JORNALISMO DIGITAL EM REDES SOCIAIS: TRANSMÍDIA, VÍDEOS NO INSTAGRAM E O CASO DA BBC BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7931049


Raniê Solarevisky de Jesus¹


Introdução

A distribuição e o consumo de conteúdo informativo concentram-se nas redes sociais atualmente. Dados da edição mais recente do Reuters Digital News Report (REUTERS, 2022) apontam que, em contraste com redes como YouTube e Facebook, o Instagram tem crescido como mídia para acesso a notícias desde 2016 em mais de 40 países – incluindo o Brasil. Enquanto isso, pesquisas como a de Mendes (2022) atestam que leitores mais jovens consomem notícias majoritariamente nestas plataformas, superando por uma larga margem os sites proprietários dos veículos de imprensa, por exemplo. Para além do local de consumo – capaz de determinar como ele ocorre, em grande medida – Winques (2016) já demonstrou em trabalho seminal como o uso de elementos multimídia mais atraentes e interativos costumam mobilizar a atenção de gerações mais jovens até mesmo em formatos mais extensos, como o longform.

A despeito destes dados, no entanto, ainda há ampla resistência dentro das redações e das salas de aula a encarar os perfis de imprensa em redes sociais como uma plataforma que precisa ser abastecida com conteúdo autoral, planejado, exclusivo para a plataforma e, sobretudo, independente daquele que se encontra no site do veículo. Pela clara demonstração de demanda do público, as redes não deveriam ser tratadas apenas como redirecionadores de tráfego para o site – onde os acessos são mais diretamente monetizados pelas organizações.

No centro dessa discussão, situa-se o conceito de “transmídia”, debatido com grande efervescência (pelo menos) desde a publicação do livro de Harold Jenkins em 2006. No campo do Jornalismo, por sua vez, esse debate frequentemente utiliza leituras questionáveis da obra do autor, referenciado nos textos que indicam uma compreensão rasa ou até mesmo equivocada da noção de “convergência”, por exemplo.

Este texto tem como objetivo pinçar soluções para os problemas apontados com base no caso da BBC Brasil, que dedica-se para produzir conteúdo específico para seus canais nas redes sociais. Não é nossa intenção produzir uma revisão de literatura sistemática sobre transmídia no jornalismo, mas sim beneficiarmo-nos de trabalhos que já executaram essa empreitada para apontar elementos de nossa questão-problema.

Cultura Digital e Transmídia como contexto

Segundo Jenkins (2009; 2014), uma estratégia transmídia fragmenta um universo narrativo em múltiplas histórias, distribuídas em plataformas distintas, no qual

“nenhuma obra em particular reproduz todos os elementos, mas cada uma deve usar os elementos suficientes para que reconheçamos, à primeira vista, que essas obras pertencem ao mesmo universo ficcional. […] o valor surge a partir do processo de busca de sentido (e a elaboração da história pelo público), e não apenas a partir da intencionalidade dos irmãos Wachowski [em referência aos filmes de Matrix]. O que eles fizeram foi desencadear uma busca de sentido; eles não determinaram onde o público iria encontrar as respostas.” (JENKINS, 2009, p. 20)

A proposição de Jenkins (2009; 2014) para o termo “convergência”, portanto, é absolutamente distinta da noção utilizada por diversos textos acadêmicos que apontam para um movimento de confluência de todos os conteúdos para a web, ou de toda a atenção do público para o celular – a exemplo do que propõem Oliveira et al (2021). Embora possamos examinar fenômenos que se inscreveriam nessa leitura mais genérica dos fluxos de informação em nosso tempo, eles estariam apenas marginalmente ligados à discussão de Jenkins sobre convergência.

Ao tratar de “convergência”, Jenkins (2009; 2014) refere-se a uma “cultura de convergência”, importante para a sustentação de estratégias transmídia. Trata-se do movimento de montagem do quebra-cabeças produzido pela fragmentação de um universo narrativo. Se o esforço das empresas de conteúdo é o de deixar sinais e referências de conexão pontilhados entre esses fragmentos, é o público quem faz o esforço de convergência – ou seja, de reunir esses pedaços soltos de narrativa, montando uma associação clara entre fatos, personagens e lugares de um determinado universo narrativo.

Um princípio importante de uma composição transmídia, ainda segundo Jenkins (2009; 2014), é o de que cada parte do universo narrativo conserve certa independência dos demais, ao mesmo tempo que consiga complementar pontas soltas e referências deixadas espalhadas em cada peça. No jornalismo, há bons exemplos de práticas neste sentido, praticadas sobretudo em materiais especiais ou com trabalho de reportagem mais denso (CANAVILHAS et al, 2019; OLIVEIRA et al, 2021; SANTANA, 2019).

Nestas produções, uma matéria publicada no site é complementada por um documentário no YouTube, coleta de depoimentos no Facebook ou criação de um aplicativo específico para uma experiência de imersão. Como a própria enunciação do exemplo faz parecer, um trabalho como esse pode ser extremamente dispendioso em termos de tempo, recursos financeiros e até mesmo carecer de disponibilidade e qualificação dos profissionais envolvidos.

No entanto, para além dos constrangimentos operacionais, o sucesso de estratégias transmídia depende, em grande medida, da ação do público, que precisa engajar-se nas atividades de convergência (JENKINS, 2009; 2014). Com efeito, a dificuldade de alguns autores de situar corretamente a noção de “convergência” da obra de Jenkins parece vir justamente da maneira como o Jornalismo acostumou-se a lidar com suas audiências: ignorando seus anseios reais e pautando o que a redação pensa ser importante. O fenômeno foi chamado de “newsgap” por Bockowiski e Milchestein (2013) em livro que examinou mais de 50 mil peças informativas de jornais de referência de todo o mundo – incluindo periódicos do Brasil.

Produção da BBC Brasil no Instagram

Para Santana (2019), o jornalismo transmídia da BBC Brasil ainda era experimental em 2019. O autor destaca que haviam poucas publicações nas redes sociais à época, além de perceber poucos ganhos expressivos no jornalismo factual. Em 2022, o quadro parece ter mudado, com muitas publicações sendo realizadas em uma mesma rede no mesmo dia. E ao contrário do que indicava o mesmo autor, a maior parte dos conteúdos que formam um conjunto narrativo coeso sobre a mesma pauta são de assuntos com forte componente factual (Cf. SANTANA, 2019).

Para os efeitos de análise deste texto, selecionamos todos os posts publicados pelo perfil oficial da BBC Brasil no Instagram durante o mês de agosto de 2022. Nossa amostra constitui-se, portanto, de 140 publicações compartilhadas no feed principal do perfil.

Para examinar nosso corpus e definir categorias de análise, utilizamos o software Atlas.Ti, sob o método da codificação focada (LEWIN; SILVER, 2007), que é baseada na grounded theory – utilizada aqui na proposição de Charmaz (2009). Por esse caminho, a identificação de itens de interesse para a pesquisa é realizada pela leitura e análise reiterada dos posts, sem definição de lentes de investigação anteriores ao contato com os elementos empíricos da pesquisa.

Utilizando esse tipo de leitura dos posts coletados do Instagram, salvos na própria plataforma, encontramos 7 formatos de publicação no perfil da BBC Brasil: Foto sem manchete; Foto com manchete; Foto com manchete e olho; Foto com citação e olho; Listas, Carrossel; e Vídeos Legendados, distribuídos conforme a tabela a seguir:

Tabela 1 – Distribuição de Posts da amostra de pesquisa. Fonte: Autoria própria.

Tipo de PostQuantidadeProporçãoLink na bio
Todos140100%
Foto sem manchete75%Não
Foto com manchete3021,42%Sim
Foto, manchete, olho75%Sim
Foto, citação, olho2719,28%Sim
Foto, manchete, lista75%Sim
Carrossel1913,57%Sim
Vídeos legendados6244,28%Não

A Tabela 1 mostra que os vídeos curtos publicados pela organização compõem a maior parte do conteúdo publicado nas redes sociais (44,28%). Os vídeos dedicam-se a temas de editorias variadas mas, em sua maior parte, tratam de temas complexos ou inusitados de grande valor factual, mais adequados a uma notícia do que a uma reportagem. Alguns exemplos incluem orfanatos abandonados na Ucrânia, os sintomas da Covid longa, a lista de candidatos a eleição presidencial, sintomas e tratamento de Alzheimer, o uso de animais para testes de laboratório, as mudanças de legislação sobre cigarros eletrônicos, a descoberta de um novo vírus na China, o resgate de acidentados na queda de uma ponte, um estupro coletivo ocorrido na África do Sul ou a posse do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral no Brasil.

Nenhum dos vídeos pede que o usuário se dirija a um “link na bio” ou ao site da organização para ter acesso efetivo ou completo às informações sobre um fato reportado. Em nossa amostra, nem todos os temas tratados nestes vídeos também foram apurados em reportagens publicadas no site da organização, o que corrobora seu aspecto de unidade informacional independente, mas potencialmente complementar. Na verdade, em todo o conjunto de posts de nossa amostra, apenas 60 das 140 publicações (ou 42,85% do total) fazem referência a reportagens publicadas no site da BBC. Os vídeos aparecem sempre acompanhados das hashtags “BBCcurtas” ou “EstúdioBCC”. A última é utilizada quando o vídeo também foi publicado no YouTube, mesmo que tenha sido editado em formato mais sucinto para o Instagram.

Essa estrutura, que referencia eventual e ocasionalmente complementos para as histórias narradas nos posts do Instagram, está em sintonia com os preceitos de construção de uma narrativa transmídia (JENKINS, 2006; 2009; CANAVILHAS et al, 2019).   Com efeito, o maior obstáculo para que a imprensa consiga seguir bem a fórmula aplicada com sucesso por todos os outros segmentos das indústrias de conteúdo parece estar no foco demasiado para a distribuição em vários canais, sem se preocupar com o exclusividade de conteúdo para cada um. Agindo dessa forma, ao invés de suscitar curiosidade no público, capaz de sustentar uma “cultura enciclopédica” e de “convergência” (JENKINS, 2006; 2014), a imprensa vê-se obrigada a forçar os saltos entre plataformas, por meio de práticas como o clickbait, que é claramente identificado e criticado pelo público, a exemplo do post[1] do Globo da Figura 1.

Figura 1 – Print de post do jornal O Globo demonstra comentários de usuários insatisfeitos com a prática de clickbait com o termo “link na bio”. Fonte: Captura de tela do perfil do jornal no Instagram.

Em 2019, em material elaborado para curso oferecido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o editor Arnaldo Carvalho (2019) postula que os primeiros 15 segundos de um vídeo nas redes sociais vão definir se ele será capaz de mobilizar atenção suficiente para sua visualização até o final – com variações desse tempo para menos segundos, a depender da rede-alvo. Nos vídeos da BBC Brasil, os primeiros segundos são sempre ocupados com uma pergunta ou uma chamada que serve como mote para prender a atenção do usuário.

Fonseca (2021) delimita 3 regimes de atenção para o jornalismo digital: atenção fragmentada, multiatenção e imersão. Numa escala que faz avançar o uso de métricas de acesso pelas redações, recursos de interação e sofisticação dos discursos, cada um dos níveis identifica-se mais com determinado tipo de produção, considerando as notícias clickbait como mais afins à atenção fragmentada e as matérias especiais em longform ou aplicativo de realidade virtual como experiências imersivas (FONSECA, 2021). Os vídeos da BBC, no entanto, parecem colocar em dúvida essas associações, na medida em que mobilizam uma atenção circunstancial, mas não capturam o usuário para induzi-lo a clicar em um link, e sim para informá-lo sobre alguma coisa, sem exigir ou induzir novos agenciamentos.

Um exame das palavras mais frequentes utilizadas pelos jornalistas que apresentam os vídeos corrobora a natureza explicativa da maioria das produções: a maior parte das manchetes dos vídeos inicia com os termos “como” ou “por que”. E quando a natureza explicativa do conteúdo não está evidenciada nos termos que compõem a manchete, o argumento é quem se encarrega de mostrar, com vocabulário simples, os dados principais associados a uma ocorrência.

Figura 2 – Vídeo curto sobre covid longa publicado no perfil da BBC Brasil. Fonte: Captura de tela do perfil.

O segundo maior grupo de publicações (21,42%) é constituído de fotos com manchetes sobrepostas. Nestas, concentram-se fotos de personalidades do passado, com o texto da legenda em tom próximo ao de um perfil jornalístico (TRAQUINA, 2020). Outras publicações elucidam acontecimentos de última hora que precisam virar notícia com urgência, a exemplo da abertura repentina e inexplicável de uma grande cratera no Chile.

Figura 3 – Foto com manchete sobreposta em perfil da BBC Brasil no Instagram. Fonte: Captura de tela do perfil.

Nesses casos, há um reforço do que apontam Canavilhas e colaboradores (2019), assim como Oliveira e outros (2021) e Santana (2019): esse grupo de publicações, apesar de reunir posts com legendas relativamente extensas, permitindo um consumo situado apenas no Instagram, sempre incluem o aviso de que a reportagem completa pode ser encontrada em outro lugar. Além disso, emprestam parte de seu texto da notícia publicada anteriormente no site, diminuindo seu nível de exclusividade e tornando a navegação de complementação que caracterizaria uma experiência transmídia irrealizável, uma vez que o conteúdo no Instagram e no site é essencialmente o mesmo.

O terceiro maior grupo de posts é composto de publicações que destacam citações. Em acordo com preceitos há muito repetidos na profissão, as histórias humanas costumam mobilizar mais atenção (TRAQUINA, 2020; LAGE, 2021; KOVACH; ROSENSTIEL, 2021) e, com a inclusão de personagens e suas declarações em evidência, era de se esperar que a organização valorizasse esse tipo de conteúdo. A valorização da figura humana também é tida como importante para que qualquer publicação tenha bom desempenho nas redes, conforme achados dos relatórios da Reuters (2022) e HootSuite (2022) – o que também ajuda a valorizar os vídeos da BBC, que sempre são apresentados por um jornalista diante da câmera.

Figura 4 – Post com citação de personagem sobreposta à foto no perfil da BBC Brasil. Fonte: Captura de tela do perfil.

Apesar das diferenças entre cada um dos formatos, em qualquer um dos tipos identificados, a construção dos posts resgata a noção de blocos informativos, proposta por Canavilhas (2014) como unidades de produção e consumo da informação para o jornalismo na internet. Segundo sua definição, os blocos que constituem uma mesma peça informativa devem guardar independência entre si, sem obrigar o usuário a uma leitura linear – que efetivamente não existe na internet (WOLF, 2018; LEMOS, 2019). É justamente por isso que a insistência em um modelo de post para as redes que reserva a maior parte da informação para uma segunda leitura no site da organização não tem sentido prático. Mesmo que a BBC ainda utilize esse formato, ele é menos frequente no perfil da organização do que os vídeos curtos produzidos para consumo no próprio Instagram.

Dessa forma, as publicações da BBC Brasil no Instagram alinham-se com as políticas mais gerais de publicação[1] da organização com sede no Reino Unido, com grande foco na oferta de contexto. Essa postura parece alinhada à busca por explicações e investigações mais densas, num tempo caracterizado pela oferta demasiada de informações rasas ou dispostas de maneira não estruturada (WOLF, 2018; LEMOS, 2019; REUTERS, 2022; HOOTSUITE, 2022), colocando o jornalismo à procura de instrumentos capazes de prender e corresponder a atenção recebida de suas audiências (CARVALHO, 2019; FONSECA, 2021; CANAVILHAS et al, 2019).

O perfil também mantém práticas próprias ao início do trabalho corporativo com redes sociais, na primeira metade dos anos 2000, como uma foto de bom aspecto visual ou divertida para desejar bom dia aos seguidores (geralmente, fotografias de animais ou pontos turísticos). Outra prática que também é emprestada desse período é o uso de fotografias enviadas pela comunidade de leitores, frequentemente utilizadas nos posts que desejam bom dia aos leitores da BBC. No entanto, a proporção desse tipo de post em nossa amostra é pequena (5%), indicando publicações ocasionais nesse formato.

Figura 5 – Exemplo de post utilizado para saudar os seguidores no início do dia, geralmente usando fotos de terceiros. Fonte: Captura de tela do Instagram da BBC Brasil.

Ainda sobre o uso de conteúdo de terceiros, o perfil sempre dá os créditos aos vídeos, fotografias, ilustrações, gráficos ou qualquer outro elemento audiovisual utilizado nos posts – seja na legenda do post ou como um pequeno texto inserido na própria imagem/vídeo. A prática vai na contramão de boa parte da imprensa que, quando dá créditos aos materiais de terceiros, sobretudo àqueles enviados por membros da comunidade, costuma utilizar legendas genéricas e que descumprem qualquer cuidado mínimo com os direitos autorais, mencionando como fontes a “internet”, “o público”, “o(s) internauta(s)” ou, ainda, usando os termos “divulgação” ou “reprodução” (sem dizer de onde/quem o conteúdo foi reproduzido).

Se a creditação devida aos materiais utilizados poderia soar como mero zelo de ordem jurídica, Kovach e Rosenstiel (2021), Traquina (2020) e Lage (2021) rotulam a clara identificação das fontes como um dos requisitos básicos para a prática de jornalismo, garantindo condições de produção de notícias com informações auditáveis. Outra qualidade dos posts, enaltecida como um dos pilares do jornalismo pelos textos seminais citados é a veiculação de informação original (KOVACH; ROSENSTIEL, 2021; TRAQUINA, 2020; LAGE, 2021): nenhum dos posts de nossa amostra se apropria de reportagens ou apurações realizadas por outros veículos.

A BBC dedica-se a explicar e contextualizar o que está acontecendo ou o que aconteceu, em acordo com os preceitos da profissão, em atendimento às demandas informacionais de nosso tempo e audiências, e em contraste com a maior porção das publicações realizadas por veículos de imprensa no Brasil (OLIVEIRA et al, 2021; SANTANA, 2019; CANAVILHAS et al, 2019). Há padrões semelhantes de publicação no Instagram adotados pela DW Brasil, Agência Pública (por meio da iniciativa Reload[1]), Estadão (que possui até mesmo um programa específico para a rede, o Drops). Recentemente, UOL, Folha de S. Paulo[2] e outros veículos brasileiros de grande porte passaram a investir em um formato semelhante para suas publicações na rede, atestando o desgaste das estratégias de formatos mais tradicionais.

Ainda que nossa análise indique que a BBC Brasil tenha conseguido produzir um conteúdo mais adequado às demandas informacionais de nosso tempo, é importante salientar que o veículo em questão – ou qualquer outro que persiga bons resultados de informação efetiva – cede às demandas da plataformização ao fazê-lo. Ghroman (2021) e Hatzigeorgiou (2016) recordam que o campo do jornalismo é um dos que têm sido coordenados pelos manuais de indexação e boas práticas emitidos pelas plataformas onde esses posts são publicados. O problema não se restringe aos veículos que buscam apenas o clique que poderá ser monetizado às custas de responsabilidade e práticas escorreitas no jornalismo, mas estende-se às organizações que, preocupadas em cumprir o dever cívico de informar bem e da maneira mais ampla possível, conformam-se aos formatos e às lógicas de cada plataforma.

De outro lado, embora essa crítica pareça razoável, pode-se argumentar que a imprensa sempre ajustou seu conteúdo à lógica técnica de distribuição da tecnologia da vez – seja o rádio, a televisão ou mesmo os vários formatos de papel (BRIGGS; BURKE, 2006).

Considerações finais

Localizamos, portanto, algumas características da produção da BBC Brasil no Instagram que servem de modelo para uma produção transmídia possível, responsável e planejada no Jornalismo:

  1. Moderada/alta independência em relação ao conteúdo do site;
  2. Conteúdo com grande ênfase autoral;
  3. Vídeos com foco na oferta de contexto e explicações;
  4. Preocupação com linguagem acessível;

Essas qualidades apontam para uma relação mais sustentável do jornalismo com suas audiências futuras, considerando os dados de consumo das faixas de público mais jovens dos relatórios mais recentes (REUTERS, 2022; HOOTSUITE, 2022) e as tendências de uso de transmídia apontadas, inicialmente, como mais adequadas a materiais especiais (CANAVILHAS et al, 2019; OLIVEIRA et al, 2021; SANTANA, 2019), mas que nosso breve exame parece indicar como funcional para o tratamento de notícias mais factuais – sem que isso implique em tentar forçar agenciamentos que poderiam ser monetizados, como é próprio no jornalismo que mobiliza uma atenção fragmentada (FONSECA, 2021).

É importante notar que nosso argumento não é exclusivamente laudatório. Há escolhas questionáveis de enquadramento e iluminação em diversos vídeos, bem como uso ocasional de construções similares ao famigerado “link na bio”. No entanto, a maior porção do material analisado de fato merece, em razão do que elencamos até aqui, a alcunha de exemplo.

Esta pesquisa poderia ser expandida buscando comparações mais concretas da produção da BBC Brasil no Instagram com outros veículos que também produzem para a plataforma. Isso permitiria iluminar mais pontos de destaque do veículo em análise, bem como traçar paralelos mais precisos sobre suas similaridades e diferenças no manejo de conteúdo transmídia.

REFERÊNCIAS

BRIGGS, Asa. BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. Trad. Maria Carmelita Pádua Dias. – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

BOCZKOWSKI, Pablo. MITCHELSTEIN, Eugenia. The News Gap. When the Information Preferences of the Media and the Public Diverge, MIT Press, 2013

CANAVILHAS, Joao. Webjornalismo: 7 caraterísticas que marcam a diferença. 2014.

CANAVILHAS, João; DALL’AGNESE, Carolina Teixeira Weber; BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha Barichello. Produção Transmídia e Interfaces Jornalísticas em Dispositivos Móveis: Estudo de Caso da Série The New Arrivals, do The Guardian. Interfaces Contemporâneas no Ecossistema Midiático, p. 99-122.

CARVALHO, Arnaldo. Novas narrativas e linguagens jornalísticas: Vídeo. Jornalismo Local: ABRAJI, 2019. [Vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=gshAgXxE5Uw . Acesso em 20 de setembro de 2022.

CHARMAZ, K. A construção da teoria fundamentada: Guia Prático para Análise Qualitativa. [S.l.]: Bookman Editora, 2009.

FONSECA, Adalton dos Anjos. Regimes de atenção no jornalismo digital e suas consequências nos processos produtivos. Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, v. 8, n. 2, p. 1-19, 2021.

GROHMANN, Rafael. Plataformização do trabalho: entre dataficação, financeirização e racionalidade neoliberal. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, v. 22, n. 1, p. 106-122, 2020.

HATZIGEORGIOU, Ricardo Fotios. Reportagem orientada pelo clique: audiência enquanto critério de seleção da notícia online. 2018. [168 f.]. Dissertação ( Programa de Mestrado Profissional, Produção Jornalística e Mercado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, [São Paulo].

HOOTSUITE. Digital 2022 Global Overview Report. 300 p. 2022.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Rio de Janeiro: Aleph, 2009.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleth, 2014. p. 192-220.

KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. The Elements of Journalism, Revised and Updated 4th Edition: What Newspeople Should Know and the Public Should Expect. Crown Publishing Group (NY), 2021.

LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Digitaliza Conteudo, 2021.

LEMOS, A. Desafios atuais da CiberculturaLab404, 15 de junho de 2019. Disponível em: http://www.lab404.ufba.br/os-desafios-atuais-da-cibercultura/ . Acesso em 20 dee setembro de 2022.

LEWIN & SILVER. Using Software in Qualitative Research: A Step-by-Step Guide. Los Angeles: Sage, 2007.

MENDES, Murilo. Consumo Noticioso Online: Uma análise sobre a leitura de notícias no perfil do jornal O Popular no Instagram, pelos acadêmicos de de Jornalismo em Goiânia. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia). UNIFASAM, Goiânia, 2022. 71 p.

OLIVEIRA, Lorena Borges et al. BBC News Brasil: produção de conteúdo na pandemia e linguagem jornalística no Instagram. In: Encontro Virtual da ABCiber 2021. 2021.

REUTERS. Reuters Institute Digital News Report 2022. 164 p. 2022. Disponível em https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/2022-06/Digital_News-Report_2022.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2022.

SANTANA, Adson Vinicius Santos. A narrativa transmídia no jornalismo factual de atualização contínua: a cobertura jornalística realizada pela BBC News Brasil no website, no Twitter e no Instragram. 2019. 137 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2019.

TRAQUINA, Nelson. Porque as notícias são como são. Insular Livros, 2020.

WINQUES, Kérley et al. ” Tem que ler até o fim?”: o consumo da grande reportagem multimídia pelas gerações X, Y e Z nas multitelas. 2016.

WOLF, Maryanne. Skym Reading is the new normal. The effect on Society is profound. The Guardian, 25 de agosto de 2018. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/aug/25/skim-reading-new-normal-maryanne-wolf. Acesso em 20 de setembro de 2022.

ZIMERMANN, Dara Yanca; GARCIA GUIDOTTI, Flávia. Potencialidades da interatividade no Instagram Stories para o jornalismo. Anais de Artigos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 4, abr. 2021. ISSN 2675-4290. Disponível em: <http://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-artigos/article/view/1337>. Acesso em: 27 set. 2022.


¹Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Professor substituto no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás e no Centro Universitário UNIFASAM. E-mail: rsjjornal@gmail.com
²Conferir em https://www.instagram.com/p/CjWKmB1PN_0/ . Acesso em 10 de outubro de 2022.
³Conferir em https://www.bbc.com/portuguese/institutional-50054434
4Conferir em https://www.instagram.com/p/CW83hyDgxFt/ . Acesso em 10 de setembro de 2022.
5Conferir em https://www.instagram.com/p/CibG0wNJ1xI/ . Acesso em 10 de setembro de 2022.