ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: NA ESCOLA INDÍGENA DO POVO JAVAÉ DA ILHA DO BANANAL.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8006457


Mestrando: Fabiano Rodrigues Marques
Coautor: Prof. Jonael Macedo Nascimento
Coautor: Prof. Dr. Valtuir Soares Filho


RESUMO 

Neste projeto de estudo busca compreender o processo de ensino e aprendizagem, no seio das escolas indígenas do povo Javaé da ilha do bananal, no estado do Tocantins, tendo-se como objetivo discutir a educação escolar indígena bilíngue e intercultural, compreendendo o processo de alfabetização e letramento dos anos iniciais do ensino fundamental dentro dessas escolas indígenas, assegurando-lhes uma educação diferenciada como povos originários dessa terra. Por via desse projeto de estudo, analisa-se os direitos e deveres consagrados no sistema nacional dos direitos indígenas, destacando a importância, para a consolidação do direito indígena à educação diferenciada: do processo de alfabetização e letramento; do respeito aos conhecimentos tradicionais e seus meios próprios de ensino –aprendizagem, e da interculturalidade e bilinguismo no seio educacional das populações indígenas, no que respeita a seus objetivos socioculturais e manutenção das suas futuras gerações. Portanto, para realizar este estudo, utilizou-se a pesquisa campo, fundamentada nas reflexões e observações adjuntos as escolas indígenas e comunidade envolvida; buscando subsídios em autores referência na temática. Partindo de uma proposta de compreensão e análise do estado atual da educação escolar indígena Javaé, este estudo se caracteriza em compreender como os conteúdos específicos e diferenciados assumidos na legislação acontecem na prática, e os elementos didático-pedagógico se atendem a uma demanda necessária para tornarem efetivos os direitos dos povos indígenas Javaé, no que respeita a uma das funções essenciais da educação definida na CF-1988: a formação cidadã e a participação no espaço público Inter- étnico. 

Palavras- chave: Educação indígena. Bilíngue. Diferenciada. Javaé. Alfabetização e letramento.

ABSTRACT 

This study project seeks to understand the teaching and learning process within the indigenous schools of the Javaé people on the island of Bananal, in the state of Tocantins, with the aim of discussing the bilingual and intercultural indigenous school education, including the literacy process and literacy in the early years of elementary school within these indigenous schools, ensuring them a differentiated education as native peoples of this land. Through this study project, the rights and duties enshrined in the national system of indigenous rights are analyzed, highlighting the importance, for the consolidation of the indigenous right to differentiated education: of the literacy and literacy process; respect for traditional knowledge and their own means of teaching-learning, and interculturality and bilingualism within the educational framework of indigenous populations, with regard to their socio-cultural objectives and maintenance of their future generations. Therefore, to carry out this study, field research was used, based on reflections and observations associated with indigenous schools and the community involved; seeking subsidies in reference authors on the subject. Based on a proposal for understanding and analyzing the current state of Javaé indigenous school education, this study is characterized by understanding how the specific and differentiated contents assumed in the legislation happen in practice, and the didactic-pedagogical elements meet a necessary demand to make the rights of the Javaé indigenous peoples, with regard to one of the essential functions of education defined in the CF-1988: citizenship training and participation in the interethnic public space.

Keywords: Indigenous education. Bilingual. Differentiated. Javae. Literacy and literacy.

1. INTRODUÇÃO 

O presente estudo contextualiza a linha de pesquisa docência nos anos iniciais do ensino fundamental na educação escolar indígena bilíngue e intercultural, visando esclarecer e compreender os processos próprios de alfabetização e letramento dentro das escolas indígenas dos povos Javaé, no Estado do Tocantins, com atendimento da Secretaria Estadual de Educação, por meio da assessoria pedagógica da Diretoria Regional de Ensino de Gurupi. Uma temática importante e de grande relevância em ambas as partes, pois, a educação escolar indígena bilíngue e intercultural para Javaé da Ilha do Bananal tornou-se espaço de lutas e conquistas. 

Em detrimento da realidade cultural e educacional dos povos indígenas está ligada diretamente ao processo de construção e formação da nação brasileira, seja ela cultural e/ou social. É pertinente a importância que a educação escolar tem dentro das comunidades indígenas como meio de preservação e manutenção de seus valores próprios, de costumes, saberes tradicionais e culturalmente uma sociedade diferenciada e que requer uma atenção diferenciada no seu processo de educação escolar.  Partindo desta realidade nasce a importância deste projeto de estudo na tentativa de compreender mecanismos e ferramentas que lhe são próprios e capazes de fortalecer a educação escolar indígena do povo Javaé, e absorver de fato como acontece o processo de alfabetização e letramento dentro das escolas indígena Javaé.

O contexto escolar das comunidades indígenas pleiteado pela legislação ainda é recente, pois data da Constituição Federal de 1988 para os dias atuais, ou seja, só a partir de 1988 que a educação escolar indígenas conquista seu espaço dentro do cenário nacional de educação pensada, diferenciada e específica. Entretanto, a educação escolar indígena acentua-se em estratégias limitadas de projeto e pesquisas, e que aos poucos se concretizam por meio de ferramentas e tecnologias defasadas.   A partir destas afirmações pretende-se mapear que práticas educacionais se desenvolvem no contexto bilíngue e intercultural para a efetivação da alfabetização e letramento nas escolas indígenas dos povos Javaé da ilha do bananal? Que práticas de alfabetização melhor se aplicam na educação escolar bilíngue e intercultural no contexto escolar Javaé? Quais os aspectos positivos e negativos que tangenciam a alfabetização e letramento no contexto escolar bilíngue e intercultural Javaé? São incógnitas que ao desvendar-nos mostra em síntese a realidade da educação escolar indígena Javaé. 

Os objetivos da educação escolar não devem postular o contrário dos objetivos da comunidade envolvida, e dentro das aldeias a escola tem-se tornado uma ferramenta de aprimoramento dos saberes culturais e manutenção das raízes históricas daquele povo. Este projeto de estudo tem como objetivo macro compreendendo o processo de alfabetização e letramento dos anos iniciais do ensino fundamental dentro dessas escolas indígenas do povo Javaé, estabelecendo um paralelo entre as disciplinas do currículo comum e as diferenciadas, própria de cada povo, aqui do povo Javaé (que se autodenomina iny (gente)) fortalecendo suas práticas pedagógicas e abordando os conteúdos específicos destas duas vertentes.

2. DESENVOLVIMENTO  

2.1 Historicidade Alfabetização e Letramento

 Para compreender o processo educacional brasileiro, torna-se necessário contextualizar historicamente os métodos de alfabetização que se desenvolveram em nosso país, a partir da última década do século XIX, a fim de estabelecer uma relação com as concepções de ensino da leitura e da escrita presentes neste atual contexto de alfabetização.

Em detrimento da extensa historicidade da Alfabetização e letramento, que se ramificou neste novo cenário educacional Brasileiro, a contextualização é centrada na História dos Métodos de Alfabetização que produziram e produzem longas nomenclaturas de teorias e tematizações acerca de estudos e de pesquisas que coordenam a educação escolar no país.

Nem sempre a questão da alfabetização e letramento foi vista como boas práticas para o desenvolvimento social e de cidadania no país. Se observarmos a linha do tempo da educação escolar é sabido que no final do Século XIX, é que se incitam debates e reflexões na busca de explicações e soluções para as problemáticas educacionais. E só daí então é que as práticas de leitura e de escrita ganharam um olhar característico e detalhado a partir da Proclamação da República.

De acordo com Soares (2003, p. 78) Até o final do império

As “aulas régias” ofereciam condições precárias de funcionamento e o ensino dependia muito do empenho dos educadores e dos educandos. Para a iniciação do ensino da leitura eram utilizados as chamadas “cartas de ABC” e os métodos de marcha sintética, ou método sintético (da “parte” para o “todo”); da soletração (silábico), partindo dos nomes das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas.

Entretanto, o que se analisa metodologicamente que nas primeiras décadas republicana surgem novos métodos e pesquisas que deixaram cai por terra a ideologia enraizada no ensino de uma única ideia formada e acabada metodologicamente, e novas pesquisas, debates e métodos surgem com conceitos construtivistas usado para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita.

Em uma linha de contextualizações coordenada da história da alfabetização no Brasil a partir da metade da década de 1920, surgem os métodos mistos, chamados de analítico – sintético, ou vice-versa, utilizados como bases de formação profissional e como manuais de trabalho dentro das unidades escolares, estendem-se até o final da década de 1970. E na década de 1980, o pensamento construtivista de alfabetização surge com Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Psicogênese da Língua Escrita. Que propõe uma nova forma de ver a alfabetização, como um mecanismo processual e construtivo com etapas sucessivas e hipotéticas. E nestas mesmas épocas surgem os analfabetos funcionais que não conseguem compreender o que leram.

E neste contexto de guerra entre métodos surge o termo “letramento”. Que de acordo com Tfouni (1995), estar letrado seria a capacidade de ler, escrever e fazer uso desses conhecimentos em situações reais do dia a dia. Ou seja, alfabetizar letrando, independente da metodologia adotada, se justifica pela integração e pela articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita é o caminho para superação dos problemas que enfrentamos nessa etapa da escolarização.

Portanto, se adentrarmos em uma linha de raciocínio onde alguns métodos de alfabetização deu certo em uma determinada realidade e já levando para outra realidade não surtiram efeitos inovadores, vamos de encontro às colocações de Tfouni (1995) de que o processo de alfabetização e letramento entre nações são diferentes. Nos países considerados “primeiro mundo” a preocupação com o letramento é mais evidente, segundo a autora as intervenções sociais e profissionais vão além do sistema de ler e escrever, o que não desmerece atenção ao processo de alfabetização.

[…] Nestes países alfabetização e letramento são tratadas de forma distinta: alfabetizar é a aquisição da leitura e da escrita e letramento é o desenvolvimento da linguagem e a compreensão da sua função social, o que não ocorre em países como o Brasil, cujos conceitos se misturam, se confundem, perdendo-se a individualidade, e em alguns casos até o verdadeiro sentido epistemológico. (TFOUNI, 1995, p.58).

Partindo da tese de desenvolvimento humano e materialização dos saberes produzido pelo homem, o que caracteriza mais uma vez a relação entre poder, dominação, participação e resistência, fatores estes que se tornam pilares de base quando se procura entender o produto humano por excelência, a escrita e seus decorrentes, alfabetização e o letramento tornam-se o divisor de água das propriedades superiores e inferiores da sociedade.   

2.1.1 Alfabetização

A termologia Alfabetização atende de forma singular o processo de formação do cidadão frente às demandas exigida atualmente pela sociedade, de acordo com Tfouni (1995) Alfabetizar é a técnica de aquisição da língua (oral e escrita) processo este predefinido e estático, com tempo determinado para o aprendizado. Ou seja, uma criança na educação infantil já adquire o código escrito e a leitura em seus primeiros dois anos de escola. No entanto, o desenvolvimento da linguagem (letramento) é um processo contínuo, no decorrer das nossas vidas poderemos ter a possibilidade de aprimorá-lo, acrescendo novas construções e conhecimentos.

Portanto, a termologia Alfabetização neste novo contexto educacional em debate, segundo a autora, significa: levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar a ler e a escrever. A Alfabetização é a aquisição do código alfabético e ortográfico, através do desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita. Uma metodologia descontextualizada e adotada em muitas escolas Brasil afora e que tem formado uma ideologia de fracasso e baixa qualidade na educação básica. 

Segundo Soares (2007, apud, MAIA, 2007, p.33),

[…] Com o passar do tempo muito se desenvolveu no campo da alfabetização, surgiram conceitos, teorias e metodologias. Porém, mesmo com toda evolução, o Brasil e outros países não desenvolvidos, ainda enfrentam um problema de muita relevância: a baixa qualidade da educação básica, especialmente, a dos anos iniciais do ensino fundamental.

As evidências de baixa qualidade é índice mapeado pelo próprio cenário de formação de professores (as universidades e centros de formação docente), uma problemática recorrente e que tende a perpetuar se as bases de formação de professores, centro de pesquisas e projetos educacionais em parcerias com Secretarias de Estados e Municípios de Educação não desenvolver políticas públicas de valorização e desenvolvimento da educação básica. A busca por “culpas” no método utilizado, na má formação do educador e nas condições sociais desfavoráveis do educando, estes, são elementos indicadores de investimentos e que as principais causas estão ligadas à perda da especificidade da alfabetização, devido à compreensão equivocada de novas perspectivas teóricas e suas metodologias.

Atualmente, é de extrema importância e faz necessário resgatar a significação verdadeira da alfabetização, como nos coloca Maia (2007, p.33) […] ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações. E a partir desses pressupostos delinear corretamente o conceito de letramento para que eles não se confundam.

A formação docente e a materialização dos saberes são temáticas que devem ser foco de debates no seio da educação escolar sistematizada e intencional. A alfabetização e o letramento necessitam acontecer de maneira inter-relacionada com uma prática educativa sem perder a especificidade de cada um dos processos, sempre fazendo relação entre conteúdo e prática.

2.1.2 Letramento

 Ao refletir sobre a termologia letramento, Soares (2007) enfatiza que letramento é uma palavra que foi incorporada ao vocabulário da Educação e das Ciências Linguísticas na segunda metade dos anos de 1980. Se buscarmos a verdadeira essência da termologia letramento percebemos que ela se apresenta com outra ideologia.  Em um dicionário editado há mais de um século “O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa”, de Caldas Aulete. A termologia letramento é tida como antiga, antiquada e arcaica (SOARES, 2003). 

No entanto, é possível perceber que o termo letramento surge no final do século XX com um novo significado, isto é, uma nova “roupagem”. Com este novo conceito a palavra letramento é uma palavra criada devido à tradução “ao pé da letra” da palavra inglesa literacy:[…] Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social, ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 2003, p.18).

Portanto, o termo letramento é o processo de relação das pessoas com a cultura escrita. Reconhece que existem diferentes níveis de letramento variando de acordo a realidade cultural, o letramento está intimamente ligado às práticas sociais, exigindo do indivíduo, uma visão do contexto social em que vive. E que nem sempre o ato de ler e escrever garante que o indivíduo compreenda o que lê e o que escreve, ou ainda, que consegue aferir realizando uma leitura crítica.

A contextualização mais ampla dos conceitos de alfabetização e letramento não se restringe na palavra, mas sim, no seu contexto adjunto: letramento é uma prática mais ampla e social e a alfabetização uma prática mais individual e estão interligadas no processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Freire (1970) Letramento é uma forma de entender a si e aos outros, desenvolvendo a capacidade de questionar com fundamento e discernimento, intervindo no mundo e combatendo situações de opressão.

Para um entendimento racional o letramento vai além do ler e escrever tem função social, enquanto a alfabetização encarrega-se em preparar o indivíduo para a leitura e um desenvolvimento maior.

2.2 O Contexto histórico da Educação Indígena 

A realidade cultural e educacional dos povos indígenas está ligada diretamente ao processo de construção e formação da nação brasileira, seja ela cultural e/ou social. E a partir desta realidade este capítulo faz um resgate histórico da educação indígena, dos primórdios do descobrimento “invasão” do Brasil aos dias atuais para uma compreensão desse novo e atual cenário educacional dos povos indígenas. 

O Brasil […] desconhece e ignora a imensa sociodiversidade nativa contemporânea dos povos indígenas. Não se sabe ao certo sequer quantos povos nem quantas línguas nativas existem. O (re) conhecimento, ainda que parcial dessa diversidade, não ultrapassa os restritos círculos acadêmicos especializados. Hoje, um estudante ou professor que quiser saber algo mais sobre os índios brasileiros contemporâneos, aqueles que sobraram depois dos Tapuias, Tupiniquins e Tupinambás, terá muitas dificuldades. Ricardo (1995, apud, BASTOS, 2006, p. 06)

No plano real da corte portuguesa e dos estudos voltados aos povos indígenas no meado do século XVI, é introduzida a escola formal como parte cotidiana dos povos indígenas, quando aqui se estabeleceram os padres da companhia de Jesus com objetivos de converter os “selvagens” em cidadãos civilizados e instruídos, por via de uma ideologia catequista. O desconhecimento e os objetivos contraditórios de educação da companhia de Jesus que se voltou aos interesses dos colonizadores na riqueza brasileira, justificando as colocações de Bastos (2006), citada anteriormente. 

Para Giraldin (2010, p.44) o processo educacional indígena hoje representa o resultado de cinco séculos de um projeto colonizador que deixa um legado de abandono.

[…] a força do discurso catequizador com a subsequente destruição genocida ou etnocida de grande número de povos indígenas que habitavam estas terras. Além do impacto sobre os povos nativos deste continente, também a transferência compulsória de gigantesca população negra de origem africana para servir como trabalhador escravo foi resultado deste projeto colonizador.     

E coloca ainda que:

Este mesmo projeto assimilacionista (integracionista) fez parte durante muito tempo dos discursos e práticas colonizadores da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), pelo menos até a promulgação da Constituição Federal de 1988, que delegou competências de ensino escolar em muitos casos para missionários religiosos, como fora na colônia, no império e no início da república com o SPI. (GIRALDIN, 2010, p.45-46).

O contexto histórico referenciado aqui mostra que mesmo o discurso sendo politicamente ofuscante a ótica dos direitos aos povos indígenas, apenas a Constituição Federal de 1988, faz referências aos povos indígenas por meio de seus artigos 210, 215 e 231, e ainda mais, controverso fica a situação da Funai, órgão criado com a ideologia de proteção das nações indígenas deste país, se colocou como sistema que sustenta as mesmas práticas colonial.

Em síntese, os estudos mostram que a educação indígena desde o período colonial vem carregada de palavras de ordem, como coloca Silva e Azevedo (1995, apud, BASTOS, 2006, p.8) “[…] em poucas palavras, desde a chegada das primeiras caravelas até meados do século XX, o panorama da educação escolar indígena foi um só, marcado pelas palavras de ordem catequizar, civilizar e integrar.” Uma educação escolar que se firmou até meados do século XVIII e que saiu de cena com a chegada das ideologias iluministas por Marques de Pombal que expulsou os jesuítas e usa a educação escolar indígena para integrar os indígenas na sociedade colonial. 

Portanto, a educação escolar hoje representa para os indígenas a possibilidade de sobrevivência, de conhecimento e de resistência ao contato cada vez mais intenso com as comunidades envolvidas, fato este decorrente da grande diversidade etnocultural, em que tem transformado a nação brasileira (BASTOS, 2006). 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), uma ferramenta que articula o processo de inclusão da pluralidade cultural vem de forma sistemática fortalecer os desafios deixados pelo período colonial para a escola indígena. 

[…] O grande desafio da escola é investigar na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõe a sociedade. (PCN,2001, p32)

Ao entreter, estas colocações, é compreendido que a sociedade indígena sempre foram alvos de estudos em tempos passados e presentes. Por estes e outros motivos, a educação indígena representa uma defesa de toda a cultura dos povos indígenas. Pelo trabalho de Bastos (2006), se evidencia os meios próprios de formalizar a educação escolar dentro das escolas indígenas no passado e presente.

As sociedades indígenas têm seus próprios meios de produzir e transmitir os conhecimentos necessários à realização do trabalho que garanta a sobrevivência da comunidade e a preservação das tradições culturais. Têm também códigos jurídicos e sociais que norteiam o comportamento individual e grupal. (BASTOS, 2006, p.12)

A escola como instituição formal de instrução para os povos indígenas, tem-se tornado um marco de lutas e conquistas, e consequentemente uma parte da história esquecida e marginalizada. Em plano nacional, a educação escolar indígena vem incorporando avanços significativos nas últimas décadas, uma legislação regular, a Constituição Federal (CF/88), que assegura às comunidades indígenas o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem artigo 210, e o Estado protegerá as manifestações culturais indígenas conforme artigo 215. 

De acordo com Sales (2015, p.15).

Na atualidade educacional brasileira, se reconhece uma nova ordem de direitos e deveres, onde as legislações são palco de discussões e questionamentos e se elas acontecem de maneira íntegra na prática. E os povos indígenas grosso modo têm reconhecidos suas formas próprias de organização social, seus valores simbólicos, tradições, conhecimentos e processos de constituição de saberes e transmissão cultural para as novas gerações. 

Em tempos atuais, a educação escolar indígena conquistou seus direitos na Constituição, em pareceres, estatutos e uma gama de documentos, mas, o maior desafio é fazer cumprir a legislação, é preciso reconhecer a legitimidade dos povos indígenas na formação da nação brasileira de cultura e costumes diversificados. Em tese fracionada, a educação escolar indígena ainda engatinha para dias melhores onde o indígena terá seu direito de continuar a ser índio, sem que as palavras de ordem como integrar, expressões de uma atitude etnocêntrica e preconceituosa desconstrua sua identidade cultural firma ao longo de suas lutas. 

O catalizador construtivo de uma educação de qualidade, em meio a uma sociedade que o processo de educação ainda é a base das desigualdades sociais, nos habilita a pensar na importância de se conhecer, compreender e contribuir para uma ideologia efetiva a respeito dos processos e meios próprios de educação dos povos indígenas, estabelecendo uma pedagogia que qualifica este processo próprio. Como coloca um renomado pensador e escritor indígena Baniwa: 

O avanço quantitativo, pelos sistemas de ensino, da oferta de ensino escolar não tem sido acompanhado, porém, pela qualidade e a especificidade que as comunidades e os povos indígenas desejam, seja no que concerne à infra – estrutura e ao material didático, seja quanto ao assessoramento e ao apoio técnico e pedagógico específicos para a formulação  e a implantação de processos políticos- pedagógicos requeridos pelos povos indígenas e garantidos pela Constituição Federal e outras leis regulamentares do país. (LUCIANO, 2006, P.142) 

É recorrente em nosso país, após a Proclamação da República, os discursos idealizarem que a escola é um lugar necessário e essencial para todos; um discurso pertinente e necessário. Saber ler e escrever tornou-se instrumento privilegiado de aquisição de saberes e esclarecimentos deste imperativo mundo da modernização e desenvolvimento social, mas, que em sua totalidade deve- se levar em conta as particularidades de uma sociedade diversificada e dinâmica desde seu processo histórico de formação.

Portanto, a leitura e a escrita que se encontrava restrita e para poucas pessoas, tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, leiga, gratuita e objeto de ensino e aprendizado. Cria-se então um contexto, onde, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas ao ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados, como afirma Mortatti:

Especialmente desde as últimas duas décadas, (do século XX) as evidências que sustentam originariamente essa associação entre escola e alfabetização vêm sendo questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizar as promessas e os efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. (MORTATTI, 2006, p.3)

Em decorrência da imensa responsabilidade repassada para a escola, advinda das famílias, do próprio sistema de gestão escolar e do novo modelo social em que se desencadeou na sociedade capitalista, o verdadeiro papel da escola se confunde em meio a diversidade de problemas jogados como função da escola resolvê-la.  Uma temática abordada e discutida nos centros de ensinos e formações de professores e que vem a contribuir neste processo de formação profissional. O conhecer vem fortalecer o processo de preservação e manutenção das culturas milenares que contam a história dessa nação miscigenada e rica por natureza.

2.3 Educação Escolar Indígena Bilíngue e Intercultural Javaé.

O reconhecimento de uma educação bilíngue intercultural dentro das escolas indígenas constitui um avanço nas políticas públicas que se volta para a educação escolar indígena, e ao mesmo tempo é recorrente a formação de novos paradigmas frente à sociedade não indígena. Numa proposta de educação nacional, o sistema de educação bilíngue intercultural ainda é visto como paralelo aos modelos já em prática. Mas, em termos gerais a educação indígena sai da condição de telespectador e de um modelo colonial para novos resultados como nos coloca Pimentel da Silva (2010, p.12):

[…] O primeiro deles é o rompimento com a proposta de educação que se dizia bilíngue e tinha como meta servir tanto a propósitos religiosos – a evangelização das comunidades indígenas – quanto à estratégia de integração dos povos indígenas à sociedade não –indígena.

A autora ainda incita que a educação bilíngue e intercultural é uma iniciativa inovadora, e que parte de uma proposta e projeto próprio dos povos indígenas. 

[…] De um modo geral, a proposta de educação intercultural foi pensada partindo das próprias expectativas dos indígenas para a obtenção de conhecimento que garantiriam a posse e o gerenciamento dos seus territórios, conseguindo meios para melhorar as condições de vida de suas comunidades, reforçar a língua materna, os costumes, as tradições do povo e manter sua cultura. (PIMENTEL DA SILVA, 2010, p.12)

Portanto, a educação bilíngue e intercultural é uma proposta em construção, como de fato é o processo de formação dos cidadãos e da educação em geral, esta proposta vai de encontro ao que defende a Constituição Federal em seus Artigos 210 e 215, que rege pela recuperação das memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas e pela revitalizada associação entre escola, à sociedade e a identidade cultural. (SALES, 2015)

Brasil (2002):

Art. 210-§ 2º-O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurando às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 215-§ 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

A educação bilíngue em seu contexto histórico não se limita ao ensino de duas línguas descontextualizado de uma realidade educacional, mas, sim num processo sistematizado e interdisciplinar no interior das unidades escolares indígenas, colocando em pauta o sistema de conhecimento cultural, visão de mundo segundo a sua realidade, afirmação de valores e cidadania, não se limitando ao sistema de códigos. Pimentel da Silva (2010, p.13), enfatiza a amplitude deste contexto bilíngue, “[…] educação bilíngue é um projeto muito mais amplo, do qual fazem parte as línguas, como área de conhecimento específico, e também outros saberes – ciências, arte, cosmologia, visão de mundo – veiculados, evidentemente, por meio das línguas.”

Em detrimento das abordagens qualitativas formalizadas na forma de leis como; a Constituição Federal de 1988, LDB 9394-96, BNCC, entre pareceres e emendas constitucionais, o que se constata é que todos estes instrumentos que rege os processos educacionais aos povos indígenas são feridos de tal forma que nem o mínimo estabelecido são de fato oferecidos em sua totalidade. Uma realidade no interior das escolas indígenas Javaé quando se busca entender esta educação bilíngue e intercultural, e que na maioria quase uma unanimidade desse povo são agrafos em sua própria língua, o que nos leva a um questionamento real, qual a função dessa educação de caráter bilíngue de que assegura a legislação aos povos indígenas¿ e porque o estado em sua função primordial de zelar e desenvolver metodologias próprias de ensino aprendizagem a estes povos nada tem feito para diminuir esta realidade preocupante¿ 

A escola no interior das comunidades indígenas Javaé é uma conquista de aproximadamente 50 anos, em comparação ao processo histórico das escolas em nosso país que tem quase 518 anos de existência, é considerada uma escola nova para este povo, mas, que é vista como a porta de saída para muitos problemas enfrentados por eles nesta nova modulação do conhecimento e dos mercados de trabalho, razão essa que faz da escola um espaço de constatação de suas crenças, valores e meios próprios de ver e viver o mundo em paralelo com este mundo de cultura e costumes diferentes dos não índios  (tory- nome dado aos não indígenas), mas, que fazem parte de um mesmo contexto histórico, social e de cidadania unificada.  

No ano de 1991 por meio de um Decreto Presidencial (nº. 26/ 91) retira da Fundação Nacional do Índio (Funai) a incumbência exclusiva de conduzir processos de educação escolar em comunidades indígenas.  E ainda neste mesmo ano, foi editada a Portaria Interministerial 559- 9, estabelecendo que a educação escolar indígena deixa de ter caráter integracionista, conforme previa o Estatuto do Índio- lei nº. 6.001 /73 e passa a ser regida pelo reconhecimento da multiplicidade cultural e linguística dos povos indígenas e pelo direito a eles assegurado de viver de acordo com suas culturas e tradições. (BERGAMASCHI, 2012.P37.).

De acordo com esta mesma autora, as responsabilidades estão bem claras e com nome e sobrenome da entidade mantenedora:     

[…] a Constituição responsabiliza o Estado pela proteção e pelo respeito às culturas e tradições indígenas (artigo 210), o que implica numa atitude respeitosa dos próprios órgãos governamentais no relacionamento com estes povos e no acolhimento de suas demandas. (BERGAMASCHI, 2012.P37.) 

Portanto, a partir destes direcionamentos legais é pertinente a ideologia real na escola discutida e pensada pelo índio, onde as possibilidades de recriação da escola local é a base para o fortalecimento da multiplicidade de povos indígenas em nosso país, que gozam de culturas e saberes diferentes, levando em conta as individualidades e necessidades de cada comunidade envolvida no processo de educação escolar indígena.  Aqui como objeto deste estudo a educação indígena do povo Javaé, bilíngue, pensada e desenvolvida por meio de pedagogias indígenas próprias, reflete toda a realidade distorcida do que preconiza as leis. 

2.4 Práticas de Alfabetização e Letramento na escola indígena Javaé.

Neste contexto, da educação indígena diferenciada e específica, fica nítida a oportunidade de se pensar e compreender as práticas docentes na alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental nas escolas indígenas do povo Javaé da Ilha do Bananal, Tocantins, isso, se partimos da premissa do processo específico de criação das escolas indígenas, se criadas para o índio ou uma escola criada e pensada pelo índio? Estas inquietações são marco legítimo ao se pensar as práticas docentes dentro das escolas indígenas, aqui neste projeto das escolas indígenas Javaé; questões estas, colocadas por Giraldin (2010):

O que temos observado na universalização do acesso à escolarização entre os povos indígenas no Brasil é que a escola “diferenciada e específica” ocorre principalmente com o ensino da língua materna, arte e cultura. No restante da organização, administração, calendário, conteúdos, ela segue toda a lógica disciplinadora de formação de hábitos da escola não indígena (estrutura física e organizacional), que se estende para as escolas indígenas. Com isso, a escola acaba transmitindo os valores individualizantes da sociedade não–indígena.  (GIRALDIN, 2010, p. 55) 

As ressalvas a que se compreende fica as margens de que as práticas docentes nas escolas indígenas, norteadas por uma realidade diferente e não diferenciada não aconteçam em sua totalidade. Isso porque, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação é clara em suas colocações onde:

Na Constituição Federal, os artigos 231, do capítulo VIII e artigos 210, 215 e 242 são específicos ao declarar que:

Art.231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Art. 210-§ 2º-O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurando às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 215-§ 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Art. 242-§ 1º -O ensino da história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96), em seu Título VIII, art 78 contempla as responsabilidades pela Educação Escolar Indígena: 

Art. 78. O sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
I – Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências;
II – Garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Portanto, ao pensar as escolas indígenas por meio de sua realidade o que contraria as exigências e demandas da carta magna e da LDB, pode-se perceber que, “hoje as escolas dentro das aldeias se encontram nos pilares de uma escola para o índio e não uma escola criada e pensada pelo índio”, onde sua cultura, suas crenças, tradições e meios próprios de ensinar e aprender seja o ponto central do sistema de educação diferenciada e específica dos povos indígenas.   

Dessa forma, a oferta de educação escolar para os povos indígenas que vivem no Brasil, da maneira como acontece em sua grande maioria, com o discurso da interculturalidade, mas assumindo uma posição funcional e não crítica, assume mais o papel de uma pedagogia da conversão antes exercido pelos missionários religiosos. Antes a catequização; agora a escolarização. Com meios diferentes, atingindo-se os fins semelhantes. (GIRALDIN, 2010, p. 55)     

Ao analisar a representação dos indígenas no seu contexto educacional, como a gente suporte da educação básica e na produção didático – pedagógico, percebe-se que existe uma política voltada para um processo integracionista e não de participação ativa mencionada nas legalidades constitucional da Constituição Federal, LDB e pareceres voltados para educação indígena. 

Portanto, ao partir dos marcos legais que tangenciam este estudo dentro das escolas indígenas do povo Javaé, é visível como as práticas educacionais se encaminham para os mesmos fins colonizadores, onde o que se observa dentro da escola é que, o currículo comum (língua portuguesa, matemática, ciências…etc.) é contemplado por um documento referência que sustenta os objetos de estudos dos quatro bimestre, enquanto que o currículo diferenciado para as escolas indígenas (língua indígena e saberes indígenas) ficam à deriva, desprovido de um documento referência criado e desenvolvido pelos órgãos de competência juntamente com a comunidade envolvida. 

Levando em conta, em primeira instância para estudo e análise, de que está sendo levantada apenas os marcos legais que regulamentam a prática docente no interior da unidade escolar, e que definem a educação formalizada para um ensino- aprendizagem de qualidade dentro da escola indígena do povo javaé, e é evidente a vulnerabilidade e a fragilidade desse ensino ofertado pelo estado do Tocantins as escolas indígenas. E como a ausência dos estados e municípios fere os processos educacionais ao ponto que exime-se de seus deveres mediante ao que descreve a legislação (CF/1988 e LDB 9394/1996)  

A falta de materiais didático-pedagógicos próprios, dentro das escolas indígenas Javaé, uma realidade de descaso e falta de vontade política, congela o processo de formação de novas práticas docentes frente às dificuldades de condições de trabalho fornecido pelo MEC e os seus Departamentos Regionais de Educação.  Como nos coloca Mattos (2012, p.14): 

A Educação Escolar Indígena está repleta de questões que podem abrir ao discurso do que é a escolarização para o indígena e a própria escola indígena na aldeia com projeto apropriado e garantia de melhoria de vida apenas para alguns ou para toda a comunidade indígena. Essa questão torna-se um desafio no sentido de conseguir atender as especificidades de um povo e sem deixar cair ou reduzir apenas ao atendimento de políticas de inclusão social com alguns programas.

A expectativa aspiradora de contribuir para diminuição a distanciamento entre o discurso legal e as ações efetivamente postas em prática nas salas de aulas, Bastos (2006, p. 75) pontua a necessidade de acordo a demanda real das escolas indígenas hoje:

[…] as escolas indígenas necessitam de formação de pessoal especializado, currículos mais próximos de suas realidades e mais condizentes com as novas demandas de seu povo, capazes de promover junto aos alunos indígenas o exercício pleno da cidadania e da interculturalidade, o respeito às suas particularidades linguísticas – culturais. Assim não resta dúvida que o currículo deve ser elaborado seguindo os conhecimentos tradicionais da comunidade, sempre associados aos conhecimentos de outras culturas.  

A definição dos objetivos determinado pela comunidade indígena Javaé, em relação ao processo de educação formalizada de sala de aula, é pensada em um processo bem mais amplo que o definido em currículo comum, determinado pelas secretarias de Educação e diretorias regionais, as comunidades em geral buscam contemplar em seu currículo próprio, a valorização de seus conhecimentos tradicionais, suas particularidades linguísticas, seus modos próprios de ver e viver no mundo, mas também, querem que os conhecimentos necessários adquiridos ao longo da história da humanidade regulamentado e organizado na forma de áreas do conhecimento (língua portuguesa, matemática… etc.) seja introduzida de forma paralela dentro das escolas indígenas, e não, como de fato está acontecendo, o currículo comum absorvendo o currículo próprio de cada povo. 

Para formalizar uma inquietação, deste estudo é um mal entendido dentro das políticas públicas de caráter educacional, de que quando os povos indígenas por via de seus grupos organizados, reivindicam que seus calendários escolares, seu currículo, suas formas de fazer o processo ensino- aprendizagem (pedagogias próprias), suas festividades, sejam respeitada e contemplada de forma integral dentro das normativas que regulariza todo o processo de educação, não é que o indígena desconhece e desvaloriza o conhecimento construído ao longo da história da humanidade pelas ciências e organizada num processo sistematizado de educação para todos. O que de fato os indígenas querem é reconhecimento como povos originários e diferenciados culturalmente na forma da lei e do atendimento, mas, que são cidadãos brasileiros de direitos e deveres perante ao mundo globalizado.

Entretanto, as políticas públicas devem contemplar as duas linhas de conhecimento como elemento essencial para a formação de uma educação de qualidade, e que independe do povo a ser atendido, indígena, quilombola, afro – descendente…; o que de fato está na pauta é a educação, uma educação que respeita as particularidades de cada povo e inova sem que as raízes culturais se percam em nome de um processo unificador em formação de um só povo e uma só raça; e sim a diversidade de saberes e conhecimentos que se desenvolve ao longo da história dessa nação chamada brasil.   

Em tese, este projeto de estudo não busca e nem tem as pretensões de esgotar e dar-se por acabado os debates sobre a vasta temática, as citações e possibilidades de inovações frente à educação indígena bilíngue e intercultural, até aqui integralmente discutidas, são passivas se as políticas públicas não as ver como pontos importantes dentro do sistema de educação diferenciada e específica para os povos indígenas.  

Uma educação intencional e planejada requer mais do que matérias didáticas- pedagógicas e financeiras, exige uma materialização humana capacitada e com suportes de trabalho, com objetivos estabelecidos e voltados à formação de cidadãos comprometidos com o desenvolvimento de uma nação saudável e sustentável de valores e princípios éticos. 

3. CONCLUSÃO 

Em nosso país uma realidade colonial visível e notavelmente estarrecedora de que muitas pessoas já escolarizadas são consideradas analfabetas funcionais, ou seja, não são capazes de compreender o que leem. Por meio desta realidade ofuscante das escolas é fundamental que os educadores principais atores e formadores deste cenário compreendam o que é alfabetização e o que é letramento para que suas práticas pedagógicas não se tornem automática e descontextualizada, e que vise uma alfabetização significativa.

Leda Verdiani Tfouni, em sua obra “Letramento e Alfabetização”, enfatiza a preocupação com o letramento e os caminhos da alfabetização em nosso país. Leda conceitua como produto e processo os termos, “alfabetização e letramento”; enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o letramento são processos de aquisição de um sistema escrito. Partindo deste contexto uma questão é óbvia; como verificar de forma eficaz a quantidade de alfabetizados e letrados se ao menos possuímos um mapeamento preciso sobre a realidade da educação? Essas são questões que deveriam ser priorizadas e resolvidas antes de qualquer outra preocupação. Os países ditos “1º mundo” não se encontram envolvidos em um caos educacional como o nosso, os problemas que já foram resolvidos lá, ainda precisam ser aplicados aqui.

Portanto, na educação escolar indígena não deve ser diferente, por adotar uma nomenclatura nas constituintes de diferenciada e específica, mas, que na prática não se diferencia quase nada com exceção de calendário. Mediante essa realidade nota-se que as crianças indígenas Javaé e parte adulta são ágrafos em sua língua materna, pois no seu cotidiano convive com a oralidade, ou seja, apenas são falantes, ao passo que a escola carece de matérias didáticos – pedagógicos bilíngue na alfabetização e letramento; uma realidade cercada de possibilidades de mudanças se de fato as políticas públicas se voltassem para estas e outras deficiências da educação pública. 

Outra questão que ofusca os princípios básicos da educação escolar diferenciada, específica e de qualidade dentro da comunidade indígena javaé, está voltada ao corpo docente que não atende as especificidades da estrutura curricular obrigatória de áreas de atuação e conhecimento, questões centrais que por via deste projeto de estudo se visualizou uma necessidade real e de extrema urgência para o estado desenvolver ações concretas no sentido da formação destes profissionais “uma reformulação do magistério indígena” o que de fato minimizará mais não sanará. Mas é importante frisar que nas últimas décadas muitos avanços no campo educacional das escolas indígenas têm acontecido, e que os caminhos vêm sendo trilhados por um futuro de conquistas.

Por se tratar de um projeto de estudo e com ideologias conclusivas, mas em um contexto dinâmico e um processo em contínua construção, fica a expectativa de que a materialização dessa ideia fortalecerá os processos que tangenciam a educação escolar indígena somando benefícios no trabalho do professor e na vida de cada indivíduo envolvido. Este projeto nasceu da necessidade real da docência e de sua importância dentro das escolas Javaé, como processo sistematizado e intencional.

Portanto, este projeto de estudo não se limita e nem tem pretensões de dar respostas a todas as deficiências da educação escolar Javaé, mas sim, busca contribuir e compreender o processo de alfabetização e letramento nos anos iniciais do ensino fundamental dentro das escolas indígenas do povo Javaé da ilha do bananal, Estado do Tocantins, produzindo possibilidades de reflexão, discussão e formação de novos conhecimentos.

REFERÊNCIAS 

BASTOS, Elender Roberto Batista. Diagnostico Educacional do Ensino Fundamental na Escola Indígena Tainá, Localizado na Aldeia Canoanã do Povo Indígena Javaé – Tocantins. Porto Nacional, 2006.  (Monografia Fundação Universidade Federal do Tocantins como obtenção do titulo de especialista em Docência do Ensino Superior.) 85p. 

BERGAMASCHI, Maria A. et alii. Povos indígenas e educação, 2ª ed. – Porto Alegre: Mediação, 2012. 200p. 

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______ Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Presidente da República. Brasília: Senado Federal, 2002.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidente da República. Brasília: Ministério da Educação, 1996.

GIRALDIN, Odair. Aculturação e interculturalidade no Brasil: duas faces (duas fases) de uma mesma moeda. –Goiânia. Ed. da PUC Goiás, 2010.  (Cidadania, interculturalidade e formação de docentes).

LUCIANO, Gersem dos santos Baniwa. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no brasil de hoje – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED- Museu Nacional, 2006. 

MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores- São Paulo: Paulinas, 2007. – (coleção literatura e ensino).

MATTOS, Maria Leci de Bessa. A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA JAVAÉ: um diálogo com as políticas públicas e o etnodesenvolvimento (Dissertação de mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional do Programa de Pós-Graduação em Administração do Departamento de Economia, Contabilidade e Administração da Universidade de Taubaté. – São Paulo: 2012.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Brasília: Conferência proferida durante o Seminário “Alfabetização e letramento em debate”, promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, 2006.

PIMENTEL DA SILVA, Maria do Socorro- Reflexão político- pedagógica sobre educação bilíngue intercultural. –Goiânia. Ed. da PUC Goiás, 2010.  (Cidadania, interculturalidade e formação de docentes).  

SALES, Célio Siqueira- A educação indígena na escola javaé – estudo sobre o teatro e a dança dos aruanãs, Gurupi,2015, 70p. (monografia licenciatura em artes cênicas) Instituto Federal de Educação do Tocantins. 

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Trabalho apresentado na 26° Reunião Anual da ANPED, Minas Gerais, 2003.

______ Alfabetização e letramento. 5ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização/ Leda Verdiani Tfouni – São Paulo: Cortez, 1995. – (coleção questões da nossa época; v. 47).