SIGNIFICADO SOCIAL, SENTIDO PESSOAL E ATIVIDADE DE ESTUDO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7867750


Camila Turati Pessoa
Caroline Reis Costa Prudente


RESUMO

Neste trabalho fizemos uma revisão teórica a respeito dos conceitos de sentido pessoal, significado social e atividade de estudo  a partir da Psicologia Histórico-cultural.  Com o objetivo de compreender a atividade estudo como possibilidade e caminho que favoreça a construção de motivos aos estudantes e constituição de sentido pessoal por meio destas. Ressaltamos o papel da educação para a ampliação das funções psicológicas superiores e um ensino que faça sentido, o qual forneça condições para superação das dificuldades encontradas no processo e de apropriação da consciência.

Palavras-chave: Sentido pessoal. Significado Social. Atividade de estudo. Psicologia histórico-cultural. 

ABSTRACT

In this work, we carry out a theoretical review regarding the concepts of personal meaning, social meaning and study activity based on Historical-Cultural Psychology. With the aim of understanding the study activity as a possibility and path that favors the construction of motives for students and the constitution of personal meaning through these. We emphasize the role of education for the expansion of higher psychological functions and teaching that makes sense, which provides conditions for overcoming the difficulties encountered in the process and for the appropriation of consciousness.

Keywords: Personal sense. Social Meaning. Study activity. Cultural-historical psychology.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho iremos fazer uma revisão bibliográfica a respeito dos conceitos de sentido pessoal, significado social e atividade de estudo e as relação desses termos com outros conceitos da Psicologia Histórico-cultural. (ASBAHR, 2011, 2014; LEONTIEV, 1978[1975], 2021[1975]; VIGOTSKI, 2000[1934], 2009).

  O conceito de sentido pessoal e significado social, visto são conceitos diferentes, mas possuem uma relação “na estrutura da atividade” (LONGAREZI; FRANCO, 2013, p. 3). Dessa forma, há uma necessidade de investigar a estrutura da atividade humana, a partir do seu campo conceitual, no intuito de entender o papel das atividades de literatura na formação de sentidos pessoais para crianças na fase da alfabetização.

De acordo com Pessoa (2018, p. 60), para “[…] entendermos o sentido pessoal elaborado sobre algo, é preciso entender os motivos da atividade e como a significação social foi apropriada de modo a formar na consciência do sujeito sentidos subjetivos e pessoais”. Assim, para a construção de sentidos, é necessário que o professor tenha clareza da ação docente, de maneira intencional e planejada no intuito de mediar aprendizagens que façam sentidos para seus alunos e promovam conhecimentos conscientes.

Para a Psicologia Histórico-Cultural, “[…] a consciência não é inerente às experiências individuais, subjetivas ou inatas dos seres humanos, tal como pregam os idealistas; ao contrário, em conjunto com a atividade, a consciência constitui-se como reflexo particularmente humano da realidade”. (TRINDADE, 2021, p. 88).

Nesse sentido, Leontiev (2021[1975]) nos permite compreender que atividade e consciência são indissociáveis, sendo a atividade de ensino capaz de produzir consciência e desenvolver personalidade. Ele afirma que a atividade de ensino é a mediação entre o objeto de ensino a ser conhecido e o desconhecido a ser objetivado. O autor nos diz que, na consciência, cada sujeito é singular, e que devemos levar em conta a atividade humana considerando a indissociável relação sujeito-atividade-objeto.

Leontiev (1975/2004 apud TRINDADE, 2021, p. 88) acrescenta que “a consciência, como processo mediador entre sujeito e realidade, estrutura-se na articulação entre diferentes conteúdos sensíveis, os significados sociais e os sentidos pessoais.”. A partir desses pressupostos, reafirmamos a importância dos estudos de Leontiev no sentido da compreensão do psiquismo humano por meio da atividade humana, pois a consciência tem como ponto de partida a realidade objetiva do sujeito.

A atividade do sujeito-externa e interna é mediada e regulada pelo reflexo psíquico da realidade. Aquilo que no mundo objetivo aparece para o sujeito com motivos, objetivos e condições de sua atividade deve ser, de alguma forma, por ele percebido, apresentado, compreendido, retido e reproduzido em sua memória; isso vale também para o processo de atividade em relação a si mesmo, a seus estados, características e peculiaridades. (LEONTIEV, 2021[1975], p. 145)

Diante disso, é necessário aprofundar o conceito de atividade, para entender sobre a atividade de estudo, no intuito de compreender e analisar o processo de atribuição de sentido por meio desta. Nesse intuito, iremos discorrer, neste trabalho, sobre os conceitos de significado social, sentido pessoal e sua relação com a atividade de estudo, no intuito de entender o papel da escola na formação da consciência humana.

Cabe aqui destacar que os conceitos de sentido e significado não são exclusivos da Psicologia Histórico-Cultural. De acordo com Asbahr (2014), esses termos apresentam grande dispersão temática, pois vêm sendo utilizados em diversas áreas do conhecimento e concepções teóricas. A autora ressalta que há uma banalização de tais conceitos, o que é resultado do fato de não se aprofundar nas próprias obras de Vigotski e pela compreensão e apropriação desses conceitos de forma subjetiva, “como se o sentido fosse atribuído pelo sujeito independentemente de sua atividade social.” (ASBAHR, 2014, p. 266).

Namura (2004 apud ASBAHR, 2014) acrescenta que os conceitos de significado e sentido são terminologias da área da psicologia desde sua pré-história como ciência e tem sua origem nos estudos entre razão e emoção, e se faz presente ainda no contexto teórico e metodológico da psicologia na atualidade. “A explicação sobre sentido, seja em uma vertente racionalista, seja em uma vertente empirista, foca-se numa compreensão dualista de homem, que cinde sujeito-objeto, razão-emoção, subjetivo-objetivo.” (NAMURA, 2004 apud ASBAHR, 2014, p. 266).

No intuito de superar esses dualismos, os autores Vigotski e Leontiev apresentam novos conceitos para sentido e significado. Ressaltando essa perspectiva, serão abordados e investigados, neste trabalho, esses termos na vertente da Psicologia Histórico-Cultural. Isso com o objetivo de compreensão desde as fontes primárias dessa teoria, focando nas obras de Vigotski (2000[1934]) e Leontiev (1978[1975], 2021[1975]) a estudos atuais, sendo que, dentre eles destacam-se os estudos de Asbahr (2005, 2011, 2014), Longarezi e Franco (2013) e Pessoa (2018).

É importante destacar aqui, antes de discorrer teoricamente o conceito de sentido, significado e atividade de estudo, que Vigotski, em seu livro “A construção do pensamento e da linguagem” (2000), destaca a relação do pensamento e da linguagem e sua importância para a constituição da consciência humana, sendo que a unidade dessas duas instâncias está no significado social da palavra. Dessa forma, é possível construir um sentido pessoal para o significado social, pois o significado da palavra é a palavra vista do seu interior. O autor inicia a escrita em torno do processo de atribuição do sentido, que é aprofundado por Leontiev em seus livros “O desenvolvimento do psiquismo” (1978) e “Atividade Consciência e Personalidade” (2021), em que nomeando de Sentido Pessoal, toma como base a atividade humana, para compreensão e explicação desse conceito (ASBAHR, 2014; PESSOA, 2018).

Portanto, neste trabalho, temos que compreender a atividade estudo como possibilidade e caminho que favoreça a construção de motivos aos estudantes e constituição de sentido pessoal por meio destas. Assim, nesse caminho, discorreremos nessa sequência sobre os conceitos de significado social, sentido pessoal e atividade de estudo, com o intuito de compreender e entender melhor esses conceitos pela Psicologia Histórico-Cultural.

  1. Significado social

O conceito de significado social dentro da Psicologia histórico-cultural, segundo Pessoa (2018, p. 51), é utilizado para “[…] compreensão da formação humana e, principalmente, para entender o modo como os homens se apropriam da realidade e a comunicam entre si”. Leontiev (2021[1975], p. 160-161) diz que “Os significados são os mais importantes ‘formadores’ da consciência humana. […] os significados refratam o mundo da consciência da pessoa. Embora a língua seja a portadora dos significados, ela não constitui seu demiurgo”.

Vigotski (2000[1934]) destaca que a palavra desprovida de significado é um som vazio e que este é a palavra vista do seu interior. Ressalta ainda que, do ponto de vista psicológico, o significado da palavra é uma generalização ou conceito. “Generalização e significado da palavra são sinônimos. Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível de pensamento”. (VIGOTSKI, 2000[1934], p. 398).

Assim sendo, o significado da palavra é um fenômeno do pensamento, mas isso se concretiza apenas quando o pensamento se relaciona com a palavra, se materializa no discurso sendo palavra do consciente ou do discurso uma unidade do pensamento com a palavra.

[…] o significado não é imutável; ao contrário, para Vigotski, os significados desenvolvem-se e se modificam no decorrer do desenvolvimento da criança. Segundo o autor, a relação entre pensamento e palavra deve ser compreendida como um processo, um movimento do pensamento à palavra e da palavra ao pensamento e, nesse processo, o pensamento forma-se na palavra […]. (ASBAHR, 2014, p. 267)

De acordo com Vigotski, o momento central do significado é a generalização, pois é uma forma de representar a realidade da consciência, sendo qualquer palavra uma generalização. O autor estabelece uma relação entre ação e generalização e atividade e linguagem. Asbahr (2014, p. 267) ressalta que, “Para o autor, a linguagem e a ação são indissociáveis e estão unidas geneticamente desde o início do desenvolvimento da criança.”

Nesse caminho, Vigotski (2000[1934]) acrescenta que a relação entre pensamento e palavra deve ser compreendida como um processo, pois modificam e desenvolvem ao longo do desenvolvimento do sujeito. Dessa forma, a palavra deve ser compreendida como um processo, um movimento do pensamento à palavra e vice-versa, formando a palavra.

À luz da análise psicológica, essa relação é vista como um processo em desenvolvimento, que passa por uma série de fases e estágios, sofrendo todas as mudanças que, por todos os seus traços essenciais, podem ser suscitadas pelo desenvolvimento no verdadeiro sentido desta palavra. Naturalmente, não se trata de um desenvolvimento etário e sim funcional, mas o movimento do próprio processo de pensamento da ideia à palavra é um desenvolvimento. O pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza. (VIGOTSKI, 2000[1934], p. 409)

Vigotski (2000[1934]) conclui que o problema da consciência humana é mais profundo que o pensamento, pois, segundo o autor, o pensamento e a linguagem são a chave para compreensão da consciência, ele afirma o vínculo da palavra e da consciência e destaca que a palavra é a expressão mais direta da natureza histórica da consciência humana.

A consciência se reflete na palavra como o sol em uma gota de água. A palavra está para a consciência como o pequeno mundo está para o grande mundo, como a célula viva está para o organismo, como o átomo para o cosmo. Ela é o pequeno mundo da consciência. A palavra consciente é o microcosmo da consciência humana. (VIGOTSKI, 2000[1934], p. 486)

Leontiev (2021[1975], p. 161) diz que “[…] nos significados, está representada a forma ideal de existência do mundo objetal, transformada e convertida em matéria da língua, suas propriedades, conexões e relações, ocultas pela prática social conjunta”. Dessa maneira, os significados são as formas de ação do homem sobre o mundo dos objetos. De acordo com o autor, a formação de conceitos na criança resulta do processo de assimilação de significados já elaborados historicamente na atividade da criança, por meio da comunicação com as pessoas do seu meio.

Segundo Pessoa (2018), os significados se destacam por serem compartilhados socialmente e utilizados como meio de comunicação das pessoas, o que possibilita uma apropriação de conceitos já produzidos e historicamente acumulados. “Dessa forma, o sujeito não necessita vivenciar toda a história da humanidade de modo concreto, mas pode apropriar- se dela por meio das significações sociais compartilhadas.” (PESSOA, 2018, p. 52). A autora acrescenta que, para apropriação do significado, são necessárias relações sociais entre os pares, “[…] não é um processo direto de apropriação, requer uma internalização por parte do sujeito.” (PESSOA, 2018, p. 53)

Não é necessário dizer que, inicialmente, o processo de domínio dos significados ocorre na atividade exterior da criança com os objetos materiais e em contatos simpráxicos. Nos estágios iniciais, a criança assimila significados concretos, imediatamente referentes ao objeto; em seguida, ela domina também operações propriamente lógicas, mas também em sua forma exterior, exteriorizada; de fato, do contrário, essas operações não poderiam ser comunicadas. Depois de serem interiorizadas, elas formam significados abstratos, conceitos e seu movimento constitui uma atividade mental interior, uma atividade “no plano da consciência”. (LEONTIEV, 2021[1975], p. 162-163)

Leontiev (2021[1975]) destaca que, quando os significados passam para o plano interpsíquico, nunca perdem seu caráter social e sua objetividade, reforçando, assim, o caráter social das significações humanas, pois, para que o sujeito consiga se relacionar com o mundo, seguindo para constituição da consciência humana, é preciso que tenha se apropriado das generalizações humanas por meio dos significados sociais.

Trindade (2018) complementa essas idéias, apontando que significado social:

[…] é uma unidade do pensamento com a linguagem, ele não é tomado como produto em si, nem o concebemos como algo que em si constitua/ou determine o funcionamento da consciência. É partindo da objetividade que entendemos o significado social, como uma generalização que sintetiza a unidade pensamento e linguagem e que, por isso, é essencial para a formação humana. (TRINDADE, 2018, p. 97)

Vigotski (2000[1934]) nos diz que os significados, além de terem caráter estável, são produtos históricos, os quais modificam e se desenvolvem no decorrer da vida dos sujeitos, se refletem a partir das relações sociais. Asbahr (2014, p. 268), ao referenciar o autor, nos aponta que os significados “são produtos das condições objetivas que lhe deram origem e refletem a realidade objetivamente existente de um modo especial, por meio da generalização.”

Pessoa (2018, p. 54) esclarece que “[…] os significados existem independentes do sujeito, necessitando serem apropriados por meio da atividade em sociedade e apenas na relação com este arcabouço de produções humanas é que podemos pensar em formação individual.” Essa afirmação permite a compreensão que, por meio da relação do homem com um mundo de maneira mediada, acontece a apropriação de conhecimentos históricos socialmente compartilhados. A autora acrescenta que, quando pensamos na formação humana, temos que pensar que sua constituição é de forma primordial social e que a consciência individual acontece por meio da apropriação dos “significados partilhados” e “objetivações da humanidade”. (PESSOA, 2018, p. 55).

Leontiev (2021[1975], p. 164) ressalta que “[…] a consciência, como forma de reflexo psíquico, não pode ser reduzida ao funcionamento de significados assimilados de forma, que, ao se desdobrar em, dirigem a atividade interior e exterior do sujeito.” Assim, podemos reafirmar que, ao mesmo tempo em que o significado tem uma lógica externa para o indivíduo, também tem uma lógica interna, sem perder seu “caráter objetivo e social” (PESSOA, 2018, p. 55).

Segundo Leontiev, as significações medeiam as relações do homem com o mundo, ou seja, são o reflexo da realidade elaborada historicamente pela humanidade sob a forma de conceitos, saberes ou modos de ação, independente da relação individual que os homens estabelecem com ela. O sistema de significações, embora em eterna transformação, está “pronto” quando o indivíduo nasce, cabendo a ele se apropriar. (ASBAHR, 2014, p. 268)

Dessa maneira, é correto elencar que os significados sociais são conhecimentos elaborados pela sociedade e, na medida em que são apropriados pelo sujeito, constituem a consciência pessoal, por meio do sentido pessoal. Segundo Leontiev (2021[1975], p. 167), “Quando o reflexo psíquico do mundo pelo sujeito individual incorpora produtos da prática sócio-histórica idealizados em significados, eles adquirem novas qualidades sistêmicas.”

[…] O sistema de significações, embora em eterna transformação, está “pronto” quando o indivíduo nasce, cabendo a este se apropriar dele. […] a significação também se constitui como fenômeno da consciência individual, o que não significa que perca seu conteúdo objetivo, que é o conteúdo social. A forma como o indivíduo se apropria de determinadas significações, ou mesmo se apropria ou não, depende do sentido pessoal que tenha para o sujeito. (ASBAHR, 2014, p. 268).

Asbahr (2014) aponta que Vigotski diferencia o significado do sentido. No caso da linguagem interior, o sentido tem predomínio sobre o significado, pois “[…] é a soma de todos os fatos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência.” (ASBAHR, 2014, p. 267). Vigotski (2000[1934], p. 465) diz que “[…] em contextos diferentes, a palavra muda facilmente de sentido. O significado, ao contrário, é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as mudanças de sentido da palavra em diferentes contextos”.

Sendo assim, a consciência individual é mediada pelos significados sociais por meio do acesso das produções humanas, pois, de acordo com Pessoa (2018, p. 56), “[…] os significados que conhecemos são produtos de uma elaboração histórica e social”. Compreender o processo de apropriação de significações sociais implica em compreender a constituição da consciência pessoal.

Nesse caminho, na sequência, iremos realizar uma explanação teórica sobre sentido pessoal a partir dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, para melhor compreensão acerca da formação desse conceito a partir das atividades de estudo.

  1. Sentido pessoal

De acordo com Asbahr e Souza (2014), o sentido pessoal é um conceito fundamental dentro da Psicologia Histórico-Cultural, o qual deve ser entendido a partir da dialética entre atividade humana e consciência. Expressa a relação subjetiva que cada um de nós estabeleceu com os significados sociais e com as atividades humanas. São ações geradoras de motivos de aprendizagem, são atividades que, a princípio, não correspondem ao aluno, mas que levam o aluno a compreender o processo de aprendizagem.

Nesse contexto, o entendimento do conceito dentro dessa fundamentação teórica é extremamente importante, pois nos auxilia a “[…] compreender a formação do ser humano, considerando as particularidades de cada um, por meio da interiorização dos processos sociais vivenciados pelos sujeitos.” (PESSOA, 2018, p. 56). Portanto, a constituição da consciência humana está relacionada com a apropriação das significações construídas socialmente e como consequência estabelecerá o sentido pessoal de acordo com atribuição individual de cada um.

As significações estão, portanto, no campo das produções histórico-culturais da humanidade (consciência social), que ao transformarem-se em consciência pessoal, constitui-se no sentido que o próprio sujeito atribui a essas significações. Embora os sentidos sejam constituídos em determinadas condições sociais e, por isso, reflitam o social no indivíduo, são resultados das vivências pessoais de cada um e, portanto, estão no campo da personalidade. (LONGAREZI; FRANCO, 2013, p. 96)

Longarezi e Franco (2013) nos ajudam a compreender que o sentido pessoal é aquilo que o sujeito se apropria a partir das suas relações com outros e consigo mesmo. Dessa maneira,  as significações sociais ao serem apropriadas pelos sujeitos, serão formadoras de sentido pessoal, pois as condições individuais serão construídas a partir das “condições” (LONGAREZI; FRANCO, 2013, p. 95) da consciência individual.

Assim, o que permite ao homem passar a consciência social para a individual é o seu processo de apropriação dos conhecimentos humanos produzidos anteriormente pelas gerações que o precederam, que ocorre mediante sua atividade em determinado contexto histórico e social. (LONGAREZI; FRANCO, 2013, p. 95).

Como vimos, significado social está intrinsecamente ligado a sentido pessoal e, de acordo com Leontiev (2021[1975]), o sentido se exprime nas significações. A apropriação de significados sociais acontece a partir das relações externas e experiências sociais as quais se constituem em sentido pessoal. De acordo com o autor, em todas as etapas do desenvolvimento histórico, acontece a apropriação da consciência individual por meio de ações conscientes “[…] nas quais é realizada a transição de objetivos em produtos objetivos, e é subordinada a seus motivos.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 169).

Leontiev (2021[1975], p. 170) diz que o que altera a consciência individual é o “[…] caráter das relações que ligam entre si os objetivos e os motivos da atividade”. Assim, o sentido pessoal é aquilo que o ser humano tem para si por meio das suas relações sociais. Vale a pena destacar que as relações são “psicologicamente decisivas” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 170) e que, em determinados casos, a indiferença entre sentido e significado na consciência individual pode constituir caráter alheio ou opositor entre ambos.

A consciência é a realidade apropriada pelo sujeito, a qual se revela nas relações estabelecidas entre sentido e significado. Nesse caminho, Pessoa (2018, p. 59) expressa que “[…] a consciência é o produto da relação entre homem e sua realidade, e os sentidos são o material que permanece ao sujeito como resultante dos conhecimentos que adquire em sua trajetória.”.

Asbahr (2014) referência Leontiev (1978[1975]) para ressaltar que o sentido “é criado pela relação objetiva entre aquilo que provoca a ação no sujeito (motivo da atividade) e aquilo para o qual sua ação se orienta como resultado imediato (fim da ação).” (LEONTIEV, 1978 apud ASBAHR, 2014, p. 268). Pois “o sentido expressa a relação do motivo da atividade com a finalidade imediata da ação.” (LEONTIEV, 1975, p. 215) Dessa forma, é preciso reconhecer seu motivo correspondente, para descobrir o motivo pessoal. Podemos perceber essa relação a partir do exemplo dado pelo próprio autor.

Imaginemos um aluno lendo uma obra científica que lhe foi recomendada. É um processo consciente que visa um objetivo preciso. O seu fim consciente é assimilar o conteúdo da obra. Mas qual é o sentido particular que toma para o aluno este fim e por consequência a ação que lhe corresponde? Isso depende do motivo que estimula a atividade realizada na ação da leitura. Se o motivo consiste em preparar o leitor para sua futura profissão, a leitura terá um sentido. Se, em contrapartida, se tratar o leitor de passar nos exames, que não passam de uma simples formalidade, o sentido de sua leitura será outro, ele lerá a obra com outros olhos; assimilá-la-á de maneira diferente. (LEONTIEV, 1975, p. 104)

Esse exemplo, de acordo Trindade (2021, p. 101), traz um movimento de não coincidência entre significado social e sentido pessoal, pois “a ação de ler o livro pode assumir diferentes sentidos para o estudante, inclusive, sentidos que não estejam articulados com a finalidade inicial proposta pela ação.”.

A respeito disso, Leontiev (2021[1975]), quando explicita que, apesar de aparentemente significado social e sentido pessoal se fundirem nas etapas iniciais da formação da consciência humana, esses termos não têm sua coincidência, o que ganha formas explícitas no decorrer do processo e nos permite a identificação do sentido pessoal como mais um sistema de formação da consciência individual. E os significados não interpretados pela psicologia como algo formado na atividade, no desenvolvimento de sua motivação, porém como algo contido na própria natureza do ser humano.

Digo que os significados são forçados (embora talvez, teria sido melhor dizer que eles “entram” ou são “imersos”) unicamente para aguçar o problema. Na realidade, em sua objetividade, ou seja, como fenômeno da consciência social, os significados refratam para o indivíduo objetos independentemente da relação destes com a sua vida, suas necessidades ou motivos. Mesmo para a consciência de uma pessoa que se afoga, a tábua à qual se agarra continua tendo significado de tábua-ainda que apenas de forma ilusória- adquirisse naquele momento para ele sentido de algo que pode salvar sua vida. (LEONTIEV, 2021[1975], p. 172)

Trindade (2021) acrescenta que atividade humana pode ser concebida como “polimotivada”, pois ela é vinculada a mais de um motivo, afirma também que todo e qualquer motivo determinará as relações que irão compor a atividade. Asbahr (2014) complementa, referenciando esse exemplo de Leontiev:

Leontiev (1978, 1983) faz uma distinção entre motivos geradores de sentido, ou motivos realmente eficazes, e motivos-estímulos, ou motivos apenas compreensíveis. Os primeiros motivos conferem um sentido pessoal à atividade. Na atividade gerada por um motivo desse tipo há uma relação consciente entre os motivos da atividade e os fins das ações. Os motivos-estímulos, diferentemente, têm função sinalizadora e não geram sentido, e assumem o papel de fatores impulsionadores-positivos ou negativos da atividade, podendo-se dizer que são motivos externos à atividade do sujeito. (ASBAHR, 2014, p. 268)

Diante disso, o sentido pessoal atribuído pelo estudante na ação da leitura é condicionado por um motivo específico, o qual é um motivo gerador de sentido. Leontiev (2021[1975]) ressalta que os significados são mais estáveis em relação aos sentidos que se modificam de acordo com a vida do sujeito. Como vimos, o sentido se exprime na significação, então, reafirmamos que o sentido se consolida nas significações e os motivos se concretizam nos objetivos.

[…] o movimento interno do sistema desenvolvido da consciência individual é pleno de dramaticidade. Ele cria sentidos que não podem “expressar a si mesmos” em significados adequados; significados desprovidos de fundamento na vida e, portanto, às vezes, terrivelmente desacreditados na consciência do sujeito; eles são, por fim, criados pela existência de motivos-objetivos conflitantes entre si. (LEONTIEV, 2021[1975], p. 175)

Tem-se uma contraposição na organização do modo de produção da nossa sociedade capitalista, a qual determina a formação da consciência, intitulada de “consciência alienada”. (ASBAHR, 2014, p. 269).

Segundo Pessoa (2018, p. 60), “[…] o trabalho, em uma sociedade de classes, tem para o trabalhador um sentido diferente da ação que realiza, e a executa visando não seu processo, mas seu resultado ou consequência, nesse caso, o salário, configurando-se como motivo estímulo.”

Um operário contratado, é claro, se dá conta de si mesmo no produto por ele produzido, ou seja, este aparece para ele em seu significado objetivo (Bedeutung), ao mesmo nos limites necessários para que ele possa executar racionalmente suas funções de trabalho. Mas o sentido (Sinn) de seu trabalho para ele mesmo se encerra não nisso, mas no salário pelo qual ele trabalha. “Para ele, o sentido da jornada de trabalho de doze horas não está no fato de que ele tece, fia, fura e assim por diante, mas no fato de que ele é um modo de ganhar o salário que lhe permite comer, ir ao bar, dormir.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 170, grifos do autor)

Portanto, em uma sociedade capitalista, o sentido é dado pelo valor da troca de trabalho, ou seja, o sentido pessoal que o trabalho tem para o operário é o sentido que o trabalho tem para essa sociedade. Dessa maneira, a fragmentação, alienação e desintegração da consciência humana é apontada por uma ruptura entre sentido e significado, não ocorre apenas para o indivíduo, mas para sociedade (DUARTE, 2004).

Segundo Asbahr (2014, p. 269), “Essas relações sociais alienadas penetram na consciência dos sujeitos e produzem uma discordância entre o resultado objetivo da atividade e seu motivo, ou em outras palavras, o conteúdo objetivo da atividade não concorda com seu objetivo subjetivo […].”. Dessa forma, reafirmamos que o indivíduo não atribui sentido ao seu trabalho, este é para ele apenas um meio de sobreviver, segundo Pessoa (2018, p. 62): “Para que o trabalho confira sentido às ações, o sujeito deve estar motivado a realizá-la, pelo resultado de seu processo, e não apenas ganhar seu salário […]”.

Dessa maneira, percebe-se que o grande desafio da educação escolar é oferecer aos estudantes aprendizagens com sentido, de forma que se rompa com a fragmentação da consciência humana. De acordo com Pessoa (2018, p. 61), “O sentido é aprendizagem conscientizada pelo sujeito, por isso não basta entender o socialmente compartilhado, mas deve- se realizar uma relação com as significações de modo a apropriá-las para fazerem parte da formação de cada um”.

Entendendo a importância do sentido pessoal e do significado social para constituição da consciência humana, consequentemente, para educação escolar, com o propósito de superar as atividades artificiais e criação de oportunidades e motivos, por meio de conteúdos que tenham sentido, é necessário que o docente estruture a atividade de estudo.

Dessa forma, para prosseguirmos com este estudo, na sequência, falaremos sobre atividade de estudo, no intuito de construir caminhos e reflexões no processo de atribuição de sentido pessoal às atividades de estudo.

  1. Atividade de estudo

Iremos apresentar o conceito teórico de atividade de estudo segundo a Psicologia Histórico-Cultural, portanto, busca-se aqui, primeiramente, apresentar o conceito de atividade humana enquanto processo de constituição dos sujeitos diante da sua realidade objetiva, para, posteriormente, entender como a atividade de estudo desenvolve-se e estrutura- se, com a finalidade de compreensão do processo de atribuição de sentido pessoal por meio dela.

De acordo com os estudos aqui já apresentados, a teoria de Karl Marx, por meio dos trabalhos de autores soviéticos como Vigotski, passou a ser aceita pela psicologia de forma mais plena. Dessa maneira, torna-se importante contextualizar que a teoria da Atividade parte de premissas marxistas, sendo que exprime a importância decisiva da atividade humana para a psicologia, pois Marx promoveu uma reviravolta na teoria do conhecimento, que passou a compreender a prática humana como base da cognição humana (LEONTIEV, 2021[1975]).

Desse modo, reafirmamos a importância da relação pensamento e atividade prática ressaltada por Marx e destacamos a importância dessa nova psicologia na posição de que as ações mentais internas precedem as externas, sendo a personalidade constituída a partir da atividade em conexão com o contexto social e cultural. Pessoa (2018, p. 65) acrescenta que “A consciência humana e a personalidade de cada um serão constituídas nos entremeios provenientes desta atividade, que se estabelece com base nas condições histórico-sociais das quais participa.”

Assim, referenciando-se na concepção Marxista de que o trabalho tem papel central no desenvolvimento humano, Leontiev (2021[1975]) formula o conceito de atividade a partir desse pressuposto. De acordo com o soviético, a real explicação da consciência reside nas “[…] condições sociais e nos modos da atividade que cria sua necessidade na atividade do trabalho”.

Essa atividade se caracteriza por sua materialização, por sua ‘extinção’, segundo a expressão de Marx, em um produto.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 52).

Longarezi e Franco (2013, p. 261) explicam que, dentro da concepção marxista e da Psicologia Histórico-Cultural, a educação tem a atribuição de oferecer condições para apropriação da cultura criada pela humanidade. Os autores destacam que, a partir desta, o homem deve desenvolver sua própria consciência, “pois não se nasce humano, o humano se constrói.”.

[…] a cultura é composta por instrumentos mediadores da relação do ser humano com o mundo. Essa condição mediadora é o que possibilita que sua apropriação resulte em nova qualidade de interação do sujeito com a realidade. Desse modo, é por meio da atividade com essa cultura que os sujeitos dela se apropriam. (SFORNI; SERCONEK; LIZZI, 2021, p. 614).

Leontiev (2021[1975], p. 105) afirma em seus estudos que a atividade constitui-se como um sistema dentro da sociedade e das relações humanas estabelecidas, ou seja, “a sociedade produz a atividade dos indivíduos que a formam”. O autor destaca que a atividade tem um caráter objetal e que a pesquisa científica da atividade exige descobrir a revelação de seu objeto. Ele acrescenta que o objeto da atividade é duplo. Em primeiro lugar, se transforma de objeto para sua forma subjetiva e, posteriormente, acontece a objetivação do objeto, pois “O desenvolvimento do conteúdo objetivo da atividade encontra sua expressão no desenvolvimento subseqüente do reflexo psíquico, que regula a atividade no meio objetivo.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 107).

Sforni, Serconek e Lizzi (2021, p. 613), referindo a Leontiev, afirmam que a necessidade de entender o psiquismo como imagem subjetiva da realidade objetiva, ou seja, como reflexo da realidade, ressaltam que “esse reflexo não dá por uma ligação direta entre o sujeito e o objeto (o concreto), mas pela mediação das significações produzidas socialmente”. Ressaltam ainda que as significações presentes na cultura mediam a tomada de consciência do mundo, sendo que a apropriação da cultura ocorre por meio da atividade e “é por meio da atividade com essa cultura que os sujeitos se apropriam”. (SFORNI; SERCONEK; LIZZI, 2021, p. 614)

Leontiev (2021[1975]), ao explicitar sobre a determinação do psiquismo, destaca Marx e Engels, os quais consideram que a consciência é processo real da vida humana, sendo a vida humana um conjunto de atividades que se “sucedem”. “É na atividade que ocorre a transformação do objeto em sua forma subjetiva, em imagem; além disso, na atividade, se realiza também a transformação da atividade em seus resultados objetivos, em seus produtos.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 103). Essa proposição nos leva a compreender a atividade como meio de constituir sujeitos em sua realidade objetiva, como um processo de transformações entre o sujeito e o objeto, sendo que ambos se correspondem.

O autor destaca que a consciência possibilita objetivar o plano pensado pelo sujeito, sendo o objeto a atividade síntese da significação do seu fazer, sendo compreensível, assim, que o desenvolvimento do psiquismo é processado pelo seu fazer. Elenca também que a atividade é sempre orientada a um objeto, proporcionando mudanças na realidade e, em consequência, no sujeito. Dessa maneira, quando se fala em atividade humana, é preciso destacar as relações estabelecidas com o contexto social e cultural que o sujeito está inserido, com o propósito de compreender também a relação do sujeito com o objeto, pois, como já vimos anteriormente, para Leontiev (2021[1975]), o pensamento das pessoas e sua percepção têm natureza sócio-histórica.

Pessoa (2018), referenciando a Leontiev, ressalta que são as necessidades do homem que fazem gerar e dirigir as atividades, sendo que a atividade predominante em cada etapa da vida do ser humano é a que guiará seu desenvolvimento, ou seja, a atividade predominante que irá responder às necessidades históricas criadas. Sobre a atividade principal, a autora ressalta:“[…] aquela que conduz seu desenvolvimento para as mudanças mais efetivas e importantes para os processos psíquicos de constituição humana” (Pessoa, 2018, p.64). Sendo assim, a atividade principal é aquela que tem maior relevância na vida do sujeito em determinado período da vida.

Continuando com as ideias de Pessoa (2018, p. 65), este ressalta que “A principal compreensão elucidada pela Teoria da Atividade é que o homem é constituído pela atividade que executa em seu contexto”. Nesse sentido, afirma-se que a consciência e a personalidade humana são constituídas por meio das atividades, as quais são apropriadas pelas condições histórico-sociais das quais o sujeito participa; nesse caminho, afirma-se que a atividade é especificamente humana. Assim, “quaisquer que sejam as condições e formas sob as quais as atividades humanas ocorram, qualquer que seja a estrutura que assuma, ela não pode ser examinada descolada das relações sociais, da vida e da sociedade” (LEONTIEV, 2021[1975],p. 65). O autor reafirma a concepção de que, sem as relações, não existe atividade humana. Dessa maneira, é fundamental destacar, mais uma vez, que a Psicologia Histórico-cultural refuta a ideia de fases do desenvolvimento e de concepções biologizantes. Essa vertente psicológica traz nesse caminho a periodização do desenvolvimento com atividades principais a cada período da vida.

Asbahr e Mendonça (2022) também ressaltam o quanto a Psicologia Histórico-Cultural, por meio de Vigotski, traz críticas sobre os esquemas de periodização da época, os quais se baseavam em índices externos e análises rasas. De forma divergente, o autor salientava uma periodização organizada diante do próprio processo de desenvolvimento, pois, como sabido, o desenvolvimento da criança é compreendido por meio de condições históricas concretas e em movimento. Por isso, a importância de refletir sobre os diferentes tipos de atividade e identificar qual a atividade predominante naquele contexto e momento, pois, “[…] em cada período, a personalidade da criança se modifica como um todo.” (ASBAHR; MENDONÇA, 2022, p. 206). Leontiev (2021[1975], p. 123, grifos do autor) traz que “[…] o conceito de atividade está necessariamente ligado ao conceito de motivo. Não existe sem motivo; atividade ‘não motivada’ não é uma atividade desprovida de motivo, mas uma atividade com motivo subjetiva e objetivamente oculto”. Assim, o motivo da atividade pode não ser conhecido ou identificado, mas ele existe de acordo com as necessidades geradas em sociedade.

Dessa maneira, quebrando com as concepções de desenvolvimento humano que partem da perspectiva que o desenvolvimento acontece por fases ou etapas pré-estabelecidas, uma vez que “[…] a necessidade busca ser satisfeita por meio do objeto da atividade e o sujeito, ao apropriar-se deste objeto, transforma sua necessidade em motivo, guiando sua atividade no contexto em que vive.” (PESSOA, 2018, p. 67).

Portanto, a atividade é conduzida pelo motivo que o impulsiona, cabe ressaltar que, para realizar as atividades, temos as ações. De acordo com Leontiev (2021[1975], p. 123), “Chamamos à ação o processo que se vê subordinado a um objetivo consciente”. Dessa maneira, a ação pode ser entendida como “procedimento no qual o motivo não coincide com o objeto, ou seja, ela faz parte para que se alcance a sua finalidade.” (PESSOA, 2018, p. 68, grifos da autora). Sendo assim, entende-se que as ações que realizam a atividade suscitadas pelo motivo, porém serão levadas de acordo com um objetivo.

Suponhamos que a atividade da pessoa seja despertada pelo alimento; este é o motivo. Contudo, para satisfazer a necessidade de alimentar-se, a pessoa deve executar ações que são não diretamente orientadas para conseguir alimento. Por exemplo, o objetivo da pessoa pode ser a construção de instrumentos para a pesca […] (LEONTIEV, 2018,p. 124, grifos do autor)

Pessoa (2018, p. 69), se referenciando a Basso (1998), diz que “as ações têm caráter direcionado e intencional”, pois procuram atingir a um objetivo no sentido de satisfazer a necessidade, afirmando que a ação parte da atividade. Leontiev (2021[1975]) explicita que não existe atividade humana se não na forma de ação ou cadeia de ações. Sabe-se que pode existir uma ação sem motivo, apenas como uma finalidade. O autor nos dá o exemplo de que “a atividade do trabalho existe em ações de trabalho; a atividade de estudo, em ações de estudo; a atividade de comunicação, em ações de (atos) de comunicação; e assim por diante.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 125). Dessa maneira, ele reitera que a atividade só se concretiza diante de condições determinadas.

Além disso, o autor nos diz que uma mesma ação pode gerar e se realizar diferentes atividades, exemplifica que “suponhamos que eu tenha um objetivo chegar a um ponto N, eu faça isso. Compreende-se que esta ação pode ter motivos totalmente distintos, ou seja, pode realizar atividades totalmente diferentes.” (LEONTIEV, 2021[1975], p. 125).

Os estudos de Pessoa (2018, p. 69, grifos da autora) referem-se a Leontiev para explicar que “a ação representa uma qualidade que lhe é própria, com um componente peculiar, que possui métodos e formas de realizações, denominadas de operações, ou seja, os meios pelos quais se realizam as ações.”. E nas próprias palavras do autor, “a ação que se realiza responde à tarefa; a tarefa é o objetivo dado em condições determinadas. Por isso, a ação tem uma qualidade especial, que a ‘formula’ de modo especial, e justamente os modos pelos quais ela se realiza. Eu denomino operações os modos de realização”. (LEONTIEV, 2021[1975], p. 127).

Nesse caminho, temos as ações e operações que se constituem na atividade. Pessoa (2018, p. 70) ressalta que “as necessidades guiarão as ações do sujeito, as quais serão realizadas por meio de operações e estarão ligadas ao motivo que impulsiona a atividade.”. Assim sendo, a autora diz que a atividade é aguçada por uma necessidade e tem um motivo que a impulsiona, porém a realização da atividade humana pode ser dinâmica, podendo acontecer transformações constantes no decorrer do seu desenvolvimento em relação à forma e aos motivos que levam o sujeito a realizar determinadas atividades, ou seja, a atividade ganha ou perde sentidos.

Desse modo, ao referenciarmos a teoria da atividade proposta por Leontiev, vimos como esta se constitui, a necessidade de as atividades serem direcionadas por um motivo formador de sentido. Como vimos, a atividade de estudo é a principal atividade da criança em idade escolar. Assim, é preciso destacar que as atividades de estudo devem ser elaboradas a partir de ações que permitam a construção de sentido pessoal e reafirmar o papel da escola de “garantir que os sujeitos humanos tenham acesso ao conhecimento historicamente acumulado e aos modos de produção desse conhecimento.” (ASBAHR, 2014, p. 270).

Nessa perspectiva, na sequência, tomando como ponto as discussões até aqui realizadas e o objetivo deste trabalho, discorreremos sobre a atividade de estudo, no intuito de compreender o processo de atribuição de sentido pessoal nas atividades de literatura nos três primeiros anos do Ensino Fundamental.

Sforni, Serconek e Lizzi (2021), a atividade de estudo, de acordo com a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, é o meio pelo qual os alunos se apropriam dos diferentes conhecimentos que compõem o currículo escolar. De acordo com as autoras, esse processo psíquico é extremamente relevante, pois essas atividades são promotoras de desenvolvimento humano, ou seja, são responsáveis pela formação da consciência e da personalidade da criança na fase escolar. Assim, dizem que, para se compreender essa relação entre atividade e o desenvolvimento dos processos psíquicos, considera-se as ideias de Leontiev, do psiquismo como reflexo da realidade, como a imagem subjetiva da realidade objetiva.

Já Mendonça (2019) traz que os teóricos da Psicologia Histórico-Cultural caracterizam a atividade de estudo sendo aquela em que o sujeito da atividade é ao mesmo tempo sujeito e objeto dessa atividade, já que constituem novas capacidades psíquicas e possibilitam novas relações com os objetos e os sujeitos, resultando em auto transformações e novas possibilidades para o desenvolvimento humano. Para Puentes (2019, p. 129), a atividade de estudo é “expressão da unidade constitutiva da atividade docente, que inclui tanto o trabalho didático do professor quanto a autotransformação dos alunos.”

Segundo Asbahr e Mendonça (2022), para compreensão da atividade de estudo de forma integral, não se pode apenas analisar as ações de estudos, mas também se torna essencial desvendar o conteúdo interno. Portanto, é preciso que se examine a constituição dos motivos para a atividade, ou seja, qual o sentido pessoal atribuído pela criança a essa atividade, “pois o processo de conscientização dos conhecimentos é dependente do sentido.” (ASBAHR; MENDONÇA, 2022, p. 212).

Para que o sujeito possa se conscientizar do objeto, aquele deve ocupar na atividade realizada um lugar estrutural determinado e constituir-se como objeto de sua ação. Nessa perspectiva, ressalta-se o papel do motivo da atividade de estudo para a criança para que se assegure a atenção e a conscientização do objeto de estudo. No caso da atividade de estudo, a conscientização de um conteúdo depende do seu lugar estrutural dentro da atividade do sujeito. Ou seja, só se conscientizam os objetos das ações que fazem parte da estrutura da atividade. (ASBARH, 2014, p. 270)

A partir dessas preposições, elencamos que, por meio da atividade de estudo executada, o homem se constitui. Nesse caminho Asbahr e Mendonça (2022) destacam o papel da escola no desenvolvimento e autotransformação das crianças: “É a partir do processo de escolarização que a criança pode aprender, de forma planejada e sistematizada, as diversas formas de consciência social produzidas historicamente pela humanidade.” (ASBAHR; MENDONÇA, 2022, p. 208-209)

Segundo Asbahr (2016), nem todas as atividades escolares consistem em uma atividade de estudo, o que indica que estas devem apontar fins que sejam condizentes com os motivos das atividades, as quais devem constituir ações mentais em que os conhecimentos mentais se assentam e a apropriação de diferentes formas de consciência social e cultural. A autora complementa que “quando a atividade de estudo não tem sentido real, conectado aos motivos do próprio sujeito, a atividade torna-se formal, meramente reprodutiva.” (ASBAHR, 2014, p. 271).

A partir das preposições de Pessoa (2018), destacamos que as atividades precisam ser planejadas e executadas de maneira a promover sentido para os professores e os alunos no processo de escolarização, de modo a superar fragmentações impostas pelo sistema capitalista. Também é importante considerar que a atividade docente deve ser composta por ações e que esta deve estar ligada a um motivo, sendo que ações referidas como atividade devem corresponder às necessidades que geram o motivo, promovendo sentido pessoal à ação docente e ao processo de aprendizagem.

Asbahr (2016) reafirma que não é qualquer ação que compõe a atividade de estudo, estas constituem apenas se seus fins forem condizentes com os motivos da atividade. A autora também enfatiza a importância do professor no processo de formação da atividade de estudo. Segundo ela, ele tem o papel central na organização das tarefas, na mediação durante a realização das tarefas, no controle e na avaliação.

Percebe-se, assim, que a atividade de estudo não se forma naturalmente, de modo que, ao longo de seu processo de constituição, espera-se que cada vez mais a criança adquira autonomia, tornando-se sujeito de sua própria atividade. Compreender tal aspecto, além de fazer frente a visões maturacionistas e biologizantes do desenvolvimento, ainda se mostra extremamente relevante ao trabalho da/o psicóloga escolar em sua parceria com as/os professoras/es, dado que permite um melhor entendimento acerca do processo de formação da atividade de estudo em cada estudante em particular, o que, por sua vez, possibilita a criação das condições necessárias ao seu desenvolvimento. (ASBAHR; MENDONÇA, 2022, p. 211)

Asbahr (2020) acrescenta que o interior da educação escolar deve compreender para que se ensina, levando em consideração que a atividade de estudo não visa à formação apenas de forma formal, é preciso colocar os conhecimentos adquiridos na escola em movimento e relacioná-los com a realidade. “Tem em vista, portanto, que os sujeitos reconheçam em si, nos outros e nas produções e nos objetos da cultura sua essência humana, criando condições para um processo de emancipação coletiva.” (ASBAHR; MENDONÇA, 2022, p. 216).

[…] os conhecimentos sistematizados resultam e são meios de atividade humana no domínio de procedimentos socialmente elaborados de orientação do mundo, espera- se que esses conhecimentos, por meio da atividade de estudo, convertam-se em meios da própria ação mental do estudante na sua relação com o mundo, requalificando sua imagem subjetiva da realidade objetiva. (SFORNI; SERCONEK; LIZZI, 2021, p. 617)

A partir desses aspectos, podemos afirmar que a atividade de estudo pode ser importante para mudanças no processo de escolarização. Asbahr (2022, p. 217) reafirma essa proposição dizendo “que a atividade de estudo pode ser uma importante ‘ferramenta’ de combate e de compreensão do fracasso escolar.”.

Smolka (2009), em comentário na obra de Vigotski (2009), destaca que:

O conceito de atividade tem raízes no materialismo histórico-dialético de Karl Marx e está relacionado às bases materiais da existência. Refere-se à atividade especificamente humana, conscientemente orientada, que só se tornou possível no âmbito das relações sociais. E emergiu na história dessas relações; é mediada por instrumentos e signos. Vigotski esteve interessado em investigar a atividade psíquica do homem como base nos princípios do materialismo histórico-dialético. Distanciado de uma visão naturalista ou estritamente cognitiva da natureza humana, ele realça o potencial gerador e transformador da atividade criadora, que possibilita ao homem planejar, projetar e construir suas próprias condições da existência. (VIGOTSKI, 2009, p. 21)

Dessa maneira, levando em consideração as preposições teóricas aqui apresentadas, defendemos atividades escolares que tenham sentido pessoal para o educando, as aprendizagens devem ser conscientizadas, sendo que é preciso um planejamento intencional do professor, com significado social. Portanto, destacamos o papel da educação para a ampliação das funções psicológicas superiores e um ensino que faça sentido, o qual forneça condições para superação das dificuldades encontradas no processo e de apropriação da consciência.

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