O CICLO HIDROSSOCIAL E DA CULTURA DA ÁGUA PARA SEGURANÇA HÍDRICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7898752


Júlia Bastos Borges1
Emmanuel Vilas Boas2
Edma do Socorro Silva Moreira3
Monika Richter4
Simonne Teixeira5
Andrea Hentz6
Luciana Bellé Rocha7


RESUMO

O Brasil, apesar de possuir a maior quantidade de água doce do mundo, tem 35 milhões de pessoas sem acesso à água no seu território e já poluiu o equivalente aos 18 maiores rios do mundo juntos, com lançamento de esgoto. O artigo tem como objetivo apresentar duas experiências de aprendizagem com o Ciclo Hidrossocial ocorridas em territórios e com públicos diferentes. A primeira experiência educativa ocorreu com estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Amélia Araújo Lage, na cidade de Angra dos Reis no estado do Rio de Janeiro, a partir da disciplina de Geografia e a segunda experiência com discentes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, na Cidade de Marabá no estado do Pará, a partir de um curso de Extensão que além do Ciclo Hidrossocial abordou a Cultura da Água. Identificamos em ambas experiências a possibilidade de trabalhar os conceitos como impulsionadores da Segurança Hídrica potencializando o manejo e conservação da água e ampliando a experiência para outras áreas do conhecimento e da governança hídrica.

Palavra-Chave: Conservação e Manejo da água; Governança Hídrica, Experiência de Aprendizagem

INTRODUÇÃO

Apesar de possuir, em seu território, 12% do estoque hídrico disponível no mundo (GANDRA, 2018), o Brasil possui 35 milhões de pessoas sem acesso à água (MARTINS, 2021). Nesse cenário, as mulheres são as que mais sofrem com essa falta no Brasil: em 2016, eram 27 milhões de mulheres sem a segurança de ter água limpa, segura e acessível para matar a sede e realizar atividades de higiene. Em contrapartida, a garantia de água e saneamento à população tiraria imediatamente 635 mil mulheres da pobreza — em sua maioria, jovens e negras (EX ANTE CONSULTORIA, 2018).

Em 2023 teremos menos de oito anos para reduzir substancialmente as emissões de dióxido de carbono (CO2) com o objetivo de manter o aquecimento global em 1,5°C, conforme os protocolos internacionais (IPCC, 2018). Além do aquecimento global e apesar dos esforços empreendidos, ainda existem lacunas no que se refere ao manejo e conservação da terra e da água (TIECHER, 2016). Uma abordagem promissora é a governança da água, considerada fundamental e urgente para avançar no conhecimento desse campo científico.

As instituições de ensino e pesquisa, bem como governos e empresas, reconhecem a importância da regulação do clima e da mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Neste sentido, torna-se urgente garantir a Segurança Hídrica.

Além da implementação de políticas públicas relacionadas, um caminho é a divulgação científica de estudos buscando junto à sociedade, a compreensão das ações antrópicas sobre o meio e promovendo maior sensibilização e consciência cidadã frente a necessidade de mudanças nos padrões atuais de uso da natureza.

Este artigo reflete sobre essa questão considerando o potencial do Ciclo Hidrossocial e da Cultura da Água para a Segurança Hídrica, a partir de duas experiências em Espaços de Aprendizagem com diferentes públicos e territórios.

A primeira realizada com estudantes do  ensino da rede pública, na Escola Municipal Professora Amélia Araújo Lage8 e, a segunda, com discentes em nível de graduação e pós-graduação, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Na primeira experiência, o Ciclo Hidrossocial foi trabalhado pedagogicamente na disciplina de Geografia, com o objetivo de envolver a comunidade escolar, em especial os alunos do sexto ano, na percepção ambiental do território e gestão das águas, mediados pelo pensamento crítico cartográfico.

Na segunda, a partir de um curso de extensão, se objetivou trabalhar o Ciclo Hidrossocial e a Cultura da Água para promover conhecimento e impulsionar a Agenda 2030, associando ao fortalecimento de territórios sustentáveis e saudáveis (BORGES et al., 2023).

Essas duas experiências são as bases para refletir sobre distintas percepções a respeito do Manejo e a Conservação da água para a garantia da Segurança Hídrica.

Neste processo, foram consideradas duas visões específicas de manejo e conservação, Visão Conservadora e Visão Crítica, a partir da Revisão do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu, na Serra da Bocaina, em Paraty, Rio de Janeiro, conduzida pelo Instituto Chico mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que pela primeira vez nesse território, integrou os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs).

Outrossim, os aportes teóricos de Doebeli (2021); Diegues (1996) que proporcionam refletir sobre perspectivas críticas de conservação dos territórios, portanto, das vidas.

A Segurança Hídrica é entendida neste artigo, a partir da formulação da Agência Nacional de Águas (ANA), quando aborda os riscos relacionados à água, destacando os deslizamentos, inundações, secas, desmatamentos, mineração, expansão urbana desordenada, dejetos químicos industriais, bem como a atividade da água de regulação da temperatura da Terra, absorção e armazenamento de CO2 na atmosfera (ANA, 2013).

A Cultura da Água representa um conjunto de valores, crenças, práticas e conhecimentos que influenciam na forma como as pessoas se relacionam com a água e como a manejam. Incorpora a compreensão do papel dos corpos hídricos na vida cotidiana, nas atividades econômicas, na espiritualidade e nas relações sociais.

O Ciclo Hidrossocial é uma abordagem acadêmica que reconhece a importância dos aspectos culturais e sociais no manejo da água, compreendendo que o ciclo hidrológico não é apenas um processo geofísico, mas também social e influenciado por práticas e crenças culturais das comunidades que integram os territórios (SWYNGEDOUW, 2019).

Tanto o Ciclo Hidrossocial como a Cultura da Água enfatizam a interconexão entre a hidrologia e as ciências sociais, destacando a importância da compreensão das relações sociais e culturais com a água. Reconhecem que a gestão da água é uma questão que afeta diretamente as comunidades e as sociedades em todos os níveis, e, portanto, a participação e a compreensão dessas comunidades são essenciais para garantir a Segurança Hídrica. Nesse sentido, apresentamos este artigo como comunicação a partir do processo educativo com os conceitos identificando suas potencialidades.

Nossas considerações finais destacam que a abordagem da Cultura da Água e do Ciclo Hidrossocial para a Segurança Hídrica tem potencial para impulsionar, nos territórios, em processo de mudanças aceleradas e complexas, o envolvimento de agentes sociais com seus diferentes saberes e práticas na defesa e segurança de seus espaços de reprodução de vidas.

DUAS EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO COM O CICLO HIDROSSOCIAL E CULTURA ÁGUA 

Apresentamos duas experiências de aprendizagem com o Ciclo Hidrossocial ocorridas em territórios e com públicos diferentes.

Figura 1- Localização das experiências

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

A primeira experiência formativa foi desenvolvida, a partir do curso de Pós-Graduação em Gestão de Territórios e Saberes (TERESA/UFF), realizado por Emmanuel Vilas Boas, professor de Geografia, que a partir da observação direta do território e da sua gente, identificou a necessidade de utilizar o Ciclo Hidrossocial para trabalhar o currículo de Geografia para o ensino fundamental, associado às problemáticas vividas pela própria comunidade escolar (saneamentos, desastres naturais, escassez hídrica, poluição, dentre outros).

         A experiência foi vivenciada pela turma do 6º ano da Escola Municipal Professora Amélia Araújo Lage, durante todo o ano letivo de 2022. O trabalho centrou-se na questão da poluição e gestão das águas do rio Cantagalo como dispositivo para a construção do processo educativo, abrangendo os objetos de conhecimento e habilidades trabalhadas neste ano de escolaridade.

Nessa experiência se abordou o Ciclo Hidrossocial como temática visando a sustentabilidade do bairro do Cantagalo, no município de Angra dos Reis no Rio de Janeiro, principal bairro atendido pela escola e localizado na Serra da Bocaina e a valorização dos conhecimentos e saberes tradicionais dos que ainda residem no território — onde “[…] vivem e resistem mais de cem comunidades tradicionais caiçaras, indígenas e quilombolas” (GALLO, 2019, p. 25).

A prática pedagógica foi pensada no município de Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, mais especificamente no Bairro do Cantagalo, o mais populoso dos bairros atendidos pela Escola, e no Sertão do Cantagalo.

O rio que dá nome e corta o bairro, o Rio Cantagalo, é responsável pelo abastecimento de água da maior parte dos bairros da região e deságua na praia de Garatucaia. Este bairro é formado por moradores de classes populares em sua maioria, onde reside a maior parte das/dos estudantes atendidos pela escola municipal que participaram da atividade educativa.

Nas porções mais afastadas dos núcleos urbanos têm-se os chamados de “Sertões”, onde são realizadas práticas tradicionais de agricultura com roças familiares e criação de animais. A forte pressão imobiliária continua com a expansão dos condomínios e áreas urbanas para esses lugares. Muitos estudantes moradores dos Sertões (Cantagalo e Portogalo) são estigmatizados por uma lógica que valoriza atividades urbanas e subalterniza práticas do campo. Durante a experiência educativa, esses estudantes moradores dos sertões tornam-se verdadeiros guias, nos oferecendo importantes saberes que foram articulados com conceitos fundamentais da Geografia.

A segunda experiência de aprendizagem ocorreu durante o Curso de Extensão Universitária intitulado: “Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis”, realizado na Unifesspa, como atividade de cooperação acadêmica (PROCAD/AM) entre o Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA) e o Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (PPGPS/UENF). Teve como objetivo realizar o exercício inicial para identificar a Cultura da Água e o Ciclo Hidrossocial de Marabá.

A cidade de Marabá, no Pará, nascida na confluência dos rios Tocantins e Itacaiuna, esteve voltada para o rio até os anos de 1970, quando os planos de desenvolvimento para a Amazônia investiram em infra estruturas, criando uma nova dinâmica no município sobretudo com a construção da Transamazônica, BR 230, considerada central na mobilidade intensa de mercadorias e no deslocamento de pessoas (ALMEIDA, 2009; PEREIRA, 2013).

Essa nova configuração de Marabá, e também da Amazônia, não anulou a referência dos rios para os seus moradores que com eles constroem uma relação objetiva e simbólica. Entretanto, esses rios são impactados pelas políticas de desenvolvimento que estimularam uma urbanização desordenada, desmatamento, a mineração, assoreamento dos cursos d’água, degradação das matas auxiliares. 

O planejamento e a gestão das áreas urbanas e das águas ainda apresentam limites no sentido de conter os avanços na degradação dos rios, espaço de reprodução das vidas nesse território. 

REFLEXÕES SOBRE A INSEGURANÇA E DESIGUALDADES HÍDRICA E O MANEJO DA ÁGUA NO BRASIL

O conceito de Segurança Hídrica foi difundido a partir da Declaração Ministerial do 2º Fórum Mundial da Água, ocorrido na cidade de Haia, na Holanda, no ano de 2000. A declaração “Segurança da Água no Século XXI”, divulgada pelo governo brasileiro, explica o conteúdo do conceito:

Significa garantir que ecossistemas de água doce, costeira e outros relacionados sejam protegidos e melhorados; que o desenvolvimento sustentável e a estabilidade política sejam promovidos; que cada pessoa tenha acesso à água potável suficiente a um custo acessível para levar uma vida saudável e produtiva, e que a população vulnerável seja protegida contra os riscos relacionados à água. (ANA, 2013, p. 8).

Entretanto, desigualdade hídrica no Brasil é evidente mesmo em regiões com alta disponibilidade hidrológica, de forma que a relação entre a disponibilidade natural de água e a satisfação das necessidades vitais da população não é de maneira alguma direta, pelo contrário, a insegurança hídrica e a injustiça no acesso à água, a seus serviços básicos e na proteção contra os perigos para a vida, são mais graves nas áreas onde sua disponibilidade é abundante (MURTHA; CASTRO; HELLER, 2015) com podemos ver na Figura 2:

Figura 2- Grau de Segurança Hídrica no Brasil

Fonte: Plano Nacional de Segurança Hídrica, 2022-2040

No mapa é possível observar que as capitais dos estados, onde há maior concentração populacional tem menor grau de segurança hídrica. Mesmo na Região Amazônica que possui a maior quantidade de água do mundo, as capitais do Pará e do Amapá já estão em risco devido ao lançamento de esgoto nos corpos hídricos. Em março de 2023, por exemplo, a Universidade Estadual do Pará (UEPA)9 alertou a urgência em se repensar o manejo e a conservação da água, uma vez que com a crescente poluição dos rios, a insegurança hídrica avança (ROCHA, 2023).

Por que se lança esgoto nos corpos hídricos? A prática data do período colonial com consequências a elaboração de planos e políticas públicas constituídos a partir de concepções eurocêntricas e estadunidenses, as quais se estabeleceram no Brasil (LARA (2018), MIGNOLO (2005; 2009), QUIJANO (2005), CASTRO-GÓMEZ (2007).

Assim, no Brasil colonial, quem tinha a possibilidade de pagar, destinava o trabalho, de esconder e manter “longe da vista” as suas fezes, a outros seres humanos escravizados e com a pele queimada10 pelas excretas que iam caindo pelo caminho entre a residência de quem pagava e a água do mar, do rio ou da vala, lugar que se encarregava de levar o problema para longe dos olhos das cidades, mas que não resolviam a falta de destino dos seus dejetos, problema visível nas cidades de todo o País, que, ainda hoje, jogam seu esgoto nos efluentes, sem tratamento (PEREIRA, 2019).

Refletimos que a prática dos municípios brasileiros de manejo da água, segue a herança colonial, contribuindo, no que pese a legislação, para a degradação dos corpos hídricos. Atualmente, 4.490 dos 5.570 municípios brasileiros despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de tratamento. A ampla maioria das cidades brasileiras (90%) descumprem a lei e desrespeitam a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que orienta o tratamento de, pelo menos, 60% do esgoto para que se possa lançá-lo nos rios (COSTA, 2017).

Existe um nó entre a legislação que proíbe o lançamento de efluentes nos rios sob risco de contaminar as águas doces e torná-las impróprias inclusive ao tratamento de tão contaminadas e a prática colonial de lançar nos corpos hídricos o esgoto. Para que se garanta a Segurança Hídrica é fundamental desfazer esse nó e uma vez que as medidas punitivas (sanções da legislação) não foram capazes de reverter o cenário atual, consideramos importante refletir sobre ferramentas que possam impulsionar a governança da água.

Nesse sentido, partimos da análise, não exaustiva, da prática do Estado brasileiro no manejo e conservação da água com objetivo de contribuir para desatar esse nó. Identificamos que durante a década de 1970, foram estabelecidas em todo o mundo e no Brasil, ilhas de conservação ambiental.

Partindo do pressuposto de que o ser humano teria um impacto negativo à natureza, tem-se como objetivo proteger a natureza selvagem intocada sem a participação dos sujeitos pertencentes aos territórios dessas áreas determinadas a serem intocadas. Em muitos casos, tais populações foram deslocadas compulsoriamente sendo arrancadas dos seus territórios ancestrais e tendo suas identidades mutiladas (HARDIN, 1968; DIEGUES, 1996; ARRUDA, 1999; DOEBELI, 2021).

Ao se comprovar que tal perspectiva, não garantia a proteção da natureza, nem da sociedade e estava equivocada, o Estado brasileiro faz um esforço de reduzir as desigualdades e incorporar os saberes e fazeres dos PCTs, a partir da Lei nº 9.985/2000, responsável por instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).

A legislação foi reflexo da disputa entre os diferentes agentes que constituem os territórios (PCTs, camponesas e camponeses, população urbana, indústrias, agronegócio) e as diversas formas de se relacionar com a natureza.

Possibilitou, dentro da institucionalidade, a abertura, ainda que tímida, à escuta de outras formas de saber e fazer no mundo, mas, não foi capaz de criar outros cenários que limitasse o avanço da degradação dos corpos hídricos, mesmo dentro de Unidades de Conservação (DIEGUES, 1996; DOEBELI, 2021).

A disputa refletida na legislação evidencia, ao nosso ver, dois campos com visões distintas sobre o manejo e conservação da natureza, nesse caso especificamente da água, o primeiro denominamos de Visão Conservadora e o segundo como Visão Crítica.

Percebemos a Visão Conservadora identificada11 em textos oficiais, Políticas e Planos Nacionais pautada no preservacionismo ou no conservacionismo e sem abertura para outras perspectivas. E, a Visão Crítica, quando a pluralidade de visões é incorporada, em especial quando se conformam redes com discussões horizontais e possibilidade real de aprender e incorporar outros saberes, para além do técnico e acadêmico positivista, como os saberes e fazeres dos povos da floresta, mata, campo, cidade.

Como exercício de sintetizar a nossa perspectiva das duas visões, apresentamos o Quadro 1:

Quadro 1: Visão Conservadora x Visão de Crítica do Manejo e Conservação da Água

Manejo e Conservação da Água ➡

Visão Conservadora


Visão Crítica
Perspectiva ⬇
Relação Humano e NaturezaSeparação e/ou Oposição:Homem x NaturezaIntegração: Harmonia entre a natureza. O ser humano faz parte dela
Retrata o Ser HumanoComo sinônimo de homemSinônimo de pessoas. Há uma preocupação em incorporar todos os seres humanos
RedesGeração de redes baseada na apropriação da água, da terra e dos saberes e na obtenção de benefíciosA partir das cosmologias dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) redes são geradas a partir da cooperação, integração, solidariedade e da resistência ao Capital
Relação com a naturezaApropriação dos recursos naturais através da dominação da natureza, seja para explorá-la ou conservá-la.Integração de maneira exploratória, criativa e horizontal
ÁguaRecursoFonte de vida
Comercialização da ÁguaPode ser comercializada, tratada como commodity e privatizadaNão é mercadoria, sendo defendida como Bem Comum

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

A leitura que fazemos do quadro nos leva a inferir que no âmbito da Visão Crítica encontramos elementos que dão base a melhor compreensão, sustentação e potencialização da Segurança Hídrica, que inicialmente, abordou a questão da manutenção de condições para continuidade da vida humana e, posteriormente, agregou uma visão mais complexa e holística, a partir da necessidade de garantir a vida no planeta Terra, com todas as suas espécies humanas e inumanas e ecossistemas.

Destacamos, o Plano de Manejo da APA Cairuçu, realizado pelo ICMBio, que pela primeira vez contou com a presença, construção e defesa da proposta pelas representações dos PCTs e demais agentes do território. O Plano indica, como um dos principais problemas apontados de alta prioridade para o planejamento da UC, a Segurança Hídrica, evidenciada no item Gestão das água e Saneamento (Figura 2):

Figura 3 – Prioridades de Planejamento do Plano de Manejo da APA Cairuçu

   Fonte: IEAR/UFF, 202112.

Especificamente sobre a água o Plano de Manejo da APA Cairuçu, refletindo o cenário nacional indica urgência em responder a lacuna existente no manejo e conservação da água que é a falta de ferramentas para: conhecer as realidades locais de formas de uso/conservação da água; avaliar a demanda e a necessidade de planejamento com estímulo à governança comunitária das águas e a gestão dos conflitos (ICMBio, 2018).

Este artigo, através das experiências de aprendizagem realizadas, apresenta a Cultura da Água e o Ciclo Hidrossocial como possíveis ferramentas para responder à lacuna colocada.

Uma vez que a Cultura da Água inclui valores, crenças, práticas e conhecimentos que orientam as atitudes e comportamentos das pessoas em relação aos corpos hídricos, conhecer e aprender com práticas territorializadas que garantem o uso sustentável e saudável da água pode influenciar a proteção de nascentes e áreas de recarga de aquíferos, o controle da erosão e o plantio de vegetação nas margens de rios e lagos.

Compreendemos a Cultura da Água como uma ferramenta que possibilita a promoção do uso racional e sustentável da água a partir da identificação e aprendizado com: valores e práticas de manejo e conservação da água; instrumentos de Governança Comunitária; Tecnologias sociais e soluções baseadas na natureza. Possibilitando a influência positiva para a mudança de comportamento em locais onde existem práticas insustentáveis e danosas com a água.

Em nossa opinião para aprender com essa ferramenta é necessário que se garanta a pluralidade de visões e a escuta ativa uma vez a Cultura da água é manifestada a partir da língua; de crenças (cosmovisões e saberes); valores; normas e formas organizativas; práticas tecnológicas e na elaboração de objetos materiais; criação simbólica (artística ou não artística); relação do ser humano com a natureza; e formas de resolver conflitos pela água (VARGAS, 2006; BORGES, et al., 2023).

O Ciclo Hidrossocial identifica os diferentes usos e a disputa de poder em cada território possibilitando melhor identificação dos cenários colocados e a elaboração de soluções à gestão dos conflitos a partir da governança comunitária das águas. É uma abordagem que reconhece a importância de analisar e intervir nas interações entre as comunidades e os corpos hídricos, incluindo os impactos das mudanças climáticas e das atividades humanas, através de políticas e estratégias que promovam a governança comunitária sustentável da água, considerando os valores culturais e as necessidades das comunidades locais.

Neste sentido, a partir da Visão Crítica do manejo e conservação da água, a incorporação do Ciclo Hidrossocial e da Cultura da Água possibilitam um salto para garantia da Segurança Hídrica. 

EXPERIÊNCIA FORMATIVA NA ESCOLA MUNICIPAL AMÉLIA ARAÚJO LAGE, EM ANGRA DOS REIS, RIO DE JANEIRO

A experiência está inserida em um projeto desenvolvido e idealizado com a participação de professores e funcionários da Escola Municipal Amélia Araújo Lage, no bairro de Garatucaia. Realizada desde o ano de 2013 e chamada “Projeto Identidades”.13 

Desde sua criação observou-se no Projeto Identidades que as/os estudantes moradores do Bairro do Cantagalo sempre manifestam a questão da poluição da água do rio Cantagalo como um incômodo e preocupação para o bairro. 

Em 2019, Emmanuel Vilas Boas foi selecionado para a TERESA/UFF e identificou a formação como uma oportunidade para elaborar um projeto de intervenção na área da Geografia, voltado para as/os jovens do 6º ano de escolaridade, oferecendo uma metodologia para ações que já faziam parte do Projeto Identidades e possibilitaria a invenção de outras ações com a turma. A experiência foi fundamentada nos saberes e fazeres compartilhados com e pelos colegas e professores participantes da TERESA/UFF, chamando atenção o conceito e a aplicabilidade do Ciclo Hidrossocial, metodologia escolhida para ação educativa.

A ação educativa foi dividida em 4 etapas, explicadas a seguir, e trabalhada durante todo o ano letivo de 2022. Como dispositivo à construção do processo educativo, a água (sua poluição no rio Cantagalo) foi trabalhada abrangendo os objetos de conhecimento e habilidades trabalhadas neste ano de escolaridade:

ETAPA 1

Comparar as modificações das paisagens nos lugares de vivência e os usos desses lugares em diferentes tempos é uma das habilidades trabalhadas regularmente pelos estudantes de geografia durante 6º ano de escolaridade.

Neste caso, dentro do objetivo final do projeto, trabalhou-se também o desenho das paisagens como uma etapa para o desenho do Ciclo Hidrossocial, um caminho que passa da visão frontal reproduzida nas paisagens para desenhos em visão vertical, típica dos mapas.

Porém, não subordinados ao desenho do Ciclo Hidrossocial e dos mapas às convenções cartográficas mais formais, de modo que muitos dos elementos apresentados inicialmente nas paisagens desenhadas pelas/pelos estudantes se tornaram símbolos nas legendas dos mapas construídos por eles posteriormente. A etapa foi desenvolvida com as seguintes ações educativas:

a) Identificação dos principais problemas dos bairros atendidos pela escola, com destaque para a sinalização das/dos estudantes sobre o problema da poluição do Rio Cantagalo.

b) Construção coletiva de desenhos e imagens sobre paisagens.

ETAPA 2

A cartografia na Educação Básica, em algumas situações, tem reproduzido mapas distantes do contexto social dos Sujeitos da Ação Educativa e muitas vezes não possuem nenhuma associação com o local de vivência dos mesmos, sendo encarada em alguns casos, como um conteúdo da Geografia que não contempla o espaço de convívio dos sujeitos e despossuída de uma intencionalidade por detrás de quem a realiza. A etapa foi desenvolvida com as seguintes ações educativas:

a) Estudo de noções de cartografia utilizando princípios da cartografia participativa;

b)Cada estudante produziu o próprio croqui onde deveriam estar presentes como referência: a escola, a sua casa e alguns outros lugares que os estudantes pensam ser importantes, tudo como ponto de partida dois eixos propostos pelo professor: um eixo formado pela praia de Garatucaia e outro formado pelo Rio Cantagalo;

c)A rodovia Rio-Santos não foi inicialmente proposta como eixo de referência, mas as/os estudantes sentiram a necessidade de colocá-la durante a elaboração dos mapas para definir quem mora “pra baixo da Rodovia” (estudantes que moram em Garatucaia e no Portogalo) e “pra cima da Rodovia” (moradores do Cantagalo e do Sertão do Cantagalo), e

d)Depois foram formados grupos onde os estudantes juntaram cada croqui individual em um “mapão” em cartolina com as casas de cada estudante marcadas. 

Figura 4 – Roteiro da Aula Passeio

Fonte: Acervo dos autores.

Uma dificuldade encontrada foi entender por onde o Rio Cantagalo passava em relação à Rodovia, principalmente para aqueles que não moram no bairro do Cantagalo. As/ os estudantes que moram no bairro Cantagalo explicaram que o rio passa por uma galeria  embaixo da estrada, antes de desaguar na praia de Garatucaia, conforme foi observado posteriormente durante a aula-passeio.

ETAPA 3 

 A etapa foi desenvolvida com as seguintes ações educativas:

a) Elaboração da aula-passeio, essa atividade consiste em levar estudantes para fora da sala de aula e explorar o ambiente exterior como fonte de aprendizado (FREINET, 1975);

b) A aula passeio pelo bairro do Cantagalo e Sertão do Cantagalo foi realizada no dia 01/07/2022 sendo protagonizada por estudantes do 6º ano da nossa escola conduzida por Emmanuel Vila Boas; com participação de estudantes de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e orientada pelas professoras Monika Richter e Júlia Borges, e

c) A turma de graduação em Geografia da UFF como resultado da aula passeio desenvolveu o “Atlas Escolar Participativo de Garatucaia, Cantagalo e Portogalo”.

Durante a aula-passeio que saiu da escola até o Sertão, as/os estudantes puderam acompanhar a trajetória do Rio Cantagalo desde a montante, onde a água é limpa, até a jusante, onde o rio já se encontra poluído devido o despejo de esgoto domiciliar.

Figura 5 – Roteiro da Aula Passeio

   Fonte: Imagens feitas pelo Google Earth em jan 2023.

Foram registradas imagens da paisagem, assim como realizaram entrevistas com moradores antigos, produtores rurais e comerciantes. Segundo um dos entrevistados: “o Rio antigamente era limpo. ”  

Um casal de produtores rurais moradores do bairro mostraram alguns dos produtos do seu trabalho, e salientaram que antigamente sua família se sustentava da plantação em terra própria: de café, milho, aipim, cana-de-açúcar e outros alimentos. Hoje, relatam que o solo está “muito fraco” para o cultivo sadio de alimentos e a água do rio está limpa.

Foram produzidos 2 banners, um com uma imagem de satélite e outro com um mapa do bairro do Cantagalo, onde os estudantes puderam reconhecer alguns pontos que atravessamos durante a “aula-passeio”.

Figura 6 – Utilização dos Banners com imagem de satélite, durante Aula Passeio

   Fonte: Acervo dos autores.

Observando o processo de estigmatização de estudantes moradores desses bairros, por outros estudantes e até mesmo por professores14, durante a aula-passeio as/os estudantes que moram no bairro foram convidados a ser guias na aula passeio e todos os presentes convidados a refletir e discutir sobre a estigmatização posta e a prestar atenção nos processos e na interação dos elementos que compõem aquele ambiente, como:

1) A presença da mata protegendo os cursos d’água e beneficiando o clima local, diminuindo também os riscos de deslizamento;

2) Os benefícios e malefícios da ocupação humana, como a presença da roça familiar enquanto uma prática sustentável que resiste a crescente ocupação urbana a ao desmatamento, expressão da história recente do município destacada pelos professores e confirmada pelos moradores mais antigos.

Entre as interferências humanas relacionadas no Ciclo Hidrossocial do Rio Cantagalo apareceram questões como a habitação em áreas de risco, com possibilidade de deslizamento de terra sobre as casas e destacado que a cachoeira, antes limpa, é considerada poluída pela comunidade que não toma mais banho e evita o contato com a água, embora ainda seja utilizada por turistas.

Também foram identificadas: áreas desmatadas; o despejo de esgoto no rio; áreas com ocorrência de deslizamento; o recente asfaltamento de parte da estrada do Cantagalo já na área do Sertão; aumento da velocidade do escoamento e dificuldade de infiltração da água no solo; a poluição do ar próximo à Rodovia Rio Santos e a poluição da praia de Garatucaia.

Figura 7 – Cachoeira identificada pelos moradores do Cantagalo como imprópria para banho

Fonte: Acervo dos autores.

Figura 8 – Ponto de deslizamento no Cantagalo 

Fonte: Acervo dos autores.

 ETAPA 4 

 A etapa foi desenvolvida com as seguintes ações educativas:

a) Elaboração do Ciclo Hidrossocial do Cantagalo, e

b) Elaboração de mapas.

Na última etapa, a principal ação educativa foi a construção do Ciclo Hidrossocial do Cantagalo como resultado da aula-passeio. Tomando como referência teórica e metodológica a abordagem desenvolvida por Simón Ruiz e Avarena Rodriguez que destaca a interação entre aspectos sociais e hidrológicos do manejo da água (SIMÓN RUIZ et.al., 2020).

Da mesma maneira que acontece com muitos mapas, muitas vezes os esquemas que representam o Ciclo hidrológico são apresentados nos livros didáticos sem incorporar os aspectos sociais que interferem neste ciclo, se afastando assim da realidade.

O Ciclo da Água, presente no livro didático dos estudantes, foi utilizado como base para a elaboração do Ciclo Hidrossocial da água do Rio Cantagalo, incorporando as questões sociais relacionadas ao uso de suas águas, conforme observado na aula-passeio.

O Ciclo foi elaborado da seguinte maneira:

1) As/os estudantes se organizaram em grupos para refazer os mapas a partir dos croquis que tinham elaborado antes da aula passeio (Etapa 1). Para isso, contaram com o apoio do esboço do Atlas Escolar Participativo de Garatucaia, Cantagalo e Portogalo, desenvolvido pelas/pelos estudantes de graduação em Geografia da UFF.

2) Após a conclusão dos mapas, foi realizada uma sensibilização para a discussão da questão do uso da água, com a exibição do curta metragem de animação “O que é a água” FASE (2021) que trata da importância da água nas relações entre os seres vivos e “não-vivos”, como território da cultura e do sagrado de muitos povos, e dos problemas ambientais trazidos com o crescimento das cidades e a mercantilização da água, reverenciando finalmente os povos que agem como verdadeiros guardiões da água enquanto direito e bem comum.

3) Posteriormente, partindo do modelo clássico do ciclo hidrológico, os estudantes puderam reconhecer a forma como a água se move no ambiente, evapora da superfície da terra, forma nuvens, infiltra, cai como chuva e retorna aos rios, lagos e oceanos.

4) Em grupos, onde puderam construir em cartolina modelos do Ciclo Hidrossocial do Cantagalo utilizando um perfil de relevo entre o Sertão do Cantagalo e a Praia de Garatucaia, perceberam a necessidade de chamar o Ciclo de Ciclo da Água, ao invés de Hidrossocial, uma vez que para as/os estudantes o Ciclo da Água é social.15 Conforme Figura 9 e Figura 10:

Figura 9 – Elaboração do Ciclo Hidrossocial, denominado pelos Sujeitos da Ação Educativa como Ciclo da Água

Fonte: Acervo dos autores.

Figura 10 – Ciclo elaborado por estudantes do 6º ano

Fonte: Acervo dos autores.

Apresentação do Ciclo Hidrossocial

No dia 7 de dezembro de 2022, durante a tradicional mostra de talentos na escola, foi apresentado à comunidade escolar os mapas e o Ciclo Hidrossocial do Cantagalo elaborado pelas/pelos estudantes do 6º ano.

Neste dia as/os estudantes da licenciatura em Geografia do IEAR/UFF apresentaram também o Atlas Escolar Participativo de Garatucaia, Cantagalo e Portogalo.

A comunidade escolar presente (estudantes, pais, professores e funcionários) pode participar de um “jogo da memória” da aula-passeio, produzido com fotos tiradas pelos alunos na caminhada, de paisagem e moradores entrevistados, que foram colocadas sobre um banner com a imagem de satélite do Cantagalo, para que as pessoas localizassem no território onde as fotos foram tiradas.

Com a elaboração do Ciclo Hidrossocial, através da aula passeio, notamos a aproximação dos Sujeitos da Ação Educativa com a educação geográfica, a cidadania espacial e o reconhecimento da diversidade de linguagens para o ensino cartográfico.

Identificamos a prática relatada como forma de despertar o olhar crítico ao território, bem como, o reconhecimento das/dos estudantes como atores sociais estimulando a valorização do pensamento espacial e do raciocínio geográfico como formas potentes de leitura e transformação do território.

Entre os vários recursos didáticos que podem colaborar para o fortalecimento do pensamento espacial e o desenvolvimento do raciocínio geográfico, conceitos norteadores para a Geografia enquanto componente curricular do ensino fundamental, a elaboração do Ciclo Hidrossocial, através de aulas-passeio, mapeamento participativo e geotecnologias se destaca ao potencializar a identificação das ações humanas na natureza, especialmente na relação com a água, podemos compreender que a água não é um recurso inesgotável e sobretudo perceber que a poluição do rio não é uma fatalidade, sendo resultado da história da ocupação do território e que nós fazemos parte dessa história, portanto também temos responsabilidade nessa situação a possibilidade de revertê-la.

A integração Inter geracional possibilitou um rico espaço de formação tanto para as/os estudantes de Licenciatura em Geografia da UFF como para a turma do 6º ano. Identificamos a potencialidade em trabalhar o Ciclo Hidrossocial para abordar problemas complexos, como o manejo e conservação da água, uma vez que possibilita a identificação dos principais problemas à Segurança Hídrica de forma muito mais contundente e completa do que o Ciclo da Água, regularmente trabalhado.

A integração de estudantes do ensino fundamental e do ensino superior, em especial alunos do curso de licenciatura, em uma atividade de campo, promoveu uma vivência para além da análise do espaço geográfico, mas também sobre o papel do professor enquanto pesquisador e gerando uma proximidade do público escolar com a universidade.

Como limitação percebemos a necessidade de incluir elementos culturais na identificação do Ciclo Hidrossocial para possibilitar a identificação das práticas, saberes e tecnologias sociais empregadas em cada território. Nesse sentido apresentamos a segunda experiência de aprendizagem.

Com a elaboração do Ciclo Hidrossocial, a partir de aulas-passeio identificamos a potência de transformar a forma como a comunidade escolar concebe o território onde está localizada, renovando com curiosidade, interesse e afeto as complexas interações entre o rio, a mata, os animais, o relevo, as pessoas e o seu trabalho. Certamente é mais fácil aceitar a destruição daquilo que não conhecemos e proteger aquilo que conhecemos e reconhecemos, nesse sentido, a elaboração nos possibilitou um salto na consciência e no envolvimento da comunidade com o Rio Garatucaia.

EXPERIÊNCIA FORMATIVA NA UNIFESSPA, EM MARABÁ, NO PARÁ

O curso de extensão universitária “Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis” foi realizado no Centro de Estudos Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (PDTSA/Unifesspa).

A duração do curso foi de 5 dias, com uma carga horária de 40 horas, parte de uma missão de estudo do projeto Procad/AM16, coordenada pela Dra. Edma do Socorro Silva Moreira.

A equipe transdisciplinar foi coordenada pela professora Ma. Júlia Bastos Borges (PPGPS/UENF) e teve como coordenadoras adjuntas as professoras Dra. Andrea Hentz (PDTSA/Unifesspa) e Dra. Simonne Teixeira (PPGPS/UENF) e contou com a participação de pesquisadoras e pesquisadores de nível de mestrado vinculados ao PDTSA/Unifesspa e estudantes de graduação nas áreas de agronomia e geografia. A aluna Giovana Ristow Tim, do último semestre de Agronomia da Unifesspa, ofereceu apoio acadêmico.

ETAPA 1

Foi realizada a organização das atividades. Ao longo do curso, as/os participantes foram divididos em dois grupos distintos, sendo o primeiro17 encarregado de elaborar a Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores na Cultura da Água de Marabá e o segundo18 grupo, por sua vez, responsável pela construção coletiva do Ciclo Hidrossocial de Marabá, que foi elaborado durante o espaço de aprendizagem.

ETAPA 2 

O momento de trabalho nos grupos. Quando o primeiro grupo identificou: valores e práticas tradicionais para manejo e conservação da água; instrumentos de Governança Comunitária e Soluções baseadas na natureza.

E, o segundo grupo identificou: Os usos, disputas de poder pela água, o manejo e a conservação da água dos rios Tocantins e Itacaiúnas e as relações hidro sociais estabelecidas no território.

ETAPA 3

Com base nos dados levantados e de metodologia transdisciplinar (Ciências Sociais, Geociências e Ciências da Vida) baseada na Ecologia de Saberes (aliando o saber tradicional, popular ao científico), através de grupos focais foram elaborados o Ciclo Hidrossocial e identificados elementos da Cultura da Água de Marabá19. Conforme vemos abaixo:

Figura 11- Ciclo Hidrossocial de Marabá

Fonte: Elaborado pelo Grupo 1 durante o curso Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis, retirado de Borges, et. al., 2023. 

O exercício de elaboração do Ciclo Hidrossocial permitiu a identificação da presença de uma draga de mineração de areia na mata ciliar da região, além da constatação de lançamento de resíduos sólidos e esgoto na Bacia Hidrográfica do Rio Tocantins, onde se encontra a Área de Proteção Permanente, a praia e o Projeto Quelônios. Ademais, essa atividade ilegal é realizada em uma região próxima ao ponto de captação de água da Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA)20.

O exercício em questão permitiu, ainda que de forma preliminar, a representação da complexidade da Bacia Hidrográfica de Marabá, possibilitando a identificação do Ciclo da Água à esquerda da Figura 11, bem como das ações sociais à direita da mesma figura.

Observou-se a pressão e a influência exercida pela sociedade sobre os corpos hídricos, que podem ser alvo de poluição, contaminação, bem como de captação e tratamento da água para uso humano.

A degradação e/ou tratamento da água está intrinsecamente relacionada não somente com as tecnologias utilizadas, mas também com as estruturas de poder presentes. O Ciclo Hidrossocial permitiu a identificação dos atores e disputas de uso, possibilitando uma análise mais profunda para o manejo e conservação da água.

Identificamos a potência do Ciclo Hidrossocial como ferramenta pedagógica e também de planejamento ambiental, pois impulsiona a governança comunitária da água e o envolvimento de diversos atores que conseguem visualizar no Ciclo as relações estabelecidas, complexas e desiguais.

O segundo grupo, por sua vez, realizou o exercício de identificar elementos culturais e organizá-los na Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores21 da Cultura da Água de Marabá22.

 A Cultura da água é um conceito que envolve a compreensão dos múltiplos usos e significados em diferentes contextos socioculturais. Segundo Vargas (2006) é um elemento fundamental para a gestão sustentável dos corpos hídricos, uma vez que leva em consideração a diversidade de valores, crenças e práticas relacionadas à água em diferentes grupos sociais. Além disso, pode ser vista como um instrumento para promover a educação ambiental e a participação social na governança comunitária.

Figura 12- Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores na Cultura da Água de Marabá

Fonte: Acervo dos autores.

Figura 13- Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores na Cultura da Água de Marabá

Fonte: Acervo dos autores.

Quadro 3- Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores na Cultura da Água de Marabá

Fonte: Elaborado pelo Grupo 2 durante o curso Cultura da Água e a Agenda 2030: Educação Ambiental para Territórios Sustentáveis e Saudáveis, retirado de Borges, et. al., 2023.

Destacamos a contribuição do exercício inicial para identificar os elementos da Cultura da Água de Marabá no âmbito da resiliência às mudanças climáticas. Marcada dentro da categoria existencial “Ser” e da categoria axiológica “Proteção”, nos itens de adaptabilidade e da solidariedade identificamos práticas e saberes locais relacionados aos impactos socioambientais das chuvas que atingem as pessoas que moram em Marabá.

A informação pode ser utilizada como ferramenta de planejamento socioambiental, para mapear os locais onde as enchentes ocorrem e como as pessoas lidam com elas, antes, durante e depois de ocorrerem, possibilitando ao poder público se antecipar ao acontecimento e também propor medidas que sejam compatíveis com as práticas e valores locais.

Nesse sentido, como limitação da prática educativa, ressaltamos o pouco tempo e recursos para identificar a Cultura da Água de Marabá, sendo necessário para uma prática completa a escuta dos PCTs, além dos residentes da área urbana e rural presentes no território para conhecer, reconhecer e garantir os usos de cada grupo social.

Entretanto, como exercício inicial identificamos a possibilidade de atuar com a elaboração do Ciclo Hidrossocial, incorporando nele a Cultura da Água local, como uma possível nova abordagem para o manejo e conservação da água, que vise a garantia do Direito Humano à água e ao saneamento.

O CICLO HIDROSSOCIAL E A CULTURA DA ÁGUA POTÊNCIA DA CULTURA DA ÁGUA E DOS CICLO HIDROSSOCIAL

A Cultura da Água representa o encontro entre o que vem da natureza (sistema ecológico e seus subsistemas geomorfológico, edafológico, biológico, climático e suas variações) e o que vem da sociedade (matrizes culturais, socioambientais e sociopolíticas que adquirem uma dimensão integradora na Matriz de Necessidades Humanas e Satisfatores na Cultura da Água).

O Ciclo Hidrossocial possibilita a identificação de atores e disputa de poder que moldam o ciclo da água nos diferentes territórios.

A possibilidade de abordar de forma ampla e complexa diferentes níveis de compreensão da realidade, desde as atitudes individuais e coletivas, possibilitando o enfrentamento dos desafios colocados à Segurança Hídrica e possibilidade de avançar na conservação e manejo da água.

Trabalhando o conceito na forma de Experiência de Aprendizagem, com dois públicos distintos (Estudantes do 6º ano da Escola Municipal Amélia Araújo Lage e Pesquisadores em nível de graduação, de Geografia e Agronomia e uma pesquisadora em nível de mestrado) identificamos a necessidade de explorar o Ciclo Hidrossocial, incorporando os elementos da Cultura da Água de cada território, para impulsionar a visão crítica do manejo e conservação da água.

A partir dessas duas experiências, identificamos o potencial do Ciclo Hidrossocial para compreensão e representação da complexidade dos territórios e suas dinâmicas territoriais e socioambientais, bem como a importância de considerar a Cultura da Água e a Agenda 2030 para a promoção de territórios sustentáveis e saudáveis.

O uso dos conceitos permite compreender a relação entre os aspectos sociais, culturais, econômicos, ambientais e políticos da gestão da água em uma determinada região. Considerando a água como um elemento que atravessa diferentes esferas da sociedade, influenciando e sendo influenciada por elas, desde sua captação até seu descarte ou reuso.

Ao utilizar o Ciclo Hidrossocial como ferramenta de ensino-aprendizagem, tanto em Marabá como em Angra dos Reis, foi possível identificar/analisar como as ações humanas impactam nos corpos hídricos, na qualidade de vida das pessoas e as principais ameaças e oportunidades para a sustentabilidade hídrica nos territórios.

A combinação do Ciclo com a Cultura da Água é importante para uma governança da água integrada e participativa, que considere as necessidades e perspectivas de diferentes atores sociais e promova sustentabilidade hídrica e a justiça socioambiental.

Destacamos a relevância dos conceitos para a educação ambiental, podendo ser utilizada como ferramenta à conscientização e transformação das práticas sociais e produtivas em relação à água e ao meio ambiente. No âmbito da educação do ensino fundamental e superior, identificamos que foi nítido o enriquecimento dos elementos mostrados nos mapas, tanto na forma como no conteúdo, ao incorporar os conceitos se fomentou um nível maior de organização e elaboração das informações contidas no Ciclo Hidrossocial, sobretudo nas legendas criadas pelos Sujeitos da Ação Educativa, nas duas experiências.

Possibilitando o fortalecimento do pensamento espacial e o desenvolvimento do raciocínio geográfico, as experiências de aprendizagem contribuíram para o estímulo da cidadania espacial crítica.

Durante as experiências fomos convidadas (os) a conhecer a realidade local, permitindo que as pessoas, envolvidas nas experiências e que moram nos territórios (tanto em Marabá como em Angra) se reconheçam e se apropriem do local onde vivem, descobrindo relações e criando vínculos que até então desconhecidos.

Esse exercício permitiu também que percebam problemas ou questões locais que precisam ser trabalhadas coletivamente. Essa pode se tornar a motivação para uma atividade interdisciplinar na escola e na Unifesspa com a comunidade local e o poder público convidados a identificar juntos quais são os problemas, as potencialidades de cada território e como melhorar as condições locais.

Em nossas vidas diárias, a observação direta no território é uma maneira de aprender a construir o pensamento espacial. Esse exercício pode ser auxiliado com o Ciclo Hidrossocial, aliado a aula passeio, como recurso didático, principalmente se aliado a metodologias participativas fomentando os processos de avaliação reflexiva sobre informação, argumento e conhecimento estimulando a reflexão crítica fundamental para o engajamento, participação e ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo de duas experiências com públicos diferentes, ensino fundamental e pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação identificamos o potencial de trabalhar a elaboração do Ciclo Hidrossocial e da Cultura da Água para:

a) Fomentar e dinamizar o manejo e a conservação da água objetivando a Segurança Hídrica possibilitando a compreensão mais complexa e qualificada dos cenários em cada território.

b) Observamos que a articulação transdisciplinar dos conceitos e sua aplicação dinamizou as ações educativas, estimulando a proteção dos corpos hídricos, e das espécies que dependem desses ecossistemas.

Aplicada em ações educativas permite o debate entre diferentes campos do conhecimento e o aprofundamento das discussões, a partir da demanda dos Sujeitos da Ação Educativa. No caso das experiências realizadas, de forma transdisciplinar se trabalhou a partir da disciplina Geografia, no ensino Fundamental a Hidrossocial a Hidrologia (a partir da distribuição, movimentação e qualidade da água na Terra); Geologia (formação e composição dos corpos d’água, bem como a influência da água no processo de erosão e sedimentação); Cartografia Social (representação dos seus espaços de vivência, elaboração de mapas, legendas e desenvolvimento do pensamento espacial); Biologia (diversidade de vida aquática e os ecossistemas associados aos corpos d’água) e a Economia ( impacto da poluição do Rio Guaratucaia na renda dos produtores rurais do território, bem como na poluição da cachoeira, que tem seu potencial turístico diminuído).

Na experiência realizada pela Unifesspa ao trabalhar com o Ciclo Hidrossocial e a Cultura da Água, reconhecemos a transdisciplinaridade envolvida nos seguintes campos do saber: Economia (ligação e análise dos custos e benefícios das políticas e medidas para adaptação às mudanças climáticas na governança dos corpos hídricos no caso das enchentes em Marabá); Ecologia (relações entre os ecossistemas aquáticos e o uso e gestão da água, incluindo a importância da água para a biodiversidade e os impactos da poluição e da degradação dos ecossistemas aquáticos); Geografia (distribuição geográfica dos corpos hídricos, bem como os fatores naturais e humanos que influenciam o uso e a gestão da água); Sociologia (análise das relações sociais, políticas e econômicas em torno do uso e governança da água, incluindo a participação da comunidade na tomada de decisões e na gestão dos corpos hídricos); História (história do uso e gestão da água, incluindo as mudanças culturais e tecnológicas que afetaram a relação das pessoas com a água); Direito ( especificamente o Direito Humano à Água e ao Saneamento, no marco da Agenda 2030 e das desigualdades socioambientais identificadas).

Observa-se um grande espaço para o emprego dos conceitos como abordagem para o ensino-aprendizagem, incluindo possivelmente outros campos de pesquisa como: Antropologia (relações culturais, sociais e históricas entre as pessoas e a água, incluindo a diversidade cultural no uso, conservação, manejo e governança dos corpos hídricos); a Química (propriedades e reações químicas da água, bem como a sua relação com outras substâncias); Matemática (trabalhar a água como exemplo em exercícios e problemas envolvendo unidades de medida, proporção, frações e porcentagens); Engenharia Ambiental (tecnologias sociais e soluções baseadas na natureza para tratar e gerenciar a qualidade da água, bem como para prevenir a poluição e promover a conservação do recurso); Meteorologia (ciclo hidrológico, ou seja, a evaporação, precipitação e infiltração da água na atmosfera, solo e subsolo); Direito Ambiental (leis e regulamentações relacionadas ao uso da água, incluindo a gestão de recursos hídricos, a proteção de ecossistemas aquáticos e a prevenção da poluição).

Destacamos que, principalmente no Ensino fundamental e médio, nas disciplinas de Ciências e Biologia, respectivamente, o Ciclo Hidrossocial e a Cultura da Água, articulados pode ensinar sobre o ciclo da água, as propriedades físicas e químicas da água, a importância da água para os seres vivos e ecossistemas aquáticos, além de saberes e fazeres com água (religiosidade, música, arte, soluções territorializadas baseadas na natureza) bem como conscientizar sobre as consequências da poluição dos corpos hídricos.

c) Dinamizar a elaboração de políticas públicas.

A identificação do Ciclo Hidrossocial e da Cultura da Água possibilita um salto qualitativo para identificar as práticas territorializadas, relacionadas à água, bem como os principais desafios e aprendizados de cada local. Dessa forma, é possível direcionar as políticas públicas para que sejam mais efetivas e eficazes.

d) Os estudos referentes ao impacto, conservação e manejo da água podem ser transformados ao incorporar no Ciclo Hidrossocial a Cultura da Água.

Ao possibilitar o complexo entendimento das questões socioambientais territorializadas, seu mapeamento (no Ciclo Hidrossocial) e a identificação das práticas da Cultura da Água de cada local, facilita a proposição de ações mais próximas das comunidades locais.

Pode potencializar a Educação Ambiental Crítica, ao valorizar o conhecimento das comunidades locais e seus fazeres, contribui para a redução do epistemicídio, racismo e a elaboração de políticas para redução da desigualdade hídrica (em um país com 35 milhões de brasileiros sem acesso à água potável).

e) Pode promover a Resiliência às Mudança Climática

Ao identificar as ações de cada comunidade, damos um salto no conhecimento de cada território, a partir de quem vive os territórios e conhece sua dinâmica hidrossocial, resistindo de forma resiliente a enchentes, como observado em Marabá. O conhecimento local, como dos entrevistados que comentam sobre o solo estar mais pobre e a plantação mais difícil pode ser um elemento de análise das alterações socioambientais dos territórios onde o Ciclo Hidrossocial for realizado.

Também é interessante marcar que pode ser que se identifique alterações na Cultura da Água a partir da sua identificação, utilizando códigos como “antigamente” e “atualmente” para diferenciar e correlacionar as alterações nos territórios e seu impacto socioambiental, por exemplo o tipo de alimento que se planta e come em ambientes com mais água é um – arroz, mandioca –  em ambiente mais secos – milho, amendoim- portanto, a indicação de alteração na alimentação pode levar a conclusões em outras áreas, possivelmente, afetadas pelo aquecimento global e as mudanças climáticas.

f) Dinamizar a Governança Comunitária da Água

A Cultura da Água permite conhecer as práticas em cada território e as formas como os diferentes atores se relacionam, por outro lado o Ciclo Hidrossocial nos permite perceber as relações de poder existentes, os conflitos de uso, os pontos com mais debilidade e mais potencialidade em cada território.

Portanto, a combinação dos conceitos em uma abordagem voltada ao manejo e conservação da água pode contribuir para pautar práticas de cooperação entre os diferentes atores e para árbitro mais eficaz e eficiente do poder público.

De forma global, consideramos que ambas experiências de aprendizagem possibilitaram indícios importantes de que a aplicação do Ciclo Hidrossocial e da Cultura da água pode ser utilizada como uma possível abordagem de ensino e pesquisa, principalmente para o manejo e conservação da água.

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8Localizada na cidade de Angra dos Reis no Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
9Em análise de água realizada no Rio Guamá identificou-se que a quantidade de coliformes termo tolerantes ultrapassa o indicado pelas resoluções do Conama, que seria até 1.000 nmp/100ml; pontos do Rio Guamá apresentaram valores acima do limite legal permitido como 12.098 nmp/100ml. (CARNEIRO, 2021)
10Conhecidos como escravos tigres, justamente por conta das queimaduras na pele.
11O objetivo deste artigo não é examinar de forma exaustiva as diferentes visões e sim apresentar a potencialidade da Cultura da Água e do Ciclo Hidrossocial ao manejo e conservação da água, portanto, abordamos as diferentes visões para contribuir na argumentação central do artigo.
12Apresentação realizada por Carlos Felipe Abirached – ICMBio/NGI-Paraty, com tema Desafios para a gestão territorial em Unidades de Conservação no contexto atual na live: Unidades de Conservação (UCs): limites e possibilidades para a gestão ambiental em Angra dos Reis Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9ItgCFTXXNg&t=8005s
13A partir de questões traduzidas pelos professores como variações de uma mesma pergunta: “Como em um lugar paradisíaco como este, os estudantes demonstram tanta apatia e desvalorizam tanto este local? ”.
14Por morarem em um bairro com características mais rurais, como se isso significasse morar em um local inferior, visto de uma lógica que valoriza o estilo de vida de cidade subalternizada a vida no campo.
15Portanto, nos Ciclos das/dos estudantes do 6º ao do Ensino Fundamental identificamos o Ciclo como Ciclo da Água como sinônimo de Ciclo Hidrossocial.
16Projeto Procad/AM financiado pela Capes, intitulado “Estado e Políticas Sociais na Amazônia: diálogos críticos sobre apropriação de territórios e recursos naturais, mobilidades humanas e desestruturação de sistemas de conhecimento”. É desenvolvido em associação com os seguintes programas de pós-graduação: Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA/Unifesspa), Sociedade e Fronteiras (PPGSOF/UFRR) e Políticas Sociais (PPGPS/UENF).
17Composto por Phaloma Aparecida dos Santos Silva (Pesquisadora em nível de mestrado do PDTSA/Unifesspa); Heveli Pardim Rocha (Pesquisadora em nível de graduação no curso de Bacharelado em Geografia); Giovana Ristow Timm e Daniel Castro de Oliveira (Pesquisadores em nível de graduação no curso de Agronomia).
18Composto pelos pesquisadores em nível de graduação no curso de Agronomia: Hébert Maracaípe
Pedro Tiê N. Penalva e Waarlen Lourenço.
19Para mais informações sobre os Encontros de Aprendizagem de realizados em Marabá ver: Borges, et al. (2023).
20Empresa pública responsável pelos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto na cidade e em outros municípios do estado do Pará, no Brasil.
21De acordo com Vargas (2006), a palavra “Satisfactor” e “Satisfactors” é compreendida como um fator ou indicador de satisfação, ou seja, algo que pode gerar satisfação. No entanto, essa palavra também pode ser interpretada como algo que satisfaz atores ou fatores de satisfação. Por essa razão, a tradução para o português não será realizada, a fim de manter a essência original da elaboração de Vargas. Da mesma forma, a Matriz apresentada posteriormente também não será traduzida.
22Frisamos que tanto o Ciclo Hidrossocial como a Matriz de Marabá apresentadas, foram elaboradas no sentido de serem um exercício de uma nova abordagem para trabalhar o manejo e a conservação da água. E, como exercício inicial, não têm a pretensão de trazer todos os elementos dos territórios e sim, ilustrar as relações, saberes, fazeres e disputas colocadas.


1Professora credenciada na Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Territórios e Saberes (TERESA), da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora, em nível de doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. bastosjuliaborges@yahoo.com.br
2Professor da Escola Municipal Professora Amélia Araújo Lage e Pós-graduando da Gestão de Territórios e Saberes da Universidade Federal Fluminense (TERESA/UFF). mmanuboas@gmail.com
3Líder do Grupo de Pesquisa “Estudos e Pesquisas sobre Mudança Social no Sudeste Paraense” (GEPEMSSP), registrados no CNPq. Atualmente, é coordenadora do Procad /AM “Estado e Políticas Sociais na Amazônia”. Docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). edma@unifesspa.edu.br
4Professora do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF) e da Pós-Graduação TERESA/UFF. mrichter@id.uff.br
5Dra. Filosofia e Letras (História); Docente dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Ciências Naturais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; Bolsista Produtividade CNPq; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Officina de Estudos do Patrimônio Cultural. simonne@uenf.br
6Professora Associada I da Faculdade de Ciências Agrárias de Marabá da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, e coordenadora do Mestrado em “Dinâmicas Territoriais e Sociedade da Amazônia” e Membro da Comissão Acadêmica Institucional do Programa de Pós-Graduação e Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação Tecnológica. andreahentz@unifesspa.edu.br
7Professora de Ciências Biológicas – pesquisadora, em nível de doutorado, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. lucianabellerocha@hotmail.com