casos. Além dos profissionais de saúde que foram significativamente afetados em vários países, outros profissionais, incluindo os militares, também estão comprometidos devido ao COVID-19 (Escalera-Antezana et al, 2020).
O curso de Formação de Oficiais/ Bombeiro Militar (CFO/BM), da Universidade Estadual do Maranhão, nordeste do Brasil, traz consigo uma peculiaridade: os acadêmicos ingressam já na hierarquia militar como “cadetes”. Os cadetes não são somente universitários, mas também assumem as obrigações do militarismo e do serviço de bombeiro militar. Além das atividades acadêmicas, os cadetes são expostos aos riscos do treinamento militar, aos deveres e atribuições e à disciplina das atividades profissionais (UEMA, 2021).
Adicionalmente, no dia 02 de maio de 2020, o Governador do Estado do Maranhão/Brasil Flávio Dino através do Decreto 35.783, requisitou os serviços dos bombeiros militares para organização das filas das agências bancárias da Caixa Econômica Federal a fim de garantir a segurança e diminuir grandes aglomerações nesses locais, devido ao pagamento do auxílio emergencial à população de baixa renda pelo Governo Federal (Governo do Estado do Maranhão, 2020). Na literatura científica, no entanto, ainda há muito a se explorar sobre o impacto da COVID‐19 nos trabalhadores e as suas implicações para a gestão (Sigahi, 2021).
Em uma pandemia, as pessoas tendem a ser mais suscetíveis a mudanças físicas, cognitivas, comportamentais e emocionais. A pandemia COVID-19 tornou-se uma das principais preocupações internacionais em relação ao seu impacto na saúde mental. Estressores relacionados à pandemia estão afetando também profissionais que trabalham no atendimento direto à população (Serafim, 2021).
Adicionalmente, alguns pacientes que se recuperaram da COVID-19 desenvolveram sintomas persistentes ou novos que podem semanas ou meses; chamado de “long COVID”, “Long Haulers” ou “Post COVID syndrome”, que incluem sintomas físicos gerais, neuropsicológicos, entre outros (Raveendran; Jayadevan; Sashidharan, 2021).
Acredita-se que os sobreviventes da COVID-19 apresentarão uma alta prevalência de condições psiquiátricas emergentes, incluindo transtornos de humor, transtornos de ansiedade, e insônia (Mazza et al, 2020). A saúde mental é um componente da saúde pública e está associada a um risco reduzido de doenças crônicas (como obesidade e doença cardíaca coronária), morbidade prematura e declínio funcional (Ammar et al, 2020). Assim, o presente estudo pretende avaliar a prevalência de ansiedade e sintomas pós-COVID auto relatados entre os acadêmicos do Curso de formação de Oficiais – Bombeiro Militar.
Métodos
Coleta de dados
Trata-se de uma pesquisa de caráter transversal realizada no período de dezembro/2020 a janeiro/2021, com os acadêmicos do Curso de Formação de Oficiais – Bombeiro Militar da Universidade Estadual do Maranhão, localizada no Estado do Maranhão, Nordeste do Brasil.
O curso do CFO/BM possui 93 acadêmicos com matrícula ativa, todos foram convidados a participar da pesquisa de forma voluntária, porém 64 acadêmicos consentiram em participar. Logo, um total de 64 participantes foi incluído em nossa análise.
Foram incluídos na amostra: acadêmicos com matrícula ativa de ambos os gêneros, com Idade ≥ 18 anos; e que fossem capazes de responder às perguntas do questionário sem ajuda de terceiros. Os participantes que consentiram em participar do estudo preencheram um questionário online, desenvolvido na plataforma Google Forms®, onde foram avaliadas variáveis sociodemográficas, de estilo de vida, prevalência de casos positivos de COVID-19, medo de ser infectado pelo vírus SARS-CoV-2, presença de sintomas clínicos pós-infecção pela COVID-19 e o inventário de ansiedade de Beck.
A psicopatologia atual foi medida usando o seguinte questionário de autorrelato: Inventário de ansiedade de Beck (BAI) (Beck et al, 1988; Beck e Steer, 1993) que é uma escala de 21 itens desenvolvida para avaliar a gravidade dos sintomas de ansiedade. Os participantes são solicitados a classificar cada item em uma escala de quatro pontos variando de 0 (nem um pouco) a 3 (severamente, mal consigo aguentar). Os itens são somados para obter pontuações totais que variam de 0 a 63 (Beck et al, 1988; Beck, Steer, 1993). Um inventário para medir a ansiedade clínica: propriedades psicométricas (Beck et al, 1988). Participantes com pontuação de 0-7 foram classificados como assintomáticos e aqueles com pontuação ≥ 8 pontos foram classificados como sintomáticos.
Conforme Portaria n. 150/2020/DP-1 – Corpos de Bombeiros Militar do Estado do Maranhão- CBMMA, que trata do Protocolo para realização dos testes rápidos para detecção do novo Coronavírus (COVID-19), os bombeiros são submetidos ao teste rápido obedecendo ao prazo ideal de dez dias após o aparecimento do primeiro sintoma, sendo afastado de suas atividades imediatamente após sintomatologia. O presente estudo possui aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Maranhão conforme CAAE: 42201620.1.0000.5554.
Análise Estatística
Para o arquivo de dados e a análise estatística, foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, Inc., Chicago, IL, USA) versão 19.0. Os dados foram tratados por meio de procedimentos descritivos (percentual/frequência e média±desvio padrão). O teste Qui-quadrado foi utilizado para avaliação das variáveis categóricas entre grupos com e sem sintomatologia associada à ansiedade, conforme descrito no item coleta de dados. Os resultados serão considerados estatisticamente significativos para p < 0,05.
Resultados
Um total de 64 cadetes participou do estudo e apresentaram média de idade 25,4±5,4 anos. Dentre os quais 68,8% (n=44) tiveram COVID-19 e 40,6% (n=26) apresentaram algum nível de ansiedade. Do total da amostra 82,8% (n=53) são do gênero masculino, conforme descrito na Tabela 1.
Em relação ao grupo com sintomatologia positiva para ansiedade (Tabela 2), houve uma predominância de participantes do gênero masculino, porém cabe destacar que apesar de uma baixa prevalência de mulheres somente uma foi classificada como assintomática. Existiu também uma diferença significativa quanto ao medo de ser infectado pela COVID-19 mais de 70% dos participantes do grupo sintomático tinha algum temor de ser contaminado.
Entre os participantes que testaram positivo para COVID-19, foi analisada a prevalência de sequelas pós-COVID autorrelatadas, quanto a sintomatologia neuropsicológica houve alta prevalência de ansiedade e estresse, outras sequelas como dor de cabeça, queda de cabelo, cansaço e fadiga também foram relatadas (Tabela 3).
Discussão
Em relação às características dos participantes observamos uma alta prevalência do sexo masculino (82,8%), com média de idade de 25,4±5,4 anos. O estudo de Segal et al. (2020) realizado com militares apresentou uma idade média de 21,29 ± 4,06 anos e 81,34% da amostra eram do sexo masculino. Esses dados corroboram com o estudo de Lázaro-Pérez et al (2020), que foi realizado com militares, onde a maioria da amostra também foi composta por homens (87,5%), as mulheres representam apenas 12,5%, sinalizando um perfil bastante masculinizado.
Compreender o peso da exposição ocupacional a infecções e doenças, incluindo quantos trabalhadores estão potencialmente expostos e em quais ocupações eles trabalham, permite o desenvolvimento de medidas de prevenção e controle (Baker; Peckham; Seixas, 2020). Embora existam recomendações para manter uma distância, esse distanciamento social pode não ser possível em ocupações internas e externas que requerem grande proximidade física para realizar tarefas de trabalho (Cox-Ganser; Henneberger, 2021).
Kasper et al. (2020) descreveram um caso de transmissão facilitada por condições de proximidade, o caso do porta-aviões USS Theodore Roosevelt dos Estados Unidos da América. O SARS-CoV-2 se espalhou rapidamente entre a tripulação do porta-aviões. Ao longo do surto, 1271 membros da tripulação (26,6% da tripulação) testaram positivo para infecção por síndrome respiratória aguda grave de coronavírus (SARS-CoV-2), porém foram hospitalizados poucos tripulantes.
Os militares representam uma importante força-tarefa no combate ao COVID-19. Porém, deve-se salientar que os militares já correm risco de ter problemas de saúde mental (por exemplo, depressão, ansiedade) durante períodos não pandêmicos, porém devido à carga de trabalho e o estresse aumentados com o COVID-19 pode aumentar a probabilidade de sofrimento psicológico (Guo et al, 2020)
Além dos mecanismos imunológicos, o medo da doença, a incerteza do futuro, o estigma, as memórias traumáticas de doenças graves, o isolamento social experimentado pelos pacientes durante o COVID-19. Além do fato de muitas pessoas não saberem que estão infectadas, os sintomas de COVID-19, especialmente sintomas graves, a preocupação em infectar outras pessoas evoca um estresse emocional significativo. A experiência com uma doença potencialmente letal e intratável são fatores de estresse psicológico significativos que podem interagir na definição do desfecho psicopatológico, que pode induzir a uma doença mental ou agravar um transtorno psiquiátrico pré-existente, podendo persistir por muito tempo (Mazza et al, 2020; Sher, 2021)
Dentre as mulheres 90% (n=9) estavam ansiosas e 32,1% (n=17) tinham ansiedade. Apesar da baixa prevalência de ansiedade, entre mulheres na amostra total, tem-se que atentar ao fato que a amostra é predominantemente masculina e, que somente uma mulher não apresentou sinais de ansiedade. Ozdin and Ozdin (2020) em estudo realizado com indivíduos da Turquia, relatam que os níveis de ansiedade e depressão foram maiores nas mulheres, mostrando que o impacto psiquiátrico durante a pandemia de COVID-19 pode ser maior nas mulheres.
Entretanto, Smith et al. (2018) relatam que a prevalência de transtorno mental entre o gênero masculino é provavelmente subestimada, pois os homens tendem a esconder problemas psicológicos e relutam em relatar os sintomas, o que sugere que exista uma “epidemia silenciosa”, particularmente em relação a problemas neuropsicológicos como à depressão e ansiedade. Assim, pesquisas que se concentrem na saúde mental dos homens, são necessárias, principalmente avaliando indicadores de estratificação social que aumentam o risco de transtornos (internalizantes e externalizantes).
Entre os participantes que testaram positivo para COVID-19, Tabela 3, 25% e 9,1% relataram como sequelas pós-COVID, ansiedade e estresse, respectivamente. Manifestações como insônia, ansiedade, sintomas de estresse pós-traumático (PTSD), psicose e transtornos do humor foram descritos em vários relatórios (Dinakaran et al, 2020; Liguori et al, 2020; Nalleballe et al, 2020; Rogers et al, 2020; Romero-Sanchez et al, 2020; Vindegaard e Benros, 2020). Um estudo que recuperou dados de uma plataforma colaborativa de saúde global que incluiu registros médicos de 40.469 casos positivos para COVID-19, principalmente dos Estados Unidos (EUA) (76%), constatou que 22,5% tinham manifestações neurológicas e / ou psiquiátricas, sendo ansiedade e transtornos relacionados os mais prevalentes (Nalleballe et al., 2020).
A COVID-19 é reconhecida atualmente como uma doença que afeta múltiplos órgãos e possui um amplo espectro de manifestações. Similarmente às síndromes virais pós-agudas descritas em sobreviventes de outras epidemias de coronavírus virulentos (Nalbandian et al, 2021). As consequências em longo prazo da infecção por COVID-19 não são bem compreendidas. Além disso, esses sintomas prolongados foram descritos mesmo em pacientes que apresentaram sintomas leves. Essa manifestação foi denominada síndrome pós-aguda da COVID-19 ou ‘COVID longa’. A COVID longa é uma doença descrita entre pacientes que se recuperaram da COVID-19, mas ainda apresentam sintomas contínuos ou entre aqueles que continuaram a apresentar sintomas por mais tempo do que o normalmente esperado (Al-Jahdhami; Al-Naamani; Al-Mawali, 2021).
Existe uma variação marcante na apresentação da síndrome COVID-19 pós-aguda. Os pacientes podem apresentar sintomas inespecíficos, como fadiga, dores musculares, sono insatisfatório, tosse e falta de ar e sintomas relacionados a órgãos específicos, como ortopneia, inchaço nas pernas e intolerância ao exercício, dor torácica e falta de ar. Além disso, sintomas autonômicos como palpitações, suores noturnos e controle inadequado da temperatura também foram descritos. Os sintomas podem ser cíclicos em alguns pacientes (Nalbandian et al, 2021; Al-Jahdhami, Al-Naamani e Al-Mawali, 2021).
Dessa forma, o surto de COVID-19 prejudicou a qualidade de vida dos militares em todo o mundo. Sendo um dos principais profissionais que atuam em resposta à epidemia, os militares precisam de apoio adequado para manter sua saúde, principalmente através da implementação de políticas públicas que visem a prevenção e controle da COVID-19, bem como, do acompanhamento das futuras comorbidades associadas.
Apesar dessa evidência preliminar, a maioria dos achados veio de métricas autorreferidas, sem diagnóstico clínico. Logo, exames complementares são necessários para determinar não apenas se esses sintomas estão relacionados à própria infecção, ou associados a estressores psicológicos, mas também se melhoram, permanecem ou pioram com o tempo.
Conclusão
Uma alta prevalência de casos de COVID-19 foi encontrada na amostra avaliada, muitos militares apresentaram sintomas neuropsiquiátricos como ansiedade e estresse, além de outros sintomas associados à síndrome pós-COVID. Logo, esses dados poderão auxiliar na implementação de políticas públicas voltadas para essa população, bem como, alertar para as intervenções nos locais de trabalho para diminuir o risco de exposição ao SARS-CoV-2.
Referências
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1Instituto Florence de Ensino Superior. Rua Rio Branco, Centro, São Luís, Maranhão, Brasil.
2Universidade Estadual do Maranhão, Avenida Lourenço Vieira da Silva, 1000, Jardim São Cristóvão, São Luís, Brasil, 65055-310
3Laboratório Central de São Luís- LACEM/SL, Rua 23 de Novembro- Camboa, São Luís, Brasil.
4Hospital Universitário Presidente Dutra, Universidade Federal do Maranhão, Rua Barão de Itapari, 227, Centro, São Luís, Maranhão, 65020-070
5Universidade Federal do Maranhão, Avenida dos Portugueses, 1966, Vila Bacanga, São Luís, Maranhão, Brasil, 65080-805.